Você está na página 1de 8
[1] Supremo Trrsunat DE Justica Ac6rdao de 5 de Fevereiro de 1997 BM] 464 (1997) 176 Havendo conflitoentre finsde prevencdo geralede preven¢ao especial, a protecedo de bens juridicas ea reintegragdodo agente devem ser considerados equitibradamente na determinagao da medida concreta da pena; a finalidade de retntegracao ndo pode reputar-se preponderante. Acordam no Supremo Tribunal de Justica: 1. No 2.8 Juizo do Tribunal de Circulo de Sintra, respondeu A. . ., casado, guarda de 1. classe da Policia de Seguranga Pablica, Divisio de Cascais, natural de Pedr6gio Grande, Leiria, e residente naR...., Riode Mouro, comos restantes sinais dos autos, acusado pelo Ministério Pablico da pratica de dois crimes de homicidio negligente, punidos nos termos do artigo 59.°, alinea a), do Cédigo Estrada, vindo a ser condenado, por Acérdao de 22 de Fevereiro de 1999 (fis. 235-240 dos autos), por um crime de homicidio pornegligéncia, previstoe punido pelo artigo 136.2, n2 2, do Cédigo Penal de 1982, na pena de dois anos e quatro meses de prisio. Nao se conformou o arguido, interpondo recurso para este Supremo Tribunal, que motivou, concluindo como segue: 1.1. Dado que se provou que é pessoa estimada quer no meio profissional a que pertence, a Policia de Seguranca Pablica, quer pela populacao da vila onde exerce a sua profissdo, € que se provou também que no tem antecedentes criminais, atendendo a sua personalidade, as condigdes da sua vida familiare profissional, que ficard imemediavelmente comprometida se for condenado em prisio efectiva, ea sua conduta anterior e posterior ao facto punivel, € evidente que tudo aconselhaaa suspensio da execucio da pena. 1.2. Naootendo feito, dado quea pena de prisdo prevista para © facto imputado ao arguido no era superior a trés anos (artigo 136.2, n° 2, do Cédigo Penal de 1982), 0 douto ac6rdao recorrido violou o disposto no artigo 48.2, n2 2, daquele Cédigo ou no artigo 50.2, n.° 1, do Cédigo Penal de 1995. 13 1.3. Assim, ede acordo como exposto, deveré aquele acérdo 42. ser revogado e substituido por decisio que suspenda a execucio da pena aplicada por periodo de tempo entre uum ano € cinco anos. 2, Respondeu o Ministério Pablico para, concluindo pela improcedéncia 43. do recurso, salientar que nao se apuraram quaisquer citcunsténcias excepcionais que permitissem a pretendida suspensdo de execucao da pena, resultando do acérddo impugnado um conjunto de factos reveladores de que, no caso concreto, mais do que se justifica que o recorrente a venha a cumprir em efectividade. ‘Também houve resposta dos assistentes a concluirem da mesma maneira sublinhando que o citcunstancialismo invocado pelo recorrente nio é mais que o exigido a um homem médio de qualquer sociedade civilizada, que se verificaram circunstincias 44, impeditivas da pretensio do recorrente, quais sejam 0 nado reconhecera sua culpa perante a manifesta evidéncia dos factos, ondo arrependimento, agravando ainda a sua conduta o facto de ser agente da autoridade e. por fim, a jurisprudéncia dos nossos tribunais em casos semelhantes, 3. Subidos os autos a este Supremo, ap6s a vista a que se refere o artigo 416° do Cédigo de Processo Penal, efectuou-se 0 exame preliminar, no qual se nao verificou circunsténcia obstaculizante do conhecimento do recurso. E, porque haviam sido requericas alegacdes por escrito, foi fixado prazo para 0 efeito, Nas alegacdes do recorrente reproduziram-se as razdes do recurso € concluiu-se da mesma maneira. Nas do Ex." Procurador-Geral Adjunto, citando-se abundante jurisprudéncia, propugna-se pela manutencdo do julgado, sublinhando-se 0 circunstancialismo dos factos € a falta de confissio e amepencimento. Vem os autos, corridos os vistos, para apreciare decidir. conforme © disposto no artigo 435.° do referido Cadigo. 4, Como emerge do relatado, a tinica questéo a decidir € a da suspensao da execugio da pena 45. Vejamos a matéria de facto apurada na instincia: 46. 4.1. Nodial deMargode 1992, domingo, oarguidocirculava ao volante da sua viatura ligeira mista da marca Toyota, com a matricula . . ., pela estrada nacional n.® 249-A, quando eram cerca das 21.30 horas, no sentido Sintra-Albarraque. “4 42, 43. 44. 45. 