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A PRIVACIDADE COMO DIREITO DA PERSONALIDADE Ronrico Santos Neves Mestre em Direito pela Universidade Candido Mendes - UCAM-RJ. Membro Associado Efetive da Academia Brasil ABDC. ira de Direito Civil Procurador Municipal. Professor Universitario. Advogado. Anca po Dinero: Constitucianat Resumo: A vida privada é inviolavel, nos termos astabelecidos pela Constituicao. O direito & pri- acidade é um dos direitos de personalidade e se fesenita como um direito fundamental, tute- jo constitucionalmente. A sua importancia se ve a0 fato de que embora o homem viva em ‘edade, ha determinados assuntos que deve reservados em segredo somente para 0 in- z'viduo ou para um pequeno crupo de pessoas ~ais préximas aquele. No presente trabatho, sera lisade @ protecao juridica do dire'to a priva- z'dade, algumas possivels aplicagaes na vida co- ‘ana e forme como 2 doutrina e a jurispru- cla tem abortado @ matéria. PALAVRAS-CHAVE: Privacidade ~ Redes sociais ~ ‘edade da informaco ~ liberdade de expres- ~ Sigito fiscal. profrsneves@yahoo.com.br Asstract: The private life is inviolable, as provi- ed by the Constitution. The right to privacy is ‘one of the personality rights and is presented as a fundamental right, constitutionally safeguar- ded. Its importance is due to the fact that al- though the man lives in society, there are certain issues that must be preserved in secret only for the individual or a small group of people closest to him. The present study analyzes the legal pro- tection of the right to privacy, some possible ap- plications in their everyday tife and how the doc- trine and jurisprudence have aborted the matter. Kerworas: Privacy ~ Social networking - The in- formation society ~ Freedom of expression ~ Tax secrecy. Suwinio: 1. Colocagao do tema - 2. Nogdo de privacidade - 3. 0 direito & privacidade e a {im} possibilidade de sua limitacdo ~ 4, Direito & privacidade aplicad: 4.1 Direito 4 privacidade na local de trabalho; 4.2 Direito 2 privacidade e o sigito das comunicacdes; 4:3 Direito & privaci- dade € 0 sigilo bancério; 4.4 Direito & privacidade eo sigilo fiscal; 45 Direito & privacidade dos servideres publics - 5. Direito a privacidade em xeque: a liberdade de expresso como limite 20 direito 8 vida privada - 6. Consideragies finais - 7. Referéncias biblicgrafices, 1. CoLocacio Do TEMA A vida em sociedade requer dos individuos certos sacrificios. Isso porque a liberdade, que é imanente ao homem, encontra limites a partir do momento co Rodrigo Santas. A prvacidade como drei da pesonalidad. Revista des Tribune vol, 985, ane 104. p. 67-85, Sao Paulo: Ed. HY, ~22 7018, 68 Revista Dos TRIBUNAIS + RT 955 + Maio ve 2015 em que este vive em sotiedade. Por outro lado, a vida em sociedade nao signi- fica uma vida integralmente social. H4 momentos e situacdes em que o indivi- duo precisa ficar $6, seja para refletir a respeito de sua vida, seja para desfrutar de sua liberdade. Estes momentos dizem respeito & vida privada de cada um. Mas, como proteger a intimidade na sociedade da informacao? A sociedade atual esta repleta de exemplo de superexposicao das pessoas nas redes sociais, em que individuos incautos mostram partes intimas de suas vidas ao puiblico em geral com apenas um click. O presente artigo apresentara, em um primeiro momento os contornos do direito a intimidade, bem como a sua extensdo. Em seguida, passa-se 4 andlise de situacdes em que o direito a intimidade ¢ aplicado em diversas situacdes da vida cotidiana, tais como no sigilo de correspondéncia, no sigilo fiscal, no sigilo bancrio, a protecdo da intimidade no ambiente de trabalho e a andlise da divulgacéo da remuneracao dos servidores publicos conforme os ditames da Lei de acesso 4 informacao em contraposicao ao seu direito a intimidade. Por tiltimo, sera analisada a colisdo de direitos que ocorre entre o direito a intimidade e a liberdade de expressdo. Essa questo ¢ importantissima, tendo em vista que em muitos casos 0 exercicio da liberdade de expressdo viola a privacidade das pessoas. A finalidade do presente artigo nao é a de esgotar o tema, mas, apenas, pro- vocar a discussao a respeito deste direito de personalidade tao importante para o desenvolvimento da personalidade do individuo. 2. NocAo DE PRIVACIDADE Muito se fala, na atualidade, a respeito da privacidade e da necessidade de sua protecdo. O Codigo Civil de 2002 estabelece o segninte: “Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolavel, ¢ 0 juiz, a requerimento do interessado, adotara as providéncias necessdrias para impedir ou fazer cessar ato contrdrio a esta norma”. Nao obstante boa parte da doutrina trate a privacidade e a intimi- dade como conceitos diversos, o presente trabalho abordaré as duas expressdes como sin6nimas. Mas, em que consiste o direito a privacidade? “O direito a intimidade [ou privacidade] diz respeito a fatos, situacdes e acontecimentos que a pessoa dese- ja ver sob seu dominio exclusive, sem compartilhar com qualquer outra”.” Se- 1. Netto Lozo, Paulo Luiz. Autolimitagao do direito a privacidade. Revista Trimestral de Direito Civil, vol. 34, p. 95-96. Rio de Janeiro, abr.-jun. 2008. Ties, Rodriga Santos, A privaeidade como direlto da personlicade. Reviste dos Inburars vol, 955. ano 194. p. 67-88. Sio Paulo Ea. RT, mao 2015 Dinero Civ. gundo o autor estao abrangidos pelo direito a intimidade os documentos pes- soais, as fotografias, os arquivos e dados pessoais que se encontram em casa, no automével e no trabalho, cuja revelacdo a outras pessoas colocariam o seu titular em constrangimento.” © direito 4 privacidade esta relacionado a vida intima e familiar de uma pessoa, abrangendo, inclusive, o direito de ficar 56.3 Todos percebem o mundo exterior da forma como os outros lhe apresentam a sua realidade. As pessoas conhecem as outras, do modo como estas aparen- tam. “No entanto, ha muitas coisas que naéo podem suportar a luz implacavel e crua da constante presenca de outros no mundo publico; neste, sd é tolera- do o que € tido como relevante, digno de ser visto ou ouvido, de sorte que o irrelevante se torna automaticamente assunto privado”.* Nao que os assuntos relativos a vida privada sejam irrelevantes. Muitos sdo importantissimos, mas nao suportariam a sua exposicdo ao publico.? Por outro lado, o individuo necessita viver em sociedade, para que seja vidvel e proveitosa a sua privacidade, mas esta deve ser exposta com certo cuidado, de modo a tornar as impresses € sensacdes pessoais adequadas a exposicdo ptiblica ou exterior.® As inovagées tecnoldgicas possibilitaram uma devassa na vida privada, diante das poderosas cameras fotograficas e suas lentes de longo alcance, os microfones super poderosos, transmissdo via satélite, além da utilizacao da Internet como um dos principais e mais rapidos meios de comunicacao, que as. 2. Cf. Netto Loza, Paulo Luiz. Autolimitacdo do direito a privacidade. Revista Trimestral de Direito Civil, vol. 34, p. 96. Rio de Janeiro, abr.-jun. 2008. 3. Wanrex, Samuel D.; Branpeis, Louis D. The right to privacy. Harvard Law Review.n. 5, vol. 4, p. 195. Boston, dez. 1890, No mesmo sentido cf. Casrat, Marcelo Malizia. A colisao entre os direitos da personalidade e o direito de informacdo. In: Mrranna, Jorge; Rovricves junior, Otavio Luiz; Fruet, Gustavo Bonato (orgs.). Direitos da per- sonalidade. Sao Paulo: Atlas, 2012. p. 114. 4. Arent, Hannah. A condi¢do humana. 10. ed. Trad. Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 61. 5. Idera, p. 61. 6. “Em comparagao com a realidade que decorre do fato de que algo é visto e escutado, até mesmo as maiores forcas da vida fntima — as paixdes do coracao, os pensamentos da mente, os deleites dos sentidos — vivem uma espécie de existéncia incerta e obscu- ra, a ndo ser que, ¢ até que, sejam transformadas, desprivatizadas e desindividualiza- das, por assim dizer, de modo a se tornarem adequadas a aparigado publica”, (ARENDT, Hannah. A condi¢ao humana. 10, ed. Trad. Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 59-60). _ Rodrigo Santes A privacidade cnrro direte da personalidacr, Revista dos Inbunaks. val QB. ano WA. p. 67-89. S80 Paul: Eo. RT, 2a, 69 70 Revista DOS TRIBUNALS « AT 955 + Maio ve 2015 redes sociais transformam’ anonimos em verdadeiros paparazzi.’ Dai a necessi- dade de se tutelar o direito a privacidade. HA noticias cotidianas de fraudes realizadas a partir da obtengao de dados pessoais de outrem, como a contragao de dividas, criacdo de empresas etc.* isso revela a necessidade de proteco dos dados pessoais, como forma de con- cretizacdo da tutela do direito a privacidade. Aeesse respeito, 0 Codigo Civil portugués preceitua e seu art. 80 o seguinte: “1, Todos devem guardar reserva quanto a intimidade da vida privada de outrem. 2. A-extensdo da reserva ¢ definida conforme a natureza do caso a condigao das pessoas”. Assim, daquele ordenamento juridico, pode-se extrair a conclusao de que o direito a privacidade gera um dever erga omnes de respeito a vida privada dos demais individuos, inclusive o de guardar o sigilo, ainda que as informagées tenham sido obtidas por meio licito, sob pena de responsabilizacao.? O Codigo Civil de 2002 dispde no mesmo sentido, em seu art. 21, ao afir- mar que a vida privada ¢ inviolavel, devendo o juiz, a requerimento da parte, tomar as providencias necessarias 4 cessacao da sua violacao."° Negse contexto, pode-se dizer que a regra da publicidade dos atos judiciais cede espaco para o segredo de justica nas demandas em que envolvam me- pores ou assuntos de direito de familia (art. 206, Lei 8.069/1990 e art. 155, CPC/1973, respectivamente), ¢ uma forma de se garantir a privacidade das pessoas envolvidas. Da mesma forma, o sigilo no processo de adogao, inclusive com a impossibilidade de se emitir certidao de adocao, bem como a proibicao de se apor qualquer observacao sobre a adocdo no registro civil do adotando sao formas de se garantir a privacidade dos envolvidos (art. 47, Lei 8.069/1990) 3. O DIREITO A PRIVACIDADE E A (i)POSsiBILIDADE DE SUA LIMITACAO Seria possivel a limitagao do direito a privacidade (intimidade)? Esta per- gunta é de extrema importancia, diante da sociedade em que se vive, diante 7. Netro Lowo, Paulo Luiz. Autolimitagio do direito a privacidade. Revista Trimestral de Direito Civil, vol. 34, p. 96. Rio de Janeiro, abr-jun. 2008. 8, Scammer, Anderson. Direitos da personalidade. 2. ed. Sao Paulo: Atlas, 2013, p. 136-137. 9, Casrat, Marcelo Malizia. A colisao entre os direitos da personalidade ¢ 0 dircito de informacao. In: Minanpa, Jorge; Ropricves Junior, Otavio Luiz; Frver, Gustavo Bonato (orgs.). Direitos da personalidade. Sao Paulo: Atlas, 2012, p. 114. 10. “Art, 21. A vida privada da pessoa natural ¢ inviolivel, ¢ o juiz, a requerimento do interessado, adotara as providéncias necessarias para impedir ou fazer cessar ato con- trario a esta norma” (CC/2002). Fw, Roaiga Senos A privacidad cor dieko de pestnaidade, Rewsta dos Tnbunas vo. 95S ano 04, p. 67-85. Sao Favio FI sraio 2018, <<< Dinero Crit 71 de situacSes em que as pessoas expbem as suas vidas, como se fosse um livro aberto, de modo a possibilitar que pessoas que ela nunca viu passem a conhe- cer detalhes de sua vida, rotinas, preferéncias, etc. Estabelece o Cédigo Civil de 2002 0 seguinte: “Art. 11. Com excegao dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade sao intransmissiveis e irre- nunciaveis, nao podendo o seu exercicio sofrer limitacdo voluntaria”. Diz-se, com isso, que os direitos da personalidade sao absolutos, tendo em vista que so oponiveis erga omnes (contra todos), ou seja, todos devem respeitar os di- reitos da personalidade de uma pessoa.! Um direito de personalidade nao pode ser limitado, mas, sim, o seu exer- cicio. E possivel a autolimitacao do exercicio de um direito de personalidade, desde que seja voluntario, temporério, restrito e expresso.'* Com isso é possi- vel dizer que o direito 4 privacidade, por exemplo, pode ser limitado pelo seu titular, desde que haja seu consentimento expresso, a delimitagéo do tempo em que o seu exercicio sera limitado € em que condigoes. O Codigo Civil portugués estabelece 0 seguinte: “Art. 80, n. 2— A extensao da reserva € definida conforme a natureza do caso e a condigdo das pessoas”. A mesma ideia, embora nao haja previséo expressa na codificacao brasileira, pode ser aplicada no Brasil. Assim, o direito 4 privacidade nao terd a mesma protecdo em todos os casos. A depender da situacdo, 0 titular do direito a pri- vacidade tera uma maior ou menor protecao. Os direitos de personalidade, assim como os direitos fundamentais, devem. ser aplicados de modo a considerar outros direitos envolvidos, sem que se apli- que um direito de formar plena e desconsidere os outros aplicaveis, como se houvesse uma hierarquia entre eles."? Os direitos de personalidade, aqui em es- pecial o direito & privacidade encontra limites imanentes implicitos no préprio texto constitucional, tendo em vista o referido direito nao possa ser exercivel de determinadas formas. Assim, o direito 4 privacidade encontra limitacdo na existéncia de outros direitos de origem constitucional, seja do proprio titular, seja de titular diverso. Ha que considerar se um determinado direito comporta o certo modo de exercicio. Em outras palavras, qual é o dominio normativo do direito em questao. “Se num caso hipotético ou concreto se poe em causa o contetido essencial de outro direito, se se atingem intoleravelmente valores 11. Nerro Lozo, Pauio Luiz. Autolimitacao do direito & privacidade. Revista Trimestral de Direito Civil, vol. 34, p. 104. Rio de Janeiro, abr.-jun. 2008. 12. Idem, p. 103 13. Anpeave, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituicao portuguesa de 1976. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2001, p. 286. Rodrigo Santos. A pr | mate 2015 soe como dvev 6 perconaiidade, Reviste das Tnbunws, va, 996, ana 104. p. 67-08, Seo Paulo: Fa. FT, 72 Revista 00s Trisunals « RT 955 + Mato pe 2015 comunitarios bdsicos ou principios fundamentais da ordem constitucional, de- verd resultar para 0 intérprete a conviccao de que a protecao constitucional do direito nao quer ir tao longe”.!* Nao se pode imaginar como exercicio legitimo da liberdade de expressdo, por exemplo, a devassa total e completa da vida de uma pessoa, sob © pretexto de informar 4 sociedade sobre a vida alheia. Da mesma forma, ndo se pode invocar o direito 4 intimidade, para impedir uma escuta telefonica para fins de investigacao criminal, como se vera adiante. O direito a privacidade de uma pessoa permanece intacto enquanto ela es- tiver em local ptiblico? Esta questao é interessante quando se esta diante de fotografias capturadas em locais publicos, mas que se discute a violacao do di- reito a privacidade da pessoa. O TJRJ jé se manifestou em sentido contrario, ao analisar a pratica de topless por uma modelo na piscina de um hotel. O STJ, no mesmo sentido, julgou indevido o direito a indenizagdo 4 mulher andnima que praticou topless em praia." Parece equivocada a posicdo destes tribunais, tendo em vista que “o fato de a pessoa ter conduta diferente das demais, sem ptejuizo a quem quer que seja e inexistindo lei proibitiva, é exercicio de sua liberdade, constitucionalmente assegurada, nao se podendo entender que au- torizou tacitamente a publicacao violadora de sua privacidade, na medida em que 9 jornal atingiu publico maior que o do lugar onde se encontrava, com evidente intuito sensacionalista”.” 14. Cf. Anprane, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituicao portuguesa de 1976. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2001, p. 287. 15. “Indenizacao responsabilidade civil. Publicado jornalistica. Dano moral. Inocorrés cia. Modelo profissional. Direito a imagem. Violacdo do direito. Inexisténcia des- cabimento sentenca confirmada. Desprovimento do recurso. Responsabilidade civil. Fotografia publicada em revista semanal. Dano moral. Inocorréncia. Modelo flagrada quando fazia topless na piscina de um hotel. Pessoa publica que voluntariamente exp6s sua imagem em local de acesso priblico. Inexisténcia de violagéo ao seu di- reito de intimidade. Indenizacao descabida. Desprovimento do recurso. Manuten- cao da sentenca que julgou improcedente o pedido inicial”. (TJRJ, ApCiv. 