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Os valores como preditores de atitudes e comportamentos: contribuigées para um debate Values as attitude and behavior predictors: contribution for a debate Claudia Pato-Oliveira* Alvaro Tamayo** Resumo Este artigo apresenta alguns estudos sobre valores, centrando-se na Teoria de Valores Individuais e Culturais de Shalom Schwartz ¢ suas contribuigdes para a compreensio das atitudes e comportamentos. Pretende-se, assim, contribuir para elucidar a questio do poder preditor dos valores sobre atitudes © comportamentos & suscitar um debate acerca de sua aplicabilidade na drea da Educagio. Palavras-chave: Valores. Valores individuais. Valores culturais Abstract ‘This article presents several studies on values, focused on Shalom Schwartz's ‘Theory of Individual and Cultural Values, and its contributions to understanding attitudes and behaviors. [tis intended to help clarify the issue of employing values as predictors of attitudes and behaviors, and to promote a debate about its applicability in Education, Keywords: Values. Individual values. Cultural valnes. = Mestre em Bducogho, professora da Favuldade de Educagio da Universidade de BrasMia E-mail. claudiap @unb.be ** Duuter em Psicologia, professor do Instituto de Psicologia da Universidade de Brastia Email: tamayo@unb’br Linkas Crieas, Brasilia, v. 8, m1, jandjun, 2002 103 Introdugio A relagao entre valores, atitudes e comportamento tem sido objeto de estudo de diversos autores na érea de valores, como, por exemplo, Rokeach (1973), Feather (1995), Schwartz (1992; 1994; 1999) e Tamayo (1996) . ‘Os estudos abrangem os mais diferentes tipos de atitudes ¢ comportamentos, tais como escotha ocupacional, orientagio politica, religiao, estilo de vida, adigio a drogas, entre outros, ‘Uma das questdes levantadas nesses estudos ¢ se valores sto preditores de atitudes e comportamentos. presente trabalho pretende apresentar alguns estudos sobre valores, procurando elucidar essa questio e contribuir para um debate acerea de sua aplicabilidade na érea da Educagao. [Na primeira parte, serdo apresentados brevemente os estudos sobre valores, dando énfase ao trabalho de Rokeach (1973), que é considerado uma referéncia seminal para a investigagio na érea. Em particular, 0 foco serd a definigo do conceito de valor pelos autores ¢ sua importincia na Psicologia Social. No segundo momento, seré apresentada a Teoria de Valores de Schwartz (1992; 1994; 1999), nivel individual e cultural. A Enfase na teoria de Schwartz se deve ao fato de esta ser considerada atualmente a mais abrangente e promissora no estudo de valores. E uma teoria bastante confidvel, dados os testes empiricos bem amplos ja realizados, e que possibilita 2 compreensio de aspectos tanto gerais, quanto espectficos de culturas, grupos e individuos. O Estudo de Valores © estudo de valores tem sido apontado como fundamental para a compreensio da cultura, De acordo com Hofstede (1994) (apud MENDES, i999; MOREIRA, 2000), a cultura manifesta-se em cinco categorias: as préticas sociais. 05 simbolos, 0s rituais, os herdis ¢ os valores, comparando-a a uma cebola, Indo” ‘da camada mais externa a interna, 0s valores seriam 0 coracao da cultura, sendo- portanto, a camada mais estével e profunda Na Psicologia Social, o estudo dos valores teve inicio com Rokeach (1973), que atribui aos valores um aspecto central, considerando-os unificadores dos interesses aparentemente diversos de todas as ciéncias envolvidas com 0 ‘comportamento humano (p. 3). Rokeach (1973) define valores como crengas duradouras de um modo de_ conduta especffico ou estado final de existéncia pessoalmente ou socialmente 104 Claudia Pato-Oliveira e Alvaro Tamayo - Os valores como predtores de atvules. preferivel a um outro (geralmente] oposto. Um sistema de valores seria uma “otganizacao de crengas duradouras, relativas a modos de conduta ou estados de existéncia preferiveis ao longo de um continuo de importincia relativa (p. 5). (O pressuposto basico sobre valores ¢ que estes sio modelos que guiam as ages tanto quanto as atitudes, sendo mais centrais do que estas. Nesse sentido, conhecendo-se os valores de wma pessoa, estarfamos