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Sumério déste nimero EDITORIAL: Décimo Primeiro Antversério do I. B. G. KE. — VIRGILIO’ CORR&A FILHO (pag. 238). COMENTABIO: As Unidsdes de Trabalho e suas Aplicagtes Pritieas — Prof. DELGADO DE CARVALHO (pag. 235). TBANSCRICOES: Felotes Fisicas ¢ Geoldgicas do Parani — EUS#BIO PAULO DE OLIVEIRA (pag. 241). — Investigapses sbbre os Tipos de Povoamento no Estado de Séo Paulo — PIERRE DEFFONTAINES (pig. 249). RESENHA E OPINIOES: ContribuicSes de americanos para o conhecimento do solo do Brasil (pag. 258). — Pelo Brasil unido: limites, Territ6rios Federais c simboles naclonais em face da Constituico de 1M6 (pég. 259). — Aspectos econdmices da dominacio lusitans na Amas6nis (pig. 262). — Cepancma ¢ os sambaquis (pig. 274). — 0 rancho dos gatchos brasiletros © uruguaios (pég. 275): CONTRIBUICAO AO ENSINO: Fronteira com 0 Pera — Cel. RENATO BARBOSA RODRI- GUBS PEREIRA (pig. 278). — A Pesquisa Cientifin © © seu Desenvolvimento no Brasil — Prof. J. COSTA RIBEIRO (pg. 286). TERTOLIAS GEOGRAFICAS: Centésima trigésims quinta tertélis, realisads = 1¢ de malo de 1987 — “O Parque Nacional do Itatiais — Aspectos © consideracSes gerais em térno do sua naturesa © de sus tarefa” (pig. 300). NOTICIARIO: CAPITAL FEDERAL — Presidéncia ds Repblies — Fundacio Brasil Central (ig. 307). — Instituto Brasileiro de Geografia © Estatisticn — Conselho Nacional de Estatistion (pdg. 907). — Conselho Nacional de Geografia (pig. 308). — Ministérlo da Agricultura (pég. 309). — Ministério da Educacho © Safide (pég. 309). — Ministério das Relacées Exteriores (pég. 309). — INSTITUICOES PARTICULARES — Centro Carioca (pag. 810). — Instituto de Colonisacio Nacional (pig. 310). — Instituto Histérico e Geogrifico Brasileiro (pég. 811). — CERTAMES — Conferéncia da U.N.E.8.C.0. (pég. 311). — UNIDADES FEDERADAS — Bahia (pig. 311). — Minas Gerais (pég. 311). — Parand (Pag. $11). — Bio de Janeiro (pag. 312). — Sho Paulo (pig. 312). — Territério Federal do ‘Bio Branco (pag. $12). RELATORIOS DE INSTITUICOES DE GEOGRAFIA E CIRNCIAS AFINS: Relstério do Preat- dente do I. B. G. E. — Conselho Nacional de Geografia (1945) (pig. 313). — Relatérios dos Representantes Estaduais Apresentsdos & VII Reuniko Ordinéria da Assembléia Geral do C. N. G. — Sante Catarins (pig. 822). BIBLIOGRAFIA: REGISTOS E COMENTARIOS BIRLIOGRAFICOS — Livros (pig. $27). — Periédicon (pég. 229). — Contribuicko bibliogrAtica especialisada — Anais da Assoclacio dos Gebgratos Americanes (pig. 830). — RETROSPHCTO GEOGRAFICO E CARTOGRA- FICO — Revista do Instituto Histérico e Geogratico (pig. 386). LEIS E RESOLUQOES: LUGISLACAO FEDERAL — Ementérlo des lels © decretos publicados no periodo de 11 de fevereiro = 10 de margo de 1947 (pég. 340). — fntegra da legislacko de Intorésse geogrético — Leis (pig. 48). — Deeretos legisiativos (pig. 343). — Decretes (pag. 348). — Atos diversos (pig. 360). — RESOLUCOES DO INSTITUTO BRASILEIRO DB GEOGRAFIA E ESTATISTICA — Conselho Nacional de Geografia — Diretério Central — Intogre das Resolugées ns. 268 2 270 (pig. 362). — Diretérlos Regionals — Séo Paulo — Integra das Besolugdes ns. 53, 54, 58, 57 © 88 (Dég. 364). * Boletim Geografico Ano V | JUNHO DE 1947 | Ne 51 Editorial Décimo Primeiro Aniversario do L.B.G.E. O Instituto Brasileiro de Geogratia e Estatistica, ao completar o seu 11° aniversério, trouxe mais uma vez ao exame dos sabedores a sua organizacéo éspecial e as atividades que vem desenvolvendo, ainda antes de ter adquirido o titulo atual. Era apenas Diretoria de Estatistica do Ministério da Educagao, quando pleiteou a “decretacao do estatuto organico da estatistica brasileira”, conforme indicaria o respectivo diretor, M. A. Teixeira de Freitas, em anteprojeto, do qual derivou o Instituto Nacional de Estatistica, criado por decreto de 6 de julho de 1934. Inaugurado a 29 de maio de 1936, apressou-se em promover a cooperacao das entidades que Ihe pudessem garantir o éxito dos empreendimentos futuros. Reunidos a propésito, os delegados dos Governos da Unido e das Unidades da Federacéo — os Estados, o Distrito Federal e o Territério do Acre — exa- minaram as bases, que Ihes foram apresentadas, e apds cuidadosas discussées, tendentes a torné-las mais facilmente exeqiiiveis, assinaram, a 11 de agésto seguinte, a Convengao Nacional de Estatistica, pacto fundamental da “Coorde- nagdo da estatistica brasileira”, que os referidos Governos confirmaram poste- riormente, por meio de leis. O funcionamento de tal érgao acentuou ainda mais a caréncia do seu com- plemento indispensével, de que tratou decreto ulterior, de 24 de marco de 1937, a0 criar o “Conselho Brasileiro de Geografia, encorporado ao Instituto Nacional de Estatistica” . Por expressiva manifestacao de vitalidade, abriram-se, ao mesmo dia, 1.° de julho, as duas Assembléias Gerais, que deliberariam, de comum acérdo, unifor- mizar a nomenclatura, pois que ambos os ramos adotavam o mesmo principio de cooperacao, de 4mbito nacional, e regiam-se por anélogos dispositivos legais. Cada ala tomou o nome de Conselho Nacional: de Estatistica, um, de Geo- &rafia, outro, articulados pelo comum elo, representado pelo Instituto Brasileiro de Geofgrafia e Estatistica, de harmonia com o que preceituou decreto de 26 de janeiro de 1938, homologatério das Resolugées das Assembléias Gerais. Assim se constituiu 0 organismo geogrético-estatistico, mais tarde acrescido com a incumbéncia censitéria, a cuja execugéo ambas as alas permanentes deveriam prestar auxilios valiosos. Dilataram-se-lhe progressivamente as tarefas, A medida que demonstrava maior capacidade realizadora. 344 ,BOLETIM GEOGRAFICO Assim, na ala geogrética, iniciada com a impressionante campanha de, mapas municipais, a determinacao de coordenadas, de altitudes, as excursées de estudos, as expedicées cientificas, a uniformizacdo da Cartografia Brasileira, esti- pulada por decreto de 29 de abril de 1946, a elaboracéo da Carta Geral, a publicagaéo da Revista Brasileira Ue Geografia, do Boletim, e obras avulsas, despertaram aplausos'dos especialistas, assim patricios, como estrangeiros. Da apreciagéo geral do estérgo desenvolvido, 6 prova a escolha do seu secretério-geral, Christovam Leite de Castro, para a presidéncia da Comisséo de Geografia, que Ihe coube instalar, por determinagao do Instituto Pan-Americano de Geografia e Historia, de que é uma das ramificagées técnicas. No tocante 4 Estatistica, ainda mais avultam as contribuigdes para o melhor conhecimento do pais expressas em niimeros elogiientes, além de imprimir-lhe novo conceito, acorde com a sistematizacao cientifica, enaltecido em mais de uma oportunidade. Os Anuarios, cuja tltima edicéo, de 1946, aflorou justamente na data aniverséria, recheiam-se de informes precisos e atualizados, que evidericiam © esméro da elaboragdo, assim como o Boletim Estatistico. Para completé-los, o Instituto houve mister de estender as suas atividades até as paragens mais remotas, por intermédio das “Agéncias Municipais”, sem descurar a sua ligacéo com as organizagées congéneres no estrangeiro. Destas recebeu os testemunhos do melhor apréco, mais de uma vez re- novados . Assim foi que _o VIII Congreso Cientitico Americano, reunido em Washington, o II Congreso Interamericano de Municipios, realizado no Chile, proclamaram-Ihe a exceléncia da organizacéo e funcionamento, de que resultou a eleicao do seu secretério-geral, M. A. Teixeira de Freitas, para a primeira presidéncia do Instituto Interamericano de Estatistica, como também mais recentemente para a Comisséo de Estatistica da Organizacao das Nagées Unidas. Andlogamente, os servigos censitérios de 1940, sabiamente dirigidos por J. Carneiro’ Filipe, vao aos poucos revelando aspectos verdadeiros do pais, em comunicados devidamente seguidos de comentérios intérpretativos, que thes aumentem a valia, E destarte o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica, a0 comemorar o seu 11.° aniversério, pode aceitar, como imperativos de justi¢a, os aplausos que Ihe foram dirigidos. VirciLio Corrfa FILHO Chefe da Seco de Documentacto doc. N. G. Comentério As: Unidades de Trabalho e suas Aplicagées Praticas Prof. Dgtcapo DE CARVALHO Membro do Diretério Central do C.N.G. Poucas disciplinas variam mais rapidamente do que a Geografia. & verdade que para assistirmos 4 evolucdo geoldgica, seria necess4rio esperarmos milheiros de anos; mas, refiro-me, aqui, & Geografia Humana, Politica e Econémica principalmente. H4 dias ainda, encontrava um amigo saindo precipitadamente de uma livraria com uma geografia debaixo do braco. A meu espanto, respondeu que ia diretamente para casa ler a geografia antes que se tornasse antiquada. De fato, os modos e as modas, em Geografia passam com a rapidez dos chapéus de senhora. Felizmente, porém, nfo h& apenas elementos transitérios no estudo da Geografia — ha interésses permanentes, e é sébre éstes que eu desejaria basear © que chamare! unidades diddticas ou mais simplesmente unidades de trabalho. Todos nés sabemos que a atividade escolar é uma experiéncia a que se entrega o estudante no intuito de adquirir um conhecimento, uma opinigo de pelo menos um modo de ver e uma atitude em relagéo a uma ordem de cousas. Mas a utilidade destas cousas, o que a respeito delas se pode saber e fazer, constituil outro aspecto da mesma questéo: é o que podemos chamar o objetiva ou os objetivos da atividade escolar. . Sabemos também que se atividade escolar é sinénimo de experiéncia, a sua realizagéo comporta uma grande variedade de modalidades; ieitura e estudo, atenc&o & palavra oral, elaboracao de planos, raciocinio (bem entendido), manipulacdo, desenho e execugféo. Isso tudo é que, na verdade, constitul a experiéncia. Entretanto, s6 no século atual, quando a educagio foi definitivamente iden- tificada & vida, é que passpu a ser considerado o curriculo como um programa de experiéncias. Nestas condigdes, pergunto eu: “Se uma disciplina do curriculo, como a nossa, deve obedecer a um certo nimero de experiéncias ou mesmo experimen- tacdes, julgadas necessdrias e satisfatérias, nao parece evidente que um certo valor, uma determinada énfase seja atribuida a cada uma delas?” As divisdes de nossos compéndios em capitulos, suas subdivisdes em seccdes, so modos de dosar a matéria do ensino. Esté certo. Mas existem unidades de atividade-experiéncia existem unidades didAticas que eu chamarei de unida- des de trabalho. A cada uma delas corresponde uma série de propésitos, de atitudes em face de cousas a aprender e a fazer. Evidentemente, quando se trata de compéndio, de livro, o térmo experiéncia parece, 4s vézes, em contradic&o com o proprio ‘uso do livro, tide por teérico. N&o acontece isso, entretanto, se em vez do térmo. usarmos a expressio unidade de trabalho, ou simplesmente unidade, que abrange, como vemos, observacio, leitura, discussio, palavra do mestre, desenho e execug&o. N. da R. — Palestra realizada no Curso de Geografia Geral e do Brasil, da Universidade do Ar, irradiada pela P.R.A.-2. 286 BOLETIM GEOGRAFICO O programa de Geagrafia de 1931 nao contém explicitamente a nogéo de unidade de trabalho, mas, na sua interpretagdo, o uso destas unidades € possivel e recomendavel, como passarei a explicar. rig Lomsideremes, como exemplo, a primeira série déste programa: a Geografia Vamos dividi-la em unidades de trabalho, mas notemos preliminarmente que, em cada unidade, um perfodo de estudos variando de uma a cinco semanas deve ser previsto e, por conseguinte,-deve haver para esta unidade: 1.9 — Objetivos determinados, claros. 2.9 — Processos de trabalho aconselhévels. 3° — Material e aparelhamento ,geografico. 4° — Uma distribuigao da matéria no tempo: 5° — Referéncias, bibliografia, indicagdes, etc. Uma unidade corresponde, por conseguinte, a um periodo mais ou menos longo, durante o qual existe um propésito especifico, dentro do propésito mats geral de adquirir conhecimentos sdbre a matérla. Este propésito, e téda insis- téneia sobre isso sera pouca, éste propdsito deve ser conhecido do professor e dos alunos, deve ser discutido e nunca perdido de vista. Assim, pols, deve estar também presente ao espirito de todos, a distribuic&o do trabalho dentro da unidade, digamos, os pontos do programa tidos por capitals e discutidos como tais. Quanto aos processos, utilizados no periodo da unidade, podem ser os mesmos do periodo da unidade anterior ou podem ser diferentes: tudo depen- der& do campo estudado, das oportunidades. Em estudos de terrenos e solos, rochas podem ser trazidas 4 escola pelos alunos; em estudos de cosmografia, seria exigéncla pedir que trouxessem aerdlitos e bendengés de casa. J& se vé que as unidades didaticas nao podem ser feitas As cegas, apenas subdividindo um programa em paragrafos por meio de tracos vermelhos. Se assim for feito, as unidades nao terao nem significagdo, nem vida. ‘As qualidades de uma unidade devem ser, antes de tudo, um propésito aatit — reprodueao mais perfeita possivel da realidade — a utilizag&o do material, tal qual se apresenta na vida de todo$ os dias — uma oportunidade de experiéncia direta — uma possibilidade de cooperacao, de trabalho em conjunto, com suges- toes reciprocas, discussoes e interpretacdes pessoais — uma turma para elabo- ragéo de planos — informacées claras e completas, quanto possivel. Na primeira série, ora em exame, o programa acertadamente exigiu uma base de Geografia Fisica, destinada a’ dar significagéo real aos conhecimentos posteriores da Geografia — & éste o propésito geral. Lembremos, de passagem, que foi a primeira tentativa feita entre nés para agabar com a Geografia — nomenclatura, limitada a mnemotécnica, causa principal da aversdo, que, durante geragdes comprometeu a Geografia aos olhos dos educandos. ‘Vejamos agora, dentro déste propésito geral, quais os propésitos especificos ao redor dos quais deverio ser organizadas as unidades de trabalho. 1.8 Unidade — A Terra considerada como parte integrante do Universo insistindo sébre as explicagOes reciprocas que um pode dar do outro. IL®-Unidade — O conceito geografico de “relévo” e sua relatividade quando comparado a extensio e outras ordens de grandeza. IIL® Unidade — A “erosdo”, suas diferentes modalidades de ataque as formas geograficas e a nocao de ciclo vital das Aguas correntes. IV8 Unidade — As “massas de ar” e suas feigdes caracteristicas — signi- ficagéo de seu perpétuo movimento. V.8 Unidade — O ambiente de vida sébre a Terra como sintese de tédas as influéncias césmicas. VL* Unidade — Os processos individuais de observagio e de experimentagéo em Geografia. COMENTARIO 290 Tais sio, em suma, as seis unidades de trabalho que gbranger tr integralmente © progrgma da primeira série — indicando pelo seu titul ‘unstanciado os objetivos visados no periodo correspondente a seu estudo 7 descrig¢ao mais detalhada destas unidades ser& feita na préxima palestra) Por enquanto, limito-me aqui a lancar a idéia, submetendo A meditagao o seu“valor metodolégico. Varios educadores norte-americanos tragaram planos de unidades de estudo. Cito ao acaso: Harold Rugg, Charters, Harrap e _ nosso amigo Preston James chama isso de grupos, sao unidades, em Tealidade. a Universidade do Brasil, o professor Luis Narelso de Matos adotou, no curso de did&tica que dirige, a escolha de unidades como processo de traba- Tho em aula. Resulta esta sua orientacio da influéncia marcada que teve na sua formacao a sua estada nos Estados Unidos. Julgo muito importante para nés a diretriz que vai dando o professor Luis Narciso a seu curso de metodol 9 visto que esté-se*preparando na Universidade, sob He sua responsabilidade, uma ae de profess6res de Historia e Geografia adog&o de unidades que recomendo aqui'é apenas um plano de organlzagto do pensamento, para por idéias em ordem e hierarquia. . Quantas vézes nfo encontramos, em perfodos de mudanca ou em outras circunstaneias, um amontoado de livros transportados e depositados no soalho da sala que vai servir de biblioteca. Sdo+livros de tédas as céres, de todos os tamanhos, sébre assuntos os mais diversos: gramAtica, poesia, geografia, Adolfo Hitler e medicina; o espirito mais elementar de ordem aconselha separd-los imediatamente, lmp4-los e colocé-los nas estantes. Pois ai esté o problema: nés também, em cada série de Geografia, que representa uma. estante, precl- samos recolher os pontos, limp4-los, isto 6, tornaé-los bem definidos e Gros, colocé-los no seu lugar preciso, dando a uns e a outros o seu devido valor gducativo. S6 assim estario sempre em condigées de nos prestar servico. Se for deixada uma geologia