0122463- 44.1997.8.19.0001, 2. Cam. Civ, rel. Des. Leila Mariano, DJ 17.04.2001). 16. “Direito civil. Direito de imagem. Topless praticado em cendrio piiblico. Nao se pode cometer 0 delirio de, em nome do direito de privacidade, estabelecer-se uma redoma protetora em torno de uma pessoa para tornd-la imune de qualquer veiculacao atinente a sua imagem. Se a demandante expe sua imagem em cenario publico, nao ¢ ilicita ou indevida sua reprodugao pela imprensa, uma vez que a protecio a privacidade encon- tra limite na prépria exposicéo realizada. Recurso especial nao conhecido. (STJ, REsp 595,600/SC, 4. T., j. 18.03.2004, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, Dj 13.09.2004, p. 259). 17. Cf. Netto Loso, Paulo Luiz. Autolimitagéo do direito a privacidade. Revista Trimestral de Direito Civil, vol. 34, p. 103. Rio de Janeiro, abr.jun. 2008. eas, Rodrigo Sartos. A privacidade como dirito ds personaidade. Revista dos Trbunoss, vol, 988, ano 108 p, 67-89. Sdo Pavio: Ed RT, (0 2015, Dinero Cre 73 Sobre a mesma situacao, 0 Supremo Tribunal de Justica de Portugal, julgou de forma diversa. Uma mulher praticou topless em uma praia de nudismo e um jornal publicou a sua imagem, sem o seu consentimento. O tribunal entendeu que o fato de estar em um local publico nao retira da pessoa o controle sobre a sua imagem, pela qual podera opor sua publicacao a terceiros.!* Pode-se dizer que “os individuos que preferem uma vida sem notoriedade publica e que nao exercem funcao publica possuem o direito inviolavel a que nao se invada a sua vida pessoal, mesmo que se proceda sem carter injurioso, difamatério e calunioso”.!° Caso interessante, relativamente a temporariedade da limitacao aos direitos da personalidade € 0 caso da artista Maria da Graga Xuxa Meneghel, que teve veiculada em uma rede de televisao imagem de uma revista masculina em que a autora posara nua ha mais de 20 anos.”° O juiz do caso reconheceu violacdo A 18. “I-A Constituicao da Reptblica, no seu art. 26, consagra o direito de todos os ci- dadaos ‘a imagem e a reserva da intimidade da vida privada e familiar’. II - Por sua vez, 0 art. 79 do Codigo Civil, inserido na sec¢ao II sobre direitos de personalidade, estiputa também, no seu n. 1, que ‘o retrato de uma pessoa ndo pode ser exposto, reproduzido ou langado no comercio sem consentimento dela’, e no seu n. 2 que ‘no e necessério o consentimento da pessoa retratada quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenha, exigencias de policia ou de justica, finalidades cientificas, didacticas ou culturais, ou quando a reprodugio da imagem vier enqua- drada na de lugar puiblico ou na de factos de interesse ptiblico ou que hajam decor- rido publicamente’ e ainda uo seu n. 3 se consigna que ‘o retrato ndo pode, porem, ser reproduzido, exposto ou langado no comercio se do facto resultar prejuizo para ahonra, reputagdo ou simples decoro da pessoa retratada’. IIL — Age com culpa, pra- ticando facto ilicito passivel de responsabilidade civil nos termos dos arts. 70 e 483 ess. do Cédigo Civil, o jornal que, sem o seu consentimente e nao sendo ela pessoa publica, fotografa determinada pessoa desnudada e publica essa fotografia numa das edigdes, nao obstante o facto de a fotografia ter sido obtida quando a pessoa em causa se encontrava quase completamente nua na ‘praia do Meco’, considerada um dos lo- cais onde o nudismo se pratica com mais intensidade, numero ¢ preferéncia, mesmo «qe se admita ser essa pessoa fervorosa adepta do nudismo, LV - E facto notério que a publicacdo em um jornal de grande divulgacao e expansao de um retrato da autora em ‘topless’ sem o seu consentimento se tinha de repercutir forgosamente na reputa- ¢ao e honra da retratada €, $6 por si, gerar prejuizos para ela, tendo, por isso, direito a ser ressaxcida pelos mesmos”. (Portugal. Supremo Tribunal de Justiga, Processo n. 077193, rel. Solano Viana, DJ 24.05.1989). 19, Camrat, Marcelo Malizia. A colisao entre os direitos da personalidade e o direito de informagao. In: Mizanpa, Jorge; Ropricues Junior, Otavio Luiz; FRuET, Gustavo Bonato (orgs.). Direitos da personalidade. Sao Paulo: Atlas, 2012, p. 139. 20. TJRJ, processo n. 2008.001.069035-3. Rodrigo Santos, A privacidade como diteita da persanslidade. Revista doe Tribunois. vol. 955, ara 104. p.67-69 Séo Paulo: Fd. RY, 0 20185, 74 Revista pos Trieunais « RT 955 « Maio pe 2015 sua privacidade, pois uma ‘pessoa nao pode ter a sua imagem exposta por mais de vinte anos. A autorizacao da veiculacao da imagem foi para uma determina- da época, ¢ nao para a vida toda. Outra situacao interessante é a dos participantes de reality shows. Os referidos programas de televisdo retnem pessoas em uma casa, em total isolamento com © mundo exterior, sob vigilancia 24 hores por dia, com cameras espalhadas e microfones, de modo a serem privadas quase que totalmente de sua privacidade enquanto ali permanecerem. Este tipo de programa tem sido uma febre nos dias atuais, atingindo pontos elevados na audiéncia e muito lucro as emissoras. Os participantes desses programas assinam contrato de cessao de uso de imagem e da privacidade, durante sua participacdo no programa, 0 que os tor- na alvos de uma verdadeira devassa em sua intimidade.*' No que se refere a possibilidade de cessao de uso da imagem e da suspenséo temporaria da privacidade, durante a participacao no programa nao ha grandes problemas. E possivel a suspensdo tempordria do exercicio da privacidade. No entanto, ha que se pensar em até que ponto é licito o negécio juridico de suspensdo exposicdo do exercicio da privacidade, para uma exposi¢ao macica e explicita da intimidade da pessoa. 4. Direto A PRIVACIDADE APLICADO 4.1 Direito a privacidade no local de trabaiho O que se deve falar a respeito do direito a privacidade no local de trabalho? Geralmente, um terco de nossa rotina diaria é vivida em nosso local de traba- Tho. E, portanto, muitas relacdes interpessoais s4o criadas neste ambiente. A pergunta que se coloca é a seguinte: no ambiente de trabalho, o trabalhador mantém o seu direito a privacidade? A resposta deve ser positiva. O direito do trabalho estabelece conceitos como o poder de direcao, que o empregador exerce sobre os seus empregados. O referido poder possibilita que o empregador estabeleca regras de funciona- mento da empresa e de que forma os empregados deverao desempenhar as suas atividades, inclusive restringir a utilizacao de meios de comunicacio, a exemplo do aparelho celular, para evitar a reducao da produtividade. Por esta razo, muitas empresas criam bloqueios eletrénicos para impedir que seus empregados utilizem no ambiente de trabalho as redes sociais, acesso 21. Auves, Cristiane Avancini. Os direitos da personalidade € suas conexdes intra, inter € extra-sistematicas. Revista Juridica. ano 53. n. 330. p. 50. Porto Alegre, abr. 2005. jadr0 Santos sade coma dhreto da personaidade. Revisto a Trung vol. 955 aro 104. p. 67-29. Sao Paula: Ea RT, Le Durerro Civit a sitios com material pornografico, acesso a sitios de armazenamento de arqui- vos, etc. Neste ultimo caso também, ter o objetivo de se evitar que o empre- gado se utilize dos equipamentos da empresa para baixar arquivos de mmisica, videos ¢ até software durante o hordrio de trabalho, o que poderia causar sérios danos a rede de informatica da empresa, tendo em vista a possibilidade de con- tamina¢ao com virus de computador. Questao que se coloca é a possibilidade de o empregador monitorar os e- -mails dos empregados (nao se fala aqui dos e-mails pessoais, pois estes, sem sombra de duvida, estéo protegidos pelo direito 4 privacidade) — os e-mails corporatiyos — para a verificacao do que se esta a tratar no referido meio de comunicacdo. O argumento utilizado pelas empresas é 0 seguinte: como 0 e- -mail corporativo é uma facilidade colocada a disposigéo dos empregados para otimizar 0 trabalho, os assuntos ali tratados devem ser exclusives para uso profissional de interesse do empregador. Assim, o monitoramento é licito, nao podendo ser considerado violacao ao direito 4 privacidade do empregado. Foi neste sentido que o Tribunal Superior do Trabalho ja decidiu: “Nesse contexto, se considerarmos como dano moral indenizavel a violacdo 4 honra e a imagem das pessoas, conforme previsto no inciso X do art. 5.