4.6. Havia estado numa festa de aniversério em Sintra e tinha uma taxa de alcool no sangue de 2 g/l, como veio a detectado por teste efectuado por uma brigada da Guarda Nacional Republicana Quando circulava j4 no interior da localidade de Abrunheira, e numa recta com boa visibilidade, veio a embater com a parte frontal direita da sua viatura nos pedesZ. ..eJ...,queacabavam de atravessara via, dolado esquerdo para 0 lado direito, tendo em conta o sentido de marcha do arguido, em cima de uma passadeira para pedes, existente junto ao restaurante O Trilho e quando estes jé se encontravam junto ao pavimento do passeio do lado direito. Em consequéncia do embate, o peao referido, Z...., sofreu extemamente feridas contusas sobre fundo escoriado na regido fronto-parietal direita, com deslocamentodocouro cabeludo, nas regides frontal média, supraciliar, palpebral superior e zigomatica dieitas, na metade esquerda do ébio superior e dorso da mao direita, escoriacdes miiltiplas confluentes na face, predominantemente a direita, ombro direito, dorso das maos, anca € coxa direitas e perna esquerda,¢, internamente, infiltracdo hemorrigica do couro cabeludo e aponevrose epicraneana, nas regides frontal, parietal e temporal direitase do miisculo temporal direito, luxagio occipito-atloideia, hemorragia lepto-meningea, fractura do rebordo orbiteatio e do malar direito, fractura docorpodoatlase da apéfise adentoideia do axis, fractura dosarcos posteriores da 1.#e 2..costelasesquerdaseda 1. 2 3.4 costelas direitas e dos arcos anteriores da 1247.4 costelasdireitas; fractura transversal doestemoaoniveldo 2.2espaco intercostal, laceracdo dos hilos pulmonares, do pulmao direitoe da crossa da aorta, infltragao hemorrigica do mediastino, hemot6rax bilateral, laceracio do figado, fractura dos ramos ilio-pibicos e hemorragias subendocardiacas na parede do ventriculo esquerdo, as quais Ihe vieram a determinar a morte, ocorrida as 21.35 horas desse dia Em consequéncia do embate, 0 pedo J. .. sofreu fractura do crinio com contuséo do encéfalo, vindo a ser socorrido. ‘Nohospital, As graves lesdes traumiticas craneo-encefélicas provenientes do embate associou-se como complicacao terminal broncopneumonia, vindo J. ..a falecer as 14.30 horas do dia 15 de Margo de 1992 4.7. Oarguido apenas conseguiu imobilizara viatura cerca de 20 metros depois do local doembate—a referida passadeira para pedes—, tendo o corpo doJ. .. sido projectado a 6,10 metros para frente da passadeira, enquanto 0 da Z. .. foi arrastado até cerca de 11,70 metros para diante da mesma passadeira 4.8. O arguido no regulou a velocidade do seu vefculo por forma a ter em conta a circunstincia de se encontrar no interior de uma localidade, bem como de existir no local uma passadeira para pedes, devidamente sinalizada tendo derivado da situagio de embriaguez em que se encontrava, com a referida taxa de alcoolemia de 2 g/L 4.9. Epessoa estimada quer no meio profissional, a Policia de Seguranca Pablica, quer pela popula 4.10. Nao tem antecedentes criminais. Queixa-se o recorrente nas suas alegagdes (fio fizera na motivagio), que 0 ac6rdio recorrido, invocando a jurisprudéncia relativa 20 tipo de conduta, contréria a suspensio da execucao da pena, niio cita um Gnicoarestoa ilustrartalafirmagio. Nose vé nisso qualquer defeito de fundamentagio, pois que tal jurisprudéncia € bem conhecida, ou deve sé-lo, de pessoas minimamente informadas, €m particular dos profissionais do foro, pois consta de numeross publicagdes da especialidade, nomeadamente do Boletim do Minisiério da Justiga, como pode ver-se da larga recensio constante das alegagdes do Ex.™ Procurador da Republica de Sintra. Alids, dada a qualidade de agente da autoridade do recorrente, nio é ctedivel que desconhecesse o sentido de tal jurisprudéncia ea frequéncia com que se verificam acidentes como aquele em que patticipou e respectivas consequéncias para as vitimas. Oargumento expendido carece, assim, de relevo e nao se vé que de algum modo poss contrariar 0 juizo emitido pelo tribunal da condenagio. Como ele préprio reconhece nas suas alegagdes, 0 instituto da suspensio da execugao da pena tem como pressupostos materiais a personalidade do agente, as condigdes da sua vida, a conduta anterior e posterior ao facto punivel e as circuns permitirem a conclusio de que a simples censura do facto € a -aca da pena bastarao para oafastar da criminalidade e satisfazer hs necessidades de reprovacio e prevencio do crime [artigo 4°, n. 2, do Cédigo Penal de 1982, artigo 50.