Você está na página 1de 23
ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL & CONSELHO FEDERAL Conmssiio DE DIRETTOS RUMANOS 4 processo N.°__r-cpa=012/80-— lo. «F - Torture praticada pela Assunt: Policia Civil INBS ETIENNE ROMEU (ui. 0029.5 a) ) U6, Grdarm gles Slava elas abrogates de Brasil Rinse Somaive, BI ‘Aos cinco dias de setembro de 1979, \ aa sede do CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS ~ DO BRASIL,perante o Presidente Dr.Eduarde Seabra Fe gundes e na presenga dos Drs-Barboss Lima Sobrinho,~ Presidente de Associagao Brasileira de Imprense,e Ce sar Auguste Goncalves Pereira,Presidente do Conseihe Secional da Orem dos Advogados"Estado do Rio de Ja~ neivo,especialnente convidado, para este ate, compare ceu Inds Etienne Romea a fim de fazer entrega de dom Gumentos relacionados com a sua priszo no perfode de cinco (5) de waic de mil novecentos e serenta us (1971) a sece (7) de novembro de mil novecentos ¢ SE tenta e un (1971) ben como de prestar informagoes de esclarecimento adicionais sobre g assunto. Achavan-se presentes,outrossim, Ma~ ria Celina Romev Cialdini, irmé da referida In@s Eti- dane Romes, Sérgio Soares Xaviex Ferreira ¢ AntOnio Henrique Lago que ecompanhavan a citada Inés. micialmente,Ines Etienne Romeu qua Lifigon-se como prasileira,casada,bancéria, domi cilia da na cidade do Rio de Janeiro,neste Bstado- Em seguida,entregou ao Presidente ~ os seguintes documentos 1 = Relatério escrito por ela em 18 de getendro de 1971,quando internada na Casa de Sail~ de Santa Maria,em Belo Horizonte,no qual sé acham ex PE / l cece ag aiveanatanctas de sue priso eo trstanes ‘j to recebido enquante permanecia encarcerads até off seu internamento na referida Casa de Saide. II - Atestado passado pela Case de saGde Santa Maria consignando o perfodo de seu inter yt namento. [It - Carta de seus pais,datada de 09 de agosto de 1971,dirigida ao General Syivio Fro~ ca,entZo Gowandante do 1? Exercito,solicitando 2 en” -2- trega do corpo de sua filha,a referida In@s,em face de notfeia do seu falecimento en poder de autorigades 247 literes. qv - Certidio da 32-Auditoria do Exez cito,prineira Gircunserigio Jodicidrie Wititar, Gate” da de 11 Ge janeiro de 1969,na qual consts cone daca i niciel de sua prisdo o dia 5 de Maio de 19715 y - Carta dirigide por el ao advogs™ do Augusto Sussekind de Moraes Kégo,en 3 de cutubre de fo7i,zelacando fslecimentos, digo,padecimentos SopOres dos em eva prisio; U1 ~ Cartio datado de 09 de agosto de 1971 dirigide pelo General Everaldo Jos da Silve 8° general Syivio Frota,solicitando providencias pars Ge jeu pai,dela Inds,pudesse Locatisar a filhe acompanha~ do do de xerocdpia do respective envelope, declarece-se que 0 relatério,ora ene exegue reprodugéo feita nesta date, daquele inicialmen- te aerito en 18 de cotenbro de 1971,com algunas SOFT’ goes & adigdes,tornadas necessarias,em face do decurso do tempo e de fates supervenientes- perguntade respendeu mais o seguinte: que respondeu dois processes criminais perante. & sus tiga Militar neste Estedo,um dos quess tramitou pela 32 Auditoria do Bxéreito, e 0 outro pele jaAuditorie da Aeronautica; que ma prineiza dentre as citadas Audito- rias,qvando interrogada,pretendeu Telstar 20 Auditor,~ Sewaide Lina Redrigues,os maus tratos recebides Gur en nen gua prisio, mas foi por ele obstada de Fazerlo — sob o fundanento de que tude J constava de volumes que se achavan sobre suc mesa; Qve,nesta ocaside,acha~ 0 6 0 seu advogado,Dr~ vanvse presentes,einda,o escriv Huguote Sussekind de Moraes Régo nae pedende ¢ls preci, gar a presenge de outras pessoas; auesh0 segundo pro~ sf ~3- cesso ra,sus: feito depois a depo que se era di oléned. Grader des Stelvagadtes ler Baasil Conselhe Tadlowal Rice Serneive, BI a que respondeu informov ao Ads cintamente,as torty constar do process ras suportadas, or Mario Morei~ tendo S.Bxcia- noticia desta informagac; ¢ ¢ mencicnado Auditor ,Mario Moreira,in ente para que dissesse 95 verdadeira achava no carcere quanto 4° tratamen! sistiv com situacgde em to que ihe spensado,dispondo-se 2 fazer cessar eventusis vi as contra a depoentes que,entretante,nesta 0c sizo,a depoente ngo mais vinha sofrendo maus tivo’ P cia do 7 dem Auditor; que a sua ovembro de 1971 POF ra,General Orlendo Geised gusto no Gab cument ente ® gas no onde P veria presen ato do rizont celo P para o rizont o 6 Batalhi depois Litar vereir Penite passad Suesekind de Moraes inete de S-Excia- @ o niimero cinco (5)5 Go foi mais tortura quartel do Batalba ermanecey presa,com genunciar as violén ciadoss que,apos @ senhor Ministro de ¢ uo dia 7 de nove! gixdo Paraizo e Sar quartel de Comunic: e,de onde foi trans a FAB para o Rio de Go de Guardss de $a japrozimadamente » £0 onde permanecet Pre 9 de 1973, quando fo mefario do Estado,o lo qual nao se torn trates mo ou necessaria a interferen ~ prisdo foi legalisada ne dia ato do