ao lado de gramaticas ou de livros de reteitas culiné- rias ficaré esquecida no momento em que fér necessiria. As cousas que devem oportunamente servir juntas para as nossas atividades devem ser preliminar- mente pensadas juntas. Ha uma hierarquizacéo no pensamento também. Nosso espirito é uma biblioteca fila eficiéncia depende ‘muito da ordem em que nela dispusemos os elementos iteis. Ora, para isso, servem exatamente as unidades de trabalho que nos levam a colocar em lugares acertados, na escala dos conhecimentos 0 que requeiram 08 nossos objetivos e, portanto, a pensar juntas as cousas que vao servir juntas, segundo idélas-diretrizes maduramente escolhidas e meditadas. Veremos, pois, quais os elementos permanentes da Geografia, os interésses duradouros que nela encontramos, fixando bem qual a parte superficial, varidvel, transitéria, que, apesar de importante, nfo constitul o essencial e pode ser adquirida a qualquer momento, & ultima hora mesmo, fustificando assim aquéle aluno da quarta série que nao sabla a licdo sObre limites de uma das. grandes poténcias, porque nao tinha tido tempo de ler os jornais da manha. Como j4 mencionel, cada uma das seis unidades supée objetivos, processos de trabatho, material ¢ aparethamento, distribuigdo de matéria e referéncias. Em cada unidade de trabalho, ha uma idéia-diretriz, que nunca deve ser one de vista. Ela figura no’préprio enunciado da -unidade, como uma **pxaminemos a 18 unidade: seu titwlo-programa é “Terra como parte inte- grante do Universo”. Tédas as palavras desta proposicio precisam ser meditadas, tanto pelo professor que explica, quanto pelo aluno que se presta & aie Em primeiro lugar, estudemos os objetivos que nos podem ser propostos — a) Situar a Terra no Universo, entre os diversos sistemas solares, ‘paastindo sobre fato de nosso sistema ser apenas um déstes numerosos sistemas e, nem por isso, dos mais importantes; b) Mostrar as condigdes césmicas da ‘Terra como constituindo um caso varias vézes repetido, com alteragdes nas proposigoes dos elementos em jégo. O estudo da permeabilidade, por assim dizer, dos dife- 238 : BOLETIM GEOGRAFICO rentes Plansias tem éste objetivo em vista. A nogiio de astros vivos e , astros mortos ai esta’ diferenciacéo e nos classifica na série astronémica; c) Procurat ‘martes presente no espirito dos Cael o fato da fisica terrestre encontrar na mecdnica celeste e na fisica do Universo os principios funda- mentais que a regem. Em segundo lugar, estudemos os processos que podem ser usados; lembrémos shmariamente: a) Chamar a atencdo dos alunos sdbre fatos conhecidos pela observacao individual, pela propria experiéncia dos jovens, pelos conhecimentos adquiridos por informagéo casual — precis4-los, diferi-los, sistematizi-los € _ ‘los soiree no dominio dos conhecimentos cientificos. & Cee que, se Universo, @ menor discussdéo provocaré ‘pergunt sdbre as distancias que nos separam. dos astros principais. Os nimeros indispensdveis ser&o_considerados ent&o nfo como nomienclatura a decorar, mas como auxilios *razéio e 4 imagi- pare. levados pela curiosidade; pois no é a curiosidade o principio da ciéncia ? ‘Promover a contribuicao pessoal por meio ‘de recortes, gravuras, Patgos mapas, amostras e outros objetos — comunicagées espontaneas, em suma. Imaginemos o resultado: se, nos dias que seguem, uma bela noite estrelada se prestar & contemplacdo, que prazer fntimo nao teré o aluno de observar, de dar conscientemente uma interpretaco sua aos mundos que se revelam’ na -sscuriddp dos céus ! Que orgulho néo teré éle de ver tudo isso através, das explicagSes que nossa, pobre ciéncla humana Ihe teré apresentado! Que boas Gisposigoes do teré @le para “ouvir estrélas”.. Em terceiro lugar, vejamos o material indlepensével, além do compéndio de geografia fisica ou de cosmografia elementar. Necessitaraé o mestre de um atlas, de um planisfério, de um telirio. Se a escola comportar um aparelho de Foucault, um aparelho de Plateau. Os mapas auras 2 serfo utilissimos para explicar as posig6es relativas e as feigdes caracteristicas do Sol, da Lua, Pas planetas. Mas também de grande vantagem sera o livro ou caderno de exer- cicios priticos, gracas ao qual, o aluno se exercitar4 na interpretacao dos desenhos esqueméticos da Cosmografia. Se na sala-ambiente tiver sido tragado no teto o equador. celeste, o trépico e 0 zodiaco, a localizagéo das principais constelagdes se far& aos poucos, acos- tumando-se os alunos @ cotejar representagdes e realidades observadas & noite. Isso nos leva, ao quarto ponto que se refere a distribuig’o e dosagem da matéria. & provavel que a maioria dos professéres de Geografia dedicarao mais ou menos seis semanas ao estudo desta unidade de trabalho.. Poderé ser distribuida a matéria em trés tépicos evidentemente desiguais: a esfera celeste e o Sol — a Lua — a Terra no espacgo. Mas cada um representa um exemplo de uma ordem do Universo: entre as estrélas, o Sol; entre os planetas, a Terra; entre os satélites, a Lua. Quanto ao quinto ponto, As referéncias, citémos apenas uns poucos autores: Cruls — Atlas Celeste; 0 Atlas do Instituto Agostini do Brasil; as Préticas de Geografia de Raja Gabagiia e os Exercicios e Prdticas de Geografia de minha lavra em que fiz sérias tentativas de vulgarizacio, por meio dé desenhos, se nfo animados, pelo menos animadores, na medida do possivel, Pego desculpas de falar em minhas elucubragées. Saibam todos que tenho horror & publicidade; um amigo a quem confessava éste horror, ensinou-me um remédio que nao usei, apesar de facil consistia em nada mais publicar.. As profissoes humanas tém suas exigéncias, impéem atitudes. Até um pick- pocket tem atitudes profissionais, como aquéle a quem um juiz, admirado de tanta habilidade manual, pedia, no tribunal, algumas explicagées: “Senhor, juiz, respondeu com dignidade o pickpocket, eu costumo cobrar 50$000 a licéo". Peco perddo de estar saindo, um pouco, do meu assunto. Meu plano niéo oo de examinar sucessivamente as seis unidades de trabalho em que dividi o grama da 1.8 série secundaria. Vou, entretanto, estudar outro exemplo, a ‘egunda A caret cujo titulo proposto é O conceito:geografico de relévo € sua COMENTARIC 29 Desde que a Geografia é 0 estudo da Terra em relaco ao interésse que Pode oferecer ao homem, é evidente que 6 sdbre relatividade que devemos basear 0s conceitos que sobre ‘ela formamos. Uma destas relatividades é a de seu relévo. Mas notemos bem, os nossos alunos ndo estéo em condigdes de a] ler satisfatériamente nossos ‘ensinamentos sobre relévo, enquanto por curiosidade, necessidade e experiéncla prépria no se tiverem capacitado desta relatividade. Ora isso sup6e n&io apenas uma descricéo do que é relévo, mas também uma explicagao do “porque 6”, do “como se produziu”. Dai decorrem, @ meu ver, os objetivos desta segunda unidade de trabalho. ‘Vejamos éstes objetivos capitais: a) Apresentar hipdteses aceitaveis que expliquem as transformagées sucessivas do globo para sua atual situac&o, com © aspecto que hoje lhe conhecemos. ») Familiarizar o estudante com a nog&o de tempo, em matéria de evolucio geolégica das formas do terreno. Teré que pensar e raciocinar com unidades de tempo totalmente diversas do ano de 365 dias e se acostumar com o concelto de duragées relativas das diferentes eras. c) Fornecer explicagdes elementares sobre os processos que elaboraram as felgdes matores do relévo, introduzida a nogio do ciclo vital no estudo das formas. Sem mais comentarios, passemos aos processos aconselhaveis nesta unidade de trabalho: 1) Procurar por meio da terminologia, precisa e clara, dar uma idéla das diferentes fércas tangenciais e radicais que entram j6go na formacéo de relévo. Eu admito que ainda deixam a desejar as classificagdes de montanhas que foram tentadas, nas ressdes como fratura, dobramento, sinclinal, acumu- lag&o etc... precisam ser nitidamente definidas. 2) Manter por meio de exemplos conhecidos ou tipicos, a imagem visual do tipo de relévo em discusséo. 3) Localizar os exemplos nos mapas é precaucdo indispensdvel. 4) Promover contribuigées pessoais por mefo de gravuras, postais, rochas, minérios e outros objetos. Quanto ao material, além dos atlas e cartas, precisamos aqui de blocos — , talvez de modelagem, porém nfo do tipo comum na escola priméria. Precisamos principalmente do uso do lépis ou do giz, no papel ou na pedra para perfis e cortes hipotéticos. Sio indispensaveis, sinto muito ter de repetir, exercicios praticos para cépias e decalques de desenhos. Eu posso afirmar, por experiéncia prépria, que os alunos rapidamente tomam interésse nestes desenhos se prontificam a executd-los. Por fim, quanto & distribyicéo do tempo — julgo que éste item do programa comporta cérea de oito semanas. O topico distribuicdo das terras ¢ mares € uma preliminar apenas. O estudo das eras geoldgicas, visto a sua importancia, deverd. ser mais demorado. O mesmo se dard com as formas do relévo. Eu indicarla como referéncias para os professéres que preparam estas aulas: a Geologia do Brasil de Oliveira e Leonardos; a Geologia de Branner, alids esgotada em livraria, os Elementos de Mineralogia e Geologia de Lima e Silva e Potsch, a Geografia Fisica de Verissimo e Varzea, ‘a Mineralogia e Geologia de Paulo Décourt, a Geofisica de Otelo Reis. _ Muito provavelmente, depois de devidamente aprovado pela benemérita reitora da Universidade do Ar, a profess6ra Licia de Magalhaes, eu apresentarél meu plano do primeiro trabalho prdtico de Geografia que consistiré de 300 Palavras, no m&ximo, sdbre objetivos, processos, mfaterial e distribuicdo de uma unidade de trabalho, que ser4 escolhida no programa de uma das cinco Desde ja, entretanto, tenho a peito responder a uma objec&o que’ ougo, ha muitos anos. “Esta Geografia-explicacéo que tanto se afasta da nomenclatura, néo leva em conta as realidades do ensino, a idade, os conhecimentos e a menta- ldade do corpo discente. A maior parte de suas recomendagées nfo tem aplicagio 0 BOLETIM GHOGRAFICO prética nas nossas salas de aula”. Sou obrigado, a protestar vigorosamente contra esta objecdo que me fazem. E’ perfeitamente exeqilivel a explicacéo elementar mesmo de um compéndio que parece um tanto adiantado. O pro- blema é o proprio docente ter uma idéia clara e nitida do ponto que vai explicar, adotar uma linguagem apropriada e, se as palavras sfo insuficientes, pegar no giz e fazer, executar, desenhar... : . ‘Os nossos alunos n&o sio menos dotados do que os colegiais de outros paises. Tomemos geografias de 1.°, 2.° ou 3.° ano das escolas secundarias da Franga, por exemplo. Que vemos nés? Os assuntos tidos aqui como demasiadamente adiantados para os discentes. Entretanto, os programas séo ensinados, os livros sao integralmente usados. Posso afirm4-lo por experléncla pessoal. Nao caluni- mos os nossos jovens patricios, fagamos antes um exame de consciéncia: a Geografia tem sido descuidada entre nés — éste é o fato que procuramos modi- ficar, na medida do possivel. Estou convencido de que a maior parte dos autores de compéndios secun- darios de Geografia que ministram dados insuficientes e vagos, sob pretexto de colocé-los & altura dos alunos, ou s&o insuficientes éles: préprios ou estao fazendo pouco de nds outros, professéres da matéria. Nao é admissivel seme- Ihante desconfianca, por isso’ nos compéndios seriados que estou preparando resolvi considerar os meus colegas como perfeitamente em condigées de inter- pretarem 0 novo pensamento metodol6gico. O mau cagador também pode julgar ‘os outros por si mesmo. Acredito que a adocio de unidades de trabalho serviré ao nosso propésito. Dividindo a dificuldade, tomara cada um dos problemas que temos a resolver © aspecto de assunto distinto, com objetivos e métodos apropriados, sem con- fus6es, repeticdes nem antecipaces. O de que necessitamos € de uma concen— tragdo de atengao e atividades sdbre certos pontos do programa, de dosagem! Facamos, pois, de cada um déles uma unidade de trabalho e evitemos as com- plicagdes ¢ acumulagdes de nogées, antes que seja digerida convenlentemente a matéria dada; senao cairemos na impossibilidade que encontrava um mesmo guloso em tomar uma segunda fatia de bolo porque da primeira vez ja se tinha servido de trés fatias... Concorra para que o Brasil soja cartogriticamente bem representado, enviando s0 Con- selho Nacional de Geografia informacses e mapas que possam ser de utilidade & nova edisko Carta Geogratien do Brasil ao Millonésimo, que o Conselho esté claborando. Transcrigdes Feigdes Fisicas e Geolégicas do Parana Anais da Recola de Minas da Ouro Preto Eustato Pavio pe OLIVEIRA — Ne 14 — 1912 — Ouro Préto Antigo, diretor do Departamento Nacional erode ‘Mineral ¢ ex-mem! do Diretérlo Central do C. N..G. Os primeiros desbravadores do sertéo paranaense tinham por fim principal, nas suas arrojadas investidas contra o desconhecido, a descoberta de novas terras, minas de ouro e outras riquezas das quais pudessem tirar provelto ime- ditatamente. Fol principalmente no correr do século dezolto que ge 01 diversas expedi¢ées, dirigidas por habels sertanistas, que as executayam, ora’ por iniclativa propria, ora com recursos fornecidos pelos governadores da Capitanta, de sorte que no fim daquele século j4 estavam reconhecidos os vales dos grandes tos, descobertas as grandes serras, assim como diversos campos, entsy 08 aoais ram, Propriamente dita do Parana nao foram, porém, muito valiosas; somente na Segunda metade do século passado é que foram executadas numerosas de grande interésse as quais estfio ligados os nomes de Keller, Teodoro Ochs, Mouché, Aché, Capanema, Reboucas e outros competentes. Em 1886 foi feita @ exploracéo do rio Paranapanema, nos limites do Parand com S&0 Paulo, Por uma turma da Comisséo Geogréfica déste Estado e nestes tltimos anos 0s numerosos reconhecimentos topogr4ficos executados pelas companhias de estradas de ferro e comissées do govérno, devem ter concorrido bastante para um conhecimento mais perfeito da geografia do Estado. Infelizmente quase todos os documentos topogrdficos recentes ainda estéo inéditos, tornando-se, portanto, dificilmente accessivels aos que se dedicam a éste ramo de ciéncia. A nossa estada no Parané durante trés anos, em invest geolégicas, permitiu-nos obter um certo ntimero de novos elementos topograficos que figu~ ramos na carta do Estado, na escala de 1:1 000 000 e que temos o prazer de apresentar ao Congresso. © Estado do Parand limita-se a leste com 0 Oceano Atlantico e sua costa tem direcio aproximada N40°E, quase retilinea, apresen- tando duas bafas: Paranagud e Guaratuba, que devem sua existéncia A sub- mersio dos vales préximos ao litoral. Tal submerséo é indleada no s6 pela pro- fundidade a que se acha a rocha sdlida na embocadura dos rios que des4guam nas baias como também pela auséncla de antigos depésitos litorfineos em elevacoes acima das atuais linhas da costa; e fol segulda de uma elevacéo bastante menor, atestada pela presenca de buracos feltos pelos ouricos do mar em rocha a vista, é impossivel atualmente a vida daqueles animais. No se dispde de elementos suficientes para saber se éste levantanfento continua em nossos dias. © exame de uma carta batimétrica do Oceano Atlantico, entre os paralelos compreendidos pela costa paranaense, mostra primelro uma plataforma subma- rina, encostada & terra firme, com decatmento geral'e suave para leste. Esta, Plataforma demora, em média, 200 metros abaixo do nivel do mar, existindo também profundidade de 500 a 800 metros. Logo ao transpor o meridiano de 45° Gr., para leste, encontram-se profundi- sdades de 1 422, 1 729, 2 040 metros, entre os meridiahos 45° e 44° indicando que 0 fundo do mar abaixa-se abruptamente, depois da plataforma. O perfil submarino 6, ent&o, anflogo ao de Paranagué a Curitiba, porém invertido. A faixa de terra compreendida entre o litoral e a serra do Mar, ou o terreno de NOTA — Meméria da perante o IIT Congresso Brasileiro de Geografia, Setembro de 1911. “a BOLETIM GEOGRAFICO marinha, é estreita, baixa e alagadica; sua area € pouco consideravel e a altura média das terras é'inferior a 15 metros, havendo aqui e ali morros que atingem a algumas dezenas de metros. A formacio geolégica 6 quase exclusivamente ~ de aluvides arenosas com afloramentos de rochas cristalinas. ‘A serra do Mar, cadeia de montanhas inteirigas, que a partir do Espirito Santo para sul, define, mais ou menos, a linha da ‘costa com os seus cumes bastante acidentados, 6 ainda no Parané a orla elevada que _acompanha o oceano. Conhecida por diversos nomes locais como: serra