° da CF/1988, 0 cancela- mento de acesso do autor a e-mail corporativo da empresa, ainda que em peri- odo de férias que antecedew a sua rescisao contratual, nao implica em violacao a honra subjetiva do autor, passivel de reparacdo. Pondere-se que aqueles que se utilizam do e-mail corporativo para fins pessoais ou ilicitos esto sujeitos a varias medidas legais, inclusive com a possibilidade de demissao por justa causa. Dessa forma, nao ha qualquer intimidade ou privacidade do funcionario a ser preservada ou protegida, na medida em que essa modalidade de e-mail nao ¢ colocada 4 disposicao do funciondrio para fins particulares. Nao se pode vislumbrar direito a privacidade na utilizagéo de um sistema de comunicacao virtual disponibilizado para o correto desempenho da atividade empresarial e de um oficio decorrente de contrato de trabalho. Nesse contexto, nao configu- tado a pratica de conduta ilicita por parte empregadora capaz de ensejar abalo moral no reclamante, nao comprovado que a demandada tenha exagerado em seu poder de mando e direcao, sendo que tal pratica de cancelamento de e- -mail corporativo do autor, nao obstante lhe tenha causado aborrecimentos, nao representa abalo moral, lesio a honra e a imagem do ofendido, capaz de Justificar condenagao em indenizacao por danos morais”.” Este julgado segue no mesmo sentido utilizado por Warren e Brandeis, em seu trabalho sobre o 22. TST, ATRR 834-03,2011.5.02.0045, 6.* T., rel, Des. convocada: Cilene Ferreira Amaro Santos, J. 03.12.2014, DEJT 05.12.2014. 4 Rodngo Santus. A privacidade como dieite da personalidade. Revista dos Inibunois v0, 955, ano 104. p. 7-89. Sao Paula: Ea. BT, Pa2718 75 76 Revisia 00s Trigunats » RT 955 » Mato oe 2015 direito a privacidade, como sendo o direito & privacidade uma extensio do direito de propriedade.* O argumento contrario seria no sentido de que o monitoramento as contas de e-mail corporativo seria um atentado ao direito 4 intimidade da pessoa, tendo em vista que a partir do momento em que a conta de e-mail é colocada & disposicao do empregado, este tem, nesta conta, estendido o seu direito a pri- vacidade. Nao se deve colocar os meios de producdo a frente da dignidade da pessoa humana.”* Deve-se levar em consideracéo que a Constituicdo de 1988 estabelece que o direito a privacidade é inviolavel (art. 5.°, X e XII, CF/1988). No entanto, ha que se fazer algumas ressalvas: um primeiro lugar, embora se estabeleca que a privacidade e 0 sigilo das comunicagGes sdo inviolaveis, 0 tema deve ser tratado com cuidado. Nos termos da Constituigéo de 1988, ape- nas as comunicacées telefonicas podem ser monitoradas, desde que objetivem a instrucéo da investigacao criminal ou do processo penal e desde que haja prévia autorizacao judicial (art. 5.°, XII). Dizer que as comunicacoes via e-mail sdo inviolaveis possibilitaria 0 abuso de direito por parte do seu titular, como a utilizacao dos meios colocados & disposicao dos empregados, que teriam a destinacao apenas para 0 uso profissional. Por outro lado, ha meios eletrénicos de se evitar a ma utilizagao por parte do empregado. Em todo caso, a jurisprudéncia tem admitido o monitoramento dos e-mails corporativos, tendo em vista que sao de propriedade da empresa empregadora, mas com certos limites: deve haver uma prévia comunicag4o aos empregados de que havera o referido monitoramento. Além disso, os direitos da persona- 23. “What is the nature, the basis, of this right to prevent the publication of manuscripts or works of art ? It is stated to be the enforcement of a right of property”. Cf, WARREN, Samuel D.; Branneis, Louis D. The right to privacy. Harvard Law Review. n. 5. vol. 4. p. 200. Boston, dez. 1890. 24. Neste sentido, afirma Paulo Luiz Netto Lobo: “Pode o empregador impedir que os computadores ou provedor corporativos sejam utilizados pelo empregado para fins pessoais, mas no pode violar o contetido das correspondéncias pessoais, para pro- duzir provas contra 0 segundo”, Netto Lono, Paulo Luiz. Autolimitacao do direito a privacidade. Revista Trimestral de Direito Civil, vol. 34, p. 102. Rio de Janeiro, abr.- -jun. 2008. 25, “Recurso ordinario do reclamante. Justa causa. Violacdo de segredo de empresa. Sigi- lo do e-mail pessoal. Ha quebra da confianca quando 0 obreiro revela para terceiros, concorrente do seu empregador, informacdes sigilosas que tinha conhecimento em Nee, Hodrigo Santas, A priacidade como diveto da personatidade, Reviste dos Tibuniais va), 955, ane 104.9. 67-89, Sio Paulo: Ed. Bi, aia 2015, Dinerro Civie. 7 Da mesma forma, e sob os mesmos fundamentos, seria possivel uma em- presa fazer revistas nos escaninhos disponibilizados aos empregados, tendo em vista que os armarios esto nas dependéncias da empresa e destinados exclusi- vamente para fins profissionais.’* 42 Direito 4 privacidade € 0 sigilo das comunicagées No que se refere ao direito ao sigilo nas comunicagées, trata-se de mais uma forma de concretizacao do direito & privacidade. Estabelece a Constituicdo de 1988 o seguinte: “XII - € inviolavel o sigilo da correspondéncia e das comuni- cacées telegraficas, de dados e das comunicacées telefénicas, salvo, no ultimo caso, por ordem judicial, nas hipéteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigacao criminal ou instrucao processual penal”. Assim, a corres- pondencia por carta ou telegrama é inviolavel. Como ja foi dito, as comunica- Ges telefonicas somente poderao ser violadas, por ordem judicial, e quando a finalidade for para a instrucdo da investigacao criminal ou para a instrucdo do processo penal. Destarte, nao seria possivel a violacdo da privacidade de uma pessoa, por meio de interceptacao telefénica, em uma acao de divércio, para se provar, por exemplo, que houve adultério. A interceptagao telefonica é passivel de interceptacao, mesmo diante do di- teito a privacidade, tendo em vista 0 interesse publico no combate ao crime. No entanto, mesmo diante da decretacéo da quebra de sigilo das comunicacées, a referida decisdo devera fixar o periodo das gravacdes, bem como o conteido a ser pesquisado. Isso porque mesmo se tratando da pratica de um crime, existem conversas que a pessoa possa ter que nao terao relacdo com a pratica criminosa. razao do desempenho de suas funcdes, sendo certo, outrossim, que 0 direito ao sigilo das correspondencias nao € absoluto e nao pode servir de escudo para salvaguardar praticas ilicitas ou de ma-fé do trabalhador. Recurso ordinario da reclamada. Dano material. Reconvengao (...)”. (TRI-17.* Regio, RO 01565-2013-013-17-00-0, rel, | Des. Claudia Cardoso de Souza, DEJT 23.10.2014) 26. “(...) Por tais raz6es, assim como um e-mail corporativo pode ser monitorado, com muito mais razdo um escaninho de um supermercado o deve ser, seja pelo objeto so- cial explorado pelo reclamado onde a possibilidade de furtos ¢ alta (comércio varejis- ta), seja pela necessidade da salvaguarda de seu direito constitucional de propriedade. Ouitra seria a situagao se a mochila - de propriedade do empregado — fosse violada, 0 que ndo ocorreu, conforme da conta a prova coligida aos autos(...)”. (TRT, 17.4 Reg., RO 0022500-50.2008.5.17.0012, L.* T., rel. Des. Sergio Moreira de Oliveira, rev. Des. José Carlos Rizk, DEJT 25.05.2009 ), lodnge Santos. prrveestade como direito da personalidad. Revista dos Tribunars wo 985 ano 104. 67-9 Soo Paulo: Bd. RU 8, ee 78 Revista Dos Trisunals « RT 955 + Maio ve 2015 Por isso, sua transcrica6 e juntada no processo ou no inquérito é indevida. Por esta mesma razdo, tem se admitido a gravacdo de conversas ambientais, quando autorizada por um dos interlocutores, exatamente para a producdo de prova no processo penal.”” A auséncia de autorizacao judicial neste caso nao é empecilho, tendo em vista que a Lei 9.296/1996 trata exclusivamente das interceptacdes telefonicas, nao abrangendo as conversas ambientais.