entao Ministre da Cus japde 0 seu edvogado,DE+ ANT Régo,haver feite protocolar carta acima referide como do quefa partir desta aa embora teaha rec o de Guardas,em Sac a xecomendagao de cias sofridas, o4 © gata,dero, ebidc ance Cristévao, que nao 42 3 fatos ~ legalisagao , éigosaue apas © Guerra,foi presa © eo de 1971 gento Darlan,sendo agdes da Pampulha,e ferida,no dia segui Janeiro,sendo rece m Belo Ho pelo Tenente Mar~ conduzids m Belo Ho nte,em a~ inida 20 9 Cristévaosquesquatro meses 4 transferida para ga em varios quarte i pransferida pare nde permaneceu até a Vila Mi is,aeé Fe © Sistema |» a semana | Vp; aynais precisamente até 29 de agosto de 1979, ~ fei ads apae haver Conaethe Rive Sansive. BI eae te,a pena aque foi condenade pelo crime de sequestro tendo sido anistiada no que concerne & outra condene~ gio; que enquanto persanecet hospitalisada,em Bele Horizonte,de setembro a novembre, digo de agosto a 82 yembro de 1971,sue familia buscow auxilio junto a or- Jem dos Advogados Mineira que entretante,por seu Prew sidente,Atiosvaldo Campos pires,declerou ndo poder in terferir no assuntos que enguanto £¢ achava hospitali gada,seu advogado Auguste suesekind de Morae Reser pleiteou perante a Terceire Auditoria do Exército @ pfichalizagao de sua prise, & fim de que 2 mesma per Gesse o carater de clandestinidede ane © ineranguiti~ gava,mais que isto ndo fod obtido- Nada mais bavendo a consignar ° Pre~ gidente determinou o encerramente deste Termo que vai assinado pelo Presidente, Snandando que o mesmo £03, se avtusdo,juntamente com 0% documentos apresentadoss para posterior eee j Presidencie Em tempo:- Tfdos os Se eeateee citedos sao apresentag dos en reprédugae xerografice 0 datilografica. ae PT. ge eu eorrer, como ns Forgas de sogurenge do Gavernc AO" er alguns fates relecisnades covize den- sistem em ineinuar, quer esclar 5 prese pelos agentes govermamentais. de 3/ de $/5/7L, quads el, preibida de man JTL 2 11/8/72 estive incomunics he 4a de ros ov ecvogados ® sem que ce sesso OF ter contato com fam prisio & no cativeire torturaren-re fisice ¢ nentalmente, ate o gia ex que me entregaram & minha familia, e7 precdriac condigdes de sade, trounetizada psiquicamente. entei o suicidic pera escepar das perversida- Ne arisée, den de noun corcereiros © para fugit das aneegas de morte 2ene ¢ ge vioté clas contra meus perentes. ex 22/9/71, com plone connegimente das sutoridades 5 ‘ reg de Belo Horizonte, Tui intemada, pare tratamento, na TLinica Pinel = depois ne Casa de Salta Sante Herta, onde se encontro presentemente, S02 cuidados médicos e vigtada 90°F agentes de segurenga- aminada @ cm vaio das tortures de que fut vitima, Pub wlogista. eratada por médicos psisuietra, clinico gerel gin Terho sido v ieita periodicamente por agentes de segurancs com conheci- do aio de deneiro (53) ave se apresentam cam APnes faento » autorizaglo do Comandante da D-4, Generel everalde dost da Silva. que insistem pare que ov me tore uns celaboracioniste, om treca de sinha berdade, por dinhsiro » com ansagas scbre TANS femilieres. pelos fates gor que passei durante 9 meu cativeire, sade fui torturada © vi companheiros sofrende © sorrend? © peles corversas Que . fy oe nrnnrnm o egontae seoreten quo ne vistten, tame zorivos Reve SEP#Zi- A tar que os neus cercereizes pretenem te cininory Feiceands @ naneiro © as razbes de minha sorte. Neus carrascos afirmaram que “me suicidariem" 78 prise, } cao eu revelasee os Fatas que ous, vis gus me contane’ qurente os tr8s 27) y a \\ ses de minha priséo, pais reconhesen 208 “ge domais™. ; ; 2z PEE eee vias eo Governo; 4} ecidentes, atropelamentos etcy 5) Fuga de qubicver Jocel onde me encantrers deviaro que terei side assassinada poles forges policiats militares, pois: 1) nfo me suicidaret en suelsuer circu stircies ieiel-viliter contra guen auer Sue pio perticiparel de quelsuer age po: ceja, nen estarei an “aparetnast estouradas, por Tivre © exponténea vonts oe; 3) ngo existe nenhune razis pare o ney “justiganente” por PAFES tir de 1964; contrarios a0 regime instalade na Fels de um Gnisus (ne pe: 4} 38 tantaram que cu me atirasse sob as rodes que estive encarcerade! 5) no pretence fugir- cunstenciede ersas pessoas um lor Encaninhel 3 depoimento sobre os dias de meu cativelro, nerrence tato: onde fiqued prese (torturas = nortec de diversas pests 28) teran 2 onde identif: ¢ de mous carcereires: ge eu morrer, eseas pesstas diw2gerso 0 4 que un dia se escleragan Fetos o8 (se a censura deixar} © 75 exterior, para cures © vg nigtoria do Sracil os rones © es petertes cos torture gores que se escondem sob © protegio da Govern? ne que requaire nova susépsia, pole eS go ev morrer, peg0 dom falsear e “cauce nortis" © a data de ned feleciments. de minha, + ge ev morrer, quero que todas es © reunsténct morte sejan esclarecidas, ainds que demande tempo: srabalto @ sacrificio, nos en.minha menéria, mais