Negra, Taquar!, Itupa- va, Graciosa, Cubatao, 840 Miguel, etc., a partir da baia de Paranagu4 para o sui val gradativamente baixando de altitude, de sorte que nos arredores de Laguna, em Santa Catarina, é representada por morros isolados de 300 a 400 metros de altura, desaparecendo ao sul desta cidade, pois entre Torres e Ara- Tangud, as formacées geolégicas da costa néo sio mais das rochas cristalinas que caracterizam a estrutura geolégica da serra do Mar e sim sedimentos permo- tridseicos. Reaparece no Rio Grande do Sul representada pelos morros graniticos dos arredores de Porto Alegre e serras de pequena elevacéo que penetram no Uru- gual com os mesmos caracteres. Geoldgicamente a serra do Mar é constituida de gnaisse, granitos e eruptivas bdsicas que formam o embasamento de tédas as formagées geoldgicas do Pi e foram afetadas por grandes movimentos de dobramento nos estratos rochosos e por outros movimentos no sentido vertical ao longo das falhas. & caracterizada ‘pela sua grande elevacdo, numerosas formas cénicas e denteadas, e contrafortes bastante irregulares com enormes penedos a pique. A serra apresenta muitos picos superiores a 1 000 metros, havendo alguns que ultrapassam 1 500 metros. © ponto considerado culminante é 0 Marambi, com 1 810 metros, segundo o engenheiro Weiss, e deve ser colocado na lista dos picos altos do Brasil. Os rios que deséguam nas baias de Paranagudé e Guaratuba tém todos suas nascentes nos altos da serra, onde se apresentam francamente torrenciais e 0S vales esto freqiientemente talhados a pique com as encostas formando precipi- clos; nos altos formam-se anfiteatros. Em contraste com estas disposig6es das encostas, o fundo dos vales é quase plano, descendo em degraus que se vao distan¢iando uns dos outros a medida que se afastam da linha de divisio das Aguas, até que na baixada os seus leitos adquirem um perfil mais estavel. Em téda a serra do Mar 6 muito abundante a presenga de uma argila yermelha contendo blocos de diversas rochas entre as quais predominam as granito-gndissicas. Durante algum tempo os gedlogos supuseram que os blocos eram erraticos, trazidos de alguma regiéo longinqua pelas geleiras e que a argila era Zi ou argila glacial. Esté, porém, verificado hoje que a argila nfo é senfio_o produto da decomposicao das rochas cristalinas da serra e que oS _blocos séo porgées dessas rochas que pela textura mais fina ou pela falta de juntas e fraturas resistiram mais fortemente & ado destruldora dos agentes atmosféricos. Nao ha, portanto, nenhuma evidéncia de glaciacio quaternaria no Parana e ainda hoje os blocos e a argila se acham em formacao. A serra do Mar da acesso ao planalto de Curitiba, onde as terras conservam altitudes geralmente superiores a 900 metros, salvo nos pontos onde demoram os. vales dos grandes rios em que elas baixam a 850 metros. ___ As terras altas que dividem as 4guas do Iguacu das do Ribeira de Iguape tém altitudes proximas ou superiores a 1000 metros e a seccdo da Estrada de Ferro de Curitiba a Rocinha mostra que as altitudes variam de 900 a 1000 metros. Para o norte de Curitiba, transpostas aquelas terras altas, ha uma depressio para o vale do rio Ribeira, de sorte que a cidade do Sérro Azul, que se acha préxima dos limites do Parané com Sao Paulo, tem altitude de 300 metros. Nesta regido haé muitos macicos com alturas superiores a 1 000 metros, tals como: + Botuvuru, Betara, Santana, Serra Azul, Manuel Grande, etc. que devem ser con- siderados como ramificagdes da serra do Mar, pois, como esta, sao verdadeiras montanhas de levantamento. No planalto de Curitiba e no vale do rio Ribeira ‘ocorre uma série de rochas mais modernas do que as da serra do Mar, constituida principalmente de xistos argilosos e talcosos, quartzitos e caleareos, fortemente TRANSCRIQOES m8 injetadas de granitos e outras eruptivas, associadas a minérios de ferro e ouro. Esta série de rochas 6 muito falhada e dobrada, mas pouco metamorfizada, e devido & auséncia de féssels, sua idade é incerta, sendo possivel que seja cam- briana. A inclinagéo das camadas varia de 50 a 80 graus e a direc&o geral é para NE, constituindo anticlinais e sinclinais. As rochas eruptivas derramaram-se durante os movimentos orogénicos que afetaram as camadas ou posteriormente a éles. Nos arredores de Curitiba esta série esté coberta por depésitos quaternérios constituidos principalmente de argilas vermelhas e verdes com camadas de cascalho, cuja espessura varia desde um seixo até 4 ou 5 metros. Devido 4 auséncia de glaciacio quaternaria éste_terreno nao tem merecide séria atencio por parte dos gedlogos. Téda a regio do Ribeira é muito montanhosa e ondulada, coberta de majestosas matas que atestam o valor da terra sob o ponto de vista agricola. ‘Tomando-se agora rumo de oeste, pelo vale do rio Iguacu, vamos encontrar na estagéo da Serrinha, da Estrada de Ferro Parana, um escarpamento muito notdvel pela extensiéo que ocupa no Estado. Bste escarpamento, que é denominado Serrinha, prolonga-se primeiro em Tumo norte até as proximidades de Sao Luis do Puruna; dai toma rumo de NO com os nomes de serra do Puruna, Santana, Itaiacoca, passa a oeste de Castro com o nome de serra de Séo Joaquim, a ceste de Pirai com o de Furnas, é atravessado pela Estrada de Ferro Sé0 Paulo-Rio Grande na estacdo de Joaquim Murtinho, e a 15 quilémetros a SE de Jaguariaiva, penetrando em Sao Paulo, onde repousa sdbre as rochas antigas da serra de Paranapiacaba; af as feigdes escarpadas diminuem sensivelmente. Constituidas na parte superior de arenito branco, friével e grosseiro, formando paredées, e na parte inferior da série metamérfica que se mostra com declive muito mals suave, dio orlgem ao segundo planalto onde se acham os téo falados “Campos Gerais” do Parand, Os leitos de arenito sio quase horizontais e por quase téda parte se acham no_mesmo nivel, porém a sua espessura é varidvel, devido 4 irregularidade do chio erodido sébre que ‘se depositaram. Esta formacio imprime & topografia das regiées em que ocorre feicdes muito caracteristicas e nota-se que nao existem picos, nem .morros isolados cobertos de arenito em frente as escarpas. Constituem grande parte dos “Campos Gerais” e afloram nos campos da Bolada, Sao Luis, Botuquara, Capaio Grande, Cambiju, Passo do Pupo, Itaiacoca, Carambei, S40 Joao, Taquara, Guartelar, Boa Vista, Vord, Joaquim Murtinho, Jiilio de Castilhos, Fabio Régo, Jaguariaiva, Morungava e em Sao Paulo nos campos a SE de Faxina e em parte das bacias dos rios Pirituba, Verde e Itararé, cujos leitos cavados nos arenitos se apresentam sob forma de funil. Como se deve esperar destas formacées nao perturbadas por movimentos orogénicos, as altitudes das bordas dos escarpamentos nao tém grande diferenca numérica e, em média, estéo compreendidas entre 1 100 e 1 200 metros. Exemplo: * Campos de Carambei . 1:115 metros ” ” Boa Vista . 1190” Jilio de Castilhos 1120” Serra de Santana ll 185 = ” ” Ho Joaquim 1230” @ 2 © 1250 =” ” ” Purund . 1215” Os “Campos Gerais” sio uma planicie relvosa, estendendo-se com declive suave para os vales onde as altitudes descem a 800 metros. A superficie ao ~ longo dos escarpamentos é bastante plana; mas as inimeras correntes alimen- tadas por numerosas fontes e abundantes chuvas cavaram profundos vales que para oeste chegam até 700 metros e tornam a superficie cada vez mais ondulada, & medida que se afasta das bordas das escarpas. . 244 ROLETIM GEOGRAFICO A flora dos campos compée-se de gramineas e outras plantas rasteiras que constituem abundantes pastagens, por vézes entremeadas de drvores, iso- ladas ou agrupadas em capes, quase sempre origem de fontes e que quebram ‘@ monotonia do descampado. As rochas desta formagao freqiientemente afloram em penedos talhados’a pique e no leito dos rios dio lugar 4 formagio dos caldeirdes onde se encontram os diamantes. Buracos verticais de mais de 50 metros de profundidade e fendas muito extensas encontram-se constantemente nas possantes camadas do arenito. A desagregacdo da rocha se efetua de dois modos: no sentido vertical e no hori- zontal. Nos arenitos mais rijos ela predomina no sentido vertical, segundo as didclases; no sentido horizontal ela sé se efetua no nivel das juntas da rocha e determina longos sulcos longitudinais perpendiculares as didclases verticais, originando a queda de volumosos blocos, como se vé na beira dos escarpamentos. Quando menos rijos, produz-se o fenémeno contrario: a desagregacéo caminha mai rapidamente no sentido horizontal e por vézes se talham muralhas a pique. A topografia produzida por éstes arenitos é a que resulta da desnudagio de camadas quase horizontals. H4 ainda de notavel nessa formac&o a presenca de puracos cilindricos de grande diametro e profundidade que atinge, em alguns, @ 15 metros, como no Passo do Pupo, onde existem dois. Na fazenda do Capfo Grande trés désses buracos se comunicam, por meio de cursos d’4gua subterraneos, com a lagoa Dourada, cujas dguas vertem para 0 tibeiréo do Quebra-Pernas, afluente do Tibajl. Bstes buracos néo podem ter sido cavados por 4gua corrente, mas foram certamente originados pela desagre- gagio puramente mecanica da rocha, efetuada no sentido da profundidade. Em resumo, as formas singulares déstes planaltos, compostos de camadas horizontais, explicam-se perfeitamente, levando-se em consideracio a influéncia notavel que exercem as falhas e as juntas no relévo_ dando-lhes os tracos topo- gréticos gerais e esbogando o seu esqueleto que a desnudagdo posteriormente completa. ‘Um dos caracteres fisiograficos mais importantes da hidrografia para- naense é a néo coincidéncia das linhas de maior relévo do terreno com a linha de divisio das aguas. # assim que as escarpas néo constituem inteiramente 0 divisor das 4guas que correm para o Atlantico das que se dirigem para o Parana, muito embora Ultrapassem em altura as terras do terreno metamorfico que Ihes so adjacentes. Bste divisor d’éguas, considerado a partir da serra do Mar, toma rumo de oeste pelas terras que passam ao norte de Curitiba e Campo Largo, continuando-se pela Serrinha até as proximidades de Itaiacoca e dai, ao invés de seguir pelo escarpamento devoniano, que é o prolongamento natural da Serrinha dirige-se pruscamente para N pelas terras do terreno metamérfico que os mapas para~ naenses denominam serra de Paranapiacaba e vai-se gar em 8a0 Paulo com a serra de Itapirapua, na qual nasce o rio do mesmo nome, afluente do Ribeira de Iguape e que é 0 limite dos dois Estados nesta por¢éo do territério. ‘Assim, a serra das Furnas, apesar de ser mais alta do ‘que esta linha de diviséo d’4guas, permite o escoamento, através dela, de diversos rlos que nascem no terreno metamérfico, como o Iapé, o Jaguariaiva e o Jaguaricatu. & necessario, entdo, que ela apresente boqueirdes bastante profundos para que as Aguas da regido possam verter para o Parand. A existéncia déstes béqueirdes ou caftions s6 pode ser explicada admitindo-se que em épocas anteriores as camadas do devoniano, além de avangarem muito para leste do limite atual dos escarpamentos, sofreram um levantamento em bloco, atestado pela retirada do mar depois da deposicio destas camadas, Jevantamento que obrigou os rios a escoarem em altitude muito superior aquela em que corriam na sua origem. Realizado o levantamento, a declividade dos rios aumentou sensivelmente, obrigando-os a aprofundarem 0s seus leitos, sendo nisto favorecidos pelas numerosas juntas e didclases da rocha, produzindo afinal 0s cafions referidos. Além déstes escarpamentos principais, dois secundarios existem que mere- cem especial mengdo: um é a Serrinha de Jaguariaiva, paralelamente @ qual TRANSCRIGOES 25 corre o rlo Capivari, e-o outro a serra das Pedras Brancas, escarpa abrupta que se levanta a 6 quilémetros a oeste da cidade de Tibaji. Estas escarpas sio devidas a deslocamentos verticals. das camadas que, entretanto, nfo afetarain sensivelmente a sua inclinac&o e pertencem ao tipo que os gedlogos denominam monoclinals, apresentando altitude de 1 000 metros. Nos arredores de Ponta Grossa, Tibaji, Jaguariaiva e outras localidades, ocorre um espésso depésito de folhelhos fossiliferog contendo abundantes fésseis marinhos do devoniano inferior, indicando que na época devoniana o mar se achava a oeste do macico arqueano, isto 6, em posi¢éo oposta A que hoje ceupa. © fato das camadas devonianas jazerem em situagao horizontal sobre a série metamérfica e n&o se apresentarem atravessadas pelas rochas eruptivas desta sérle, indica que as eruptivas se derramaram-em época anterior ao devo- niano. Como hé varlos tipos eruptivos, é quase certo que houve diversas fases de erupesio, que provavelmente foram contemporaneas ou posteriores aos mo- vimentos orogénicos que produziram as dobras da sérle metamérfica. ‘4s A porcdo de territério paranaense compreendida entre a borda oeste do terreno devoniano e a serra da Esperanga é constituida de camadas permotrias- sicas atravessadas por eruptivas basicas referidas quase exclusivamente a0 ipo das didbases de textura ofitica. As camadas permianas podem ser grupadas em tfés séries muito caracteristicas que descreyeremos em ordem ascendente. As felcdes topogréficas ainda sio semelhantes as da formacdo precedente, porém a regio é mais acidentada devido a uma mais forte erosio, e aos derra~ mes de diabase, rocha que, pela sua resisténcia, concorreu para tornar mais sallentes os tracos topograficos. As serras desta regio freqiientemente tém uma encosta escarpada ao passo que na oposta mostram declives muito mais suaves para os vales. Entre elas podemos citar: serra da Ribeira, Campinas Belas, Imbuia, Sio Roque, Pouso Alegre e outras, cujas altitudes atingem a 1 000 metros. Na base das formagdes permianas encontram-se depésitos glaciais constitui- dos por uma série de arenitos, folhelhos e tilito com blocos de rochas metamérficas. © tilito é uma rocha azul escura, compacta, de granulagdo fina, composta de uma massa argilosa, contendo pequenas particulas de areia, feldspato e cristais de quartzo. A massa encerra grande quantidade de seixos e blocos de rochas metamérficas nela encaixados indistintamente. Os blocos sio ordina- riamente arredondados, sendo raros os seixos facetados assim como as faces arranhadas. A regio tipica déstes conglomerados glaciais é o vale do rio Jagua- ricatu, podendo também ser examinados em Ipiranga, Palmeira, Lapa e Rio Negro. Estas camadas constituem uma faixa continua que atravessa o Parana de Na 8 com largura de 40 quilémetros, em média, e espessura de 350 metros. No Rio Negro aflora uma camada de ardésia preta contendo nédulos esfe- réides e concrecées calcariferas, com cérca de 2 metros de espessura, interca- Jada em folhelhos variegados com enormes blocos de granito porfirdide, encer- rando uma fauna marinha constituida especialmente de peixes, lingulas e dis- cinas. Os dois ultimos fdsseis citados séo exclusivamente marinhos e provam que no coméco da era permiana houve algumas transgressdes marinhas. Este fato é muitissimo importante para a paleogeografia do Parané, pols antes desta nossa descoberta n&o era certo que tivesse havido depésitos marinhos no Parana, depois da época devoniana. As camadas glaciais do Parand s&io correspondentes as de Dwikia do Karoo do Sul da Africa, de. Talchir do Gondwana da tndia e do rio Artur na Australia. Os dados de glaciag&o paleozéica recolhidos nestes tltimos quatro anos no Parana sfio em tao grande namero que nao deixam mais dividas sobre a existén- cia de um verdadeiro periodo glacial no Estado, que deve ter feito parte do antigo continente de Gondwana. Esta verificado que no coméco do permiano hhouve uma grande baixa de temperatura que permitiu a formac&o de extensas geleiras e que no transporte dos blocos o gélo flutuante deve ter gozado de uma certa importancia. Ainda nfo se conhecem bem as causas que produziram a glaciagéo paleozdica do continente de Gondwana e, portanto, do sul do Brasil. As hipdéteses que procuram a causa da glaciacéo nas condicées climatéricas reguladas por fatéres astronémicos ou por variacgdes na composicao da atmos- “68 BOLETIM GHOGRAFICO fera terrestre, combinam mal com uma semelhante localizagio em uma drea continental determinada. Ao contrario, uma oscilagéo do continente de Gondwa- na dando lugar a um aumento geral de sua altitude, explicaria melhor a formacio de uma vasta zona glacial, que teria apresentado diversos centros de irradiagio distintos, donde o gélo teria escoado para as regiées baixas do continente. ‘A presenca de féssels marinhos nessas camadas vem também mostrar que muitas geleiras desembocavam no