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HA DEZ ANOS, OS MOMIRRATOS DEANTANIO TENTAM DESTRUIR A POESIA CONCRETA A REALIDADE DESTRUIRA OS FALSOS MAGICOB DILUIDORES AUGUSTO DE CAMPOS DECIO PIGNATARI HAROLDO DE CAMPOS TEORIA DA POESIA CONCRETA TEXTOS CRITICOS E MANIFESTOS 1950 - 1960 LIVRARIA DUAS CIDADES Dez. anos depois, aqui vai_a 2.* edigio da TEORIA DA POESIA CONCRETA. A demora se deveu, desta vez, nic tanto a0 desinteresse dos ‘editores como & inércia’ dos autores. Realmente, mais do que a teoria, nos interessava ver editada a poesia -— sempre menos editével —, @ poesia, que € afinal o que interessa. ‘A teoria nio passa de um tacape de emergtocia a que © poeta se ve obrigado a recorrer, ante a incompeténcia dos criticos, para abrir a cabesa do publico (a deles € invulnerével). Hoje, depois que 2 teoria da poesia coi creta foi diluida e caricaturada em teorréias mais ou menos patafisicas pela voz das subcorrentes para ou contraconcretbides, afanosamente colecionadas pelos histofie- dores/arquivistas literérios, ela nos parece um esforgo quase indtil, urgindo, antes, leitura dos poemas, embora a nitidez ¢ a coeréncia das idéias possam ter a virtude detergente de clarear 0 campo ¢ mostrar, Por comparaghio, 0 escuro ¢ © sujo das coi- sas_meramente fabricadas. Pelo sim ov pelo nfo, aqui vai ela, de novo pra vocés, € de novo t6 pra eles, chupins desmemo- riados. Na introdugSo & 1.* ediglo advertia-se que © volume compreendia textos de 1950 a 1960, incluindo apenas um trabalho escrito em 1960, mas 36 publicado em 1963. E acenava-se com uma segunda coletinea, abrangendo textos tebricos referentes a poesia concreta publicados a partir de 1961. Abdicamos do projeto, nfo por falta de textos, mas por falta’ de tempo. Alguns desses textos vieram a integrar livros indi- viduais, como A ARTE NO HORIZONTE DO PROVAVEL de Haroldo de Campos ¢ CONTRACOMUNICACAO de Décio Pignatari, onde se encontra 0 que poderia sef considerado 0 tltimo programa tedrico de um integrante do grupo: a Teoria da Guerrilha: Artistica. Que os leitores insa- tisfeitos se remetam a eles ¢ a ela. Mantivemos, pdis, 0 volume como estava, acrescentando-lhe apenas dois textos, iné- ditos em livro, que nos pareceram indispen- séveis para a compreensio dos caminhos assumidos posteriormente pelos poetas do grupo: o manifesto NOVA LINGUAGEM: NOVA POESIA, de Décio Pignatari ¢ Luis Angelo Pinto (1964), que originou a poesia semidtica ¢ os poemas sem palavras adotados, depois, cabulosamente, por de- fluxes coneretistas como a poesia proceso. a poesia sinalistica outras; e 0 editorial do n.° 5 —o thtimo — da revista INVEN- CAO (1967): mais um texto de Pignatarl, com alguns toques dos dois Campos — um quase testamento, ou textamento, No mais, o original permanece. Os apén- dices (Bibliografia do Grupo “Noigandres” ¢ Sinopse do Movimento de Poesia Concre- ta) ficam interrompidos em 1965. De entéo para cM muitos itens foram acrescentados 2 bibliografia ¢ varios acontecimentos so- brevieram, destacando-se 0 surto de expo- sigdes e antologias internacionais ocorrido ‘em meados dos anos 60, depois de publi- cada a Teoria. Mas nenhum dos trés auto- es revelou disposigio para coletar esses dados. Tarefa que 0s historiadores litera ios fargo certamente muito melhor, prin- cipalmente quando a poesia-bumerangue- concreta, depois de ter sido exportada, re- fizer o circuito e voltar a cair sobre as suas cabecas. Fernando Pessoa fantasiou um “movimen- to” que praticamente inexistiu e que cle izia ter_nascido da amizade entre ele € S&-Carveiro: 0 Sensacionismo. Acho que 36 pra ter com quem conversar, Téo fan- tasioso que um de seus poucos supostos integrantes, além do préprio Pessoa, era Alvaro de Campos. Outros, muito menores do que ele, fantasiaram “movimentos” pen- sando entrar para a histéria (a0 menos, a da literatura). Muitos gostariam que a poe- sia concreta nfo tivesse pasado de fantasia. A esta altura, acho que até nés mesmos. Porque ela existiu demais ¢ a sua realidade se tornou, afinal, tio ubfqua e palpavel que quase chegou a nos engolir individualmente sob um rétulo anonimizador: os “‘con- cretistas”, Por outro lado, a geléia geral fez de tudo Para esmagar esse osso — a poesia con- creta — sem consegui-lo. Finalmente, al- guns dos seus fabricantes apontaram o de- dinho (a dnica coisa que eles t8m de duro) contra _nés ¢ nos acusaram de terrorismo cultural, Os “concretistas” — esses abomi- paveis homens das neves que espalharam Pegadas monstruosas por toda a parte — seriam culpados do crime de terem garro- teado a cultura brasileira, sufocado a poesia € impedido o seu florescimento. Como diz ‘© Décio, é estranho: trés poetas do bairro das Perdizes, aos quais se juntaram uns poucos companheiros, sem outra forga que a da sua vontade, € sem outro apoio a nio ser o individual para a divulgacdo de seus poemas — até este ano sempre’ publicados em edigdes nio comerciais — conseguiram aterrorizar a poesia brasileira. Ou esta era muito fraca, ou as idéias deles eram muito fortes. O que vocés acham? AUGUSTO DE CAMPOS DECIO PIGNATARI HAROLDO DE CAMPOS TEORIA DA POESIA CONCRETA TEXTOS CRITICOS E MANIFESTOS 1950-1960 fl [Al LIVRARIA DUAS CIDADES 1975 Capa — 1965 Criacdo: Décio Pignatasi Antefinal: Roberto Esteves Lopes INTRODUGAO A 2." EDIGKO POESIA-BUMERANGUE-CONCRETA Dez anos depois, aqui vai a 2,° edigéo da TEORIA DA POESIA CONCRETA. A demora se deveu, desta vez, néo tanto ao desinte. resse dos editores como d inércia dos autores. Realmente, mais do que a teoria, nos interessava ver editada a poesia — sempre menos editdvel —, a poesia, que é afinal o que interessa. A teoria ndo passa de um tacape de emergéncia a que 0 poeta se vé obri- gado @ recorrer, ante a incompeténcia dos criticos, para abrir a cabeca do piblico (a deles é invulnerdvel). Hoje, depois que a teoria da poesia concreta foi diluida e carica- turada em teorréias mais ou menos patafisicas pela voz das sub- correntes para ou contraconcretdides, afanosamente colecionadas pelos historiadores/arquivistas literdrios, ela nos parece um es- forgo quase initil, urgindo, antes, a leitura dos poemas, embora @ nitidez € a coeréncia das idéias possam ter a virtude detergente de clarear 0 campo e mostrar, por comparagio, 0 escuro e 0 sisjo das coisas meramente jabricadas. Pelo sim ow pelo néo, aqui vai ela, de novo pra vocés, e de novo t6 pra eles, chupins desmemo- tiados, Na introdugdo é 1. edigéo advertia-se que o volume compreendia textos de 1950 @ 1960, incluinde apenas um trabalho escrito em 1960, mas sé publicado em 1963. E acenava-se com uma segunda coleténea, abrangendo textos tedricos referentes a poesia concreta publicados @ partir de 1961. Abdicamos do projeto, néo por falta de textos, mas por falta de tempo. Alguns desses textos vieram a integrar livros individuais, como A ARTE NO HORIZONTE DO PROVAVEL de Haroldo de Campos e CONTRACOMUNICACAO de Décio Pignatari, onde se encontra o que poderia ser considerado o tiltimo programa tedrico de um integrante do grupo: a Teoria da Guerritha Artis. tica, Que os leitores insatisfeitos se remetam a eles ¢ a ela. Mantivemos, pois, o volume como estava, acrescentando-lhe apenas dois textos, inéditos em livro, que nos pareceram indispensdveis para a compreenséo dos caminhos assumidos posteriormente pelos poetas do grupo: o manifesto NOVA LINGUAGEM: NOVA POESIA, de Décio Pignatari e Luis Angelo Pinto (1964), que originou @ poesia semidtica e os poemas sem palavras adotados, depois, cabulosamente, por defluxos concretistas como a poesia processo, a poesia sinalistica e outras; € 0 editorial do n.