° do texto revisto pelo 6 Mincias deste, a Decreto-Lei n.2 48/95, de 15 de Marco, este tiltimo com ligeira alteracdona parte final (n.°1), onde omembro de frase e satisfazer asnecessidades de reprovacio e prevencio do crime-ésubstituido por -realizam de forma adequads sfinalidades da puni¢ao», mas que nio altera no essencial o sentido das duas normas em confronto}. 4s finalidades da punico, agora expressamente definidas no} cos ¢ a reintegracio|<— Como tem sido sublinhado em numerosos acérdiios deste Supremo Tribunal, seguindo a liciio da doutrina, com esta formulagio o legislador nao cedeu 20 propésito ilegitimo de si aquestio dogmatica dosfins das penas interpreta ente estabilizados de med Figueiredo Dias, no estudo com otitulo-O Cédigo Penal Portugués de 1982 ¢ a sua reformas, publicado na Revista Portuguesa de Ciéncia Criminal, ano 3.2, Abril/Dezembro de 1993, pag. 186). oferecer normativ: (© que quer dizer, por um lado, que permanecem incélumes as finalidades de prevencio, especial ¢ geral, ¢, por outro, que a proteccao de bens juridicos e a reintegracio do agente na sociedade sio objectivos que nao se anulam mutuamente, antes exigem um adequado equilibrio, em ordem a que um nio sofra demasiada compressio em favor do outro. Dito de outro modo, sio objectives que, na dimensio f postulam necessaria harmonizacao, Quanto ao primeiro, é evidente que os bens juridicos protegidos na norma incriminadora sio altamente valiosos, pois esti em causa a vida humana, bem supremo da pessoa. Ea finalidade de reintegragiona sociedade nao pode estimar-secomo um desiderato preponderante, nomeadamente quando a violagio dos primeiros reclama proteccio juridico-penal adequada, expressa na pena cominada na lei, no caso de relativa severidade. a determinagio da medida concreta da pena é feita em funcio daculpadoagentee das exigéncias de prevencio (artigos 72.°, 1, do Cédigo de 1982 ¢ 71," do tex 0 em 1995). (Ora, no caso concreto, demonstram os factos que 0 arguido agiu comculpa acentuada, na forma de negligéncia grosseira (conduzia |¢— set vefculoem estado de alcoolemia muito superior ao permitido = como se assinala no ac6érdao recorrido — e nesse estado nio estava em condigdes de regular a velocidade nem agir com a setenidade indispensivel a0 dominio do verculo que conduzia, "7 atendendo as condigdes da via e ao facto de esta, no local do acidente, atravessar uma povoacao, para mais nas proximidades de uma passagem para pedes assinalada, onde se impdem particulares cautelas na conduca0). Oarguido, na qualidade de agente da autoridade, tinha o particular deverde nao conduzir no estado de alcoolemia referido, devendo presumis-se que recebeu formacao profissional nesse como em outros dominios da sua actividade, pelo que nao se vé qualquer razio susceptivel de atenuar ou mitigar o seu grau de culpa. Podemos admitir, como invoca nas suas alegacdes, que tal grau de alcoolemia ter4 resultado de um «descuido, motivado por ter participado numa festa de aniversério, mas nem por isso deixou de violaro especial deverde evitar esse estado. E, contrariamente a0 que alega, nfo se provou que estivesse perfeitamente licidoe consciente para poder conduzir. /Acontece que, no tipo de criminalidade de que se trata, para além da_censura em termos de culpa, convergem fortes razdes de prevengao. E € esta a tonica posia em sucessiv: jurisprudenciais. Sirva de paradigma (Tribunal de Justica de 18 de Janeiro de 15% do Minisiério da fustica, n.