mar. _ Nesta formacio 6 muito comum a presenca de colunas {soladas de arenito assim como o tipo topografico chamado mesa, cujo tepresentante mais impor- tante 0 morro do Monge (1 000 metros), a leste da Lapa. Da primeira felgao topografica, o representante mais notavel’é, sem diivida, a Vila Velha, situada 80 qullometros de Ponta Grossa, em uma elevacdo da fazenda do Capéo trande. ‘A rocha 6 um arenito vermelho, duro, cuja cor 6 devida & presenga do éxido de ferro. A regio tem o aspecto de uma. povoacdo em ruinas: sob o efelto das erosdes foram destacadas diversas colunas de modo a constituirem espécle de Tuas, seguindo duas diregdes, que sio as comuns das didclases. A ago dos ventos arredondou algumas colunas. fste arenito da Vila Velha deve ser colo- cado na base do permiano, associado A série conglomeratica glacial e nfo no devoniano, como se tem feito até hoje. Acima destas camadas glaciais, ocorre uma série de fothelhos e arenitos moles com uns 250 metros de espessura, contendo camadas de carvao, sem valor comercial, e muitas plantas fésseis referidas ao grupo dos glossopteris. Para o fim que temos em vista, o que ha de mais importante nesta série é incontesta- velmente a flora cuja localidade tipica de ocorréncia é o grotdo a oeste de Teixeira Soares. HA ai um espésso depésito de arenito macigo, amarelado, tendo intercalagdes de folhelhos cinzentos, arenosos, que encerram plantas fdssels magnificamente conservadas. Além do Parand e do sul do Brasil a flora de glossopteris floresceu com alguma pureza nas regioes permianas anélogas da Repfiblica Argentina, sul da Africa, india, Australia, Tasmania, etc., isto 6, nos mesmos paises em que esta indubitavelmente reconhecida a glaciac&o paleo- z6ica. A grande uniformidade na composicao desta flora e o grau de identidade de suas espécies em regides tao afastadas, demonstram a necessidade da exis- téncla de ligacdo das terras, para que as plantas terrestres pudessem se distribuir espontaneamente com tal facilidade que permitisse @ flora conservar sua com- posigéo uniforme. = A prova paleontolégica da existéncia do continente de Gondwana é dada, ent&o, pela extensa glaciacio que nela houve e pela uniformidade da flora, muito distinta da do hemisfério norte que estamos acostumados a considerar como cosmopolita. © clima glacial do continente de Gondwana permitiu a existéncia da flora de glossopteris, repeliu e exterminou a flora cosmopolita, incapaz de resistir ao seu rigor. © fato das camadas contendo flora de glossopteris jazerem acima dos con- glomerados glaciais indica que ela vegetou e se desenvolveu no clima que se seguiu & retirada dos gelos. Com o correr dos tempos permianos o clima tor- nou-se mais ameno e permitiu o desenvolvimento de alguns tipos da flora cosmopolita nas camadas mais altas do permiano. A parte media déste terreno compreende cérca de 200 metros de folhelhos negros com répteis (mesossaurus) e folhelhos verdes e varlegados com peder- neiras, madeiras petrificadas e moluscos. . © tope da série é ocupado por um banco de calcéreo, um tanto oolitico & tossilifero. Esta parte do permiano é muito injetada de didbase e é nela que se encon- tram as altas encostas da Ribeira, Pouso Alegre e Imbula que sao devidas a desnudacgdo das camadas. Na cachoeira do rio dos Patos e nas praias do rio Ivaf encontram-se Ja _ muitos lepidodendros e sigilérias ‘caracterfsticas da flora cosmopolita, A pre- sence de aguas carregadas de sal marinho no baixo Tibaji e no rio Curimbaté, afluente do Cinzas, é indicio também de um clima mais quente e séco. TRANSCRIQORS Er ‘34 wimos que a serra do Mar desaparece pouico ao sul de Laguna. Para oeste, nas cabeceiras do Ararangué, demora uma escarpa de notével extensio e altur: 6 @ serra Geral. %Constituida de camadas permotriassicas, néo metamorfizadas, cobertas por espésso lencol de trapp, prolonga-se em rumo N aproximadamente até o para- lelo de 265 e dai continua em direcio NO com o nome de serra do e vem morrer perto de Pérto da Unido, no rio Iguagu, com os mesmos caracteres topograticos e f,constitnteso 5 geolégica semelhante. Entre os rlos Canoinhas, Ne- _ e Itajai, hé alguns macicos sedimentérios, nio los de trap, a0s 20s quails tem dado o nome de serra do Espigio ou Espigéo do Bugre. A operanga que d& acesso ao planalto de Guarapuava como aquela ‘aA 08 aos ae Tera e Curitibanos, é cortada pelo rio Ivai nas cabeceiras, abaixo da colénia e pelo rio Tibaji ao sul de Sao Jerénimo. Entre os rios do Peixe e Stara éste escarpamento diminui consideravelmente de altura, mas, ainda assim, a oo Societies e as feigdes topograficas dos macigos ao N de Santo Anténio da indicam bem que éles .sio o prolongamento da. serra da Beperanga.. o primero representante déste escarpamento em Sao Paulo é a serra da Fartura. Como se vé, esta serrania estende-se desde o Rio Grande do Sul até Sao Paulo, ocupando, por conseguinte, um lugar muito saliente no sistema orografico brasileiro: No_Paran4, nos declives répidos destas serras, véem-se em ordem ascen- dente, éspessos ‘depésitos de arenitos vermelhos e.multicores, arenitos fridvels, claros, com 300 metros de espessura, repousando sdbre a série anterior caracte- rizada pela presenca de pederneiras e cobertos Por espessos lencdis de trapp que’ atingem a mais de 100 metros de espe! © arenito multicolor 6 muito Fico etn fossets do grupo dos lamelibrAnqulos e gasierdpodos. Os trapps pertencem quase todos ao tipo eruptivo das diabases — porfiritos, macicos ou amidaldides, e neste caso a rocha é muito rica. em geodos contendo quartzo, dgatas, zedlitos e por vézes pequenas léminas de cobre nativo. Este escarpamento é o coméco do terceiro Planalto, cujas feigdes topograficas s&o muito semelhantes as do segundo, pois a topografia é também o resultado da a de leitos horizontais. A oeste do escarpamento o Estado em grande parte é ainda virgem; mas os reconhecimentos feltos ao longo dos rios mostram que a formacao trapeana estende-se até'o rio Parandé. Esta série esté referida ao tridssico. A altitude média destas serras é de 1 100 metros e os niimeros abaixo indi- cam algumas cotas obtidas na beira dos escarpamentos. Serra do Espigaéo (Estrada de Lajes) 1 240 metros ” da Esperanga (em frente a Dorizon) .. 1135 =” ” ” (estrada geral de Guarapuava) 1150” _ - (estrada de Teresina a Marrecas) 1000” ee a (estrada de Sao Jerénimo) 9300” A superticte déste terceiro planalto esté em quase sua totalidade coberta de majestosa mata virgem; porém ha muitos campos extensos, como os de Palmas, Guarapuava, S& Roque, etc. files tém um declive suave para o rio Parana; os vales secundérios desta regifio séo muito fundos, de sorte que hé muitas encostas altas e escarpadas que sao conhecidas geralmente com o nome de serras, como: Taquaral Verde, Cantu, Cavernoso, Sao Joao, Apucarana e outras. Em frente 4s serras do Espigio, Esperan¢a e outras de constituicéio geolégica idéntica, 6 muito freqiiente a presenga de morros isolados apresentando formas de zimbérios, agudos ou mesas, com a mesma constituicéo geolégica das serras e altitudes pouco inferiores. Dentre éles podemos citar: o Taié, em frente a serra \dq.Espigéo, a leste da estrada do Rio Negro a Lajes, o Marumbi, nas progi- midades de Roxo Rodrigues, na beira de um contraforte, o Morungava, na estrada de om: Grossa para Guarapuava; o Trombudo, em forma de zimbérlo, na ‘eresina para Marrecas; o Agudo, na barranca do rio Tibaji, em frente ae ‘serra da Esperan: a. Estes morros outrora faziam parte das serras que enfrentam, das quais foram destacados por erosio e acio quimica das 4guas sob o lengol de trapp e sedimen- tos subjacentes. 8, BOLETIM GEOGRAFICO £ muito provavel que as felcdes escarpadas das serras sejam devidas a erosdes sob condicées de drenagem e altitudes diferentes das atuais e ndo conse- qiiéncias de falhas como pretendem alguns gedlogos. Devemos também acres- centar que pontos de contacto dos arenitos e dos trapps nas serras e nos morros correspondentes se acham sensivelmente nas mesmas altitudes, 0 que ndo acon- teceria se as escarpas féssem originadas de falhas. Dos morros acima citados o mais importante é sem diivida o Agudo, que demora na barranea da margem direita do Tibaji, em frente & serra da Hspe- Tanga que o rio tem de romper para penetrar no macigo tridssico. Na margem esquerda déste rio ha um outro morro denominado Cérro Chato, que visto de longe, por exemplo da fazenda Monte Alegre ou do alto da serra das Pedras Brancas, tem aparéncia de agudo. O primeiro é fendilhado na parte superior de sorte que de certos pontos ha aparéncia de trés agudos:' A maioria dos mapas paranaenses da fantastica- mente ao Agudo o nome de serra e localizam-no ora no prolongamento da serra das Furnas, ora no divisor das 4guas do Tibaji com o rio do Peixe ou Laranjinha. A serra do Agudo nao existe e é de esperar que esta fantasia geografica seja_definitivamente eliminada dos futuros mapas paranaenses. No sistema hidrografico os lajeados, as corredeiras e os saltos sio muito. abundantes, de sorte que os rios sao inavegdvels em quase todo o curso. AS declividades sao mais suaves no primeiro e segundo planaltos, apesar de exis- tirem alguns saltos importantes como Caiacanga no Iguacu, o Vicente Machado no Iapé, 0 Visconde do Rio Branco no rio dos Patos, bem como outros no Capivari, perto de Jaguariaiva e no Itararé na fazenda do Morungava. Na terceira regiao alguns dos saltos, como o Guaira e Santa Maria devem ser colocados na sta das grandes quedas do mundo, pela sua beleza, volume d’gua e energia mecAnica disponivel; muitos rios nascem no terceiro ‘planalto e descem para o segundo por meio de saltos de grande altura como o Timbé, o Barra Grande, o Sao Francisco e outros. Rstes saltos so constituides de trapp e tém forma de anfiteatro. QR™ © Servico Contral de Documentacko Geografica do Conselho Nacional de Geografia 6 completo, compreendendo Biblictecs, Mapoteca, Fototeca e Arquivo Coregratico, destinando- se Este & suarda de documentos como sejam inéditos ¢ artigos de jornais. Envie so Conselho qualquer documento que possuir sdbre o territ6rio brasileiro. Investigagées sébre os Tipos de Povoamento no Estado de Sao Paulo * Bulletin de VAssooiation Prenre DEFFONTAINES de Géogrephes Frongsis Antigo Professor da Universidade — No 87 — Abril, 1935. do Distrito Federal Um primeiro fato impde-se & consideracio que é a auséncia quase total de nficleos de povoamento que remontem a periodo anterior a ocupacdo européla. Ao inverso do que ocorreu na América andina, as antigas povoacées indigenas nao serviram de roteiro aos estabelecimentos espalhados pelos brancos. Ha ruptura, hiatos na histéria do povoamento. Para isto parece haver duas razdes principais: primeiramente os Iugares de habitat dos indigenas, ‘as aldeias, eram essencial- mente némades, ou antes plurals, porquanto ndo comportavam a tenda que se desioca e sim chocas miltiplas, nos lugares de culturas temporarias, nos lugares de pesca, sobretudo na estacao fria, nos lugares de colheita na floresta, nota~ damente ‘para a coleta do mel. Os missionarios, para evangelizar e proteger essas populagées, procuraram fix4-las em vilarejos, chamados reducdes, mas tais aglo- merados foram destruidos no Estado de Sao Paulo pelos preadores de escravos, os, bandeirantes. As reducées refugiaram-se no Oeste para as bandas do Para- guai, onde a densidade dos indios tornou-se, mercé déste fato, considerdvel. Os bandeirantes efetuaram uma arrecadagio quase total da populacao indigena e transportaram-na para o litoral, onde estavam as plantagdes, ao redor do Rio de Janeiro e sobretudo da Bahia, assim como-para os garimpos de Minas Gerais. Bsse deslocamento resultou, afinal, num exterminio. Os indios desacostumados ao clima da costa e ao regime de trabalho das plantagées ou das minas praticaram o que se chamou de greve da morte. Os que escapavam dos bandelrantes se ism refugiar = salvo nas vastas extensdes de Golds e lato Grosso. Foi por conseguinte numa terra quase vazse que os primeiros estabelecimentos dos brancos se fixaram. A colonizagio iniciou-se pela grande propriedade outorgada por concessio do soberano e rotulada pelo nome antigo de sesmaria, ou obtida mediante um apossamento de fato, reconhecido muito ficilmente por decretos e leis. Pouco depois o térmo uniforme de fazenda foi aplicado a tédas essas propriedades originals. NOTA — A tradueio para o vernéculo fol fetta pelo Sr. Jo&o Milanez da Cunha Lima, redator da Secchi de Publicag6es do C.N.G. * Comuntcacio felta pelo professor Pierre Deffontaines na Assoclagio dos Geégrafos Franceses e que motivou os debates que a seguir transcrevemos: © Sr. Scaetta perguntou se o Sr. Deftontaines considerou a esterilizago do solo que resulta das praticas de cultura e de colonizacho descritas. O Sr. Deffontainesvatribulu ao clima uma importancia decisiva no processo; 0 solo se est taria mais rapidamente no clima tropical. Até agora, nada fol feito’ para se remediar iat no ser nas pequenas culturas praticadas pelos japonéses que fazem uso de fertilizantes obtidos numa fébrica de carvéo animal. © Sr. Dumont lembrou que o esgotamento e a esterilizaco do solo é um fendnieno bem conhecido nas coldnias francesas ¢ fol descrito especialmente em Madagascar. S60 adubo de ‘estébulo poderia restituir & terra aquilo que Ihe fol tomado. © Sr. E. de Martonne manifestou a sus admiracio pelo que revelam as observac6es de Geografia Humana, tio inteligentemente colhidas pelo Sr. Deffontaines, sobre o problema da destruicio da vegetacdo natural. A frente ploneira referida aqui 6 uma frente de ruina do revestimento vegetal ¢ do solo, que progride para o interior com 0 povoamento, delxando atrés de ai uma ‘naturesa, empobrecida, incontra-te ‘equi, a0 vivo, uma evoluglo ‘que alhures, se 1 tenha havido no passado, ou seja menos clara no. presente ‘fendmeno tem conseqiléncias mais graves nas regi6es quentes do que nas temperadas, 6 ndo sdmente devido a0 clima, mas também por causa da economia que separa radicalmente a agricultura e a criagio. 250 BOLETIM GEOGRAFICO Instalando-se na regiio quase vazia, ela assegurou-lhe o repovoamento. Dizia-se a propésito “abrir uma fazenda” ou “fazer terra”. A unidade do povoa- mento foi, portanto, por muito tempo inicamente a fazenda. Igualmente a variedade nos tipos de povoamento depende sobretudo da diversidade nos tipos de fazendas. Entre ésses, distinguem-se dois principals: a fazenda de gado e a fazenda de plantacao. A primeira surgida no Brasil fol a de plantacdo, em virtude do poyoamento ter comecado pela zona litordnea favoravel a colhelta dos produtos exticos, obtidos primeiramente nas colénias: cana de acucar, café, cacau, algodao, atendendo as épocas e aos lugares. No Estado de Sao Paulo, mais me- ridional e composto de vastos planaltos elevados, todavia, esta fazenda nao ocupou a principio sendo territérios muito restritos: a estreita faixa litoranea e o vale médio do Paraiba. © povoamento das zonas vazias do interior comecou pela fazenda de gado, que se expandiu mais tardiamente e sdmente em seguida A introdugao e multi- Plicagao do rebanho trazido da Europa. Quando das viagens de Saint-Hilaire € D’Orbigny (primeira metade do século XIX), a criagdo de bovinos estava em pleno apogeu. D’Orbigny declarava: “A principal riqueza do Estado de Sao Paulo reside no gado”. Atualmente esta forma de exploracéo recua cada vez mais para o interior, para p sertao, distanciando-se dos. meios de comunicaco. No Estado de S40 Paulo ocupa ainda a porcdo de terra sdlta e arenosa que separa como uma vasta depressio periférica a zona cristalina do leste, com suas serras, da zona sedimentar do oeste, de cuestas monoclinais e tabulares (Moji- Mirim, Barretos, Itapetininga) . Bsses dots tipos de fazendas diferem sobretudo pelas formas de povoamento que acarretaram. A antiga fazenda de plantacdo compunha-se de trés ele- mentos: a casa do dono — casa grande — ou casardo alpendrado, instalagées para trabalhar e secar os produtos, os terreiros para beneficiamento do café, engenho de aciicar, secadouro de cacau, enfim o alojamento da mao de obra agricola, outrora composta de escravos, abrigados em habitacdes unidas umas 4s outras em torno dum pitio fechado para facilitar a vigilancia; é o que se chamava senzala. A fazenda de gado mostra-se totalmente diferente. A casa do dono, nem sempre habitada por éle, é pequena. O pessoal, em vez de ser agrupado, habita uma cabana perto do curral, espécle de reduto cercado, onde se recolhe perid- dicamente o gado para contd-lo, trata-lo e proceder & escolha dos animais destinados @ exportacio. Os currais, dentro de uma propriedade, acham-se muito afastados uns dos outros esas habitacdes das familias dos empregados no trato do gado ou campeiros nfo sio menos separadas; receberam a denomi- nag&o de curralinhos ou retiros. Bsses dois tipos de fazenda diferem ainda pelo local do habitat. Nas proprie- dades de plantac&o, escolhe-se uma ladeira bem exposta para ai assentar a habitagéio. Como pela maior parte, os produtos reclamam operacées de secagem, necessitam de terragos de insolagio. Certo é que o sol nessas latitudes cai quase perpendicular, porém as colheitas se fazem comumente no inverno, notadamente a do café, e a obligiiidade dos raios solares é entao bastante sensivel para que se deva buscar uma ladeira insolada. Por outro lado, © proprietario deseja exercer vigilancia sébre o trabalho das suas produgdes de valor e sua casa € construida no alto de um aclive dominando o terreiro; a utilizagéo de uma encosta permite também o emprégo das aguas, menos para regar do que para as lavagens e transporte dos graos a secar. _ ,A fazenda de gado deve atender a condigdes inteiramente diferentes. O problema maior para ela nao esta na exposigao e sim na delimitacio. Antes da era recente das cércas de arame, urgia té-las naturais. Assim sendo, pro- curava-se apoiar a propriedade em cursos de agua. Os sitios privilegiados eram 0s promontorios na confluéncia de dois rios, os pontais. As mais antigas explo- ragdes de gado foram as fazendas de pontal; por essas pontas a apropriagéo do solo se iniciou. Em. muitos casos, ademais, as fazendas de gado néo possuem limites pre- clsos; as vézes mesmo nao estaéo gravadas de propriedade, pastando o gado eth liberdade pelos campos nao apropriados que se denominam campos gerais. 