° 5 — o ultimo — da revista INVENCAO (1967): mais um texto de Pignatari, com alguns toques dos dois Campos — um quase testa- mento, ou textamento, 5 No mais, 0 original permanece. Os apéndices (Bibliografia do Grupo “Noigandres” e Sinopse do Movimento de Poesia Con- creta) ficam interrompidas em 1965. De entéo para cé muitos itens foram acrescentados a bibliografia e varios acontecimentos sobrevieram, destacando-se 0 surto de exposigdes e antologias in- ternacionais ocorrido em meados dos anos 60, depois de publicada a Teoria. Mas nenhum dos trés autores revelou disposiggo para coletar esses dados. Tarefa que os historiadores literdrios fardo certamente muito melhor, principalmente quando a poesia-bume- rangue-concreta, depois de ter sido exportada, refizer 0 circuito ¢ voltar a cair sobre as suas cabegas. Fernando Pessoa fantasiou um “movimento” que praticamente inexistiu € que ele dizia ter nascido da amizade entre ele ¢ Sé- Carneiro: 0 Sensacionalismo. Acko que sé pra ter com quem conversa. Téo fantasioso que um de seus poucos supostos inte- grantes, além do proprio Pessoa, era Alvaro de Campos. Outros, muito menores do que ele, fantasiaram “movimentos” pensando entrar para a historia (ao menos, a da literatura). Muitos gosta- riam que a poesia concreta ndo tivesse passado de fantasia. A esta altura, acho que até nds mesmos. Porque ela existiu demais ¢ a sug realidade se tornou, afinal, téo ubiqua e palpével que quase chegou @ nos engolir individualmente sob um rétulo anonimi- zador: os “concretistas”. Por outro lado, a geléia geral fez de tudo para esmagar esse osso — a poesia concreta — sem consegui-lo. Finalmente, alguns dos seus jabricantes aponteram o dedinho (a tinica coisa que eles tem de duro) contra nés e nos acusaram de terrorismo cultural. Os “concretistas” — esses abomindveis homens das neves que espa- Iharam pegadas monstruosas por toda a parte — seriam culpados do crime de terem garroteado a cultura brasileira, sufocado a poesia e impedido o seu florescimento. Como diz o Décio, é es- tranko: trés poetas do bairro das Perdizes, aos quais se juntaram uns poucos companheiros, sem outra forga que a da sua vontade, € sem outro apoio a néo ser o individual para « divulgagao de seus poemas — até este ano sempre publicados em edigées néo comerciais — conseguiram aterrorizar a poesia brasileira. Ou esta era muito fraca, ou as idéias deles eram muito fortes. O que vocés acham? Augusto de Campos abril 1975 INTRODUGAO A 1* EDIGAO O movimento de poesia concreta alterou profundamente o contexto da Poesia brasileira. Pés idéias e autores em circulagéo. Procedeu a revisées do nosso passado literdrio. Colocou problemas ¢ propés opgées. No plano nacional, retomou o didlogo com 22, interompido por uma contra-reforma convencionalizante e floral. Surgiu com um projeto geral de nova informagao estética, inscrito em cheio no horizonte de nossa civilizagao técnica, situado em nosso tempo, humana e vivencialmente presente. Ofereceu, pela primeira vez, uma totalizagao critica da experiéncia poética estante, armando-se de uma visada e de um propésito coletivos. Enfrentou a questéo participante, mostrando que alistamento néo significa alienagao dos problemas da criagéo, que conteiido ideolégico revoluciondrio 36 redunda em poesia vélida quando é veiculado sob forma tam- bém revolucionéria. Pensou o nacional néo em termos exéticos, mas em dimenséo critica. No plano internacional, exportou idéias ¢ formas. E 0 primeiro movimento literdrio brasileiro a nascer na dianteira da experién- cia artistica mundial, sem defasagem de uma ou mais décadas. Sen consumo se deu de mancira a mais surpreendente. Na lin- guagem ¢ na visualidade cotidianas, a poesia concrete comparece. Esté no texto de propaganda, na paginagio e na titulagem do jornal, na diagramagéo do livro, no “slogan” de televisdo, na letra de “bossa nova”. E consumida inadvertidamente mesmo por aqueles que se recusam a reconhecé-la como poesia (rétulo que, alids, n@o se empenha em disputar, tais os equivocos que o impregnam, preferindo antes um compromisso de fundo com @ medula da linguagem), A iniciativa de reunir em volume os textos e manifestos que prepararam ¢ fomentaram a poesia concreta se explica pelo res- peito fundamental ao documento. Um movimento que tem vita- lidade para criar e reproduzir, para gerar variantes, para influir, quando nao em solugées diretamente identificdveis, sob a forma de amplos condicionamentos, corre sempre o risco da difragéo, da refragao, da diluigéo. & preciso facilitar a sua compreensio e @ sua discusséo nos seus termos originais, sem a mediagéo das divulgacées esqueméticas ¢ das interpretagdes duvidosas. Pu- blicados 0s textos, aqui recolhidos, na imprensa didria e em re- vistas diversas, em pouco tempo se tornariam fatalmente inaces- siveis, pelo proprio cardter contingente ¢ heterogénco das folhas em que foram estampados. Como aconteceu com 22, cuja histéria estética ainda néo foi suficientemente contada, e, em grande me- dida, tem que ser rastreada ¢ restabelecida « partir dos elementos dispersos em jornais periédicos da époce, com as dificuldades imagindveis. Este volume é uma selegdo do material publicado entre 1950 ¢ 1960, pois a poesia concreta — movimento em 7 Processo e em progresso — ndo pode dar, a esta altura, sendo um balango parcial de suas atividades.* A incitléncia de certos temas comuns em alguns trabalhos dos trés autores, — quase sempre, porém, tratados ou aprofundados de pontos-de-vista di- ferentes —, mostra como o projeto da poesia concreta foi-se construindo paulatinamente, através de um verdadeiro “plano de- cenal”, na teoria e na pratica. Nessa corrida de revezamento — pluripercurso de idéias em agdo e evolugéo — os tépicos funda- mentais passam de um a outro autor, perseguindo-se a unidade na variedade, Coeréncia estatistica, solidariedade estocdstica, que se alimentam, inclusive, da divergéncia. Os textos aqui compilados formam o pano de fundo da poesia brasileira de hoje, no apenas na sua faixa programaticamente de vanguarda, mas naquilo que ela tem de mais essencialmente criativo. Mesmo aqueles que se tém insurgido contra as teses da poesia concreta, outra coisa nao fazem sendo mover-se na Grea balizada pelos promotores do movimento: usam-thes as téc- nicas, parafraseiam-thes a terminologia, invocam-thes 0 elenco de autores, repetem-lhes os achados criticos, dissimulando-se fregiten- temente por trds de um precério expediente de redenominacéo, como se a mera troca de rétulos fosse suficiente para cortar o corddo umbilical dos fatos e das idéias. Pode-se dizer que as questées fundamentais que o movimento de poesia concrete agitou em matéria de teoria do poema e de cria- ao constituem o nicleo dos debates da poesia e da poética atuais. Nelas se abeberaram os epigonos, conkecidos ou vindicos, para suas reflexes reflexas e seus manifestos diddticos, caracterizados pela sorrateira omissao das fontes, Mas, 0 que é de outra parte compensador, sobre elas se detiveram também os mais respon- sdveis e conscientes dentre os poetas de nossas vérias geracées para delas extrairem, na lealdade do didlogo, estimulos, sugestées, instigagdes. Muitas das reivindicagées sintdticas e semdnticas do movimento entraram jd, pragmaticamente, para o comércio ativo e vivo do que se poderia chamar uma linguagem comum. Pas suram a circular independentemente de seus langadores, anonimi- zadas no patriménio geral, coletivizadas pelo uso. O que é a maior demonstragéo da eficdcia dialética do movimento como produtor de idéias. Qs autores agradecem a Francisco Ashcar a colaboragéo que thes deu na organizagéo do presente volume. * Apenas um trabalho escrito em_ 1960, porém publicado em 1963, foi inclufdo no volume, Trata-se de “Contexto de uma vanguarda”, que se destinava a ptefaciar uma antologia, afinal no publicada em formato de livro. Oportunamente, edicdes INVENGAO lancario. uma segunda coletinea, com: Breendendo textos terics referéntes a porte conctts, pubicados a patt 1961. 