en nome de Hone do Pais on que nasci, muito pele decéncia de minha Patria e de seus compatriotes. of vm pete Hartzonte 9 que Seda easegurado & minha Faniite 0 creito 9p 70 pro poresonar 0 recebimente doz sacrementos religiosss- Q ZzZe raat Belo Horizonte, 3 de outubrs de, Cndeon cles Steloo; by ales epadede Brasil Rive Gameivo, RI RELATORIQ pe Pui presa no dia cinco de maio de mil novecentos © setenta e um, en So Paulo, na Avenida Santo Amaro, entre OF ndmeros quatro mil e quatro mil e duzentos, as nove horas da manh3, por agentes conandados pelo Delegado Sérgio Paranhos Fleury. Estava em conpanhia de um velho camponés, de coding me "primo", con quem tinha encontro marcado desde abril. As~ sistiu impassfvel & minha prisdo, sem ser molestado~ Levada para 0 DEOPS, iniciou-se 0 interrocatOrio. © camponés, que era da regido de Impératriz, ja havia denun- ciado un encontro mareado entre ele ¢ José Raimundo da cos~ ta, ao qual compareceria também Palhano, ex-lider dos bancd- rios do Rio de Janeiro, para o dia seguinte- confirnei a in forinagdo ¢ disse que desde 0 dia dea de margo deste ane esta ya desligada do movimento e que me preparava para deixar © pais. pm seguida, fui levada 3 sala de torturas, onde me Co locavan no "pau de arara” ¢ me espancaram barbaranente- Fo- ran-ne aplicados choques elétricos na cabega, pés e maos. Querian conhecer 0 meu enderego na Guanahara mas consegui, apesar de tudo, oculté-lo, para proteger uma pesos que 14 ce encontvava. Para evitar a continuagdo da tortura, mencio nei ter um encontro no dia seguinte, no Rio de Janeiroy as Goze horas, em Cascadura. Era minha intengao suicidar-me tio logo chegasse a0 local pois a perspectiva da continuagao aa tortura ne aterrorizava. A tarde deste mesmo dia fui le- vada para o Rio de Janeiro, de autondvel. Chegamos POF vol ta de vinte e una horas, parando, inicialmente, om frente ao winistério aa Guerra, na Av. Presidente Vargas, quando, ao carro, desceu un individuo que se dirigin ao interior do Mi nistério, pela entrada destinada aos carros © de 14 regres- Console Federal Rive Sureme. RI cou om companbia de um outro, a paisana, que se _ incorporou ao grupo. Seguimos, entao, para uma Delegacia situada na Av. Suburbana, préxima ao Largo dos Pilares, onde ful coloca da numa cela. Meia hora depois, levaram-me para fazer 0 re~ conhecimento do local do “encontro". fu havia dito que te~ ria que andar uns trezentos metros, atravessando, inclusive, 5 viaduto de Cascadura. Retornei 4 Delegacia onde passe a noite, ouvindo gritos e espancamentos de presos comuns — que 14 se encontravam. No dia seguinte, seis de maio, ao me 3~ prontar para o “encontro", fizeram-ne calgar medias para ocul, tar as marcas de espancamento, bem visiveis, em minhas Per— nas. As doze horas fui para o local e atirei-me sob as ro~ das de um Snibus. Semi-consciente, fui levada pelos polici— ais para o Hospital da Vila Militar, onde recebi transfusao de sangue. Quase inediatamente, fuistransferida pare 0 Hos~ pital Carlos Chagas e atendida por duas enfermeiras © dois nédicos jovens. Ao ser feita a ficha de entrada, disse © meu nome € declinei minha condigao de presa politica, Fad desmentida por um policial que disse ser meu parente © que eu me chamava Maristela de Castro, fornecendo, inclusive, mi nha filiagdo. Neste hospital permaneci somente o tempo Ae~ cessArio aos primeiros socorros (suturas etc). Loge fui transportada para o Hospital Central do Exército onde tirar ram radiografias de minha bacia, constatando-se nao haver fraturas e que os ferimentos que tinha no corpo, queimaduras de terceiro grau, foran consequéncia de ter sido arrastada pela roda traseirc do Gnibus. Quando do preenchimento da ficha no H.C.E. forneci meu nome verdadeiro, filiagéo, ida~ de, etc., novamente declinando minha condigao de presa poli- tica e as circunstancias do acidente. Apés medicada, infor~ maram-ne que eu teria alta em cinco dias. Na mesma noite, isto.8, no dia seis, os agentes invadiram meu quarto e tenta ram me interrogar, sendo impedidos pelo médico que me assis~ tia. Dialogaram asperamente e um dos agentes disse aos ber- ros que “estavamos em guerra" e que nao poderia Haver obsta- Ondorn ales Aelvogades ale Brasil ere Rive Saneive. RI calos legals para o que faziam, Mas o médico proibiu 0 in= terrogatério dizendo que sd poderiam fazé-lo com permissao Qo Diretor do H.C.E. No dia sete de maio fui visitada, om pordrios alternados, pelo Diretor do H.C.5., por um psiquiag tza e por um Capitdo do Exército, que queriam saber sobre @ minha safde, No dia seguinte, entre oito e nove horas, reth varan-ne & forga do Hospital e jogaramne numa caminhonete CH14 que estava estacionada no patio do Hospital. Deitada © com os olhos vendados, fui conduzida para uma casa que, com 6 decorrer do tempo, descobri situar-se em Petropolis, © cu” jo telefone & quatro mil e noventa (creio ser ume extensao go