* 383, onde justamente se pondera que fa pesada sinistralidade das nossas estiadas, das mais elevadas, a jfaltade ede pericia dos autores, as deficientes condicées |do parque autombvel,o estado da rede rodoviaiia, sio razdes a \immporem uma forte accao de prevencao geral no doseamento das |penas. Além de ter actuado com culpa grosseira, os factos comprovam que actuou com culpa exclusiva E contrariamente ao que alega, os factos apurados ndo revelam que tenha comparecido no tribunal com acabrunhamento ou depressao nervosa e que ainda se encontre actualmente nesse estado, chorando compulsivamente ou que jamais tenha sido visto em estado de embriaguez. Apenasse provou, emsede de circunstancias atenuantes, que nao tem antecedentes criminais e que é pessoa estimada no meio profissional -a Policia de Seguranca Publica ~e pela populacio. A questo da falta de arrependimento € pouco relevante, dado o tipo de conduta de que se trata. O mesmo se diga quanto falta de confissio, ja que a comprovagio dos factos foi de tal modo elucidativa que dificil seria nega-los na sua dimensdo e nos seus resultados, 18 ‘Tudo isso, porém, tem interesse primordial na determinacao da medida concreta da pena, aspecto que recorrente nao pretende discutir, posto que faz incidir a sua impugnacio unicamente no tema da suspensio da execugao daquela pena. E € quanto a este tema que os magistrados do Ministério Pablico defendem solugio contratia, isto €, que ndio hi razdes suficientes para que seja decretada tal suspensio. Os argumentos do recorrente radicam na personalidade, nas condigées da sua vida, na conduta anterior e posterior aos factos € nas suas circunstanci Bastario es suspensio? consideragdes para aconselhar a pretendida ica de crimes culposos no exercicio da conduglodevereurasautomévers. Tudo indica que mee deca Aelifiquénie Seasional, que sucumbiu aosefeitos de uma ingestaol* de bebidas alcodlicas no quadto de uma festa de aniversirio, Por, pOF i§s0, NIG _NOs parece que estamos perante um individu que coloque particlares exigéncias de ressocializacao. | A-conduta anterior 20 crime, nos termos em que transparece da matéria de facto apurada, nao apresenta estigmas susceptiveis de favorecer um juizo negativo da falta de preparacao para manter conduta licita, manifestada no facto, dadaa ocasionalidade da conduta ilicita. Quanto 4 conduta posterior, tem relevo a circunstancia, revelada no acérdio recorrido, de terem sido deduzidos pedidos civeis entretanto decididos ou desistidos. E pressuposto material de aplicacdo do instituto da suspensioque tribunal, tendendo’ personatidade doagenteeascircunst do facto, conclua por um prognéstico favoravel relativamente a0 comportamento do delinquente. Para a formagio de um tal juizo = a0 qual ndo pode bastar nunca a consideragio ou s6 da personalidade ou s6 das circunstincias do facto~o tribunal deve atender as condicdes de vida do agente e a sua conduta anterior e posterior a0 facto. ncias finalidade politico-criminal que a lei visa com 0) Por outro lado, astituto da suspel clara ¢ terminante: 0 afastamento do delinquente, no futuro, da pratica de novos crimes e nao qualquer \¢— correc¢ior, -melhoravou—ainda menos—+metanoiardasconcepgdes daquéle sobre a vidae 6 mundo. ~ clara 19 \Mas, apesar da conclusio do tribunal por um prognéstico f “i Tuz, consequentemente, ¢ | prevencao especi io asia > | quaisquer consideracdes de culpa, mas exclusivamente questdes de prevencio geral, sob a forma de exigéncias minimas e irrenunciaveis de -defesa do ordenamento juridico-, $6 por estas \exigéncias se limita — mas por elas se limita sempre ~o valor da |socializacdo em liberdade que i © que fica apontado so consideragdes respigadas da obra de Figueiredo Dias com o titulo Direito Penal Portugués - As Consequéncias Juridicas do Grime, Aequitas, Editorial Noticias, pags. 342-344 |©.propésito de comportamento futuro do recorrente, 2 lu: _, 10 St. Procurador-Geral Adj ~ Regado a suspenisto da execticao da pen hegigente, nomeaaamen [Qquenos impede de opter pela pretendida suspensio, emnome ncias de dete’ do ofdenianiénitojuridico. Deste ponto de vista, 0 recurso nao pode proceder. 6. Termosem que, tudo ponderado, se decide negar provimentoao recurso. Pagaré 0 recorrente 6 UCs de taxa de justiga e as custas que couberem, fixando-se a procuradoria em Lisboa, 5 de Fevereiro de 1997 Lopes Rocha (Relatot) — Augusto Alves — Leonardo Dias — Virgilio Oliveira. 2] su Ass DRI Ar pri an day atn Acordam) de Justica Ao abrigos Magistrade Lisboa inte cia, do dot 1999, noPE ao decidir interrogaté instrucio,} criminaline em oposi 23deJunh nose aprescr para is ptt agente, dirigida Invoea domini

Você também pode gostar