8 DEPOIMENTO (*) 19 Se Dicio Pignatari Todo poema auténtico é uma aventura —— uma aventurg_plani- ficada, Um poema nao quer dizer isto nem aquilo, mas diz-se iB proprio, é idéntico a si mesmo e A dissemelhanga do autor, no sentido do mito conhecido dos mortais que foram amados por deusas imortais por isso sacrificados. Em cada poema ingressa- se e &se expulso do paraiso. Um poema é feito de palavras ¢ siléncios. Um poema é dificil. Addo. Sisifo. Orfeu. ‘A que poctas, no mundo, foi concedido o espantoso privilégio de identificar 0 mito com a realidade — como esté acontecendo agora com os poetas do Estado de Israel que, necessitado de uma lingua secular e cotidiana para preservar do prosaismo a velhis- sima lingua do Tora, incumbiu, ou melhor, acatou e organizou verdadeiros dicionarios de neologismos criados pelos seus poetas — agora transformados (em mito e realidade) em adamitas- menestréis? . A contengio de Eliot, 0 aparente desbordamento de Pound nos “Cantos”, as aventuras sildbicas de Marianne Moore, o suave la- birinto lingitistico de Fernando Pessoa (etc.), mais a misica, a pintura, o cinema, poem em xeque a forma mais ou menos aceita. Agora, o poeta é um turista exilado, que atirou ao mar o seu Baedeker. Algo assim como “Salve-se Quem Puder”. Como sempre foi. (*) Trecho do depoimento prestado por Décio Pignatari na seccio “Auto- res ¢ Livros”. dirigida por José Tavares de Miranda, dentro da série de entrevistas “Tendéncias da Nova Poesia Brasileita” (Suplemento do Jornal de Sao Paulo, 2-4-1950). SOBRE POESIA ORAL E POESIA ESCRITA * Décio Pignatari George Thomson, in Marxism and Poetry, diznos do carater fundamentalmente oral da poesia em seus inicios, e em grupos sociais pouco complexos, onde a poesia faz parte do “acervo comum de referéncias” ¢ experiéncias, e onde a propria lingue- gem cotidiana é de cunho marcadamente poético. O mais bem dotado dentre eles é como que cleito o poeta-declamador oficial, © qual, diante do grupo, recebia a “inspiragdo” e declamava o poema, sendo perfeitamente compreendido pot todos, em todas fas suas entonagdes e intengdes. Quando surge a pocsia escrita, as malhas sociais j4 comegaram # emaranhar-se, ¢ 0 pocta vé reduzindo-se seu auditério, até que suas excogitagdes poéticas se transformem no monélogo dos dias atuais. Tem relagdo a isso a expresséo de Carlos Drummond de Andra- de, fazendo blague, ante certa picardia dos mogos, das “poesias jamais declamaveis”. Sinto-me aventurado a acreditar que o poeta fez do papel o seu piblico, moldando-o & semelhanga de seu canto, ¢ langando mo de todos os recursos grificos e tipogrificos, desde a pontuagéo até o caligrama, para tentar a transposigio do poema oral para © escrito, em todos os seus matizes. Um retrospecto diré melhor: este poema de Ledo Ivo: Na ‘noite higiénica © vento balanca grandes flores: calcio. onde uma longa cadeia de nn © vogais surdas imita o lento caule ao vento, repentinamente sustado por dois pontos: cileio — * Trecho extraldo do artigo “A Critica ¢ 0 Despautétio ou a Mosca “Azul” (Suplemento do Jornal de So Paulo, 10-9-1950). As considera- Bes aqui reproduzidas vinham a propésito do poema “O Jogral ¢ » Pros- tituta Negra” (1949), de Décio. Pignari, onde — segundo o mesmo artigo — “as palavras fluem, fundem-se ¢ se desmembram para acom- panhar as contorc6es do jogral". Nesse poema esbocavam-se jd — temi- tic, e estruturalmente —- algumas das preocupacSes que conduziriam & formulagéo da poesia concreta, in a flor que se abre. Se bem que o poema ficasse bastante preju- icado sem a imaginagio sonora, o desenho tipogrifico ¢ per- ceptivel. Este outro exemplo, de Hélderlin, em tradugio de Manuel Ban- deira, é decisivo: Nel Mezzo del Cammin Peras amarelas E rosas silvestres Da paisagem sobre a goa. © cisnes graciosos, Bébedos de beijos, Enfiando a cabeca Na gua santa e sdbria! Ai de mim, aonde, se & inverno agora, achar as Flores? e aonde © calor do sol E a sombra da terra? Qs muros avultam Mudos ¢ frios; ao vento Tatalam bandeiras, Observa Otto Maria Carpeaux (Origens ¢ Fins): “Kase poema resume a vida de Holderlin e sua arte também; o eaplendor cutonal dos ritmos da primeira estrofe, e na segunda os mo. nossilabos étonos, perdidos no fim dos versos como o frio inver. nal, igeda a bandeira da morte”. Finalmente, este, de Marianne Moore, (...), “The Fish”, as trés iltimas estrofes somente: Al external marks of abuse are present on this defiant edifice — all the physical features of ac- cident — lack of cornice, dynamite grooves, burns and hatchet strokes, these things stand out on it; the chasm side is dead. Repeated evidence has proved that it can live on what cannot revive its youth. The sea grows old in it. (**) Ai vemos as estrofes fluindo uma para dentro da outra, e¢ a tipografia compondo o desenho caprichoso dos meandros que © peixe deixa na agua. Na segunda estrofe citada, a palavra “accident” sofreu um trauma, para acentuar o “crash”. © Apresentamos, anexa, a traducéo integral do poema “The Fish” publicada, posteriormente, por Augusto de Campos (pagina “Invengio”, Correia Paslistano, 5-6-60). 13 14 © PEIXE Nad. ando em negro jade, Conchas azul-marinhas, uma 36 sobre montes de p6, a abrir ¢ fechar como que. brado leque. ‘Mariscos incrustados na crista da onda, agora a vista, pois as setas submersas do sol, vidrilhos, sol- tam reflexos, répidas reus por entre as gretas — acendendo a urquesa do mar crepuscular de corpos, A Agua estende um braco de ago na aresta de aco do penhasco, e entéo estrelas, ros- ados grios de arroz, medusas, caranguejos — lirios verdes —. algas a escorrer, des- lizem uns sobre os outros. Os sinais todas do abuso estio presentes 00 vazio deste edificio-desafio, todos os tacos fisicos do ac idente — lascas, ‘marcas de fogo ou dinamits, cortes de machado, tudo res. iste nele, que como morto jaz. Pertinaz evidencia comprova que ele vive do gue nfo the revive a juventud:. O mar envelhece nele. POETAMENOS augusto de campos ou aspirando a esperanga de uma KLANGFARBENMELODIE (melodiadetimbres) com palavras como em Webern: uma_melodia continua deslocads. de um instrumento_para outro, mudando constantemente sua_cor: instrumentos: frase/palavra/silaba/letra(s), cujos timbres se definam p/ um tema gréfico-fonético ou “ideogramico”. .. a necessidade da representagdo griifica em cores (q ainda assim apenas aproximadamente representam, podendo diminuir em funcionalidade em ctos casos complexos de superposigio ¢ interpenetracio temitica), excluida a representagéo monocolor q esté para o poema como uma fotografia para a realidade cromatica. mas luminogos, ou filmletras, quem os tivera! reverberagdo: leitura oral — vozes reais agindo em (apro- ximadamente) timbre para o poema como os instrumentos na Klangfarbenmelodie de Webern. (Publicado ofiginalmente como introdugio i série potiamenos (janciro/ julho 1953). em moigandres, a. 2, Sio Paulo, fevereiro de 1955.) 15 * Reproduzimos, a seguir, um poema de Augusto de Campos, da série poetamenos (texto previsto para 2 vozes-cores, masculina e feminina). eis os amantes sem parentes senado os corpos irmaum gemeoutrem cimaeu baixela ecoracambos duplamplinfantuno(s)empre semen(t)jemventre estésse aqueléle inhumenoutro PONTOS—PERIFERIA—POESIA CONCRETA Augusto de Campos “Sem presumir do futuro o que sairé daqui, nada ou quase uma arte”, dizia Mallarmé no prefécio a primeira versio de Un Coup de Dés (Revista Cosmopolis — 1897), entreabrindo as portas de uma nova realidade potti Qs varios pugil/ismos do comego do século — nao obstante sua utilidade © necessidade — tiveram o infortinio de obscure- ‘poema planta”, desse “grande poema ico e cosmogénico”, que vale por si s6.todo o vozerio das vanguardas de alguns anos depois, Un Coup de Dés fez de Mallarmé o inventor de um processo de composigéo poética cuja significagdo se nos afigura com- paravel ao valor da “série”, introduzida por Schoenberg, puri- ficada por Webern, e, através da filtragdo deste, legada aos jovens misicos eletrénicos, a presidir os universos sonoros de um Boulez ou um Stockhausen. A esse processo definiriamos, de inicio, com a palavra estrutura, tendo em vista uma entidade onde o todo é mais que a soma das partes ou algo qualitativa- mente diverso de cada componente. Eisenstein, na fundamen- taco de sua teoria da montagem, Pierre Boulez e Michel Fano, com relagéo ao principio serial, testemunharam — como artis- tas — 0 interesse da aplicagio dos conceitos gestaltianos ao campo das artes, E é em estritos termos de Gestalt que enten- demos o titulo de um dos livros de poesia de E. E. Cumming: Js 5. Para a poesia, e em especial para a poesia de estrutura de Mallarmé ou Cummings, dois mais dois pode ser rigoro- samente igual a cinco. (Como afirma Hugh Kenner, em The Poetry of Ezra Pound, “q fragmentagdo da idéia estética em imagens alotrépicas, tal como teorizada pela primeira vez por Mallarmé, foi uma des- coberta cuja importancia para o artista corresponde A da fissdo nuclear para o fisico”. Mallarmé descobria e estava consciente do alcance de sua descoberta, e é por isso que scu pequeno prefacio tem quase tanta relevincia como o préprio poema. 