telefone do vizinho, ao que parece o locador da casa; dia vianente, este individuo a quem os agentes chanavan Mario, visitava 0 local ¢ mantinha relagdes cordiais com os seus ™O radores. Mario é estrangeiro - possivelmente um alemio ~ vive em companhia de uma ixma, Possui um co dinamarqués, cujo nome & Kill; enbora néo participe pessoalmente das ati- vidades ¢ das atrocidades cometidas naquele local, tom delas pleno conhecinento). Sem nome 6 Mario Lodders. Telefones | & enderegos atuais: 423254 e 426119 - Rua Arthur Barbosa 120 e 668a - Petropolis ~ RJ. ‘Ainda durante a viagem, iniciou-se 0 interrogaté~ tio, Recebi todo o tipo de aneagas, inclusive a de que esta va me reservado o mesmo tipo de tratamento dado pelo Fsqua~ @rdo da Morte: sevicia e morte. Eu estava traumatizada e sentia dores fortissimas em decorréncia do atropelamento, s— lém de um profundo sentimento de frustragio por nao ter mor rido; temia nZo suportar as torturas- Chegando a0 local, wna casa de fino acabamento, fui colocada nuna cama de campanha, cuja roupa estava —marcada com ae iniciais C.I.E. (Centro de Informagae do Exército) op de o interrogatério continuou, sob a diregdo de ux dos he mentos que me torturara em $40 Paulo. Mostrou~me uma foto~ grafia de José Roberto Rezende, querendo saber se eu © conhe cia e dizendo-me que ele j4 estava preso. Disse-ne também ee Filed Riode Suneine. ZI -4- que Palhano, 0 ex-lider dos bancArios J referido, fora pre~ SO NO mesmo dia seis de maio, em companhia do camponés que me entregara. apés tres dias de prisio, dois dos quais pas- sados no H.C.E., os agentes j4 sabiam que as informagoes que eu lhes pudesse fornecer seriam indteis: as pessoas que eu poderia eventualmente comprometer j& conheciam minha prisao, pois minha aus&ncia ao encontro marcado no Rio de Janeiro para o dia cinco seria 6 suficiente para alerta-las. Foi o que ocorren. © agente paulista retirou-se dizendo: “ela esta en tregue a vocés". Imediatamente "Dr. Cesar” (codinome) pas— sou a chutar minha perna machucada, sendo contido por um ou~ tro elemento. Talvez, porque eu me achasse em prec&rio es- tado de saiide. Meus carcereiros, conheci-os por codinomes. Posso reconhecé-los: : 1. Dr. Bruno - baixo, meio gordo, tipo sirio-libanés. Pare- ceu-me o oficial mais graduado do grupo (coronel). Defendeu tese na Escola Superior de Guerra, segundo me contou. § gaa cho. a 2. Dr. Pepe - claro, cabelos e olhos castanhos, estatura me- diana. £ um homen inteligente, bem falante. Seu nome € Or~ lango Rangel, acho. Tenente-Coronel. 3. Dr. Teixeira - moreno claro, estatura mediana. & of i~ cial. 4. Dr. Roberto - claro, cabelos pretos, estatura mediana, godes, marcas de ferimento & bala na perna, em consequéncia de tiroteic em janeiro de mil novecentos e setenta, nas prov ximidades da Lagoa Rodrigo de Freitas. Disse-me que o res~ ponsavel pelos seus ferimentos era Fayal de Lira e que ele iria maté-lo. Seu nome 6 CapitZo Freddie Perdigio Pereira, acredito. 5. Dr. Guilherme - baixo, magro. 6. Dr. Carneiro - 6 médido. Apesar do tratamento recebido no Hospital Carlos Chagas e no H.C.B. £) trocar os curativos, tendo infecgdes nas pernas e no abdo~ men. Em fins de maio, houve necessidade de uma = raspagem, quando fui por ele atendida. Seu nome real é Dr. Lobo. 7. Dr. Cesar ~ baixo, meio gordo. § oficial. 8. Raul - claro, estatura mediana, meio gordo. _—Participou de um tiroteio en Copacabana em mil novecentos e setenta,con tra Mariel Mariscot. Parece-me que seu nome é Severo. 9. Marcio - claro, cabelos castanhos anelados, gordo. 10. Rui ~ baixo, mulato. 11. Pardal - moreno, estatura mediana, pertence 4 PM. Seu. none xeal 6 Jarbas Fontes, acho. 12. camaro - baixo, claro, natural do Ceard. Sua familia reside em Fortaleza. Seu nome real Wantuir ou Wantuil. & do Exército e fez parte da seguranga pessoal do Presidente JoSo Goulart. Disse-me que "Breno" “(Carlos Alberto Soares de Freitas) foi o primeiro "terrorista" que esteve preso na~ quela casa. & uma espécie de caseiro do local, 14 permane- cendo durante todo o tempo acompanhado por outro elemento (dniciaimente foi o Raul, depois Pardal). £ de baixa instru pho. 13. Mauro - alto, claro, bigodes e cabelos pretos. Segundo Camaro, passou tres anos em Cuba, a servigo dos érgios de informagao do Governo brasileiro, apds 1964. 14. 28 Gomes ou Zeziio - alto, mais de 1.90 m, mineiro, pre- to, ex-jogador da Selecdo Mineira de Basquete, ocasizo = em 7 que era sargento do Exército. Disse-me que foi reconhecido por Carlos Alberto Soares de Freitas, pois este havia jogado basquete no Minas Tenis Clube. Seu nome 6 Ubirajara. 15. Laecato - preto, alto (1,85 m), pouca instrugéo. Tem ci Latcizes uo peito, em consequéncia de tireteio travaia — par ocasiao da prisSo de Fayal de Lira, segundo me contou. ‘Tem quatro marcas de bala no corpo, do lado direito. Disse-me pertencer ao Esquadr&o da Morte do Rio de Janeiro. Chama-se Rubens. $e Bs Crelorcas Seloogndoa ale Brasil Riode Saneive, RF 16. Laurindo - clero, baixo, é comissario de polfcia de Pe- trépolis. Telefonavam para ele ligando para uma Delegacia e Perguntando por Luiz ou Luizinho. Seu nome é Luis Claudio Azeredo Viana. 