7 = consumo Sao Pai TRANSCRIGONS 351 Neste caso a propriedade no se liga mais & terra e sim A marca aplicada nos com o ferrete em brasa. Em tais zonas o povoamento pelos homens reduz-se 4 insignificincia de 2 ou 3 habitantes por quilémetro quadrado. A histéria dos tipos de povoamento no Estado de Sao Paulo confunde-se com a evolucéo da fazenda. A exploracéo de gado recuou progressivamente ante as plantag6es, sobretudo depois de 1850, quando sé verificou a descoberta das qualidades da terra roxa para a produgdéo do café. Desenvolveu-se entdo na regio em que essas terras formam largos mantos um tipo de fazenda orientado para a plantacéo; n&o se podendo mais utilizar a mo de obra escrava, assegurou-se-lhe ‘0 povoamento, mediante a introdugio de imigrantes brancos, sobretuds italianos. A supresséo da escra- vidio ndo transformou o regime de propriedade, nem o tipo de povoamento e néo Ihe valeu sen&o modificagées secundérias. Ao invés de alojar os traba- Thadores em senzalas agrupadas em redor de patios fechados, construiram-se verdadeiras cidades operdrias rurais, dotadas de casas separadas, de tijolo amitide recoberto de cal e alinhadas uniformemente. Tem-se entdo a colénia, em substituicio & senzala. O designativo de colono tem um significado especial em Sao Paulo, que néo alude ao homem que vem instalar-se na terra livre cedida pelo govérno, como é pratica nos Estados do Parané e Santa Catarina. O colono ai 6 um trabalhador engajado pelo fazendeiro e que permanece némade, errando de fazenda em fazenda; constitu! assim um proletariado rural e nao um campesinato. Do mesmo passo que a grande propriedade aumenta suas plantagdes de café pelas derrubadas sucessivas, acrescenta suas colénias, néo em tamanho mas em nimero. Em geral a maioria dag fazendas possui varias cidades operdrias a fim de ter os trabalhadores proximos as quadras de café que lhes sio confiadas; em regra, 2a 5 mil pés de café para cada homem. Fazendas ha que possuem até 8 a 10 colénias. A maior soma dessas propriedades entretanto, apenas explora uma parte do seu dominio; acrescente-se que mais da metade déste nao raro se encontra ocupada por florestas e campos. Grande parte da superficie do Estado de Sao Paulo permanece, szaim, aim, agambarcada e constituida em reserva pelos grandes proprietarios, que escassas terras livres aos pequenos. Sao quase inexistentes os bens de Gominto Plblico e isto explica a raridade das colonizagées pelo Estado ou companhias de estradas de ferro. Tal 6 a situacéo do povoamento rural na zona das grandés fazendas de café, abertas recentemente, desde 1880, zona de terra roxa _e sedimentos de arenitos em horizontes tabulares de chapadas em térno de Ribeirfo Préto. Existe todavia mais para leste, em térno de Amparo e Braganca, uma zona de plantagées mais antigas instaladas em regldes cristalinas de palsagem ondulada em serras. As fazendas de café ai sio menores, as colénias sempre isoladas e reduzidas conservaram ainda algumas vézes a forma de senzalas. A regiao esté em decadéncia. A crise do café afetou particularmente a essas exploracées. Muitos cafézais foram langados ao abandono e retorna-se cada vez mais A antiga exploragéo pioneira pelo gado. A regifio despovoa-se rapida- mente, colénias entram em ruinas, substituidas por pequenos refiros isolados. No Estado de Minas, ademais, as casas operarias nao esto, em geral, agrupadas em colénias e sim totalmente dispersas através do dominio. Ainda mais a leste, no vale do Paraiba e na regio de S40 Paulo, a evolugio 6 mais regressiva. Os solos menos férteis e sem terras roxas foram rapidamente esgotados e o regime da fazenda nao féz mais do que transitar, deixando atras de si uma regido degradada, de florestas secundarias ou capoeltas e campos de ervas estérels, sapézais ou samambalals. Mestigos de europeus e indigenas, cabo- clos, ai ficaram fixados nas antigas fazendas, em exploracées pobres e denominadas sitios. Praticam uma policultura de economia quase fechada, mediante culturas temporarias em terras que sofrem o processo das quelmadas. Cumpre reconhecer, porém, que em nossos dias a virinhanca, dos grandes centros ulo, Campinas, Sorocaba, Taubaté, introduziu as culturas de es e frujas; af se estendem as novas propriedades adquiridas sobretudo pales japeneses, pequenos loteamentos minuciosamente cultivados e retalhados na medida do trabalho de uma familia, o que faz excegdo ao regime da fazenda. 282 BOLETIM GEOGRAFICO Existe outra excecdo mais generalizada. Entre as fazendas, ao menos nas suas origens, encontravam-se intervalos que os fazendeiros delxavam sem apro- Priagio a fim de evitar as contestagées com os seus vizinhos. Ai é que velo instalar-se algima gente pobre, colonos em retirada ou caboclos. fsse povoamento intercalar forma o que se chama de bairros, que se nao pode traduzir por vilas ou povoados porque ai temos ainda uma populacdo totalmente dispersa, mas disposta em blocos. Os grandes proprietdrios viram com bons olhos desenvolve- rem-se ésses bairros que Ihes serviam como celeiro de mao de obra nos periodos de excesso de trabalho. Muitos désses bairros tomam o nome do primeiro desbravador. 840, por exemplo, abundantes os lugares chamados Batistada, por causa da freqiiéncla do nome Batista. Existe, enfim, outra forma de povoamento rural igualmente independente da fazenda: € 0 povoamento do litoral, que se alinha ao longo das praias, sobretudo das que estéo abrigadas dos ventos fortes do sudoeste. Nessas praias, em geral pequenas e recurvas, chamadas enseadas, habita uma populagao semi- rural, semipescadora, que vive de mandioca, banana e peixes. A unidade do agrupamento aqui é @ réde de pesca, cujo manejo exige o concurso de 10 barcos, correspondentes a 8 ou 10 fami , & 8 ou 10 lares. Esta faixa costeira é muito piscosa e densamente povoada: 15 a 20 habitantes por quilémetro quadrado. Absorveu muitos antigos escravos negros ou mestigos provenientes das plan- tagdes do litoral que entraram em plena decadéncla.apés a supressio da escravatura. Esta populacio bastante decadente, que se chama de calcaras, vive sem grande necessidade e sem grande trabalho, quase que bastando-se a st prépria. Esta seqiiéncla de formas de povoamento, tal como se encontram através do interior de Séo Paulo e em que falta uma das formas mais tipicas da Europa, a aldeia, constitui a camada inferior do povoamento, o povoamento de base, que Jean Brunhes chamou a sementeira fundamental. Acha-se dominado por niicleos urbanos tanto mais indispensaveis quanto se sabe que dominam a dispersio do habitat. Mais tarde, tencionamos estudar como o interior paulista se aprovislo- nou de cidades. AOS EDITORES: fiste “Boletim” nio faz publicidade remunerada, entretanto registars ou comentara as contribuicées sobre geogratia ou de interésse geogratico que sejam enviadas 30 Gonsclho Nacional de Geografia, concorrendo désse modo pars mals ampla difasso da Diblie Teferente & geografia brasileira, Resenha e Opinides Contribuicdes de americanos para o conhecimento do solo do Brasil E’ sobremodo dificil mostrar em duas dezenas de paginas a enorme so- ma de trabalho e de beneficios que um grupo de norte-americanos prestou ao Brasil. Tentaremos, contudo, numa répida sintese, pelo menos relatar o que fizeram ésses homens, deixando que o leitor se dé conta das vantagens advindas ao nosso pais, quer no aspecto cultural quer no ponto de vista ma- terial. A influéncia norte-americana nos estudos do solo brasileiro tem sido de- cisiva e bem mais ativa que a influén- cia francesa, inglésa ou alema. Nos tempos coloniais tivemos aqui grandes espiritos que perscrutaram o intimo da nossa terra e nos legaram documen- tag&o que serviu de base e de estimulo para trabalhos posteriores. Von Martius, sdbio natural da Ba- viera, 6 um désses que ficaram para sempre na gratidao dos brasileiros por seus inigualaveis estudos botanicos e etnograficos. O francés Saint-Hilaire descreveu o Brasil colonial e também muito contribuiu para o conhecimento da nossa flora. Os ingléses Gardner, . Burton, Wallace, Bates sao classicos autores nas ciéncias naturais. Mas franceses, ingléses, alemées, austriacos e italianos vieram até c& espacadamente, sem constituir propria- mente um fluxo constante, como acon- tece em relaciéo aos norte-americanos. A nossa terra atralu mais os nossos vizinhos de continente que os amigos do Velho Mundo; é notavel a seqién- cia de espiritos de escol deixando as universidades americanas para se atira- rem & roméntica tentacdo de desven- dar os segredos do solo brasileiro. Essa influéncia norte-americana, a nosso ver, tem sido importante, benéfi- ca, continua e crescente. Que tem sido grande, basta lem- brar os nomes de Agassiz, Hartt, Derby, Branner, Crandall, Williams, White, ¢ outros ligados intitnamente a trabalhos de grande vulto, sem mencionar os tra- balhos esparsos e de menor influéncia devidos a quase uma centena de auto- res norte-americanos. Tem sido benéfica e basta para prova-lo lembrar a repercusséo mun- dial dos trabalhos de Derby mostrando ao mundo civilizado o potencial ferri- fero da serra do Espinhaco; basta lem- brar a obra fundamental de I. C. White relativa ao carvao nacional, basta citar o mapa geolégico e a bibliografia acom- panhante devidos a Branner ou o tra- balho de aproximacéo cultural e esti- mulo & mocidade, realizado por um William Johnston Jor. agora nestes anos de guerra. © exame das datas mostra que desde 0 meado do século passado tem havido certa continuidade na vinda de cientistas e técnicos norte-america- nos a0 Brasil e que essa corrente tem sempre se avolumado. A Ultima guerra proporcionou a vinda de cérca de cem técnicos para nos ajudar a produzir os minerats, de que as Nagdes Unidas mais necessita- vam: cristal, mica, tantalita, berilo e cheelita. Essa centena de homens reu- nia diversas especialidades, abrangen- do todos os conhecimentos necessarios para levar os minerais do solo brasile!- ro as usinas que produziam os mate- riais de guerra. E’ pena que cessadas as hostilida- des armadas tivessem ésses homens voltado & sua terra de origem abando- nando as atividades aqui aos poucos abnegados que lutam com falta de equipamento, falta de técnica e de - finangas. ‘Lamentavelmente um nacionalls- mo muito exagerado nos tem privado duma maior cooperacéo estrangeira no aproveitamento das riquezas do solo, mas é com prazer que se vé cada dia avolumar-se a corrente dos que cla- mam por homens de saber e experién- cia, nao importa de que nacionalidade, para vir nos ajudar nessa 4rdua tarefa de valorizar a terra brasileira. © indice mais significativo da in- fluéncia benéfica dos norte-americanos que para c4 vieram nestes tiltimos tem- os, so 0s sélidos lagos de amizade que nos ligam a éles. As relagdes dos técnicos brasileiros com professéres das universidades norte-americanas e com profissionais do U, 8, Geological Survey e Bureau of Mines nunca foram tao numerosas nem t&o cordiats. 254 BOLETIM GEOGRAFICO Relembremos os principais norte- americanos que estudaram o solo do Brasil. Joao Luis Rodolfo Agassiz nasceu na Suica, mas naturalizou-se norte- americano e Id viveu a maior parte da sua vida. Foi um grande nome na ic- tlologia e no estudo dos fenémenos gla- clais. Veio ao Brasil em 1865, como chefe duma expedicao cientifica, ti- nanciada por Nathaniel Thayer, visi- tando o vale amazénico, o litoral e parte do Rio de Janeiro. Sua principal ocupacdo era o estudo das glaciacces, assunto em que era tido em grande conta, mas hipnotizado por essa idéia, viu vestigios de geleiras em Areas bra- sileiras que nunca foram sujeitas a glactacées. A expedicéo Thayer foi bastante proveitosa e 56 no vale amazénico fo- ram colhidos milhares de espécimes vegetais e animais tendo a ictiologia merecido especial relévo. Um_ minucioso relatério da viagem narrando os acontecimentos foi escrito por’ sua espésa, Miss Elisabeth C. Agassiz, natural de Boston, e sua cola- boradora eficiente; publicado sob o ti- tulo 4 Journey in Brazil, foi mais tarde vertido para o francés e também publi- ado em portugués na colecao “Brasi- lana”, vol. 95. A obra de Agassiz encerra 22 titulos diversos versando principalmente sobre os fenémenos geologicos no vale ama- zonico. Além dos trabalhos sébre a Amazénia, Agassiz publicou duas me- morias de valor sobre os peixes fosseis, . da chapada do Araripe colecionados pelo viajante inglés George Gardner. E’ inegdvel o valor das contribuigdes de Agassiz para o conhecimento da ba- cla amazénica, mas a hipdtese duma glaciagao pleistocénica por éle abra~ ada e ardorosamente defendida foi contestada pelo bario de Capanema, naquela época, e mais tarde pelos pr6- prios gedlogos’ norte-americanos. Sem divida ainda mais proveitosa que as contribuicées pessoais de Agassiz fol a missio dada ao seu auxiliar Charles Frederico Hartt de estudar diversos problemas brasileiros, pondo-o assim -em contacto com essa terra que éle tanto admirou na sua répida passagem pela vida. Charles Frederick Hartt, apenas * um jovem estudante, discipulo de Agas- siz no Museu de Zoologia Comparada e na Universidade de Harvard, ficou ma- ravilhado com um mundo virgem pésto diante da sua capacidade de investiga- 40. Chegou ao Brasil com o professor Agassiz, e apés algum tempo de traba- Iho voltou aos Estados Unidos, termi- now 0 curso e consegulu melos de re- gressar ao Brasil. Gragas as contribul- g6es financeiras de Edwin B. Morgan, Hartt voltou em companhia de outros jovens de Cornell, para se dedicar a pesquisas de ciénclas naturals. Seus companheiros foram Orville A. Derby, e Herbert Smith, ambos conhecidos por trabalhos de valor. Nas suas investigacées, Hartt pal- milhou grande parte da costa, e a pe- dido de Agassiz reuniu tédas as obser- vacoes geologicas e geograficas num grosso volume editado em Boston em 1870, intitulado: Geology and Physical Geography of Brazil. E um livro de grande valor pela documentacao fide- digna e pela abundancia de observa- oes pessoais e fol traduzido por Edgar 8. de Mendonga ¢ Elias Doliant! e publicado como vol. 200, Série 5.4, da “Colegao Brasiliana” da Biblioteca Pe- dagégica Brasileira. _ Bsse trabalho, embora devido ao auxilio financeiro de outros elementos citados por Hartt no seu prefacio, fi- gura_principalmente como uma contri- buicdo clent{fica da Thayer Expedition, dirigida pelo professor Luis Agassiz. B’ uma obra de cunho sdlidamente cientifico de par com relevante valor informativo. Sébre ela assim se ma- nifestam Oton Leonardos e Avelino de Oliveira: *"“As contribuigdes novas des- ta obra consistiram na determinagao dos caracteres fisicos e geolgicos da faixa Utoranea entre Rio de Janeiro, - e Pernambuco com uma seco atra- vés da serra dos Aimorés até Minas Novas; o descobrimento de um terreno fossilifero, na opiniéo de Derby, prova~ velmente devoniano, no baixo rio Par- do, Bahia, o de