7 “Subdivisdes prismaticas da Idéia”, eis como conceituava ele, com fina perspicicia, 0 seu original método compositivo. Corolario primeiro do proceso mallarmeano é.a exigéncia de uma tipografia funcional, que espelhe com real eficécia as metamorfoses, 08 fluxos ¢ refluxos do pensamento. O que em Un Coup de Dés se consubstancia nos seguintes efeitos, que preferimos expor através das palavras do poeta: a) emprego de tipos diversos: “‘A diferenga dos caracteres impressio entre o motivo preponderante, um secun- dario e outros adjacentes, dita sua importancia a emis- sao oral...”; b) posig&io das linhas tipograficas: “... ¢ a situagdo, ao meio, no alto, em baixo da pagina, indicaré que sobe ou desce a entonagio”; c) espago grafico: .“Os “brancos”, com efeito, assumem importancia, agridem a primeira vista; a versificagio o - exigiu como siléncio em torno, ordinariamente, no ponto em que um trecho, lirico ou de poucos pés, ocupa, no meio, cerca de um tergo da pagina: eu nao trans- grido essa medida, apenas a disperso. O papel intervem cada vez que uma imagem, por si mesma, cessa ou reaparece, aceitando a sucessdo de outras”, etc.; d) uso especial da folha, que passa a compor-se propria- mente de duas paginas desdobradas, onde as palavras formam um todo e ao mesmo tempo se separam em dois grupos, a direita e a esquerda da prega central, “como componentes de um mesmo ideograma”, segundo observa Robert Greer Cohn1, ou, noutros termos, como se a prega central fosse uma espécie de ponto de apoio para o equilibrio de dois ramos de palavras-pesos. Trata-se, pois, de uma utilizagio dindmica dos recursos -tipe— ‘gréfiecs, j4 impotentes em seu_ai de a pata serviF ‘propria pontuagio sé torna aqui espaco grafico se substantiva e passa a fazer funcionar com maior plasticidade as pausas e intervalos da diccdo! 1 LiOeuvre de Mallarmé — Un Coup de Dés — Robert Greer Cohn — Librairie Les Lettres — Paris — 1951. 18 L Sob um certo angulo a experiéncia tem raizes na misica. Par- tem ainda uma vez de Mallarmé os primeiros lampejos eacla- recedores: “Acrescentar que dese emprego a nu do pensamento com retiradas, prolongamentos, fugas, ou seu proprio desenho resulta, para quem queira ler em voz alta, uma partitura”; ¢ “Sua reuniéo” (a do versolivre e do poema em prosa) “se efetua sob uma influéncia, eu o sei, estranha, 2 da Masica ouvida em concerto; sendo reconheciveis nesta diversos neiog>,que me ma pareceram pertencer as Letras, retomo-os. Genero, que fica sendo como a Sinfonia”, etc. De modo geral as ligdes estruturais que Mallarmé foi encontrar na misica se reduzem & nogdo”de tema, implicando também a idéia de desenvolvimento horizontal e contraponto. Assim, Un: Coup de Dés compdese de temas ou, para usarmos da expressao do poeta, de motivo preponderante, secundarios e adjacentes, indicados graficamente pelo tamanho maior ou me- nor das letras e ainda distinguidos um do outro pela diversi- ficagio dos caracteres. Objetivament motivo preponderante: UN COUP DE DES/JAMAIS/ N’ABOLIRA/LE HASARD. L* motivo secundirio: Si/c'était/le nombre/ce serait — que tem como adjacente os temas comme si/comme si, pot sua ver ramificados; outros motivos secundarios: quand bien méme lancé dans des circonstances eternelles/ du fond d’un naufrage/ soit/ le maitre/ existat-il/ commengat-il et cessat-il/ se chiffrat-il illuminat-il/ rien/ n’aura eu liew/ que le lieu/ excepté/ peut-étre/ une constellation; motivos adjacentes: os assinalados pelas letras menores. Em sintese, a raiz estrutural do poema seria, portanto: A = motive preponderante motivo secundério motivo adjacente > Mas acontece que os motivos se interprenetram. Como assinala Greer Cohn: “Frases caracteres menores sfio agrupadas em torno da grande, formando galhos, ramos, sobre seu tronco, € todas essas ramificagées se perseguem paralelamente ou se en- trecruzam, oferecendo um equivalente literdrio do contraponto musical”, 19 MaS of FurvRis- Tas Ro SKe ot ExPRESSiveS Q MatLaame? AUGUSTO Fun CONALIS ae ANTIFeNci oe i NALISTA J x BeecKm as] Desprezando-se, para simplificar a demonstracio, 0s motivos adjacentes’ em geral, e chamando-se “A” ao motivo principal, “B” ao motivo secundério “Si/c’était le nombre/ce serait” que desemboca no “LE HASARD” do motivo principal ¢ est expres- so no poema pelo tipo de maior dimensdo depois do principal; denominando-se ainda “b” ao motivo “comme si/comme si”, adjacente de B, e “a” aos motivos seeundirios “quand bien méme, etc.”, que equivalem em tamanho a “b” (com a diferenga de que este motivo, a exemplo de “B”, de que é uma ramificagao, é apresentado em tipo inclinado), temos aproximadamente: A A BA a ob aia Esta é, frisamos, uma visio muito esquematica (e tomada, di- gamos assim, de uma s6 perspectiva) da estrutura de Un Coup de Dés, havendo ainda a considerar, além da maior complexi- dade de ramificagdes e entrecruzamentos, a diferenga dos tipos, a posigéo das linhas e a especial configuragdo das paginas. Mas cremos que a pequena demonstragio intentada pode dar uma idéia, ainda que palida, da ossatura poderosa e inquebran- tavel que 2 consciéncia estrutural e musical de Mallarmé armou para o seu admiravel poema. As experiéncias a que, a seguir, ise entregaram futuristas e da- daistas Tonge estavam de possuir aquélas caractérislicas Tefugs Alaa se. fazen fazem de Un Coup de Dés orn breensivel_constelacde_de_palavras. No momento histérico, porém, incumbe ao Movimento Futurista e ao Dadaismo um papel relevante, de reposigéo, embora em nivel muitas vezes inferior, de algumas das exigéncias que co- locara em foco o poema inovador de Mallarmé. Ja em seu Manifesto técnico da literatura futurista (1912)*, declarava-se Marinetti “contra o que se chama_habitualmente_a_harmonia tipografica da pagina, contraria ao fluxo e Tefluxo que se es tenide fia folha impressa. Nés empregaremos numa mesma pa- gina quatro ou cinco tintas de cores diferentes e vinte earacteres distintos, se for necessrio. Exemplo: cursivas para as séries de sensacdes anélogas e répidas, negrito para as onomatopéias violentas, ete.” Livre diregéo das linhas (obliquas, verticais etc.), substituigéic da pontuagio pelos sinais matemédticos e musicais, eram outras modificagdes propostas. E. sera possivel * Nota da 2.2 edigfo: A citagio_pertine, de fato, ao manifesto Distruzione della Sintassi, de 1913. Ver Tommaso Marinetti, I Manifesti del Futurismo (Florenga, Edizione di “Lacerba", 1914, pag. 143). 