aptos a predizer como ela se comportaria em varias situagGes experimentais e da vida rel. Rokeach continua sendo referéncia na drea de valores, e seus estudos servem como base para muitos autores dedicados & compreensio ¢ a0 aprofundamento desse tema. Para Feather (1995), valores sao estruturas abstratas, que transcendem objetos especificos e situagées e tém uma qualidade normativa ou de obrigagdo_ ‘moral, Sio mais abstratos do que atitudes e se organizam hierarquicamente em lermos de importincia para o seff. Segundo esse autor, valores influenciam cscolhas © comportamentos airavés de valéncias Awualmente, os estudos de valores de Schwartz (1992; 1994; 1996; 1999) tém sido considerados entre os mais abrangentes, Sua teoria tem sido apontada como a mais proeminente sobre valores, sendo uma das perspectivas mais promissoras da Psicologia Transcultural, avangando em relagdo as demais perspectivas Schwartz (1992; 1994) define valores como crengas pertencentes a estados finais de existéncia ou modos de conduta desejaveis, que transcendem situagdes expecificas, orientam na selegdo ou avaliagio de comportamentos, pessoas € eventos, ¢ sio ordenados pela importincia relativa a outros valores, formando um sistema de prioridades de valores. Para Schwartz (1994), essa definigao de valores tem implicita a idéia de que valores servem a interesses de alguma entidade social. Podem motivar ago, dando a ela diregdo ¢ intensidade emocional. Funcionam como padrio de julgamento, justificam uma ago ¢ siio adquiridos tanto pela socializag¥o, como pela aprendizagem de experiéncias tnicas dos individuos. Para Tamayo (1993), valores tém raiz de ordem motivacional, uma vez XI i intezesses ¢ desejos de tipo individual, coletivo ou misto, dentro de reas motivacionais bem determinadas. De acordo com ele, “a psicologia considera os valores Como um dos motores que iniciam, orientam ¢ controlam 0 comportamento humano, estando associados a projetos de vida e esforgo para atingir metas individuais ¢ coletivas” (p. 331). Valores tém sido estudados em nivel individual e cultural. Nos estudos de Schwartz, o nivel individual fo: elaborado antes do cultural Linas Criticas, Basti, v. 8, a, 14, jandjun, 2002 10s A Teoria de Valores de Schwartz: Nivel Individual Deacordo com a teoria de Schwartz (1992; 1994; SCHWARTZe BILSKY, 1987; 1990), valores representam, em forma de metas conscientes, tés exigéncias humaras universais: necessidades individuais como organismos biolégicos, exigéncias de interago social coordenada ¢ necessidades de sobrevivencia ¢ bemestar dos grupos. esse modo, 10 tipos motivacionais de valores sao derivados, considerando cada uma dessas trés exigéncias humanas universais: poder, realizagio, hedonismo, estimulagdo, autodiregao — todos servindo a interesses primariamente individuais; universalismo, benevoléncia — que servem a interesses mistos {individuais e coletivos simulaneamente); tradigao, conformidade e seguranga = todos de interesses coletivos. ATabela 1 (SCHWARTZ, 1994, p. 22), transcrita abaixo, lista 0s 10 tipos ‘motivacionais de valores com suas respectivas metas centrais (primeira coluna), apresentando exemplos de valores agrupados em cada um (segunda coluna) ¢ sua origem (exigencias universais). ‘Tabela 1: Tipos Motivacionais de Valores Drmigo Tnplode owe = Bakar narracnlopreaton connie Poles Tne Sidmlosaeet eee oe, cae un ene Ruane wesweyocelscesdedomiago Bem ea treats iieoupedecsarsomtcmpomcar | Cxperenics Cespo ‘iene pcre giro scnaal roe aoa vd Onn Eines cing nada etionid, | Ament vd varie excl: | rena Aatizca peanenoeapoinependnes | Cinta anno ompiiann “Steno chan ciphetne enn Inert ‘Gemma samp epost cleiaca | Merah jaan lit Cpe cragopimotmenrserat ges | pacgenooanbins Orin cians earl rsenagoe ronmaodotenesar | riessive cxguiana ES peor con gun ete bone con pero: | Hove ne Chen, Gro Inte rapcin cmpromiuncxctaxtodrcomes| Hine evan seaelo | Gn | Atitudes | => Iotengoes | => | Comportamentos Conclusio ‘A definigo de valores como crengas relativamente estéveis, relacionadas a mods preferiveis de conduta ou estados fins de existéncia, sendo mais abstratos ce gerais do que as atitudes, ¢ o pressuposto basico de que valores tém um cardtet central na cultura, servindo como principios orientadores de atitudes e agdes especificas, afirmam a importancia dos valores para a compreensdo da cultura de uma maneira mais abrangente €, 40 mesmo tempo, reveladora de seus aspectos espectficos. Estudar os valores é penetrar no niicleo central da cultura, onde se pode ‘encontrar a chave para a compreensio da mesma. Tomando-se mais elaro um clemento-chave na cultura, seja ele em nivel macro ou micro, pode-se investigar ce buscar explicagbes do modo de agir de um povo, seus costumes, normas sociais, padres comportamentais gerais e especificos, entre outros. 