terreno cretéceo em Abrothos, ’no Recéncavo_baiano, em Sergipe, Pernambuco e Paraiba; um estudo ‘pormenorizado do mar corali- fero dos Abrolhos e a determinagao da natureza e possivel origem dos recift de arenito de Recife, Porto Seguro etc. Em 1867, Hartt féz uma viagem explorando o Norte, 0 Nordeste e os Abrolhos, em 1870 féz ainda outra na. expedicéo Morgan, com o professor Prentiss e mais 18 estudantes da Cor- nell; em 1871 féz ainda outra excursao * Geologia do Brasil, 2% edicho, Rio, 1943. RESENHA BH OPINIONS co & Amazénia, agora em companhia de Orville Derby, regressando em 1872 aos Estados Unidos. Em 1874, mais uma viagem so Brasil, fazendo’ sua célebre conferéncia sdbre a estrutura geold- gica do vale teve oportunidade de viajar muito fa- zendo sempre proveitosas inv: trazendo fatos novos e idéias originals que lhe deram um papel de grande des- taque no estudo da geologia do Brasil. Sua bibliografia, referente ao nosso pais encerra nada menos de 50 titulos, se- gundo a lista organizada por Edgar e de Mendon: Sua bibliografia que no s6 temas de geologia sem- pre de grande valor, mas alguns mere- ‘ology and Physical Geogra- phy of Brazit (1810), Contributions to the Geology and Physteal Geography of the Lower Amazonas (1874). Hartt dedicou-se também a estu- dos de etnologia, etnografia e arqueo- logia sobretudo no vale amazénico, sen- do seus trabalhos nesses assuntos con- siderados fontes muito autorizadas. A obra de Hartt em seu conjunto a volvida e aprimorada no ambiente uni- versitério norte-americano, pols em Harvard, em Cornell, sob a influéncia e outros mestres fol que se deserroiveu um islento apllcado quae Integralmente a0 estudo da natureza a. ‘Lamentavelmente Hartt morreu no Rio de Janeiro em 1878, apenas com 38 anos. Deixou além de preciosa bl- bilografia que revela uma farta messe de trabalhos de valor um colega e dis- cipulo que se tornou mais tarde o ex- poente 0 da geologia no Brasil. Hartt seré sempre o grande mestre dos traces gerais da paleontologia no Orville A, Derby. Discfpulo de Hartt, graduado na Cornell, nasceu no Estado de Nova York, em 1851 e mor- reu no Rio de ae em 1915. Nunca Se casou, dedicando todo seu tempo, a0 estudo cientifico do solo -brasil 0 gedlogo de mais sélida ormnao Cien. tifica que abordou problemas ‘prasilel- ros. Em nossa opinido € 0 expoente méximo do pensamento norte-ameri- cano no Brasil. Deixou uma bibliogra- fia de perto de 150 trabalhos, publica- dos na matoria em revistas estrangeiras Particularmente no American Journal of Science, tratando problemas de frografia e génese de minerais e rasileiras numa base essencialmente clentificas Colaborava também em re- tins nacionais escrevendo da cartografia, geografia, historia das bandeiras e climatologia do Brasil. Os que com éle conviveram refe- Tem-se com pr Tespelto a0 seu acendrado amor ao nosso pais, 4 pure- za dos seus sentimentos e 4 sua ima- a Comissio Grafica e Geolégics. de Bic Paulo mais tarde o Servico Geoldgico e Mine- ralo ico do Brasil fazer trabalhos de wel valor a despeito dos acanha- tos recursos da épora. Como o seu antigo chefe e mestre, Derby iniciou sua atividade pela Ama- zonia, estudand trabalhos notdveis s6bre a geologia da bacia amazénica, da bacia do Sao Fran- cisco, da bacia’do rio Grande e da bacta bipmens do Recéncavo da Bahia. Especial interésse lhe mereceu o mis-.~ terloso problema da génese dos dia- mantes brasileiros, problema cuja obs- curldade até hoje desafia a argicla dos homens de ciéncia. As jazidas de ferro, manganés, ouro e monazita, como ag pormenorizados que se tornaram clis- sicos. A colonial e a histé- ria das primeiras descobertas de ouro e diamantes tiveram néle apaixonado, oa ogitagées em térno da origem das fees do ‘Rordeste e os estudos dos meteoritos brasileiros.também foram objeto de suas agudas observagdes. A petrografia era campo de sua especial predilegdo e seus trabalhos no micros- cépio foram notaveis, sobretudo aqué- Jes versando sdbre rochas nefelinicas. Versava com grande autoridade a pa- braquiépodos trutura do Psaronius* e Tietela* sio trabalhos da mais alta valia. © valor da obra de Derby pode ser aquilatado pelo fato de lhe ter sido conferido pela Geological Society 3 Pearonius drastHonste. 2 Tietea singularis. 6 BOLETIM GEOGRAFICO of London, em 1892, o prémio Wollas- ton conquistado por figuras como D’Orbigny, Dana, Agassiz, Daubree e Elie de Beaumont. : Derby exerceu uma grande influén- cia sdbre os que o cercavam; os mocos da geracio atual que nao 0 conhece- ram tém por éle um verdadeiro culto e pela obra um respeitoso acato. Richard Rathbun foi companheiro de Hartt na expedicéo Morgan em 1870, e com éle trabalhou na Comis- sio Geolégica do Império. Seus tra- balhos versam s6bre paleontologia da Amazénia, da costa do Nordeste, s6- bre as formacées coraligenas de’ Ita- parica e Paraiba, e sdbre a geologia Go Recéncavo. Seus trabalhos foram publicados entre 1874 e 1879, a maio- tia déles nos Estados Unidos.’ O estudo sobre a ilha de Itaparica, publicado nos Arquivos do Museu Nacional do Rio de Janeiro é ainda hoje uma obra fundamental. John Casper Branner fol um gran- de amigo do Brasil, trabalhando muito pela aproximacdo’ cultural dos dois paises. Nasceu em 1851, no Tennessee e morreu em 1922 na California onde exercia o alto pésto de presidente da Universidade de Stanford. & mais um elo precioso da corrente de norte-ame- ricanos notaveis que vieram estudar 0 Brasil. Iniciou seus trabalhos aqui em 1875 como membro da Comisséo Geo- légica do Império, sob a orientacéo de Hartt e tendo Derby como companhel- ro. Graduou-se também em Cornell, como Derby; como éle foi discipulo de Hartt e como ambos, amou muito o Brasil e féz da nossa terra o campo preferido para suas investigac6es. Branner ndo se estabeleceu defini- tivamente no Brasil, como éles, em compensacao criou nos Estados Unidos um centro de estudos sébre o Brasil e organizou naquele pais a melhor biblio- teca sdbre assuntos brasileiros existen- tes no estrangeiro. Em_ 1899, Branner organizou com Alexandre Agassiz uma expedicao para estudar os recifes da costa nordestina e os resultados dessas investigagGes fo- ram publicados nos Proceedings of the Washington Academy of Science e no Bulletin of the Museum of Comparative Zoology do Harvard College. Do tra- balho intitulado The Stone Reefs of Brazil, their geological and geographi- cal relations (1904) ha uma tradugéo portuguésa. Em_ 1911, Branner_ dirigiu outra expedicio ao Brasil, a Stanford Expe- dition, fazendo-se acompanhar por 7 cientistas, dos quais 3 gedlogos, um dos quais era Roderic Crandall. O campo de acdo foi o Nordeste, e'os resultados foram 20 trabalhos reunidos num volume publicado em. 1914 sob © titulo: The Papers of the Stanford Expedition to Brazil in 1911. Interessante contribuigéo para o ensino no Brasil, fol o compéndio que Branner publicou em 1906: Geologia elementar preparada com referéncia especial aos estudantes brasileiros, e do qual se tirou uma 2* edicéo. em 1915. Até entdo, os’ estudantes no Bra- sil sé tinham’ ao alcance os compén- dios estrangeiros ou tradugdes de Geike, Lapparent etc., onde s6 havia exem- plos de terras estranhas. Branner além de apresentar um trabalho didatico, bem equilibrado, primou por mencio- nar tanto quanto possivel exemplos brasileiros, despertando no leitor outro interésse e divulgando entre os estu- dantes os fendmenos geolégicos tal co- mo se apresentam no Brasil, ao al- cance. dum exame pessoal. Bsse por- menor da atividade de Branner me- Tece destaque especial porque estamos certos que ésse livro' causou a muitos outros estudantes brasileiros a mesma impressdo magnifica que causou a0 au- tor destas linhas, quando numa manha de fevereiro de i919, o adquiriu na li- vraria Francisco Alves e passou o resto do dia a absorvé-lo com entusiasmo. O extenso conhecimento da litera- tura de par com o conhecimento pes- soal de grande parte do Nordeste bra- sileiro levou o professor Branner a publicar um mapa geoldgico do Brasil atualizando os conhecimentos até aque- la data. Para documenté-lo escreveu Outlines of the Geology of Brazil to acompany the Geological Map of Bra- zil, publicado no Boletim 30, n.° 2 do Geological Society of America, logo a seguir foi tirada uma edicéo portu- guésa tanto do mapa quanto do texto, Pondo nas mAos do publico brasileiro uma excelente bibliografia e um resu- mo da geologia geral e econémica, pri- metro grupado, segundo os periodos e depois por Estados da Federacao. A obra escrita de Branner abrange, segundo as anotacées de Dolores Igle- sias,* 61 trabalhos, o primeiro escrito em 1884 sob o titulo Note on Flexible Sandstone e 0 ultimo em 1923 sdbre ‘+ Bibliografia ¢ fndice da Geologia do Bra- ail — 1641-1940 — ‘Boletim ne 111 da Diviséo de Geologia e Mineralogia, Rio, 1943. RESENHA B OPINIONS 281 Oil Possibilities in Brazil. Seus nume- rosos escritos yersam os variados as- pectos da geologia e_geografia fisiea, especialmente da regiio compreenden- do de Bahia ao Ceara. Os recifes da costa, a decomposicao das rochas cris- taleiras, a geologia de Bahia e Sergipe, as formagées diamantiferas da Bahia e a ocorréncia dos mamfferos fésseis foram os temas preferidos por Branner. Tao influente quanto a obra es- crita deve ter sido a sua palavra na cAtedra de geologia na Universidade de Stanford referindo aos estudantes americanos suas observacces relativas a terra brasileira, contribuindo para a manutengéo désse interésse pelas cou- sas do Brasil, que vem crescendo desde a visita de Luis Agassiz. I. C. White — Foi mais um geélogo notével que visitou o Brasil no princi- pio déste século. Um dos criadores da teoria da acumulacao de petréleo nas dobras anticlinais e também perito em jazidas carboniferas. Contratado para estudar a regio carbonifera do Sul do Brasil, organizou uma misséo com elementos _nacionais, levando a bom térmo 0 trabalho cujos resultados fo- ram. enfeixados num grosso volume ainda hoje consultado com proveito. A White deve-se a fixacdo do padrao estratigrafico do Gondwana e a des- crigdo das camadas-tipo do Brasil me- ridional. Seus ensinamentos em matéria de carvéo ainda hoje séo acatados ao passo que as idéias manifestadas a Tespeito do petréleo séo passivels de contestacao. Foi seu contempordneo o Dr. David White, paleontologista de renome, que descreveu a flora fossil do carvao brasileiro e varios anos depois uma célebre planta descoberta por Branner em Araci, Bahia; John M. Clarke estudou os ‘fésseis ‘paleozdicos do baixo Amazonas e do Parand. O trabalho sdbre o devoniano do Parana constitui uma monografia do Servico Geolégico e Mineraldgico do Brasil e merece destaque especial por seu valor. As _contribuigdes paleontoldgicas de Clarke refletem ainda a acdo de Or- ville Derby. Roderic Crandall é mais um digno representante da Universidade de Stan- ford com a especial caracteristica de estar ainda entre os vivos e de ter gozado os encantos do Rio de Janeiro ainda o ano passado, ocupando o posto de “Petroleum Attaché” junto 4 Embai- xada Americana. Velo ao Brasil pela primeira vez sob a influéncia de Branner iniciando seu contacto com a terra brasileira em 1907 nos adustos sertées da Bahia. In- gressou depois no Servigo Geoldgico e mais tarde na Inspetoria de Obras contra as Sécas, onde em companhia de Horace Williams féz extensos reco- nhecimentos geoldgicos e lancou os fundamentos das novas cartas da re- gido. Foi o criador da “Série do Ceara” na literatura geoldgica; foi o primeiro a estabelecer as condigées geolégicas essenciais para o aproveltamento da Agua subterrénea na zona semi-drida no Nordeste. Deixando o Brasil, Cran- dall exerceu sua atividade em assuntos de petréleo em Sacalina, em Londres, e varios paises da Europa, regressando depois aos Estados Unidos, estabelecen- do um escritério em Fort Worth, Texas. Em 1944, estéve de novo entre nés, en- contrando aqui téda a simpatia’e a admiragdo merecida em face do seu trabalho fecundo no Nordeste brasi- leiro. Seus principais trabalhos cons- tituem a colaboracéo eficaz na carto- grafia do Nordeste, a publicacio n° 4 — Geologia, Geografia e Suprimento wAgua na ‘Paraiba, Rio Grande do Norte e Ceard e 0 Mapa Geolégico de Sergipe e Parte da Bahia, trabalho em colaboragéo com Horace Williams. Horace Williams ¢ 0 decano dos edlogos norte-americanos no Brasil, pois conta 80 anos e vive ainda no Rio de Janeiro. Formou-se em Stanford e veio para o Brasil (1892) trabalhando como topégrafo na Comissio Geografi- ca e Geolégica de Séo Paulo. Depois trabalhou na Inspetoria de Obras con- tra as Sécas dirigindo os servicos de cartografia. Era habilissimo topégrafo e desempenhou também missdes de es- tudo de jazidas metaliferas e aprovei- tamento das zonas semi-dridas. Ralph H. Soper é da mesma turma, atuou no Nordeste estudando a geolo- gia no interésse de obter Aguas subter- raneas, deixando-nos além de relaté- rios bastante orientadores, muitas cen- tenas de pocos valorizando fazendas, vilas e cidades da Bahia ao Piaui. Sio Particularmente valiosas suas contri- buigdes & geologia de Sergipe e nor- deste da Bahia. David Star Jordan, estudou os pei- xes fosseis do Ceara, Piaui e Alagoas; sua obra é reflexo da influéncia Bran- ner. Herbert Smith, anterior a éle, enquadra-se na esfera de influéncia de Hartt; escreveu sobre geologia e 258, BOLETIM GEOGRAFICO geografia fisica da Amazénia, geologia do Rio Grande do Sul e uma memoré- vel descri¢éo de viagem do Rio a Culaba. Dona Carlota Joaquina Maury, pa- leontologista norte-americana, de ‘lon- ge empenhou-se em desvendar misté- Thos do solo brasileiro. Deu-nos nota- veis contribuigdes quer pessoais, quer distribuindo material fossilifero ‘a ou- tros especislistas. Seus estudos sdbre os fésseis ter- cidrios representam um valioso contin- gente para a fixacao da idade de cer- tas formagées geolégicas do Nordeste e para o esclarecimento de muitas du- vidas até entao reinantes. O estudo dos fésseis cretaceos de Sergipe é mais um trabalho de importancia capital que revela o valor das contribuicdes norte-americanas 4 paleontologia do Brasil. Charles L. Baker estudou o Sul do Brasil, publicando em 1933 um impor- tante trabalho sdbre o campo de lava da bacia do Parana. Chester Washburne, gedlogo de pe- tréleo de grande reputacao, estudou o Estado de Sao Paulo, deixando um va- Hoso relatério onde sao lancadas idéias originais e novas diretrizes para con- duzir as pesquisas de petréleo. Tal relatério publicado em inglés e depois traduzido para o portugués e anotado por Joviano Pacheco, representa um marco de primeira grandeza na histé- ria das pesquisas minerais no Brasil. Embora no se possa ainda afirmar se 8&0 verdadeiras ou nao as hipdteses Jangadas por éle como base para um programa de pesquisa de petrdleo, con- tudo, depois de analisar o que se féz no passado, apresentou um novo ca- minho que aguarda dados experimen- tais para comprovd-lo ou_destrui-lo. De qualquer modo a influéncia da obra de Washburne na pesquisa de Ppetréleo em Sao Paulo, quando essa fér retomada, sera patente e talvez valiosissima. Mark Malamphy introduziu no Bra_ sil a prdtica da geofisica aplicada a elucidacdo de problemas do subsolo. Contratado pelo Ministério da Agricul- tura ali instruiu os rapazes brasileiros que mais tarde realizaram trabalhos importantes. O estudo da bacia creta- cea do Recéncavo e a fixacdo do con- ceito de uma grande espessura sedi- mentar feito em 1937, por Imack do Amaral, discipulo de Malamphy, deci- diu a continuacao das pesquisas de pe- tréleo naquela zona. Décio Oddone, Capper de Sousa, Milciades Guaranis, so técnicos brasileiros que realizaram importantes trabalhos de geofisica, con- seqiientes ao trabalho inicial com Mark Malamphy. R. Denning vem dirigindo os trabalhos da United Geophysical ‘Inc. contratada para fazer pesquisas para o Conselho Nacional do Petréleo, e J. E, Brantly, em 1939, introduziu a técnica de sondagens com rotary que J& pode hoje ser executada perfeita- mente com habeis operdrios brasileiros. As necessidades da guerra condu- ziram ao Brasil intmeros gedlogos de valor e seria dificil citar a .todos, de- limitando o campo de atividade de cada um. Alguns tornaram-se mais conhecidos pela oportunidade de escre- ver sObre assuntos novos, outros reali- zaram silenciosamente ‘trabalhos de grande vulto no desempenho das mis- sdes que lhes foram confiadas no re- cesso das matas ou nas entranhas das serras. Désses, alguns expandiram de tal modo sua influéncia e criaram em torno de si tantos admiradores e disci- pulos que n&o podem ficar incégnitos. ‘Tais so, por exemplo, Thomas