* 4.3 Direito & privacidade e o sigilo bancario No que se refere ao sigilo bancario, este também é uma concretizacao do direito @ privacidade, tendo em vista que as informacoes bancérias, tais como movimentacdo de contas e saldos bancdrios sao de interesses exclusivo do seu titular ¢ a sua divulgacdo poderia representar um constrangimento e, por isso, violacao ao seu direito a privacidade. 27. “Penal e processual. Habeas corpus substitutivo de recurso proprio. Operacao “uraga- no”. Corrupcdo ativa. Gravacdo ambiental. Captacao de éudio e imagem realizada por um dos interlocutores. Desconhecimento do outro (ora paciente). Conversa gravada na residéncia do acusado. Licitude da prova. Trancamento da a¢ao penal. Impossi- bilidade. Constrangimento ilegal ndo evidenciado. 1. A jurisprudéncia do Superior Tribunal de Justica, acompanhando a orientagao da Primeira Turma do Supremo Tri- bunal Federal, firmou-se no sentido de que 0 habeas corpus nao pode ser utilizado como substituto de recurso proprio, sob pena de desvirtuar a finalidade dessa garantia constitucional, exceto quando a ilegalidade apontada for flagrante, hipétese em que se concede habeas corpus de oficio. 2. acézdao hostilizado encontra-se em harmonia com a jurisprudéncia do Superior Tribunal de Justica no sentido de que a gravacio ambiental realizada por um dos interlocutores, sem o consentimento do outro, € licita, ainda que obtida sem autorizagao judicial, podendo ser validamente utilizada como ele- mento de prova, uma vez que a protecio conferida pela Lei 9.296/1996 se restringe as Interceptacdes de comunicagées telefOnicas. 3. No caso, a gravacao ambiental ocorreu no domicilio do paciente, com o conhecimento de um dos interlocutores (ex-secrevario de governo que agiu na condigo de informante e colaborador), sendo realizada com a devida autorizacdo judicial. Na ocasiao, o acusado convidou o servidor publico mu- nicipal a entrar ¢ permanecer na sua residéncia, nao restando evidenciado na hipétese © carater secreto da conversa captada, tampouco a obrigacao juridica de sigilo. 4. As garantias previstas no art. 5.°, XII, da Constituicéo Federal tem por objetivo preservar a dignidade da pessoa humana e o direito a intimidade da vida privada. Tal restricdo, contudo, nao deve prevalecer sobre o interesse pablico, tendo em vista que as garan- tias constitucionais nao podem servir para proteger atividades ilicitas ou criminosas, sob pena de inversao de valores juridicos. 5. Habeas corpus nao conhecido”. (STJ, HC 222.818/MS, 5.* T., j. 18.11.2014, rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 25.11.2014). 28, No mesmo sentido, STJ, RHC 34.733/MG, 5.*T., rel. Min. Jorge Mussi, DJ 12.08.2014. ese, Radrigo Sancos. A prvecade come direto da persengiidsde Revista dos Trbunoss vol. 996, ano 108 p. 67-69, Soo Pauls. Fd. PT, mae 2018. _ Dineito Cran 79 O sigilo bancario é previsto na LC 105/200] e estabelece os casos em que as institui¢des financeiras deverao fornecer as informacées bancarias do investiga- do ou da parte.” Como se vé, ha situacdes em que a movimentacao bancaria de uma pessoa deixa de ser de interesse exclusivamente seu € passa a ser de interes~ se ptblico, diante da necessidade de investigacdo criminal. O préprio ST) ja evi- denciou que sempre, para a quebra do sigilo bancdrio, haverd a necessidade de determinacao judicial, sem a qual, a prova produzida sera considerada ilicita.» 29. “Art. 1.° As instituigdes financeiras conservardo sigilo em suas operagdes ativas € pas- sivas e servicos prestados. (...) § 3.° Nao constitu violacao do dever de sigilo: 1a toca de informagbes entre instituicdes financeiras, para fins cadasimais, inclusive por intermédio de centrais de risco, observadas as normas baixadas pelo Conselho Mo- netario Nacional ¢ pelo Banco Central do Brasil; 1I — 0 fornecimento de informacdes constantes de cadastro de emitentes de cheques sem provisio de fundos e de devedores inadimplentes, a entidades de protegao ao crédito, observadas as normas baixadas pelo Conselho Monetario Nacional e pelo Banco Central do Brasil; III - 0 fornecimento das informagées de que trata o § 2° do art. 1] da Lei 9.311, de 24.10.1996; IV —a comu- nicagao, as autoridades competentes, da pratica de ilicitos penais ou administrativos, abrangendo o fornecimento de informacoes sobre operacées que envolvam recursos provenientes de qualquer pratica criminosa; V —a revelacao de informacies sigilosas com 0 consentimento expresso dos interessados; VI — a prestacdo de informagées nos termos e condicoes estabelecidos nos arts. 2.°, 3.°, 4.°, 5.°, 6.9, 7° ¢ 9.° desta Lei Com- plementar. § 4.° A quebra de sigilo podera ser decretada, quando necessaria para apu- ragao de ocorréncia de qualquer ilicito, em qualquer fase do inquérito ou do processo judicial, e especialmente nos seguintes crimes: I — de terrorismo; Il — de trafico ilicito de substancias entorpecentes ou drogas afins; ITI — de contrabando ou trafico de armas, munigdes ou material destinado a sua producao; IV - de extorsio mediante sequestro; 'V — contra o sistema financeiro nacional; VI — contra a Administracao Publica; VII — contra a ordem tributdria e a previdéncia social; VIII — lavagem de dinheiro ov oculta- cdo de bens, direitos e valores; IX ~ praticado por organizacio criminosa” 30. “Recurso em habeas corpus. Quebra de sigilo bancario. Prévia autorizagao judicial. Necessidade. Nulidade da prova. Manifesto constrangimento ilegal evidenciado. 1. Este Superior Tribunal firmou o posicionamento no sentido de que o forecimento de informacées sobre movimentagdo bancaria de contribuintes, pelas instituicdes fi- nanceiras, diretamente ao Fisco, sem prévia autorizagao judicial, com o consequente oferecimento de demincia com base em tais informacées, é vedado pelo ordenamen- to juridico pairio. Precedentes. 2. Considerando que nao houve prévia autorizacao judicial para a quebra do sigilo bancario do recorrente, bem como que a denuncia lastreou-se apenas em elementos dela obtidos, nao ha como nao afastar a nulidade da acdo penal. 3. Ainda que se alegue ou que se sustente, com base na LC 105, art. 6.°, que & possivel o acesso a essas informagées bancérias pela autoridade fazendaria, sem autorizagao judicial, nao ha como isso ser possivel para fins de investigagao no pro- cesso criminal, pela previsdo constitucional expressa a respeito. 4. Recurso em habeas Rodkigo Sartos, A privacidade com creito da personalidad. Reviste dos Inbunais val. 955. aro 104. p. 67-29. So Paula: Be. RI, “aio 2018, 80 Revista pos TaiBunals « RT 955 + Maio ve 2015, A obtencao de informacoes diretamente das instituigdes financeiras somente € admitida no processo administrativo fiscal. No entanto, as referidas provas nao poderao ser utilizadas no proceso penal, sem a prévia autorizacao judicial. E se a questo se tratar de demanda judicial de natureza civel, mais espe- cificamente em uma aciio de separacdo ou de divércio, em que ha disputa de partilha de bens? Nao se trata, aqui, de qualquer demanda judicial, mas, sim, de aco de sepa- taco ou de divorcio, em que ha a necessidade de partilha de bens, e a tnica for- ma de se saber o montante patrimonial nao imobilizado é por meio de extratos pancarios e informacdes do Banco Central a indicar os ativos patrimoniais pelo muimero do CPF do conjuge. Parece que a resposta deve ser positiva. E possivel. a quebra de sigilo bancario, mesmo porque se ha necessidade de partilha de bens, é provavel que os valores depositados em institui¢des financeiras estejam em condominio entre os conjuges, o que torna a quebra de sigilo menos invasiva. Diversamente, quando se tratar de demandas civeis em geral, como a co- branca de valores ou execucao de dividas, a parte interessada devera promover a busca por ativos da parte demandada. Nestes casos, a quebra de sigilo banca- rio é indevida e viola a privacidade da pessoa. 44 Direito a privacidade € 0 sigilo fiscal O sigilo fiscal é outra forma de concretizacao do direito a privacidade. Sua regulamentacao se da por meio da LC 105/2001, acima indicada e 0 § 5.