17. Marcélo - moreno claro, estatura mediana, tem 28 anos, disse-me pertencer ao Exército. Pratica alpinismo. Fez trei namento anti-guerrilha. Disse-me ainda ser parente ¢o es~ eritor Carlos Heitor Cony. 18. Alan ~ claro, cabelos pretos, 27 anos aproximadamente. Fez treinamento anti-guerrilha. 19. André e Otavio - brancos, estatura mediana. Idades en- tre 30 e 35 anos. Até o fim de maio figuei acamada, sem condigdes se quer de levantar-me, pois sentia tremendas dores. Durante esse tempo fui interrogada mas nao sdfri nenhuma coagio fisit ca, a nao ser os pontapés dados pelo Dr. César. Queriam sabe: 1. Onde estava o dinheiro da organizagao; 2. Quais os membros do “esquema médico" da VPR; 3. O nome da pessoa que ficara, no dia do seques- tro do embaixador suigo, encarregada de buscar o nédico, ca So houvesse feridos na ago; 4. Quem era "Raquel"; 5. Onde estivera escondido Carlos Lamarea, quando de seu encontro com “Douglas”. Maio findo, houve uma radical mudanga de comporta- mento: passaram a achar que eu mentia sobre o que lhes havia dito e, em consequéncia, torturaram-me quase que ininterrup- tamente. Quando nao me submetiam a torturas fisicas, destro gavam-me mentalmente. Nesta ocasido, aplicaram-me na veia uma droga qualquer, dizendo ser 0 soro da verdade. senti o corpo entorpecido e nao consegui manter os olhos abertos mas a mente permanecia licida. Dr. Roberto, um dos mais brutais torturadores ar- "me pelo chao, segurando-me pelos cabelos. Depois, ten rast Crcrn ales Aeoagastes be Brasil Conselho Fedorad Rioale Seanecve. RI tou entrangular-me ¢ s6 me largou quando perdi os sentidos. Esbofetearan-me e deram-me pancadas na cabega. Colocavam-me completamente nua, de madrugada, no cimento molhado, quando a temperatura estava baixissima. Petropolis é intensamente fria na época em que 14 estive (oito de maio a onze de agos~ to). Fui varias vezes espancada e levava choques elétricos na cabega, nos pés, nas maos © nos seios. Nesta época Dr~ Roberto me disse que eles néo queriam mais infornagao. algu- ma; estavan praticando o mais puro sadismo pois eu jé fora condenada & morte e que ele, Dr. Roberto, decidira que ela seria a mais lenta e cruel possivel, tal o ddio que sentia pelos "terroristas". Fui ent&o obrigada a escrever tres do- cumentos: uma andlise sobre as esquerdas, os motivos de mi- nha saida da organizagao e uma eritica sobre os érgaos de re pressio do Governo. Evidentemente ad condigdes em que foram escritos estes documentos nio refletem verdadeiramente o que penso sobre os assuntos neles abordados. © meu estado psicolégico era o pior possivel. | Por outro lado, eu sentia que estava me tornando uma —""batata quente" nas mdos de meus carcereiros. Camaréo me disse que © meu nome 34 estava no Superior Tribunal Militar e que meu “sequestro"” j4 era conhecido de todos. Esta informago con- tradizia a de seus superiores hierdrquicos que afirmavam que ninguém tinha conhecimento de minha prisio e que minha fam{- lia ndo se preocupava como meu sumigo. Pedi-Ihes que me entregassen & Justiga Militar, que eu responderia pelos meus atos. Negaram-me com o argumento de que eu sabia demais en tom de desprezo aisseram que © Superior Tribunal Militar & hrandn no julgamento de casos como © meu. Alguns dias apés submetida a verdadeiro horror, a- parecen o Dr. Teixeira, oferecendo-me uma saida "humana": 0 suicidio. Disse-me que eu tinha sido condenada 4 morte, mas ao invés de wma morte lenta nas mos do Dr. Roberto, eu pode ria dar cabo de minha vida. Aceitei e pedi um revSlver pois j& ndo suportava mais. xntretanto, Dr. Teixeira queria que © meu suiciaio fosse pablico. Propos-me entdo que eu me ati. \ rasse debaixo de um Snibus como ja fizera. Concordei e no dia seguinte (sete de julho) fui levada para o local. No mo mento em que deveria atirar-me sob as rodas de um 6nibus, a- gachei-me e ségurei as pernas de um deles, chorando e gritan do. Minha atitude comegou a despertar a atengdo de popula~ res e imediatamente fui reconduzida para a casa. Por nao ter me matado, fui violentamente castigada: uma semana de choques elétricos, banhos gelados de madrugada, “telefones", palmatérias. Espancaram-me no rosto, até ficar desfigurada. A qualquer hora do aia ou da noite sofria agressdes fisicas e morais. "Marcio" invadia minha cela para"examinar" = meu anus e verificar se "Camaro" havia praticado sodomia comi~ go. Este mesmo "MArcio" obrigou-me a segurar em seu pénis enquanto se contoreia obscenamente. Durante este —_periiodo fui estuprada duas vezes por Camaro e era obrigada a limpar a cozinha completamente nua, ouvindo gracejos e obscenida~ des, os mais grosseiros. Em dezenove ou vinte de julho terminou essa fase de torturas. Dr. Pepe comunicou-me que haviam chegado a uma decis&o a meu respeito: eu deveria tornar-me agente da re- pressdo e infiltrar-me em minha organizagdo. Fingi aceitar pois eu precisava quebrar a minha incomunicabilidade. Estava literalmente reduzida a um verme. 