20 discernir na “imaginacdo sem fios”, nas “ dade”, na drastica condenacio do adjetivo, algo assim como © pressentimento olfativo de uma renovagio poética que eles, futuristas, nao chegariam a cristalizar, mas para a qual nao i 4 gan ‘ certo “ponto;” mais’ do pollinaire. Em um artigo denominado “Devant T'idéogramme @Apollinaire” {junho de 1914), publicado na revista Soirées de Paris (julho-agosto de 1914), sob o pseudénimo de Gabriel Arboin, esclarecia 0 poeta o sentido de seus experimentos, re- ferindo-se em especial 4 “Lettre-Océan”. Logo de inicio reco- nhecia seu débito ao Futurismo. E, fato importante, era o primeiro a tentar uma explicagéo para o poema espacial por via do ideograma: “Digo ideograma porque, depois desta pro- dugio, néo ha mais divida de que certos escritos modernos tendem a penetrar na ideografia. O acontecimento é curioso. Ja, em Lacerba, podiam-se ver tentativas desse género por Soffici, Marinetti, Cangiullo, Iannelli, e também por Carra, Boccioni, Betuda, Binazzi, estas ultimas menos definitivas. Diante de tais produgées, ficava-se ainda indeciso. Apés a “Lettre-Océan”, ndo ha mais lugar para a divida”. E prosseguia com lucidez: “@ laco entre esses fragmentos néo é mais o da logica grama- tical, mas o de uma logica ideografica que chega a uma ordem de disposicaéo espacial totalmente contréria 4 da justaposigéo discursiva”. Ou, mais adiante, ecoando o “emprego a nu do pensamento” mallarmeano: “E sio idéias nuas que nos apre- senta a “Lettre-Océan”, numa ordem visual”. E, ainda, agudo: “Portanto, seguramente, nada de narragdo, dificilmente poema. Se quiserem: poema ideogréfico. Revolugéo: porque é preciso que nossa inteligéncia se habitue a compreender sintético-ideo- graficamente em lugar de ani o-discursivamente”. © equivoco de Apollinaire esté implicito nestas Finhas: “Quem nao se aperceberia de que isto nao é mais que um inicio, e EM SACRIFICIO MIDE SumBoti sar que, por efeito da logica determinista que dirige a evolugéo de todo mecanismo, tais poemas devem acabar apresentando um conjunto pictural em relagio com o tema tratado? Assim se atingiré o ideograma quase perfeito”. Condena, assim, Apollinaire 9 ideograma poético & mera repre- sentagdo figurativa do tema. Se o poema é sobre a chuva (“II Pleut”), as palavras se dispdem em 5 linhas obliquas. Com- posigées em forma de coracgdo, relégio, gravata, coroa se suce- dem em Calligrammes. £ certo que se pode indagar aqui do 21 valor sugestivo de uma relagdo fisiognémica entre as palavras e © objeto por elas representado, & qual o proprio Mallarmé nao teria sido indiferente. Mas ainda assim, cumpre fazer uma distingao qualitativa. No poema de Mallarmé as miragens gré- ficas do naufragio e da constelagao se insimuam ténue, natural- mente, com a mesma naturalidade e discregio com que apenas dois tragos podem configurar o ideograma chinés para a palavra homem. Da mesma forma, og melhores efeitos gréficos de Cummings, almejando a uma espécie.de sinestesia do movimento, emergem das palavras mesmas, partem de dentro pata fora do_ poema:~Ja ein Apollinaire a estrutura é evidentemente imposta poema, exterior as palavras, que tomam a forma do reci- pien So Felira grande parte io a Dsienonmn possam ter os “cali- gramas”, em que pese a graga e “humor” visual com que quase sempre séo “desenhados” por Apollinaire. Seria preciso que outro poeta surgisse, mais enérgico, mais culto, mais amplamente dotado e informado que Apollinaire, para fundar, em definitive, a teoria do ideograma aplicado a poesia. Referimo-nos a Ezra Pound. Nao importa considerar, de mo- mento, as formidaveis diferengas de perspectiva que separam Pound de Mallarmé. 0: fenémeno, que constitui por si s6 ma- téria para um diferente estudo, diz respeito ao uso diametral- mente oposto que fazem do léxico esses poetas: palavra justa para Pound, palavra magica para Mallarmé: uma oposiggo dia- léxica, diriamos nés. Pois Mallarmé e Pound vao-se encontrar no campo da estrutura. Pound chegou a sua concepgao por intermédio da miisica, como Mallarmé, e através do ideograma chinés. Q estudo do siné- logo Ernest Fenollosa, The Chinese Written Character as a Medium for Poetry, exumado a obscuridade por Pound, e por ele publicado com notas ¢ observagdes suas na Little Review (vol. VI, n.%* 5, 6, 7, 8) em 1919, deu-the a chave para uma nova interpretagdo da poesia e dos préprios métodos de critica postica. O significado de verdadeira “revelagdo” que tem para a esté- tica moderna 0 ideograma chinés é algo de muito sério. Aos céticos, aos que julgam ser esta apenas uma idéia exdtica, re- comendariamos, a titulo de evidéncia culturmorfolégica — um ponto a mais ‘a definir uma periferia” — 0 ensaio O Principio Cinematogréfico e o-Ideograma, assinado por Eisenstein em 1929, que constitu um dos capitulos do livro Film Form do grande cineasta. 22 Acentuando a natureza privilegiada do idedgrafo chinés, dizia Fenollosa no importantissimo estudo a que antes nos referimos: “Neste provesso de compor, duas coisas reunidas néo produzem rceéira coisa, mas “sugerem alguma relagio fundamental” D¢5 \Gvat entre elas”. Ai ‘esté_o_enuneiado basico do ideograma, que, € ¢omti fem_coincidir Imente_com. Se a Fe nollosa se deve o mérito de ter vislumbrado as relagées de esséncia entre ideograma e poesia, a Ezta Pound coube a de- monstragio pratica, com a aplicagio do método ideogramico ao gigantesco arcabougo d’Os Centos. Nessa extraordinaria epo- péia moderna, fragmentos se justapsem a fragmentos, Cantos a Cantos, sem qualquer ordenagio logiichy_atendenda, o_ 7 somente aos principios ideogramicos: @~poema, a esta altura quase completo (40 anos de labor criativo: 95 Cantos!), assume ele proprio a configuragao de um fantastico ideograma da cos- movisdo poundiana. Quanto & misica, deixemos que Pound elucide a medida de sus influéncia sobre os Cantos, ja que ele o faz com extrema cla- reza numa carta a John Lackey Brown (1937, Rapailo): “Tome uma fuga: tema, resposta, contra-tema, Nao que eu pretenda uma exata analogia de estrutura”. Uma carta anterior, de 1] de abril de 1927, a Homer L. Pound, pai do poeta, é ainda mais explicita. Nave? “Mais ou menos como tema, resposta ¢ contra-tema em uma fuga. A.A. O vivo desce ao mundo dos Mortos CB. A “repetigdo da Historia” B.C. O “momento magico” ou momento da metamorfose, irrupgdo do cotidiano para o “mundo divino ou per- manente” Deuses, etc.” De tudo ressalta que a idéia central de Pound, sob esse aspecto, € a analogia esquematica com a fuga, o contraponto, E esta- belece-se assim o circuito Pound-Mallarmé. Ainda que a confi- guaracio de Un Coup de Dés e The Cantos seja em espécie diversa, pertencem os dois poemas estruturalmente a um mesmo género. Um outro poetainventor, E.E. Cummings, leva o ideograma e © contraponto 4 miniatura. no let ou na formagiio de agrupamentos sonore Cum: pe freokama- ‘mings libera 0 vocébulo de sua ja seus - VIDA elementos formais, visuais e fonéticos para melhor acionar sua 23 dinamica. Assim, no poema “bright” do volume No Thanks promove uma verdadeira tecedura contrapontistica, repetindo ou invertendo em sua ordem estas simples palavras: bright, star, big, soft, near, calm, holy, deep, alone, yes, who, © compée com a sua justaposigao, livre de conectivos, 0 i i de yass0 que a ean nas rollinatre, PMtinplicaria numa solugdo tal como dispor is palavias em forinade estrelas, o poéia americano’ iésdlve seit “fema com muito maior sutileza fazendo uma letra maiiscula TXaovch © | movimentarse dentro das palavras bright (bright, bRight, Bright, inreasemnetical briGht), yes (yeS, yEs, Yes) ¢ who (wlo, whO, Who), ou” usando pontss de interrogagao “ei lugar de algumas letras das palavras star (3???, st??, sta?) _¢ bright (????Ht, ?2??2T), a fim de conseguir simbolicamente um jognémica_ | do_brilho estelar, . 0 “micro-macrocosmo” joyciano, a atingir 9 seu Apice no Fin negans Wake, & outro altissimo exemplo do problema que vimos expondo. O implacavel romance-poema de Joyce realiza tam- bém, ¢ de maneira “sui generis”, a proeza da estrutura, Aqui © contraponto € mote perpetuo, o ideograma é obtido através de tuperposigdes de palayras, verdadeiras “‘montagens” Jéxicas; a DeSEMHE | infra-estrutura. geral é “um—desenho—eizeular- onde cada parte Esti Rak lg comeco, meio ¢ fim"? "O esqucnia ceaseless & Poe que vai ligar Joyce a Mallarmé, “por um comodo vieus- de recirculagéo”. Muito se aproxima o “ciclo mallarméano” de Un Coup de Dés do ciclo de Vico reinventado por Joyce para o Finnegans Wake. Q denominador comum, segundo Robert Greer Cohn, para quem aquele poema de Mallarmé tem mais pontos de contacto com Finnegans Wake do que com qualquer outra criagio literdria, seria o esquema:_unidade, dualismo, TANS 95 p08. INTER SEMEL ICA Bararie na multiplicidade, €_novamente_unidade. Expressio evidente, a uma SINTAG mera Inspegao, dess i comum a ambas as obras| PARANTGMA € 0 fato de a frase inicial de Finnegans Wake ser a continuagao da ltima, assim como as derradeiras palavras do poema mak larméano sio também as primeiras: “Toute pensée émet un coup de pés”. No deixa de ser assinalavel que um jovem misico de vanguarda, Michel Fano, procurando situar os mais recentes desenvolvi- mentos musicais perante as outras artes, escreva’: 2 A Skeleton Key to Finnegans Wake — Joseph Campbell an Henry Morton Robinson — Faber & Faber — London — 1947. 