°, do corpus provido para, reconhecendo mulas as provas obtidas mediante a quebra de sigilo bancério aqui tratada, anular a demincia e a consequente acao penal, ressalvada a possibilidade de que nova demanda seja proposta em desfavor do recorrente, com base em prova licita”. (STJ, RHC 34.952/SP, 6.? T., j. 04.09.2014, rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe 15.09.2014). 31, “Agravo regimental em recurso especial. Processo penal. Crime contra a ordem tribu- taria. Oferecimenta de dentincia com base em dados bancarios obtidos em processo administrativo mediante requisicao do fisco as instituigdes bancérias. Prova ilicita. Utilizacdo. Lmpossibilidade. Agravo ao qual se nega provimento. 1. A quebra do sigilo bancério para investigacdo criminal deve ser necessariamente submetida a avaliacéo do magistrado competente, a quem cabe motivar concretamente seu decisum, em observancia aos arts. 5.°, XII e 93, IX, da Carta Magna. 2. Os dados obtidos pela Re- ceita Federal mediante requisicao direta as instituicdes bancarias em sede de processo administrativo tributario sem prévia autorizacéo judicial nao podem ser utilizados no processo penal. 3. Agravo regimental improvido. (STJ, AgRg no REsp 1373498/SE, 6.*T, j. 19.08.2014, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, , Dje 29.08.2014). eve, Rodrigo Santos. A privacidad como direito da personalidade. Revista des Tribunals. voi. 965. ano 104. p, 67-88. Séo Pao: Ed. RT, aio 2018, Direita Crit 81 art. 2.°, dispde o seguinte: “O dever de sigilo de que trata esta Lei Complemen- tar estende-se aos Orgaos fiscalizadores mencionados no § 4.° €a seus agentes”. Isso se deve ao fato de que as informagGes prestadas a Refeita Federal, por exemplo, quando uma pessoa faz a sua declaracao anual de imposto de renda, devem ser mantidas dentro dos muros daquela instituicéo, para que nao se cause problemas ao declarante. A pessoa que presta as informacoes a Receita Federal deve estar segura de que aquelas informacoes ndo vao vazar, para que sé tenha certeza de que as informacoes so verdadeiras. Ninguém gostaria que as suas informacées fiscais fossem divulgadas ao piblico, aos seus credores, aos seus familiares ou aos seus amigos. Isso faz parte da vida privada e ¢ assunto que a ninguém compete. F possivel que sejam requisitadas informacoes fiscais diretamente as auto- ridades administrativas (quebra de sigilo fiscal) quando se tratar de processo administrativo tributério, como ja decidiu o STJ.” No entanto, quando se trata de persecugao penal, a quebra de sigilo fiscal devera ser decretada por juiz competente, sob pena de nulidade das provas.** 32, *Processual civil. Tributario. Quebra de sigilo fiscal. Langamento. Possibilidade. ‘Tema decidido sob o regime do a. 543-C do CPC. 1, Nao ocorreu violacao do direi- to liquido e certo do impetrante, Isso porque a Primeira Seco desta Corte Superior de justica, no julgamento do REsp 1.134.665/S8 rel. Min. Luiz Fux, Dje 18.12.2009, firmon 0 orientacdo no sentido de que @ Lei 8.021/1990 ¢ a LC 105/2001, cuja inci- dencia ¢ imediata, possibilitam a quebra do sigilo bancario sem prévia autorizagao judicial, para fins de constituigao de crédito tributario nao extintoe. 2. No mesmo. sentido: AgRg no AREsp 385.653/SP, 2.° T., j. 17.10.2013, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 24.10.2013; AgRg no REsp 1441670/PE, 2.* T,, j. 21.10.2014, rel. Min. Humberto Martins, Dje 29.10.2014. AgRg improvido”. (STJ, AgRg no RMS 46.050/ MT, 22 T,, j. 20.11.2014, rel. Min. Humberto Martins, Dje 04.12.2014). 33, “AgRg no HC. Penal e Processo Penal. Diversas fraudes perpetradas, em tese, con- tra o Detran/RS. Alegacdo de ilicitude dos documentos fiscais sigilosos requisitados pelo Ministério Publico diretamente ao Fisco. Flagrante ilegalidade. Quebra do sigilo fiscal que imprescinde de pronunciamento judicial. Precedentes desta corte supe- rior, AgRg desprovido, 1. Segundo entendimento desta Corte Superior, os poderes conferidos ao Ministério Puiblico pelo art. 129 da Carta Magna e pelo art. 8.° da LC 75/1993, dentre outros dispositivos legais aplicaveis, nao sfio capazes de afastar a exigibilidade de pronunciamento judicial acerca da quebra de sigilo bancario ou fis- cal de pessoa fisica ov juridica, mormente por se tatar de grave incursao estatal em direitos individuais protegidos pela Constituicdo da Republica no art. 5.°, incisos X e XII. 2. Decisdo agravada que deve ser mantida por seus proprios fundamentos. 3. Agravo regimental a que se nega provimento”. (ST, AgRg no HC 234.857/RS, 5.°T., j. 24.04.2014, rel. Min. Laurita Vaz, DJe 08.05.2014). “Jou Rodigo Santos, A peveeidade como dieito de pesonatidade Revista dos ibunaik voi, 358. 370 104, p. 67-89, So Paulo. Ea RT “aio 2018 82 Revista bos TRIBUNA'S « R7 955 + Maio de 2015 4.5 Direito @ privacidade dos servidores ptiblicos Uma quest4o que se coloca quando se trata do tema do direito a privacidade diz respeito 4 constitucionalidade da Lei de acesso 4 informacdo, no que se re- fere obrigatoriedade dos portais de transparéncia informarem a remuneracéo de cada servidor publico. A Lei de acesso a informacao (Lei 12.527/2011) foi um avango para a demo- cracia, pois possibilita que a sociedade exerca 0 controle social sobre as despe- sas da Administracao Publica. Além do portal da transparéncia, que todas as entidades da Administracaéo Publica estao obrigadas a manter no ar, existem sistemas abertos & consulta publica nos tribunais de contas para controle das obras ptiblicas, em que o cidadao tem acesso as despesas reais do governo com as obras publicas que realizam. No portal da transparéncia, o cidadao tem acesso a uma série de informa- ¢Ges relativas ao orcamento ptiblico, de modo a possibilitar que a sociedade fiscalize as despesas e as receitas do Fstado.** Ao regulamentar o art. 8.° da Lei 12.527/2011, 0 Dec. 7.724/2012 estabe- lece, em seu art. 7.°, § 3.°: “8 3.° Deverdo ser divulgadas, na secdo especifica de que trata o 8 1°, informacoes sobre: (...) VI—remuneracao e subsidio recebidos por ocupante de cargo, posto, graduacao, funciio e emprego publico, incluindo auxilios, ajudas de custo, jetons e quaisquer outras vantagens pecuniarias, bem como proventos de aposentadoria e pensées daqueles que estiverem na ativa, de maneira individualizada, conforme ato do Ministério do Planejamento, Or- camento e Gestao”. Por conta disso, abriu-se a discussdo a respeito do tema para saber se a di- vulgacao da remuneragdo de um servidor ptblico nao violaria 0 seu direito a privacidade. A questao € tormentosa. Ninguém quer que seja divulgada a sua remunera- cao. Uns porque ganham pouco, ao menos em sua percepcao, € isso 0 colocaria em posicao delicada no meio social em que vive. Outros, por ganharem muito, também ficariam em situagao delicada em seu meio social, pois estaria sujeito a criticas. E a alegacdo € simples. “a divulgagdo da remuneracao devassa a pri- vacidade do servidor piiblico!” Ha que se fazer algumas observagoes a respeito do assunto. FE verdade que servidor piiblico e ou 0 agente politico sic pessoas e, como tais, sao titulares de direitos da personalidade, dentre os quais, o direito 4 privacidade. Ocorre 34. Cf art. 8.°, Lei 12.527/2011. (sey Rodrigo Santos. A pevacidade come direita da prrsanalidage. Revista dos irbunois. vel. 986, an0 104. p. BY-89, S20 Paula: Ed PT, rain 2018, Diaérto Civit 83 que a sociedade tem direito a informacdo, nos termos do art. 5.