0 tratamento que me foi dispensado foi o mais cruel e 0 mais desumano. Apesar de concordar, aparentemente, com a solugdo do Dr. Pepe, pedi-lhe novamente que me entregasse 4 Justica. Dr. Pepe reiterou-me que eu sabia demais e que, se chegasse aos tribunais, poderia denunciar tudo 0 que ocorrera comigo. Ponderei ainda que no tinha condigdes de me infiltrar na organizagao pois esta havia sido liquidada e que nao tinha sentido uma infiltragdo no nada. Respondeu-me que havia ain da algumas pessoas e que outras viriam do exterior. Ini- ciou-se, entSo, o processo de minha recuperagao fisica e psi aa colégica. Ondlerncles Vebsogalos ds Brcwsi ds Slleogades / Rivzle Saneive: RI Dr. Carneiro, o médico, voltou a’ examinar-me, pois chegaram a supor que eu estava tuberculosa, tal o meu estado de fraqueza. Receitou vitaminas A e D, remédio para abrir o apetite, Anafranil e varios outros de que ndo me —recordo. Em meados de julho, na fase mais critica das torturas, ten- tei novamente o suicidio, cortande © pylso esquerdo com um pedago de ferro arrancado da armago da cama de — campanha, mas 0 material nio era suficientemente cortante e levei bas- tante tempo para perfurar o pulso, mas ndo consegui atingir @ veia principal. Esta segunda tentativa de suicidio ficou ignorada pelos meus carcereiros; disse-lhes que havia corta @o © pulso no latio de lixo. Nesta fase, reforgaram a minha alimentagio, deram- ~me roupas limpas e inclusive um par de éculos - de outra pessoa - pois sou bastante miope e passei quase tres meses sem us&-los. Nesta 6poca fui forgada a assinar papeis em branco e escrever declaragdes ditadas por eles sobre a minha situag&o, desde o momento de minha prisSo. Forgaram-me ain- da a ascinar um “contrato de trabalho" em que me comprometia a colaborar com os Srgiios de seguranga em troca de minha li- berdade e de dinheiro. Neste contrato constava uma cldusula segundo a qual, se eu nfo cumprisse o combinado, minha irma, Liicia Etienne Romeu, seria presa, pois eu mesma, sua prépria ixma a acusava de estar ligada a grupos subversivos. Até isto foi feito pelos meus carceteiros; eu estava arrazada, doente, reduzida a um verme e obedecia como um automato. aA- proveitando-se disso, fizeram-me acusarminha irm4, que nunca se envolveu em atividades politicas, como muito bem sabem os préprios érgéos de seguranga, que nunca a molestarem. Obrigaram-me também a gravar um “tape" em que me declaro agente remmerada do governo, e filmaram-me contando notas de dez cruzeiros, quando li o meu “contrato de traba- lho". Declarei nesse "tape" que fui muito bem _ tratada gs ON 8 oar Orelern ales Slidvagadas de Browsil ae Conselho Lealorad Rive Serene, RIF -1o- por meus carcereiros. Filmaram-me de calga e soutia para mostrar que as marcas de meu corpo eram consequéncia do atro Pelamento. N&o me recordo de tudo que disse, mas afirmo que eva tudo falso e mentiroso. As respostas que me obrigaram a dar © as afirmagées e gestos que me obrigaram a fazer foram previamente ensaiados. Terminada essa fase, combinou-se minha vinda para Belo Horizonte, onde deveria dar & famflia a versio de que, presa em Sao Paulo pelo Delegado Fleury e tentado o suicidio no Rio de Janeiro, conseguira burlar a vigildncia do H.C.E. de onde telefonara para uma amiga que mé tirara de 14, escon dendo-me em um sitio onde permanecera até a recuperacdo to- tal dos ferimentos. Para infiltrar-me na organjzag&o, mandarem-me con- tar quase a mesma histéria, variando apenas o final: depois de medicada no H.C.E. fui transportada para uma casa onde con Segui seduzir e embebedar o iinico agente do local, fugindo apés um passeio de carro, no decorrer do qual teria havido um acidente. © video-tape foi gravado no dia quatro de agosto. De posse de todos os documentos que me foram arrancados de~ baixo de tortura fisica e mental - mas nos quais nfo traf nem comprometi quem porventura pudesse ser por mim traido ou comprometido ~ Dr. Pepe me comunicou, no dia seis de agosto de mil novecentos e setenta e um, que no dia nove, segunda- -feira, eu seria retirada do local, obedecendo ao seguinte plano: para evitar que eu localizasse a casa onde eu me en- contrava, rodariamos de carro durante umas quatro horas (eu com os olhos vendados). Seria ent&o deixada em um lugar qualquer, teria que andar uns 200 metros a pé e entao entra ria novamente em um segundo carro, que me levaria a um hotel no Rio de Janeiro, no Catete. Depois disso, um terceiro car xo me buscaria, me conduziria a Rodovidria, j4 com passagens compradas para Belo Horizonte. Eu tomaria o énibus, no qual