114 Claudia Pato-Oliveira ¢ Alvaro Tamayo - Os valores como predisores de atiudes Sendo os valores antecedentes das atitudes e comportamentos, conhecendo- se oS Valores pode-se compreender € predizet atitudes e comportamentos nas mais vanadas culturas, podendo-se até mesmo gerar modificagSes de modos espectficos de agit. Podemos citar como exemplo de aplicabilidade do poder explicativo € preditor dos valores a problemitica ambiental, tio divulyada atualmente, devido a0 apelo urgente de sobrevivéncia da prépria espécie humana ‘AS campanhas realizadas pelos grupos ambientalistas, vinculados a rganizagSes ndo governamentais ou no, bem como do préprio govero, nem sempre conseguem sensibilizar as pessoas, grupos e organizagdes (ex.:incstrias ‘madeireiras), para que estas modifiquem suas atitudes e comportamentos em favor de uma consciéncia ambiental que tenha como princfpinsa sustentabilidade® € a qualidade de vida’ da populagdo em geral, incluindo a3 espécies da flora e fauna. Haja vista a degradagdo ambiental acelerada que se tem noticiado, resultando em extingdo e escasser. de recursos renovaveis ou no, abalando os diversos ecossistemas brasileitos e internacionais. Geralmente, esas campanhas de “conscientizag50 ambientalista” ou ecolégica apelam para a midanga de habitos, atitudes e comportamentos devastadores. 40 meio ambiente, pressupondo-se que as pessoas valorizam 0 meio ambiente igualmente No entanto, como estudos t@m revelado (STERN, 1995; KARP, 1996; AXELROD, 1994), pessoas que tém prioridades axiol6gicas de orientagao econdmica ou social dificilmente se envolverdo em situagdes que resultem em smodificagao de atitudes e comportamentos em favor do meio ambiente, a menos ‘que sejam convencidas de que ni terdo prejuizos ou gastos maiores (relagio custo-beneficio é 0 mais importante), ou que um maior nlimerode pessoas possa ser beneficiado (releviincia social €0 mais importante). Apenas as pessoas que tm prioridades axiol6gicas de orientaco universalista, nos termos de Schwartz, ‘ou biosférica, nos termos de Stem, seriam sensibilizadas para a mudanga. 0 actimulo de evidéncia empirica, apresentado pelos diversos autores que tém se dedicado a0 estudo dos valores, buscando comelagio entre estes ¢ 0S ‘mais diferentes tipos de atitudes e comportamentos, vem confirmando seu poder preditor sobre as atitudes e os comportamentos, gerando a certeza de que, para que se promova mudangas mais gerais ¢ efetivas numa cultura, organizacio, _gnupo ou até mesmo individuo é necessério, primeiramente, conhecer seus valores ais basicos e priorittios. A natureza dos valores e seus aspectos mais fundameniais permite realizar estudos sobre eles suas comelages com qualquer varisvel critério, por exemplo,, Linas Crteas, Bras, v8. n. 14, jan.jun. 2002 us atitudes e comportamentos especificos de um grupo ou organizacao, tomando Possfvel obter uma clareza maior acerca de suas origens, caracterfsticas, e até mesmo contribuir para sua modificagao, como mencionado anteriormente. Nesse sentido, a educagdo pode beneficiar-se desses estudos, uma vez que atua essencialmente em intervengao, visando modificagées comportamentais & transformagbes socials, entre outros. Referéncias AXELROD, L. J. Balancing personal needs with environmental preservation: identifying the values that guide decisions in ecological dilemmas. Journal of Social Assis, ¥. 3051. 3, p. 85-104, 1994, FEATHER, N. T. Values, valences, and choice: The influences of values on perceived attractiveness tnd choice of alternatives. 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