Frazer que se dedicou ao estudo do beneficia- mento dos carvoes brasileiros com a técnica mais moderna continuando, por assim dizer, a valiosa obra que I. C. White iniciou hé quarenta anos pas. sados. William Pecora estudou os depé- sitos de niquel de Goids e publicou os resultados no Bul. 935 E do U. 8. Geo- logical Survey Washington, D. C. 1944; J. Van Nostran Dorriend’ estudou os depésitos de manganés e ferro de Uru- cum, em Mato Grosso; William Johns- ton ‘Jor. como seus colegas desempe- nhou grande atividade estudando os depésitos de cheelita, quartzo, bertlo, tantalita na 4rea do Nordeste, ‘as jazi- das de quartzo de Golds, Minas, Esp{- rito Santo e Bahia. Sua capacidade de cooperagao e sua dedicacéo ao traba- Tho foram exemplos edificantes para um grande numero de brasileiros que com éle conviveram, podendo-se dizer que William Johnston em pouco tempo eriou escola e deixou varios discipulos dedicados. Diante de ocorréncias curio- sas ou originais, Johnston sempre deu oportunidade aos seus auxiliares brasi- leiros de publicar e aparecer estimula- dos pelo chefe. Incans4vel nas pesquisas, eterna- mente bem humorado, sempre justo nas apreciacées, modelar no aspecto moral, William Johnston Jor. apesar RESENHA E OPINIONS da curtd estada entre nds, coloca-se no plano de Hartt, Derby, e Branner relativamente & influéncia’ de sua ati- vidade no Brasil. A Charles Will Wright e Franklin G. Pardee deve-se o trabalho de pre- paragao e orientac&o prévia do progra- ma de producaéo mineral desenvolvido durante a guerra; James Bell e William Butler orientaram o trabalho de classi- ficagio do quartzo como especialistas no assunto, Frank Noe trouxe-nos mui- ta cousa moderna em matéria de con- centragdéo de minérios; John Good, Russel Fleming e William Fourquerean nos auxiliaram nos problemas do car- véo, e Emerson Brown desempenha ainda com tino e habilidade o papel que Ihe cabe como “Minerals attaché” da Embaixada Americana. Kenneth Caster contratado para reger a cadeira de Geologia e Paleon- tologia na Faculdade de Fislologia de ‘Sao Paulo, ainda mogo, j4 é um consa- grado paleontologista;’ tem procurado estender o interésse do assunto pelos novos valores que ali se desenvolvem; tem feito observagdes sébre 0 devo- niano do Brasil e esperamos que nos delxe contribuigées de valor. Em 1914, o Brasil recebeu a visita de uma das majiores autoridades em geologia do petréleo: Sr. Everett De Golyer que fol depois convidado pelo govérno brasileiro para atuar como ‘consultor-técnico nas pesquisas levadas a efeito pelo Conselho Nacional de Pe- tréleo. Desde essa época tem visitado regularmente o pais o Sr. Lewis Mac Naughton, associado a De Golyer, per- correndo varias regiées e orientando as Pesquisas em curso. Esses técnicos no desempenho dos seus compromissos tem contratado varlos gedlogos que estao executando programas calcados na mais moderna técnica e segundo os principios mais aconselhaveis. Reside no Brasil, hé quase dois anos, como gedlogo-consultor do Con- selho Nacional do Petréleo, o Sr. A. H. Garner cuja: experiéncia demonstrada em longos anos de servigo nos Estados Unidos e na Venezuela, deveré nos ser altamente proveitosa. Tendo em conta © conceito da firma De Golyer & Mac Naughton e o espfrito que preside essa organizacdo, é licito supor que ela im- prima uma’ excelente orientacdo aos teabalhos do Conselho Nacional do Pe- trdleo. Assim como a missao Agassiz deu inicio a uma corrente de paleonto- logistas que nunca mais cessou e que construiu os fundamentos da geologia estratigrafica do Brasil, pensamos que a influénela de De Golyer poder4 criar o,mals sélido nicleo de conhecimentos sobre logia do petrdleo. A visita de Agassiz 4 Amazonia em 1865, iniciou o ciclo de estudos que se prolongou por mais de meio século através das figuras eminentes de Hartt, Derby e Branner. A segunda guerra mundial nos pro- porcionou a vinda de técnicos que de- ram grande ineremento & nossa pro- ducéo mineral salientando-se nessa plélade de cacadores de minerals es- tratégicos o nome de William Johns- ton Jor. Da assisténcla de De Golyer e Mac Naughton poder4 decorrer um terceiro ciclo de estudos do solo brasileiro. O ciclo de Agassiz é o da paleontologia, criando as bases da estratigrafia bem como os conhecimentos gerais das ro- chas, dos minerais e da hidrologia. O ciclo dos cagadores de minerals estratégicos é 0 da geologia econémica e da exploragao de minas. : ° gute ciclo que agora se om o do petréleo, com sua magna impor~ tancia e inestlmdvel influéncia sobre os destinos do pats. Os brasileiros que estudam tém a nog&o exata de quanto devemos a ésses homens de ciéncia que fizeram do solo do Brasil seu campo de atividade. Os técnicos nacionais mais imbuidos de nacionalismo rendem homenagem res- Peitosa aos nomes que acabamos de citar. Bles, em verdade, criaram algo de muito valioso para ‘0 nosso pais: um patriménio de conhecimentos que constitui o fundamento de téda a nos- ga exploragio mineral e que 36 se ob- tem através de penosas peregrinacoes no campo e de profundas meditacées nos gabinetes. Silvio Frois Abreu. * Pelo Brasil unido: limites, Territérios Federais e simbolos nacionais face da Constituicao de 1946 * Era minha inteng&o fazer na So- ciedade Brasileira de Geografia uma comunicagéo a éste respeito, como fiz em agésto de 1934, sdbre “Questdes de Limites Interestaduais e a Constitui- go de 1934”, mas esta Sociedade, o Instituto Histérico e Geografico Brasi- leiro e os Congressos Nacionais de Geo- * _Artigo publicado no Jornal do Comércto de 10-X1-46. 260 BOLETIM GEOGRAFICO grafia, ao contrario de tempos passados, Procuram agora evitar éstes assuntos geograficos considerando-os politicos. Resolvi, portanto, mais uma vez recorrer ao Jornal do Comércio, que é 0 patrono desta causa sagrada — desde seu céle- bre editorial — “Pelo Brasil Unido” — de 7 de setembro de 1911 — pugnando pelas solucdes das questées de limites interestaduais. Limites interestaduais — A Cons- tituicdo de 1946 — em seu artigo 1° § 1° diz: — a Unido compreende além dos Estados, o Distrito Federal e os Territérios; $§ 2.° — O Distrito Federal é a Capital da Unifo. Art. 2.9: Os Estados podem encorporar-se entre si, subdividir-se ou desmembrar-se para se anexarem a outros ou formarem no- yos Estados, mediante voto das respec- tivas assembléias legislativas, plebisci- tos das populagdes diretamente inte- ressadas e aprovacdo do Congresso Na- cional. Art. 3.°: os Territérios poderao mediante lei especial, constituir-se em Estados, subdividir-se em novos Terri- torios ou volver a participar dos Esta- dos de que tenham sido desmembrados. Art. 6.° (Disposig6es Transitérias): Os Estados dever&o no prazo de trés anos, a contar da promulgacado déste ato, Promover, por acérdo, a demarcagdo de suas linhas de fronteiras, podendo para isso fazer alteragdes e compensa- goes de areas que atendam aos aci- dentes naturais de terreno, as conve- niéncias administrativas e @ comodi- dade das populacées fronteiricas. § 1.° — Se 0 solicitarem os Estados interes- sados, 0 Govérno da Unido devera en- carregar dos trabalhos demarcatérios 0 Servico Geografico do Exército: § 2.° — Se nao cumprirem tais' Estados o disposto neste artigo, o Senado Federal deliberaré a respeito, sem prejuizo da ‘competéncia estabelecida no art. 101, n© 1, letra e, que diz: “Ao Supremo Tribunal Federal compete: processar e julgar originariamente: as causas e conflitos entre a Unio e os Estados ou entre éstes”. Logo, a meu ver, a Constituicdo de 1946 considera os Esta- dos — com os limites atuais — que tém — e exige em trés anos, por acérdo direto — a demarcacdo da linha fron- teira que pode ser feita, a pedido dé- les, pelo Servico Geografico do Exército, ou’ por uma comissao mista de enge- nheiros dos dois Estados como foi a do Parana-Santa Catarina ou como tem sido em diversos casos com a assistén- cia do Conselho Nacional de Geografia, a pedido dos Estados interessados. Se em trés anos os Estados néo decidirem as dtividas existentes, o Senado Federal deverd fazé-lo, sem prejuizo de agao do Supremo Tribunal Federal. O profes- sor Fernando Gabaglia, em sua obra clissica Fronteiras do Brasil nos ensi- na: “Fronteiras sio as extremidades do territério de um Estado que confinam com as do outro, As fronteiras eram, a principio, zonas, depois faixas e hoje so linhas. “Demarcagéo” é 0 tragado da fronteira — linha sobre a superficie terrestre”, Questées de fronteiras: (Minas- Espirito Santo) — & 0 caso que exige mais rapida solugéo para maior e me- thor harmonia entre os Estados confi- nantes. A divergéncia de interpreta- gao do art. 184 §§ 1° e 2.° da Consti- tuigdéo de 1937 e o trabalho apresenta- do pelo Servigo Geografico do Exército explicam a situacio atual. Quanto ao art. 184 §§ 1° e 2° interpretam “ guns” caber ao Servico Geografico do Exército decidir tédas as questées de limites interestaduais sendo irrevoga- veis seus laudos e outros entre os quais me coloquei, por motivos juridicos e histéricos, caber-lhe simplesmente re- conhecer a jurisdicio territorial exis- tente em 1937, e demarcar a fronteira. Na imprensa ¢ na Assembléia Nacional Constituinte éste caso vem de ser muito debatido. Mas os Exmos. Srs. Presiden- tes da Repiblica Getilio Vargas, José Linhares e Eurico Dutra, éstes, ape- sar dos recentes apelos do Conselho Nacional de Geografia e do Instituto de Histéria e Geografia Militar, néo o resolveram. Urge, portanto, ser resol- vido agora de acérdo com o art. 6° das Disposicdes Transitérias da Cons- tituicho vigente: — que consagrou o processo do acérdo direto que, desde 1916 venho defendendo, e assinalando o principio de nao se passar habitantes de um Estado para outro, experiéncia da feliz solugéo no Contestado (Para- né-Santa Catarina). Dentro de trés anos nao havendo acérdo entre os dois Estados caberé ao Senado ou Supremo Tribunal Federal resolvé-lo. Em Minas, parece-me predominar a idéia de solu- ¢o pelo Supremo Tribunal Federal em obediéncia ao laudo arbitral de 30 de novembro de 1914, de modo a se inte- grarem mais tarde em Minas os quis- tos espiritossantenses Barra de Sie Francisco e Alto Rio Novo, como acon- teceu anteriormente, ao sul do Rio Doce, com a comarca de Marechal Her- mes, onde esta a cidade mineira de Mutum. Tratando déste assunto sob o RESENHA E OPINIONS 361 Ponto de vista brasileiro, confirmo, mais uma vez, meu modo de resolvé-lo: por acérdo: Minas — tendo de super- fice 576 000 quilometros quadrados, Es- Pirito Santo 44000 quilémetros quadr: dos e a zona litigial 10000 quilémetros quadrados, Minas sem passar ‘para o Espirito Santo cérca de 65 000 mineiros, Poder ceder-Ihe terreno baldio e mes- mo os quistos de Barra de Séo Fran- cisco e Alto Rio Novo com cérca de 3000 habitantes. Com algumas altera- gdes, pode resolver o caso a solucio apreseniada no Conselho Nacional de Geografia pelo professor Délgado de Carvalho. Ei-la: (1) “Na bacia do Itatina e Si0 Mateus do Norte” os:pré- prios Estados interessados lmitaram uma faixa, entre duas poligonais, entre as quais dever4 passar a linha divis6- ria definitiva; (2) Na bacia de Sdo Mateus do Sul, encontram-se de fato, duas cidades Barra de Sao Francisco instalada pelo Espirito Santo e Man- tena instalada por Minas, na mesma data. Portanto uma linha conciliatéria dever4 passar entre as duas localidades. (3) Na dacia. do So José, afluente do rio Doce, que nasce a oeste das escar- pas dos Aimorés, existe a vila do Alto Rio Novo — do Espirito Santo e uma estrada méneira ligando Mantena 4 EB. F. Vitoria 2 Minas, passando pela ca- beceira do braco principal do Sao José. Assim éste braco devera ficar mineiro @ 0 Rio Novo — espiritossantense. Mi- nas resolveu por acérdo, as questées de limites com Bahia, So Paulo, Rio de Janeiro e Golds, s6 faltando com o Es- Pirito Santo. Com © valioso auxilio do Conselho Nactonal de Geografia foram resolvi- das, por acérdo, as seguintes questoes de fronteiras: na vigéncia da Consti- tuigio de 1937: Minas-Golds, Minas- Rio de Janeiro, Minas-Sio Paulo, Mi- nas-Bahia, Pernambuco-Alagoas, Piaui- Maranhao, Maranhao-Golés, ‘Bahia- Piaul, Bahia-Goids e estao sendo ultl- madas as dem: s. de outras. Exi- gem, entretanto, solucées as do Amazo- nas-Paré e Paraiba-Rio Grande do Norte, para as quais j4 se iniciaram entendimentos promisiores por inter- médio do referido Conselho, a pedido dos Estados. Territérios Federais — Existlam antes: O Distrito Federal, ex-Municipio Neutro, desde a proclamacio da Repi- blica eo Territério.do Acre, em virtu- de do Tratado de Petropolis (1903) que resolveu_a quest&o de limites com a Bolivia. O Amazonas recorreu, em 1905, ao Supremo Tribunal Federal para reivindicar a parte setentrional déste territério, A Constituigio de 1937, em seu art. 6, estabeleceu: a Unido pode erlar no interésse da defesa nacional, com partes desmembradas dos Estados, Territérios Federais, cuja administra- Go sera regulada em lei. Somente em outubro de 1943, deu o Govérno exe- cucso a éste dispositivo criando os Territérios Federais do Amapa, Rio Branco, Guaporé, Ponta Pord e Iguacu, fixando-lhes os’ limites, organizacad e administracio. ste ato governa- mental, exceto em alguns Estados que tiveram suas superficies diminuidas, foi recebido com grandes aplausos, sen- do 0 Govérno felicitado pelo presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica, Comissdéo de Fronteiras, Li- ga da Defesa Nacional, Sociedade Bra- sileira de Geografia e Instituto Histé- rico e Geogrdfico Brasileiro, que o féz depois do parecer da comissio compos- 7 iana, Basilio Maga- lhées e Feij6 Bittencourt, cabendo-me a honra de ter proposto nestas duas filtimas associagées os telegramas de felicitagdes, acentuando ter sido dado da qual hoje descreio como sempre descri da mudanga da Capital Federal. Trés anos mo sao decorridos da cria- Ao dos cinco Territérios Federais aci- ma mencionados e j4 o advento da Constituicaéo de 1946 trouxe a extingao dos Territérios de Iguacu e Ponta Pora, nado obstante a advel cia do Estado Maior do Exército, conforme noticiou a imprensa, em relacdo a éste ultimo. Nos limites dos Territérios e Estados, confinantes, tem-se feito exercer com grande proveito a acéio do Conselho Nacional de Geografia. tulgio de 1937, em seu art. 2.9, deter- minou: A bandeira, o hino, o' escudo e ag armas nacionais sio de_uso obri- gatério em todo-o pais. Nao haverd outras bandeiras, hinos, escudos e ar- mas. A lei regular 0 uso dos simbolos nacionals. Bem ceriménia que nao se esquece, na praia do Russel, em 1937, prestdida pelo Presidente da Repiblica, féz-se a quelma das bandeiras esta- duais. Dividida a opiniao publica quan- to ao acérto desta medida, figurei en- 282 BOLETIM GEOGRAFICO tre os que @ aplaudiram. Mas, desde a leitura de um dos seus apreciados e patriéticos escritos, Costa Régo, aba- Jou a minha conviceéio, de modo que aprovo o seu restabelecimento pela Constituigiio de 1946 em seu art, 195: “Sao simbolos nacionais a bandeira, o hino, o sélo e as armas vigorantes na data’ da promulgacéo da Constitulcéo. # 1.9 — Os Estados e os Municipios po- dem ter simbolos proprios”. Como de- clarou Costa Régo, tendo sido éle go- vernador de Alagoas, nunca vira a ban- deird alagoana. Também até hoje nun- ca vi uma bandeira de Minas Gerais... Delxam agora, portanto, de despertar a curiosidade ¢ 0 culto dos frutos proi- bidos — os simbolos estaduais e mu- nicipais. Entre os atos administrativos de Getilio Vargas, de real utilidade, néo se deve nem se pode deixar de ‘citar a criagéo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica, que tao rele- vantes servicos tem prestado e esté prestando por intermédio do Conselho Nacional de Geografia e do Conselho Nacional de Estatistica. A demarcagao total e completa das fronteiras inte- restaduais e entre Territérios Federais — evitando davidas e litigios nocivos & unidade nacional — pode ser eficiente- mente auxiliada pelo Instituto Brasi- letro de Geografia e Estatistica. Thiers Fleming * Aspectos econémicos da dominagso lusitana na Amazénia © homem da Lusitania chegou a0 vale amazonico numa hora triste de sua histéria. Justamente no ciclo da soberania absorvida pelos Filipes espa- nhdis, 0 que importava na atividade do descobridor de oceanos era servir aos designios imperiais do povo vizinho, a que se ligava numa harmonia difictl de compreender e impossivel de estru- turar-se seguramente. Vencendo as di- ficuldades que os tempos explicavam, o lusitano continuavas+o mesmo come- dor de espacos, argonauta e sertanista que desafiava distdncias, perigos, para construir de olhos voltados para a mae