viajariam elementos dos Srgios de seguranga do governo, des~ conhecidos para mim, a fim de me vigiarem. Chegaria a Belo , Bi Horizonte, procuraria a minha familia e contaria a histéria acima descrita. Entretanto, por conversas ouvidas de —smadrugada, entre Pardal e Laurindo, pressenti que se tramava uma cila~ da que culminaria com a minha morte. Pardal disse a Laurin~ do que “logo que ela desga do carro para andar os 200 metros eu 38 estarei como carro em alta velecidade; ela ndo ter Zé Gomes também co- nem tempo de ver o que lhe acontecer’ mentou comigo: “vocé cair& dura quando souber 0 que te 4” quarda". Diante de tudo isto @ para nao colaborar com a far sa de uma “morte acidental", cortei os pulsos (na madrugada de domingo para segunda feira, nove de agosto). Perdi muito sangue ¢ sentindo que j4 estava perdendo os sentidos, ocor~ reu-me a certeza de que deveria lut4r pela minha vida, por- que tinha esperangas de denunciar tudo 0 que ocorrera © ain” ga, todas as coisas que presenciei no inferno em que estava- Assim, gritei por Pardal que, juntamente com os que se encon travam na casa, providenciou os primeiros socorros. Tmedia~ tamente, telefonaram para os seus superiores, Dr. Bruno, Dr. Guilherme e Dr. Pepe, que acorreram ao local. Fui medicada pelo Dr. Carneiro. que me fez uma transfusdo de sangue e sun RR SCIP eR me aR Susp ul De ere aiete: filha da puta, eu sabia que naéo podiamos confiar em voce." pr. Bruno fez o seguinte comentario: Vocé quase destrSi um trabalho de anos. purante o tempo de meu cativeiro, tentei o suici- dio quatro vezes, tres das guais 34 descrevi. Na outra, ené goli certa quantidade de vidro mofdo, obtido pelo trituramen : to de ampolas de injegio. Apesar de todas estas tentativas, quero esclarecer que nfo sou e que nunca fui uma suicida em potencial e que somente em virtude do que me fizeran, do tra & que por qua~ Seek G8 s a oe a Oodorn dos Slelwogades le Brasil Fre Consclhe Felonal Pioe Suoneive. BI -12- Na quarta feira, onze de agosto, fui informada de mentada com gue seria trazida para Belo Horizonte, carteixa de identidade falsa, fornecida por eles, de Maristela de Castro. 7 Dr. ‘Pepe, Zé Gomes e um outro desconhecido trouxe- xam-me numa Perua Veraneio, 1971, azul escuroe deixaram-me na porta da casa de minha irm&, aproximadamente as vinte e uma horas. ‘Dr. Pepe preveniu-me para que eu nao me entregas se a nenhuma autoridade pois se eu fosse presa, ele ne “sui~ cidaria” na pris&o. Apés minha chegada, minha irm imediatamente comu- icou-se com os drgios de seguranga, solicitando a presenga do Major Boffa, do $.N.I., demais membros da minha famflia e amigos. a,-a vinda de um médi. i condw Foi providenciada, em seg co e G0 advogado Theré Bandeira de Melo. F Clinica Pinel, onde permaneci cinco dias e de 14, fui trans~ ferida para a casa da Saide Santa Maria, onde me = encontro + ide até hoje, em tratamento. , Cheguei a Belo Horizonte com vinte quilos a menos do meu peso normal, traumatizade, sem condigées psiquicas. Enquanto estive hospitalizada, fui interrogada umas tres ou quatro vezes pelo Major Orlando, aa ID-4, que somente queria conhecer a identidade das pessoas que me trouxeram patra Belo Horizonte. Informei-lhe apenas que fui presa pelo Delegado Fleury e que ele poderia prestar melhores esclarecimentos. até 0 dia quinze de setenbro nde ccorret nenhuma autoridades que tinham co: mudanga no comportanento @. mento dé minha presenga em Belo Horizonte. Minha familia manteve contatos con o General Everaldo José da Silva, coman gante da 10-4, a fim de tenla: esclarecer a minha situaglo, mas a informagdo era sempre a mesma: eu estava em liberdade \ vigiada mas poderia ficar onde quisesse; na casa de minha \\. nae ou de qualquer de minhas irmas casadas, inclusive em For \‘Y taleza, Ceara. Mas eu tinha medo: n3o entendia oc porque de f dem ples SMbvogatdos.le Brasil Conaathe Feclawet Rio le Samaive RI -13- minha vinda, nem a razdo da minha liberdade. Finalmente, no Gia dezesseis de setembro as coisas se aclararam. Recebi a visita do Dr. Pepe, que se apresen- tou no hospital com o nome de Dr. Pedro Batista Por estar em presenga de minha mae e de minha irmA, conversamos infor- malmente. Entretanto, ao se retirar, disse-me ele: "tudo o gue combinamos esta de pé, vocé terd de trabalhar para nés No dia seguinte, Dr. Pepe voltou com o Dr. Bruno e me disse— ram, em resumo, 0 seguinte: querem que eu va para o Rio, pa- ra um convento (com excegdo do das dominicanas) onde, sema nalmente’receberei a visita de um deles, a fim de ser "recu~ . perada", ou melhor, para que eu me torne um agente do gover no. ‘Teria a cbrigagdo de entregar os remanescentes da VPRy quando ent&o ficarfamos quites e eu livre para fazer o que bem entendesse pois fariam cair no esquecimento todas as acu sagdes que ‘pesam sobre mim, Caso eu tentasse fugir ou prati, car alguna agio, 0 video tape'e 0 contrato serian