3 “Pouvoirs Transmis” — Michel Fano — in Cahiers de la Compagnie M. Renaud-Jean Louis Barrault (“La Musique et ses Probltmes Contem- porains") — Cahier IT — Juillard 1954, 24 “Hoje, quando constatamos no interior das disciplinas plasticas uma propensio & expressio fungdo-do-tempo (mébiles de Cal- der), uma eclosdo se produz no sentido oposto, com a pesquisa de estruturas que vém quebrar o sentido tradicional de desen- volvimento no tempo. Se é evidente que o tempo é necessario comunicagdo, ndo & menos certo que ele nao & mais conce- bivel atualmente como suporte de um vetor de desenvolvimento. Joyce e Cummings elucidaram poderosamente as conseqiiéncias iterdrias dessa nogio que realiza uma totalidade de significago_ _f10_instante, provocando_a_necessidade_de_uma_apreensdo total, ‘da obra pata a compreensio de uma de suas partes, e atingindo Bie principio gestaltiano que nao € possivel deixar de evocar quando se trata do conceito serial.” Essas consideragdes, que vém ao encontro das idéias aqui ex- pendidas, tém para nés o valor de confronto e confirmagio de um ponto-de-vista. Apenas acrescentariamos os nomes citados por Fano a presenca irretorquivel das realizagdes de Mallarmé e Ezra Pound. A verdade é que as “subdivisées prismiticas da Idéia” de Mal- larmé, 0 método ideogrimico de Pound, a apresentagao “verbi yoco-visual” joyciana e a mimica verbal de Cummings coy — um novo conceito de composi para_uma_ nova fe forma ama organoforma — onde nogdes tradicionals como" SINCRONIA SALA KIA Mactakme PeUND IONE CUMMINGS CoMs principio-meio-fim, silogismo, verso, tendem a desaparecer © 8r |p wos pe superadas por um: cal, poético-ideogramica da estrutura: POESIA CONCRETA. (Publicado originalmente no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, R. de Janeiro, 11-11-1956. Este trabalho constitui a fuséo, com ligeira modificagdes dos artigos “Poesia, Estrutura” c “Poema, Ideogram: estampados, respectivamente, em 20 € 27-3-1955, no Didrio de Séo Paulo). 25 organizagdo poético-gestaltiana, poético-musi- | ya mesvia CalAx A, POESIA E PARA{SO PERDIDO Haroldo de Campos A_arte da poesia, embora nao tenha uma vivéncia fungdo-da- Historia, mas se apéie sobre um “continuum” meta-histérico que contemporaniza Homero e Pound, Dante e Eliot, Géngora Mallarmé, implica a idéia de progresso, ndo no sentido de hierarquia de valor, mas no de metamorfose vetoriada, de trans- formagao_qualitativa, de culturmorfologia: “make it new”. “A ordenagdo do conhecimento, de sorte que 0 préximo homem (ou geragao) possa encontrar da maneira mais répida a parte viva do mesmo, e gastar 0 menos tempo possivel com caminhos obsoletos”! é a_metodologia critica, tdcita_ou_expressa, que conduz 4 obra de criagio. Assim, na misica contemporanea, vemos um Pierre Boulez, atra- vés_de uma “separacao drastica” preliminar de autores, no sentido poundiano da expressao, operar uma sintese qualitativa de Stravinski ¢ do triunvirato dodecafénico vienense (Schonberg, Alban Berg e Webern), 0 primeiro, pela contribuigdo ritmica, os demais pela elaboragdo de uma nova semantica e uma nova sintaxe sonoras, com énfase, sobretudo, em Anton Webern®, ope- ragio_esta_que se _pde no limiar de suas préprias pesquisas, e de Fano, de Stockhausen, de Phillipot, no campo da nova misica insteumental_e eletronica. Nao nos sirpiesnde, poréni, a vita- lidade que, para muitos, pareceria iconocléstica, de sua postu- lagéo de fé: “Webern nao era previsivel: para poder viver utilmente apés ele, nao se poderd continud-lo, é preciso esquar- tejalo”. 1 Pound, “Date line” em Make it New, 1935, New Haven — Yale University Press, pig, $. Guy Davenport, em “Pound and Frobenius”, na coletanea Motive and Method in the Cantos of Ezra Pound, Columbia University Press, N. York, 1950, pag. 48, vincula esse trecho &s concep- Ses do antropélogo Frobenius, cuja “Kulturmorphologie” (transformagao de culturas} € uma das idéias mestras da obra critica ¢ artistica de Pound. 2, Ver: “Moment de J. S. Bach", em Contrepoints, Vilme. Cahier, Paris, pags. 72-86; “Eventuellement...” em La Revue Musicale — L'Oedvre du XX", Siecle, Paris, pags. 117-147, ambos por Pierre Boulez, 26 . morfolégica_se_manifeste, em tais_termo: da_misica _p6s-dodecafénica, quando & sabida coma pan PH técnica_dos_doze_sons £ ainda ene 2 4 WOO, ORL. = a lente deformante da inumanidad Sirva de Skee 5 plo o beco-semsaida faustice, o inferno glacial vielumbrado. por & | Thomas Mann nesse método de compor, que ele chamou de 2 “constelago”, ao engendrar a “persona” de Adrian Leverkithn, 2 Ticdntropo desesperado e dltimo da grandiloqiiéncia romantica em : is < colapso frente 4 guerra total da revolugo schénberguiana.> BE money O_momento, portanto, reclama_a_higienizago dos _mitos. O (avatar Tapstice @ apenas um dos dragbes-chinests, uma dae ca- Jo ==Sintontat de antifiie. de que se servem aqueles que. investem , arte de uma “Tunglo catdttica” precipus, éspicie de clisterewr ta ve wows 4 do coragio acrescido, as furtadelas, ao clenco portatil dos de- ro: 8 i. 5 coctérios.— peek the reegtOre Perens TENORS, 4 Mais_agudas, mais Siguistadas, ¢, assim, urgindo uma, fumi- ,.. "| gagio de raiz, dado o seu proceso ohtuiiad e° atfaente de © ossificagiio, so certas tendéncias — alids, bem dedi ns, — de “estilizagdo”, de “pausa que refresca © patologia é 0 mesmo Pierre Boulez quem discerne, a0 Tobriga-sveacce-» tne cr las, no caso da misica atual, como “‘iniensas “wostalgiag de ree er + # confortos_salutares”. 2 ihrer isd, RAAT LD £0 lirismo andnimo e 4 ixas_ do vago, £ que_explica, em muitos ca do soneto & Lguisa de “dernier o eed “cone: cidas_desse_preguicoso anseio em prol do domingo das_artes, * remanso_onde a poesia, perfeitamente codificada em pequeninas regras métricas ¢ ajustada a um sereno bom tom formal, apa- relhada de um patriménio de metéforas prudentemente contro- lado em sua abastanga pequeno-burguesa por um curioso poder 1___morigerador — o “clima” do poema — pudesse ficar @ margem do_processo cultural garantida pot 4_..___ciado a eternidade. Esse novo arcadismo, convencionade 4 som- bra de clichés, sancionando a preguiga e a omissao como alitude frente aos problemas ¢ weep GN He o amor as form: wey 3. Schénberg foi o primeiro a repudiar a caracterizagéo féustica de Th. Mann. Diz H. H. Stuckenschmidt em Arnold Schénberg, Atlantis Mu- sikbiicherei, Atlantis Verlag, Zi pig. 118: “E sabido, como ele (Schinberg) se voltou de maneira’ agressiva contra Thomas Mann, quando se sentiu ferido através do Dowtor Fausto. Essa controvérsia na qual nenhuma conciliagio é mais possivel, forgou a muitos, parti- darios de ambos os opositores, a penosas decisdes”. 27 5 S Boer quico-solipsista de “métier” que excomiunga_a_permeabilidade entre_as solugdes poéticas, musicals ou des art juais (por uma ignorancia aprioristica e nao poucas vezes agressiva!), tem como _palavra-senha entre nés_o conceito de humano. Como se a bela, a nobre, a fecunda palavra humano fosse um vocdbulo- uco, destinado a nomear a esterilidade ao invés da criacao. Outro tipo de estética, que se pretende revoluciondria sob o > ponto-de-vista conteudistico, constrdi, com ligeiras modificagées, seu pataiso doméstico, negando pura e simplesmente qualquer vomer Hemem ; se lhe fosse destinado, sem remissio, 0 papel de literatura exotica ou de excegao. Sintomatico é, porém, que aos laboratérios de fisica- inuclear ou as especulagies filoséficas 0 trépico ndo é compelido a afetar, 4 Pescara, eee etd 4 SPeNE wR De LSPA ' nie NTN SE FED Nao poucos equivocos se devem & futileza do processo cultur: ! smorfologico, cuja dinamica vetorial se faz, as vezes, por linhas< : < 5 tra £ ~de_forca tao ténues que certos_ertistas, cuja obra isolados apices criativos, perdem o pé na fluéncia do processo, e acabam, de uma forma ou de outra, morfihigados ‘pela nos t talgia_do_jogo_sem imprevistos, produzindo uma arte de senec-—y fide cujo Alibi é o descanso remunerado e que vive as expensas dos dividendos menstruais das chamadas “pecas antologicas”. No = entanto, o “Canto 85” de Ezra Pound, publicado em The Hudson Review (Vol. VII, n.