°, da CF/1988: “XXXII — todos tém direito a receber dos érgaos publicos informagoes de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que sero prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindivel 4 seguranca da sociedade e do Estado”. Trata-se de direito fun- damental do cidadado receber da Administragdo Publica informacées de inte- tesse coletivo ou geral, o que se incluem as despesas por ela praticadas. A Lei de acesso a informacdo (Lei 12.527/2011) regulamentou este direito funda- mental, consagrado desde 1988. Percebe-se a colisao entre o direito a privacidade do servidor e 0 direito de acesso a informacao de cada cidadao. Na hipotese de colisao de direitos, consi- derando que entre os direitos fundamentais nao ha que se falar em hierarquia normativa, deve-se buscar uma solucao que atenda aos direitos conflitantes, de modo a nao desprezar nenhum deles. Se, por um lado, o servidor tem diretto a protecdo da sua privacidade, por outro, a sociedade tem o direito de exercer 0 controle social sobre a Administracao Publica. Ha um interesse publico no controle sobre a Administragao Publica, para se evitar casos de corrupcao, nepotismo ou, mesmo, situacdes esdrixulas em que um servidor percebe remuneracao acima do teto constitucional. Somente foi possivel trazer 4 lume esses casos apos a entrada em vigor da Lei de acesso a informacdo e a implantagao dos portais de transparéncia. Assim, é possivel a divulgacao das referidas informacoes, como nome, cargo @ remuneracdo, sem que isso represente uma violacao da privacidade do ser- vidor. Isso ocorre porque a privacidade do servidor é mitigada em relacao dos demais trabalhadores (da iniciativa privada), no que se refere 4 remuneracio. A remuneracio do servidor e do agente politico provém dos cofres publicos ¢ é de interesse da sociedade quanto se gasta com cada um deles.** 35, “Administrativo. Mandado de seguranca. Servidor publico federal. Analistas e técni- cos de finangas e controle. Ato coator: Portaria Interministerial 233/2012. Divulgacao de remuneracao ou subsidio recebido por ocupante de cargo, posto, graduacao, fun- cao e emprego pablico. Legalidade. Lei de acesso a informacdo. Let 12.527/2011. Di- reito liquido e certo a intimidade nao configurado. Seguranca denegada. 1. Trata-se de mandado de seguranca impetrado pelo Sindicato Nacional dos Analistas e Técnicos de Financas e Controle contra ato comissivo da Ministra de Estado do Planejamento, Orcamento e Gestao, do Ministro de Estado Chefe da Controladoria Geral da Uniio, do Ministro de Estado da Fazenda e do Ministro de Estado da Defesa, consistente na edicdo da Portaria Interministetial 233, de 25.05.2012, a qual “disciplina, no ambito do Poder Executivo federal, 0 modo de divulgacéo da remuneragao e subsidio rece- 5 Rodrigo Sar £22035, ee A privacdade como direito de personakdave, Revista des Tobunis vol 955. anc 104, p. 67-89. Sin Paulo: Ea. RT, 84 Revisia Dos TrIBuNA'S + RT 955 + Mato pe 2015, 5. DIREtTo A PRIVACIDADE EM XEQUE! A LIBERDADE DE EXPRESSAO COMO UMITE AO DIREITO A VIDA PRIVADA ‘As consideracées feitas até aqui foram para estabelecer a importancia do direito a privacidade e a necessidade de sua protecdo. No entanto, ele encontra limites em um direito, que também é protegido em nivel constitucional, que é a liberdade de expresso. Esta é uma liberdade que foi conquistada pela socie- dade, que significa um dos pilares da democracia. Como garantir a democracia se 05 meios de comunicacao ndo puderem prestar informacao a sociedade? bidos por ocupante de cargo, posto, graduacdo, fungao ¢ emprego publica, incluindo auxilios, ajudas de custo, jetons e quaisquet outras vantagens pecuniarias, bem como proventos de aposentadoria e pensdes daqueles que estiverem na ativa, conforme disposto no inc. VI do § 3.° do art. 7.°, do Dec. 7.724, de 16.05.2012" (art. 1°). 2.4 Lei de acesso a informacdo constitui importante propulsor da cultura da transparén- cia na Administracdo Publica brasileira, intrinsecamente conectado aos ditames da cidadania e da moralidade publica, sendo legitima a divulgacao dos vencimentos dos cargos, empregos e funcdes publicas, informacées de carater estatal, e sobre as quais o acesso da coletividade é garantido constitucionalmente (art. 5.°, XXXII, art. 37, § 3.°, Ie art. 216, § 2.°, da CF/1988). 3. A divulgacao individualizada e nominal das remuneragdes dos servidores publicos no Portal da Transparéncia do Governo Federal, em cumprimento as disposicao da Portaria Interministerial ora impugnada, apresenta-se como meio de concretizar a publicidade administrativa, nao se contrapondo aos ditames da Lei 12.527/2011, que, ao normatizar 0 acesso a informagoes, determinou que todos os dados estritamente necessarios ao controle ¢ fiscalizacao, pela sociedade, dos gastos publicos sejam obrigatoriamente lan¢a- dos nos meios de comunicacao. +. Sobre a matéria, o Supremo Tribunal Federal ja assentou que “Nao cabe, no caso, falar de intimidade ou de vida privada, pois os dados objeto da divulgacdo em causa dizem respeito a agentes publicos enquan- to agentes publicos mesmos; ou, na linguagem da propria Constituicio, agentes estatais agindo ‘nessa qualidade’ (§ 6.° do art. 37). E quanto a seguranca fisica ou corporal dos servidores, seja pessoal, seja familiarmente, claro que ela resultara um tanto ou quanto fragilizada com a divulgacdo nominalizada dos dados em debate, mas € um tipo de risco pessoal e familiar que se atenua com a proibigao de se reve- lar o endereco residencial, 0 CPE ea Cl de cada servidor. No mais, é 0 preco que se paga pela opcao por uma carreira publica no seio de um Estado republicano. 3. A prevaléncia do principio da publicidade administrativa outra coisa nao ¢ sendo um dos mais altaneiros modos de concretizar 4 Republica enquanto forma de governo” (SS 3902 Ag-segundo, Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, Dje 30.09.2011). 5. Ade- mais, 0 caso ndo envolve informacdes cujo sigilo seja imprescindivel 4 seguranca da sociedade e do Estado, ressalva prevista no inc. XXXII do art. 5.° da CF/1988. 6. Seguranca denegada”. (STJ, MS 18.847/DE 1.* Secao, j. 12.11.2014, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 17.11.2014). Tews Rodrigo Sentos A proacidade come direto da personslidade, Revista dos Tnbunais. vi, 968, ano 104, p. 67-88. Séo Pauio: Ed. RY, reaio 2016. Direiro Crvit Como tomar decisdes politicas se a sociedade ficar 4 margem do que acontece no Estado, em seu pais, em seu estado, em seu municipio? Para se garantir que as decisées politicas sejam tomadas de forma consciente, faz-se necessdrio garantir que a liberdade de expressao e, neste particular, a liber- dade de imprensa seja garantida, para possibilitar que os meios de comunicacao informem a sociedade. Por outro lado, é necessdrio garantir que vozes contrarias também sejam ouvidas. Democracia nao significa unanimidade, mas, sim, a pos- sibilidade de haver discussao sobre temas importante para a sociedade e, se nao houver 0 consenso, que pelo menos haja uma decisdo politica da maioria. Assim, a liberdade de expressdo é fundamental para a manutencao da democracia. E por esta causa que o direito a privacidade nao pode ser utilizado como es- cudo para impedir, por exemplo, que a sociedade recebe informacao relevante. Como ja foi dito, a agenda de alguém que exerce um cargo politico interessa a sociedade, como titular do poder politico, deve saber os passos do mandatario deste poder, como o fim de exercer sobre ele o devido controle. Da mesma sorte, a intimidade de um agente publico nao é violada pela divulgacao do valor de sua remuneracao. Nao se trata, na verdade, de uma de- vassa em sua vida financeira, que € protegida pelo sigilo bancario e fiscal, para apenas uma forma de controle da sociedade sobre quanto percebem os agentes publicos, por meio dos portais da transparéncia. Nao obstante tamanha importancia, a liberdade de expresso também en- contra limites, dentro de sua propria justificativa. Ora, se a liberdade de ex- pressio se justifica em levar informacao relevante a sociedade, ha que se ter em conta que a informacdo que deve ser levada ao piblico seja aquela em que esta revestida de interesse ptiblico. Por isso, a agenda profissional de um agente politico interessa a toda a sociedade. Esta informacio esta revestida pela liberdade de imprensa. No entanto, a rotina diaria do mesmo agente publico, naquilo que se refere sua vida privada, as suas relacées afetivas, familiares, etc., $6 dizem respeito a ele, por se tratar da sua intimidade, nao cabendo a im- prensa noticiar estes assuntos, sob pena de responsabilidade civil, por violagéo ao direito a intimidade do individuo. Embora a liberdade de imprensa esteja garantida pela Constitui¢ao (art. 220, CF/1988), esta estabelece limites a atuacao daquela, como se vé: “Art. 221, A produgdo e a programacao das emissoras de radio e televisao atenderao aos seguintes principios: I — preferéncia a finalidades educativas, artisticas, cul- turais e informativas; II — promocao da cultura nacional e regional e estimulo & producao independente que objetive sua divulgago; Ill — regionalizacao da producdo cultural, artistica e jornalistica, conforme percentuais estabelecidos em lei; IV — respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da familia”. 