exibidos \ nas prisdes, para que os presos politicos fossem convencidos = \%! de que eu realmente era uma agente do governo. Além disso, procurariam envolver minha irmi Licia em IPM. me de morte ou de condenagdo para o. res Ameagaran to de vida, nas prisées. Como se o.que passei néo represen tasse a pena mais cruel que qualquer crime pudessé jamais a~ carretar. Belo Horizonte, 18 de setembro de.1971. INBS ETTENNE ROMEU in ; z2S So, Ondamds se Broil & ak Rite Sereive, RI -1d2 pa 8, ‘ae NEXO Durante o tempo de feu cativeiro, presenciei os se guintes fatos) / 1. quando fui lévada_para~a casa de Petropolis, 14 J4 se en~ contrava: um camponés nordestino, Mariano Joaquim da Silva, cognominado Loyola. Conversamos tres vezes, duas na presen ga de nossos carcereiros e una a s6s. Mariano fol preso no dia primesro ou dois de maio, em Pernambuco. Apés sua’ prin sio, permaneceu vinte e quatro horas em Recife, onde foi bar baramente torturado. Seu corpo estava em chagas. fm segui~ aa, foi levado para aquele local, onde foi interrogado duran te quatro dias ininterruptamente, sem dormir, sem comer = © sem beber. Permaneceu na casa até o dia trinta e undemato, fazendo todo o servico donéstico, inclusive cortando — lenhe para a lareixa. Dr. Teixeira disse-me em principio de Julho que Mariano fora executado porque pertencia ao Comando aa VAR-Palmares, sendo considerado irrecuperavel pelos agentes do governo. Quando conversei a s6s com Mariano, ele mencio~ nou a prisdo de Carlos Alberto Soares de Freitas- 2, De. Pape confirmou-me que'seu grupo “executara" Carlos AL perto Soares de Freitas, por cuja prisio, ocorrida em feve~ reiro deste ano, fora responsavel. Disse-me que seu grupo ngo se interessa em ter lideres presos e que todos os "cabe~ gas" seriam sumariamente mortos, apés interrogatério. Con- tou ainda que Marilena Vilas Boas Pinto estivera também neq quela casa e que fora, como Carlos Alberto Soares de Frei~ tas, condenada 4 morte e executada. 3. Segundo ainda o Dr. Pepe, o ex-deputado Rubens 3. Paiva teve o mesmo fim, embora.ndo fosse intengao do grupo mata- “lo. 86 queriam que ele confessasse mas, no decorrer das 236 torturas, Rubens Paiva morreu. A morte do ex-deputado fod considerada pelo Dr. Pepe como "uma mancada”. 4. Aluisio Palhano, ex-lider dos bancdrics do Rio de Janei— ro, preso no dia seis de maio de mil novecentos e setenta ¢ un, foi conduzido para aquela casa no dia treze do mesmo mes onde ficou até o dia sequinte. Nao o vi pessoalmente mas Ma riano Joaquim da Silva contou-me que presenciou sua chegada, @izendo-me que seu estado ffsico era deplorével. Suvi con~ tudo sua voz varias vezes, quando interrogado. Perguntei a pr. Pepe sobre ele, que me respondeu: “ele sumiu". 5. Dr. Guilherme disse-me, antes do dia quinze de maio, que driam prender o Ivan Mota Dias nesta data. Posteriormente, contou-me que Ivan havia sido executado por eles; 340 Dr- Roberto disse-me que ele se encontrava no exterior. Entre~ tanto, outros elementos subalternos confirmaram-me a morte de Ivan Mota Dias. 6. No mes de julho, estiveram na casa dois militantes da VPR eum da ALN. 0 primeiro penso ser Walter Ribeiro Novais, ex “galvavidas de Copacabana. Marcio me afirmou que o mataram. Inclusive, na época (oito a quatorze de julho de mil nove~ centos e setenta e um), houve uma ruidosa comemoragao, =m virtude de sua morte. © segundo, & uma moga que = acredito ser Heleni Guariba. Foi barbaramente torturada durante tres dias, inclusive’ com choques elétricos na vagina. © terceiro & paulo de Tarso Celestine da Silva, que foi torturado duran te quarenta e oito horas por Dr. Roberto, Laecato, Dr. Gui~ lnerme, Dr. Teixeira, 28 Gomes e Canario. Colocaram-no no pau de arara, deram-lhe choques elétiicos, obrigaramno a 42 gorir uma grande quantidade de sal. Durante muitas horas ev © ouvi suplicando por um pouco a‘ agua. 7. No dia quatro de agosto, Laurindo chegou 4 casa e comuni~ cou ao Dr. Bruno e Dr. César que José Raimundo da Costa ha~ via sido preso numa barreira. Segundo me disse posteriormen te Dr. Pepe, José Raimundo da Costa ndo foi torturado, pois no interrogatério disse que no sabia onde estava Lamarca ¢, we se 0 soubesse, nao diria. Assim, José Raimundo da Costa foi morto vinte e quatro horas depéis de sua prisao, num “ti xoteio" na Av. Suburbana, no Rio de Janeiro. 8. No mes de maio, soube por Camargo que o Cabo Anselmo ha~ via sido preso. Em fins de junho, Dr. Teixeira disse-me que ele estava solto e trabalhando para os Srgaos do governo, co mo infiltragao nas organizagées. Fizeram-me perguntas sobre fatos de que apenas 0 Cabo Anselmo tinha conhecimento- 9. Na auséneia dos oficiais, a casa foi muitas vezes visita da por prostitutas, quando eram realizadas "festas", das quais participavam Perdal, Camarao, Raul, Marcelo e Alan. Belo Horizonte, 18 de setembro de 1971. Lo Boru we re INfS ETIENNE ROMEU Zee

Você também pode gostar