° 4, Winter, 1955), € uma arrancada que. = ltativa na obra em progresso do poeta septuagenario.> 4° Sartre, cuja concepso do homem wtal — “totalmente alistado ¢ wots mente livre” — & um ponto de partida hicido para o escritor “engagé € 0 primeiro a advertir que, “na literatura alistada, o alistamento nao deve, = em caso algum, fazer esquecer a literatura ¢ que nossa preocupacio deve set_a de servir a literatuta, infundindo-Ihe um sangue novo, so mesmo tempo que servir a coletividade, procurando dar-lhe a literatura que Ihe convém” (Situations HI, Gallimard. Paris, pig. 30). A questio pode ir mais longe, e escapa ao ambito deste artigo. Lembremos, apenas, como termo para uma futura discussdo, que € 0 préprio Sartre quem dia poe sia uma situagdo especial, falando da “tolice que seria o exigir-se um alis- tamento poético” (ob. cit, pag. 69) ¢ definindo a “atividade pottica” como a que “considera as palavras como coisas e no como signos” — (ob. cit, pig. 65). 35 B de se notar, desde logo. nc “Canto 85" de Ezra Pound, 0 uso mais acentuado do que antes do idzograma em si (ndo a técnica, mas 2 pic- tografia), com funcio semaférica de grupos de idéias. O “bring to focus” — “wazer 20 foco” — agindo nfo apenas verbalmente, mas oticemente, © efeito “aural” do chinés € também utilizado, 0 que S6 raramente ocorre nos Cantos anteriores: "The sheltered grass hopes, cheb, cohere. (No, that is not philological).” 28 e Nao € sem motivo que o. “olho de Medusa” da critica — de uma certa critica, pelo menos — tao incisivamente descrito por = Sartre, encontra entre nés campo facil para. suas incursées pe- 2 trificantes: hé qualquer coisa de funerdrio nos paraisos perdi- = =" dos. A palavra “mestre”, no jargéo de muitos militantes de * 3 rodapé, soa, como nenhuma outra, a dobre de finados. #2 Aarte & uma coisa viva. “Art is a joyous thing”, disse Pound. Uma coisa alegre. F tempo de se libertar a obra de arte cria- \ Giada wilhe do matracas ¢ da mistica do pesads original com que o conformismo das estéticas “paradistacas*-procura (__ferreteg.ta_para_garantia da_salubridade convencionada dé” suas | igre pe eee “intelectualismo”, “Yormaliame” © outros tantos falsos pejorativos, “lendas dessuetas” na expressiio lidade e da inteligéncia em toda criagao” com palavras que precisam ser meditadas: 9 “Ultimo residuo do rémantismo, concebem-se sempre as pesqui- sas teéricas como um ciclo fechado, ndo coincidente com as eriages propriamente ditas, como jd mencionamos. Desemba- racemo-nos dessa lenda dessieta: nao pode ser assim, sob pena de asfixia mortal. Uma ldgica_conscientemente_organizadora nio_é_independente da obra, mas_contribui_para_crid-la, est ligada a ela em um circuito reversivel; pois é a necessidade de_precisar_o que se quer chegar a exprimir que traz a evolu- Ao da técnica; esta reforca a imaginagéo que se projela, entio, fata o nao percebido, e assim, em um perpéluo jogo de espe- Thos, se precessa a criagio; organizagio viva e vivida, Tazendo possiveis todas as aquisigées, enriquecendo-se a cada nova expe- i wletando-se, modifi modificando-se,_mudandc 0 de “Colher no ar uma tradigéo viva” é culturmorfologia aplicada Bpoesia. Assim o fez Poun itando o campo de Torgas que serviu de base a sua obra, que ifumina’o meio século. O [Tnilsico conitemporaned que pfové, to’ mesmo sentido, as Tieces- sidades_de ensibilidade criativa integra-se, tambéni,cons- cientemente, no processo, Nao 6 muito esperar-se do intelectual brasileiro, em 1955, que pondere essa dialética. (Publicado originalmente no Diério de Sdo Paulo, 5-6-1955; republicado em O Jornal, R. de Janeiro, 7-8-1955). 29 # 2 gi Pl de_una organizagdo_clrcular_de_matéria”pobion A OBRA DE ARTE ABERTA Haroldo de Campos Para_objetivar_o que, numa postulag#o voluntariamente “dras- tica”, no sentido pragmético-utilitério que assume a teorizagio poundiana, poder-se-ia definir como o campo. vetorial da arte 1po, de cuja_conjuncao de linhas de forca resultantes_previsiveis e outras imprevistas podem surgir & sdli- citagdo do labor criativo, basta as_obras_de Cummings. Sem ingresso em profundidade nos miltiplos problemas que a simples mengdo conjugada desses nomes suscita ao limiar do experimento poético de nossos dias, seré suficiente indicar alguns dos_vetores da precipitacao_culturmorfolégi jue suas obr: acarretam. ~ ~ ~ A_concepgao de estrutura pluridividida ou capilarizada que ca- tasleriza’ 9 poerha-conatdhivo- mallarmeano, Trquidando. & nogio de desenvolvimento linear seecionado em jrineipiormeto ine Tinear seccionado em principiomelo-fim, em perempta toda relojoaria ritmica que se api organizagao ritmica, o siléncio, aquele siléncio que é, para Sar- ttre ane momenta: Te momento da Tinguagem" e que, “como a pais, emi -_recebe seu sentido dos grupos dé notas qué 0 éércain”, mitindornos dizer da possia-o- que Pierre Bouler”afirmou da z ebern”: “é uma verdade das mais dificeis de por em evidéncia que a misica no é somente a arte dos sons, mas que ela se define melhor por_um contraponto do som ¢ do siléncio”. Também_o universo_joyciano evoluiu — dentro do quadro de sua propria’ obra’ © a0 Tnflixe —daconeepgio bergsoniana. da 1 Qu, para nos servirmos das expresses de Adelheid Obradovic em Die Behandlung der Riumlichkeit im spaeteren Werk des James Joyce — Marburg, 1934 — pag. 11: a) Nacheinander ohne Durchdringut “uma parte apés a outra sem interpenetragao” (estrutura do Portrait of the Artist as @ Young Man); b) “Nebeneinander ohne Durchdringung” — 30 inear_no tempo, “durée” — a_partir de um desenvolvimento para_o espaco-tempo_ou_contencio do todo na parte (“allspace in a notshall” — nutshell, casca de noz), adotando como orga- nograma do Finnegans Wake 0 circulo vico-vicioso. Se ao_primeiro corresponde uma nogdo visual do espaco grafico, servida_pela_notacao prismética da imaginagdo poética, em flu- xos_e Tefluxos que se deslocam como elementos de u1 ilizand féncio como Calder o ar, a Joyce se fluxo polidimensional_¢ se 0 riverrun—élan-vital — o que 0 obriga a uma atingido através dat elipse dos temas periféricos a “coisa_em do poema, sucedendo porém, na estrutura da obra, o que Husserl assinala em relagao a seu método: “O' colocado entre paréntesis nao é apagado da tabua fenomenolégica, mas colocado simplesmente entre paréntesis ¢ afetado por um indice. Porém, com este, entra no tema capital da investigacao.”? Joyce & levado A microscopia pela macroscopia, enfatizando o detalhe_— panorama/panaroma cosmos metaférico numa 86 palavra. Donde o poder dizer-se do Finnegans que retém a propriedade do circulo, da eqiidistancia de todos os pontos em relagéo centro: a obra é porosa a leitura, por qualquer das partes através das quais se procure assedid-la. po Gus evs Fore Para Cummings a palavra é fissil: O° poeina cummigsiano tem como elemento funda “letra”; \propésitos, um material complexo. A_“modé: es ude_poética € semelhante a de Webern: — interessado na palavra a partir do proprio fonema, orienta-se para uma forma postica aberta, embora a risco de esgotar-se no poema-minuto, frente aos percalgos duma sintaxe ainda experimental. Como anota_Fano a propésito das primeiras obras de Webern, si “uma parte justaposta & outra, sem interpenetragao” (Ulysses); ¢) “Durch- dringung” — “interpenetragio” orginica (Ufysses, desde o monélogo silencicso de Molly Bloom ¢ Finnegans Wake). 