patria, sempre a sonhar com a hora da liberdade. A inquietagao de- corrente. da perda da independéncia néo Ihe decretara a diminulcéo do ousio. E, a0 longo do territério norte- oeste do Brasil, marchava com a mes- ma impetuosidade, de braco dado com © mameluco, que the continuaria a bravura nas selvas do oeste, investin- do sébre as cabildas refratérias, lan- gando-se chelo de heroicidade sobre os bandos de franceses que telmavam no esférco para criar o seu império & cus- ta dos espagos legitimamente lusiadas. Desembarcando nas terras banha- das pelo Guajaré, com a direcéo mill~ tar de um dos mals intrépidos soldados dessas Jornadas de conquista, o capitdo Francisco Caldeira de Castelo Branco, © lusitand de pronto compreendeu @ grandiosidade daquele mundo onde se Umitava o dominio marcado no ajuste tordesilhano. Aguas, 3, florestas, riquezas incontavels, multidées de gen- tilidade, tudo Ihe apareceu numa espe- taculosidade que éle registrou nas suas epistolas escrevendo & luz das novidades que coletou e dos episédios de que foi sen- do participante ou simples assistente. Suas tras impressées foram de verdadeiro deslumbramento. Como que se sentiu o descobridor do Eldora- do, que tantas energias vinha devoran- do'sem que o europeu conseguisse cons- tatar qual o espago onde realmente era aquéle maravilhoso mundo de riquezas sul-americano. Nos, primeiros descriti- ‘vos em que fixou essas im! , con~ fessou o deslumbramento. O rio ‘era 0 “mayor Rio que _ha em toda a redon- deza da terra”. Parecia “capaz de muy grandes couzas por ser da largura que digo, e as terras muyto fertilissimas com muita diversidade de madeiras como as do Brazil e mais avantajadas por serem arvores notavelmente gran- des entre as quais ha um pao a que 0 Gentio chama Cotiara muy lindamente debuxado e gracloso 4 vista. Ha neste. Rio em todas as partes dele muito Gentio por extremo de diversas nagées, o mais dele muy bem encarado sem barba. Trazem os homens cabello com- prido como molheres, e de muy perto © parecem de que pode ser nacerla o engano que dizem das Amazonas; pois nam ha outra couza de que a este pro- pozito se podesse deitar man”. Homem e terra, aos olhos extasia- dos do Advena lusitano, pareciam nfo apenas homem e terra que continuas- sem 4 natureza, a paisagem dos outros trechos do Brasil, de onde éle estava partindo para as aventuras no que encorporava aos dominios de Por- tugal. Homem e terra na Amazénia eram um capitulo novo que éle encon- RESENHA B OPINIONS 268 trava no seu caminho de sertanista e de revelador de multidées novas e espa- gos que até entéo a Europa ignorava. A Amazénia era agora a sua nova con- tribuigéo para o grande livro da geo- grafia e da sociologia que estava es- crevendo desde 0 ciclo dos descobri- mentos. E com a Amazénia, as infini- tas novidades botdnicas, zoogeograficas, etnoldgicas que seus investigadores ¢ observadores_descreveriam, _abrindo margem a paginas sensacionais nos dominios das ciéncias biolégicas e das ciéncias da natureza. © lusitano que desembarcava no vale € de pronto erigia, dentro de seus propésitos politicos, a'casa forte que Ihe marcava a presenca e a soberania do Reino na monarquia comum, vinha do Brasil. Era, evidentemente, um homem ex- perimentado com as coisas da colénia, suas particularidades, suas singulari- dades, seus imperativos. Acomodado ao ambiente, déle sabia extrair o ne- cessario ao seu viver, condicionando-o, de outro lado, as suas necessidades Politicas e econémicas. Trabalhava a terra, plantando-a, colhendo o que ela, entregava generosa e espontaneamente, criando os nticleos do litoral, encorpo- rando a gentilidade, com ela criando um novo tipo social, representado no mameluco, defendendo-a e assistindo-a, para que ‘viesse a ser o império que inegavelmente vislumbrara Caminha na sua epistola deliciosa e arguta. No The faltava experiéncia para mais um cometimento. Seus titulos anteriores na costa brasilica valiam-lhe segura- mente para atribuir-Ihe a seguranca de que no se ia atirar a experiéncias iniclais no vale tropical. Mas na regio éle nao encontrava ambiente diverso? A caudalidade do rio, a britalidade da selva nao Ihe abriam perspectivas no- vas onde fatalmente teria de operar com nova técnica, com elementos que desconhecia, sob perspectivas sombrias? Aquéle deslumbramento por si s6 néo equivalia a uma confissio de que tudo The era novo e portanto exigia uma politica em harmonia com as novida- des impostas pelo ambiente? Nao 6 possivel desprezar essas ob- servacées no exame do gigantesco tra- balho de desbravamento e de aclima- go que o lusitano veio realizar e rea- lizou na Amazénia. Ja de nds, numa série de estudos, tentamos compreen- dé-lo, registrando-o, interpretando-o, procurando aprecié-lo libertos de en- tusiasmos, guiados pela documentacao de que nos temos valido para fazer a exegese minudente do processo colo- nial portugués na América do Sul, par- ticularmente no extremo norte. AS con- clusdes a que vamos chegando nio nos deram ainda margem para desacredi- tarmos no esférco désse empreendi- mento colonial, tanto mais quanto € de nossos dias’a série de empreendi- mentos visando a recuperagao do vale, empreendimentos onde, aqui e ali, va- mos encontrar um retérno 4 politica que os portuguéses realizaram, evidén- cia oficial de que, longe désses proces- sos de trabalho, nao ser possivel qual- quer éxito no espago amazénico. Um eritério dos mais interessantes que nos levantaram embargos as obser- vagées, entendeu que apenas nos guié- ramos pelo documentario dos arquivos, desprezando o rendimento do esférco portugués pelo exame do que é ainda, na atualidade, a Amaz6nia, isto é, um espago meio barbaro que’ o homem, mesmo servido do equipamento técnico da atualidade nao péde ainda aman- sar. Esse fracasso do homem, no en- tendimento um tanto apressado do cri- tico, era. um passivo a inscrever nas responsabilidades da colonizagao lusi- tana, uma vez que as gentes amaz6- nicas, mantendo-se fiéis as grandes li- nhas da acdo que assinalou a passage dos portuguéses, provaram que essa acdo nao foi util, néo’produziu as ex- celéncias que proclamavamos. Ser exato 0 que o critico afirmou? O sim- ples retérno da atualidade a muitos dos prineipios que distinguiram a politica de-Portugal na Amazonia nao sera, de si, uma proclamacdo de que aquela politica nao teve as caracteristicas ne- gativas que se Ihe quer atribuir? Os fracassos verificados néo devem antes ser incluidos no passivo da natureza regional, inclusive a dureza climatica, que tanto dificulta a eficiéncia humana e lhe dé um sentido dramitico indis- cutivel? Os indigenas — Os conquistadores e colonos que vieram estabelecer-se no vale amazénico, no século XVII, encontraram aguas ’e terras ocupadas e viajadas pelas multidées indigenas, algarismadas em muitas centenas dé tribos, conseqiientemente, em muitos milhares de individuos, e ésses indi- viduos dos mais diferentes tipos fisi- cos e culturais. Trabalhando os mil produtos regionais, engenhosos, com um admiravel sentido objetivo das coisas locais, criadores de uma manu- fatura interessantissima, necessaria 208 quefazeres didrios, canoeiros, pes- cadores, cacadores, oleiros, decorado- res, teceldes, viviam o nomadismo de todos os primitivos, mas déles se dis- tinguiam pela produgéo de um sem- niimero de utilidades que os colonos souberam aproveltar e os missioné- rios incentivaram sob aprovacao régia. Seus estAdios culturais variavam muito de grupo a grupo, mas nem por isso Podemos atribuir-Ihes apenas aquelas Pintas de cavilosidade, madracaria, be- bedice por que a inteligéncia pragm4- tiea de Joéo Daniel os definiu. Tam- pouco podemos concordar com ‘a cor cluséio de nosso mestre Jaime Corteséo, quando, riscando um sumarissimo qua- dro das atividades que condicionavam e explicavam as precdrias condicdes de civilizacéo da massa gentilica do Brasil, generalizou demais, incluindo naturalmente nessa definico, os pa- drées culturais dos primitivos amaz6- nicos. Se houve os que estadiavam num degrau muito baixo, houve outros que se personalizavam em tarefas que Sinda ‘hos diag que correm definem a paisagem social e a paisagem eco- némica. O guarané era industria dos Maués. A borracha era industria dos Cambebas. O tipo social da Amazénia € ainda o tipo tapuio. Os contingen- tes negros, os contingentes acorianos, 0s contingentes nordestinos nao lhe modificaram a estrutura. Os usos e costumes, grosso modo, da generalida~ de populacional, continuam. fiéis aos padroes marcados pelo gentilismo. Ora, assim sendo, como desprezarmos ésse contingente tao precioso, negando-lhe os melhores indices de cultura? Os soldados e colonos que vieram Para comecar a emprésa colonial da Amazénia, no século XVII, conseqiien- temente, encontraram muitidées nati- vas dispondo de padrées culturais apre- ciéveis e que éles de pronto compreen- deram e imediatamente trataram de utilizar. Da{ a vertiginosidade por que foi possivel levar de vencida obstaculos serissimos, impostos pela natureza am- biente e pelos concorrentes estrangei- ros, operando-se a marcha para oeste e norte, em direcio as Guianas, encor- porando-se ao dominio colonial do Es- tado um espaco gigantesco, de que se perdeu, por fim, o trecho entre o Ja- vari e 0 Napo, mas suficiente para evi- denciar a significacéo, o vulto do co- metimento, sem simile na histéria co- lonial de qualquer povo. Cometimento efetuado com a eficiente e constante contribuicéo do gentio, que forneceu a sua ciéneia acérea das coisas regionais, BOLETIM GEOGRAFICO forneceu brago para manejar os remos, brago para construir os utensilios ne- cessirios, inclusive as embarcagées, braco para coletar a especiaria, intell- géncia para indicar os caminhos e iden- tificar aguas e espécies vegetais e ani- mais, e mesmo garantir, facilitar, por conseguinte, o descobrimento e a do- minagao portuguésa. A economia indigena, representada pela preparagao dos géneros alimenti- cios adequados regio, ou permitidos pela riqueza da fauna e da flora natu- Talis, pelos artefatos que trabalhavam, pela produgéo das varias utilidades ne- cessdrias & vida regional, revelava-lhe a cultura. Chocou-se com a cultura do mercantilismo lusitano, com a cultura da técnica européia de XVI_e XVII trazida pelos portuguéses? Nao deve- mos esquecer que os colonos lusitanos traziam a experiéncia das outras par- tes do Brasil. Sua cultura ja era, por- tanto, de muito, pintada aqui 'e ali pelas culturas das gentes nativas do nordeste e de outros trechos da colénia, Era, assim, uma cultura mesticada, que, nem por isso, todavia, deixou de estra- nhar 0s padrées amaz6nicos e, em conseqiiéncia, ceder em muito a’ éles, déleS valendo-se a todo instante. Os choques, de certa maneira, foram for- tes. E também, de certa maneira, sain- do, no primeiro momento, com ‘maior crédito 0 que era representado pela economia de fundo indigena. No pri- meiro momento. Porque mais tarde, vamos encontrar ésse crédito cedendd muito & cultura importada com 0 co- lono. Esse primeiro momento representa, na histéria econdmica da Amazonia, 0 seu primeiro ciclo, o ciclo da “droga do sertéo”, isto é, 0 ciclo da especiaria, coletada em téda extensao do vale ¢ realizado, pari passu, com a marcha conquistadora de sentido politico. No segundo periodo estamos diante do tra- balho organizado, a lavoura iniciada e conduzida por entre experiéncias vi- toriosas, a criagdéo do gado levada adiante igualmente com éxito, o povoa- mento com imigrantes trazidos das ilhas dos Agéres processando-se insis- tentemente, a moeda, importada igual- mente, circulando er substituicéo aos géneros até ent&o servindo para as trocas mercantis, 0 comércio tomando Proporcées, a presenca da Amazénia fazendo-se sentir na economia do Rei- no pelo volume sempre crescente de sua produ¢ao. RESENHA E OPINIOES 265 No primeiro ciclo, 0 colono repre- senta um contingente insignificante. Todo o trabalho, para transformar o nativo no colaborador ou no homem econémico caminhando para encorpo- rar-se a0s padroes culturafs europeus, cabe a0 missionario. O colono escra- viza, violenta, explora o braco do gen- tio.’ O missionario, ao contrario, em luta aberta pela liberdade désse mes- mo gentio, contém-lhe os ardores guerreiros, as impetuosidades marciais, conduz com habilidade suas inclina- goes, exercita-o para uma vida menos selvagem, ensina-Ihe as novidades da cultura da terra e da criagao do gado. Amansador de povos, é 0 missionario, igualmente, o eriador do novo homem que éle educa preparando-o para as conquistas da civilizagao ocidental que os colonos pretendem trazer no b0jo das caravelas ou na técnica de que dispdem. Sem o missionario, por con- seguinte, representado no Franciscano da Provincia de Santo Anténio, no Je- suita, no Carmelita, no Mercedario, no Capucho da Piedade, no Frade da Con- ceicéo da Beira e Minho, o segundo ciclo nfio poderia ter sido iniciado com a pompa e os rendimentos que se con- seguiram logo com o consulado pom- balino. Sem o missionario, que prepa- rou o clima de trabalho organizado, o gentio nao teria vindo para a experién- cla social que se inaugurou no consula- do pombalino, quando se lhe deram atribuigées politicas de votar e ser vo- tado nas edilidades, para dirigir os seus negécios, para’ contribuir livre- mente na direcéo da coisa ptiblica, respeitando-se-Ihe a integridade fisica e outorgando-se-Ihe o direito de ser proprietario, de ser um individuo sen- nhor das mesmas aspiragées e garan- tias usufruidas pelo colono das ilhas ou do Reino. Falamos em colono vindo das Ihas e do Reino. O colono que Portugal enviou para criar a vida agraria fol justamente trazido das ilhas dos Ago- res. Logo apés a fundacao do Presépio, sugeriu-se a remessa de casais das ithas. Essa imigragéo sé teve lugar, porém, em 1621, quando desembarca- ram os primeiros casais, recebidos e instalados na cidade de Belém, de onde foram passando ao interior como ses- meiros. A ésse contingente seguiu-se, em 1676, 0 segundo, de 234, pessoas. O grosso da imigragéo ilhoa, todavia, foi uma decorréncia mais ampla das reali- zagdes do consulado pombalino, con- quanto idéla de gestdo construtiva de Alexandre de Gusmo. Mediante con- tratos com proprietirios de embarca- goes apropriadas, o govérno de Lisboa féz conduzir alguns milhares de casais agorianos que deram origem a Bragan- ¢a, Macapa, Tentugal e Ourém, onde atacaram a terra. para criar a vida agraria. Recebiam ésses casais os ins- trumentos necessarios para a tarefa agraria, espécies vegetais para plan- tar, um boi e duas vacas. Dos con- tratos firmados com os proprietarios de embareagées constavam obrigagoes que nos permitem acompanhar a preo- cupacdo que havia, de parte das auto- ridades, a fim de que os colonos se vissem ‘assistidos de tudo quanto fésse necessario para que fizessem boa via- gem e pudessem chegar em condi¢des de atirar-se ao trabalho com a desen- voltura suficiente. A dieta a observar com as mulheres, os velhos e as crian- gas, por exemplo, é de uma, atualidade impressionante. 'Determinava-se, all: “as recoens serdo pela maneira seguin- te. Ao jantar legumes, em cada dia diversos, como feljoens fradinhos, ou brancos, ervilhas, favas, &c. a razio de hum alqueire por cada quarenta pes- soas. As teyas dos Domingos, tercas, e quintas felras, para cada pessoa tres quartas de carne: a saber meyo arratel de vaca, e huma quarta de toucinho, e poderé este toucinho cozer-se com os legumes do jantar dando para a ceya o azeite, e vinagre que havia servir com os legumes para com elles se tem- perarem 0 salgado da vaca. As ceyas das quartas feiras, sabbados, meyo ar- ratel de bacalhao a cada pessoa. Para tempero de legumes, bacalhao, e arrés, pimenta, ou alhos, ou cebollas, e huma canada de azeite para cada ‘sessenta pessoas, e de vinagre o que baste con- forme a sua forca: hum arratel de bom biscouto novo, e sem corrupedo algu- ma para cada pessoa por dia,: a agua a tinello, ou ao menos huma canada por dia ‘a cada pessoa sémente para beber, além da que for necessaria para cozer’a comida. A recao sobredita se entende para as pessoas de tres annos completos; porque as que os nio tive- rem nao serao contadds, nem se lhes dar& recdo, mas a agua: necessaria. A rego se continuard a dar a cada -pes- soa até com effeito desembarcar no Paré, e os mantimentos sobreditos 0: fard'o Assentista para viagem de dous mezes ou menos, contando da partida das Ilhas para o Para, e fazendo conta & gente da equipagem. Com declaracio, que em caso, que se reconheca ser di minuta em algum destes mantimento.

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