85 Rodrigo Santos. A privacidade come direito da personalidade. Rewsta dos Trbunais. ol. 986, ano 104. p. 8-89. Sze Paulo’ Ed RT, “202018, 85 86 Revista p05 TRIBUIA'S + RT955 « Mao of 2015 Pela simples leitura, em especial do inciso IV, percebe-se que a propria Constituicao estabelece limites a liberdade de imprensa exatamente no respei- to aos valores éticos da pessoa e¢ da familia. A imprensa tem 0 direito de tazer a sociedade a informacio, exercendo a0 mesmo tempo sua liberdade de pro- fissiio, de atividade econdmica, bem como garantindo a sociedade 0 acesso & informacdo. Todavia, a informacao a ser transmitida deve passar por um filtro, pautado na ética e no respeito ao ser humano. A intimidade de uma pessoa, mesmo que esta seja uma pessoa notria {ocupante de um cargo politico ou uma celebridade) nao esta A mercé desta liberdade de imprensa. A referida liberdade, garantida em nivel constitucional, deve ser protegida enquanto atender aos valores constitucionais pelos quais fora concedida. A veiculacéo de qualquer informacao, em especial, a que diga respeito a vida privada de uma pessoa, viola a dignidade da pessoa humana, acdo que deve ser repudiada pelo Direito. O papel das empresas jornalisticas € informar, apresentar fatos que interes- sam a sociedade. Quando estas mesmas empresas jornalisticas, que gozam de um regime juridico proprio, passam a expressar sua opinido, por vezes, ocor- rem distorcées dos fatos e a informacao se transforma em julgamento. Ao invés do individuo ser julgado pelo Poder Judiciario, ele sera julgado pela imprensa, e sem a possibilidade de se defender. Além disso, algumas empresas deste tipo ainda fazem um tipo de perseguicdo eterna, com veiculacao de matérias reite- radas, de modo a impossibilitar que determinada pessoa ou grupo de pessoas seja esquecido pelo piiblico em geral. Quando assim agem, ocorre violacao do direito a intimidade do individuo. 6. CONSIDERACOES FINAIS ‘A vida em sociedade é fundamental para o individuo. Mas, embora seja necessdria 2 convivéncia social, o individuo necessita de espacos em que ele possa se sentir 4 vontade para viver momentos de sua intimidade, sem que tais fatos venham ao conhecimento do publico. Situacdes que devem ser comparti- Thadas no seio da familia, ou no circulo de amigos mais proximos, ou mesmo, guardadas para si. O direito 4 intimidade se apresenta como um direito da personalidade, pois interfere na vida do individuo de modo decisivo para o desenvolvimento de sua personalidade e de sua convivencia social. Em outras palavyras, a manu- tencao do segredo de determinados fatos da vida de um individuo ou a sua devassa pelo publico em geral pode interferir na forma como este individuo ira interagir em sociedade. feos, Radnige Sa io 015 SA prieesdade corco diteto da personalidade, Reveta dos Trbunass, vol. 955. no 104. p. 67-89, S#e Pav: Fa. RT, OO Direiro Cra 87 O direito a privacidade pode sofrer limitagéo no seu exercicio na forma de autolimitacdo, tendo em vista que o seu préprio titular pode limitar, ou mesmo renunciar o seu exercicio por determinado tempo e em determinadas circunstan- cia, como € o caso da participacao de uma pessoa em um reality show ou a supe- rexposic¢do que o proprio individuo faz de sua vida privada em uma rede social. A vida privada sofre limitag4o diante de outros direitos de natureza cons- titucional, como a liberdade de profissao, a liberdade de expresso, o direito a seguranca de todos os individuos, etc. Por isso ndo se pode impedir intercep- tacdo telefonica em investigacao criminal, sob o argumento de violacao da inti- midade. Diante da ponderacao de interesses conflitantes, ou seja, a intimidade do investigado e o direito a seguranca publica dos demais individuos, que € concretizada pelo combate ao crime, deve-se autorizar a interceptacao telefo- nica para apurar a possivel pratica de crime, mas a intimidade do individuo deve ser protegida, havendo a transcricéo apenas das conversas que interessa a investigacao. Desta forma se protegem os dois direitos. No ambiente de trabalho, 0 direito a privacidade também deve ser preserva- do. O individuo, quando entra em seu local de trabalho, mantém a salvo a sua vida privada. Porém, tém se admitido na jurisprudéncia que empresas moni- torem os e-mails corporativos dos seus funciondrios, bem como a revista nos armarios existentes nas empresas de uso dos funcionarios, sob o argumento de serem instrumentos colocades a disposicao dos funciondrios pela empresa, nara o desempenho da atividade econémica desta. No entanto, a referida pra- a é inadequada, tendo em vista a possibilidade de utilizagao de bloqueios eletrénicos nos e-mails. Os meios utilizados na execucdo fiscal para a busca de informacées financei- ras do contribuinte devedor é que caracterizam violacio ao direito a intimidade. Mesmo diante do sigilo fiscal, o poder ptblico pode se utilizar dessas informa- 30es para reaver os valores devidos pelo contribuinte devedor. Da mesma sorte, se 0 objetivo do processo for a persecucao penal. No entanto, essas informacées io poderao vir a lume se a finalidade do processo for o atendimento de interesse privado. Em uma acao de cobranca ou numa execucao, por exemplo, nao podera ) juiz determinar a quebra do sigilo fiscal, para que o credor localize bens penho- zaveis do devedor, salvo no caso de um divércio, em que se partilha patriménio, pois uma forma de se apurar todo o patrim6nio partilhavel, de modo confiavel, sera por meio da exposicao das informagoes fiscais. No que se refere ao sigilo bancario, este também € uma concretizacao do Hreito a privacidade, pois a movimentacao bancaria de um individuo nao in- ceressa a ninguém e a sua divulgacao poderd provocar constrangimento ao seu citular. Ha situagdes em que a movimentacao bancaria de uma pessoa deixa de Rodtige Santos. A prs 272018, ‘ade como dito da personaidade, Revsto dos Tidunars vol 956. aro 104. p. 62-89 Sto Pauto. Ed. AT, 88 Revista 00S Tribunals « RT 955 + Maio de 2015 ser de interesse exclusivamente seu e passa a ser de interesse publico, diante da necessidade de investigacao criminal. No que se refere a possibilidade ou nao da divulgacdo da remuneracao dos servidores, é possivel a divulgacdo das referidas informagées, como nome, car- go e remuneracdo, sem que isso represente uma violacao da privacidade do ser- vidor. Isso ocorre porque a privacidade do servidor € mitigada em relacao dos demais trabalhadores (da iniciativa privada), no que se refere 4 remuneracao. A remuneracdo do servidor e do agente politico provém dos cofres publicos e é de interesse da sociedade quanto se gasta com cada um deles. A liberdade de expresso representa uma limitacao ao direito & intimida- de, tendo em vista que a imprensa € capaz de investigar fatos da vida de uma pessoa que interessa o publico em geral, de forma a possibilitar & sociedade exercer seu direito a informacao, na tomada de decisdes politicas. No entanto, esta liberdade de expressao encontra limites na propria Cons- tituicdo, ao estabelecer parametros para o seu exercicio, como o respeito aos valores éticos da pessoa e da familia (art. 221, IV, CF/1988). 7. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS Auves, Cristiane Avancini. Os direitos da personalidade e suas conexées intra, inter e extra-sistematicas. Revista Juridica. ano 53. n. 330. p. 35-53. Porto Alegre, abr. 2005. Anprape, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituicao portu- guesa de 1976. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2001. Arexpt, Hannah. 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