2 Husserl, ideas relativas a una fenomenologia pura y una filosofia fe- nomenolégica, Fondo de Cultura Econémica, México, pag. 169. 31 “Organizacoes_curtas materializando um _possivel_e concluindo ni A_eventualidade de novas transformagées. Procedimento cat litico pelo qual certos elementos de base determinam es desi tegragoes e coagulagées dum material fi je se_transfors serem éles mesmos afetados.”3 who a)s w(e loo)k upnowgath PPEGORHRASS eringint(o- aThe) :1 cA tp: s a (r rlyInG .ghrEaPsPhOs) to rea (be) rran (com) gi(e) ngly sprasshopper; que sje e(u olh)o altojareu HOTGOAFAN nindosee(m- parAele} :s aL A c ah eGaNdO -gOaTfOaNh) recom (tor) pon(n)d(ar-se)o jeafanhoto; 3. Michel Fano, “Pouveirs transmis", em La Musique et ses Problémes Contemporains, Cahier de la Compagnie Madeleine Renaud — Jean Louis Barrault, Julliard, 1954, pég. 40. 32 Estrutura_aberta_oferecem também os Cantos de Ezra Pound, em particular os “Pisanos”, que, organizados pelo método ideo- ‘Amico, permitem uma perpétua inleragao locos de idéias que se_criticam reciprocamente, produzindo uma soma poetic cujo principio de composigao é gestaltiano, como j4 observou James Blish, em “Rituais em torno de Ezra Pound.”4 Tendo a sua disposigéo um léxico que se enriqueceu_com con- quistas desde os simbolistas até os surrealistas, e sua reciproca, a “definigdo precisa” de Pound, 0 verbo postico compreendido a luz duma arte de “ ‘i "; tendo a sua frente palidamente aqui _ das, 0 pocta contemporaneo nao pode sentir-se envolvido por melancolias bizantinas de’ constantinoplas ‘aia, _“ent_polt fas, hem polipizar-se & margem do proceso culturmorfolé gico que_o convida a aventura criativa. ee \ Pierre Boulez, em conversa_com Décio Pignatari, manifestou o seu_desinteresse pela obra de arte “perfeita”, sica”, do 5 Spo diamante" enunciou @ famante”, ¢ enunciou @ obra de drte 2 aberta, como um “barroco_modern * a) Talvez. esse neo-barroco, que poder corresponder intrmsecamente 2 gs necessidades culturmorfolégicas da expresso artistica con- { temporinea, atemorize, por sua, simples evocagio, os_espirites ‘{remansosos, que amam a fixidez das solugdes convencionadas. Mas esta ndo é uma razéo “cultural” para que nos recusemos a tripulagio de Argos. £, antes, um estimulo no sentido oposto. 4 The Sewanee Review, Spring, 1950, Vol. LVISI, 0% 2, pag. 196. (Publicado originalmente no Diério de Sao Paulo, 3-7-1955; sepublicado no Correio da Manha, R. de Jancito, 28-41956. Para a presente edi- do, acrescentouse a taducéo do poema “Grasshopper”, por Augusto de Ecmpos, extraida do livro 10 Poemas de E. E. Cummings, Servico de Do- camentacio, MEC, R, de Janeiro, 1960, ora especialmente revista). 33 POESIA CONCRETA Augusto de Campos Em siéromizaelo com a terminologia adotada pelas artes visual ©, até certo ponto, pela _miisica de yanguarda (concretismo, mu- sica concreta), diria eu que hd uma poesia concreta. Concreta no_sentido em que, postas de lado as pretengées fi ivas da expresso (o que ndo quer dizer: posto & margem 0 significado), as_palavras_nessa poesia atu: objetos autonomos. Se, “ no entender de Sartre, a poesia se distingue da prosa pelo fato de que para esta as palavras so signos enquanto para aquela so coisas, aqui essa distinggo de ordem genérica se transporta a um estagio mais agudo e literal, eis que os poemas concretos caracterizar-se-iam por | estruturagao ético-sonora irreversivel —f s s sonora z funcional, ¢, por assim dizer, geradora da idéia, criando uma ~ i entidade todo-dinamica, ‘verbivocovisual” — é 0 termo de Joyce gxGay— de palavras Citieis, ‘moldaveis, amalgashavels, & disposicao 22" E\'do poema. ca 4 *Como_processo consciente, pode-se dizer que tudo comegou com 25} g 59a publicagdo de Un Coup de Dés (1897), 0 “poema-planta” do #8 "Mallarmé, a _organizag fede pena amento-‘em' “subdivisdes_pris- ‘maticas da Idéia”, e a espacializacio visual_do poema sobre 2} }8_pagina. Com James Joyce, o autor dos romances Ulyss "££ 819141921) © Finnegans Wake (1922-1989), e sua “técnica de “C’palimpsesto”, de narracéo_ si é i ‘ney espns ow gando_o. seu. método ideogrémico, que permite agrupar temente, como um mosaico, fragmentos de Com_E. E, Cummings, qu com suas_ar amticulagdes aa di le oho e félego, em con- tacto direto com a experiénci irou 0. poema. No Brasil, o primeiro a sentir esses novos problemas, pelo menos em _determinados aspectos, é Joao Cabral de Melo Neto. Um arquiteto do verso, Cabral constr po 7 lances_de vidro e cimento. Em Psicologia a_“Fabula de Anfion” e “Antiode” turidade expressiva, ja pr 34 Composieéo com (1946-1947), atinge 2 ma: em O Engenheiro. Flor é a palavra flor, verso inscrito no verso, como manhas no tempo. diz cle em “Antiode”, ¢ nada mais faz do que teoria da poesia conereta. “O Jogral ea Prostituta Negra” (1949) é outro salto constru- tivo de vanguarda, desta vez logrado por’ um novissimo, Décio Pignatari. Neste poema Pignatari langa mao de uma série de recursos “concretos” de composigao: cortes, tmeses, “palavras- cabide” (isto_é, montagens de palavias, possibilitando a simul- taneidade de se al (gema negra) cova = aleova, algema, gema negra, negra cova), todos eles convergindo para a tema- tica_que é a do poeta torturado pela angi £ a davida_hamletiana aplicada_ao poeta e a pal: até_que_ponto ela exprime ou deixa de exprimir, revela”? E eis o poeta, ck rdote a compor de eartilagens moluscos a poesia-prostituta negra-hasard que aqui — como o “mudaria o Natal ou mudei eu?” do soneto de Machado de Assis — explode em um Gnico verso: “‘cansada cornucépia entre festées de rosas murchas”. Haroldo de Campos é, por assim dizer, um “conereto” barroco, 0 que o faz trabalhar de preferéncia com imagens ¢ metéforas, que dispde em verdadeiros blocos sonoros. Nos fragmentos de Ciropédia ou a Educagé (195: merece mengio o espe P converter_a ic idec (Publicado criginalmente em Forum, 6rgio oficial do Centro Académico 2 & ‘gost da Faculdade Paulista de Direito, ano J, a." Ill, outw le 1955). 35 © jogral ¢ a prostitute negra farsa tdgica Décio Pignatari Onde eras a mulher deitada, depois dos oficios da penumbra, agora é wm poema: Cansada cornucépia entre festGes de rosas murchas. £ a hora carbéni- ca € 0 sol em mormago entre sonhando € insone, A legido dos ofendidos demanda tuas pernas em M, silenciosa moenda do crepisculo, E a hora do tio, o grosso rio que lento flui flui pelas navalhas das persianas, tio escuro. Espelhos ¢ ataiides em mudo desterro navegam: Miras-te no csquife © morres no cspelho, Mores, Intermorres. Inter (ataide e espelho) mortes, ‘Teu lustre em volutas (polvo barroco sopesando sete laranjas podres) © teu tém as galas do cortejo: ito de chumbo Tudo passa neste rio menos o tio. Minérios, flora ¢ cattilagem acodem com dois moluscos murchos € cansados, Para que eu te comronha, recompondo: Cansada cotnucépia entre festées de rosas_murchas. (Modelo em repouso, Correm-se as mortalhas das persianas. Guithorinas de luz Japidam 0 teu dorso em rosa: tens um punho decepado e um scio bebendo na sombra. Inicias 0 ciclo dos cristais ¢ j& cintilas). 36 Tua al(gema negra)cova assim soletrada em cima. fa lenta, levantas @ fronte ¢ propalas: “Ha uma estétua afogada...” (Em camara lenta! — disse). “Existe uma esti- tua afogade e um poeta feliz (ardo em louros!). Como os lamento ¢ como os desconheco! Choremos por ambos.” Choremos por todos — solugo, ¢ entcandum Hiuirgico impropério a duas “vozes compomos um simbélico epicécio AAquela que deitada era um pocma e 0 nio é mais. Suspeniso 0 f6lego, inicias o grande ciclo subterrineo de retorno is grandes amizades sem meméria © jk apodreces: Cansada cornucépia entre festies de rosas murchas. (1949, “in” Carrossel, 1950) Ciropédia ou a Educacao do Principe (fragmentos) Haroldo de Campos You find my words dark, Darkness is in our souls, do you not think? James Joyce 1 ‘A Educagio do Principe em Agedor comeca por um célculo a0 cotacio. Jogamse os dados, puericultura do acaso ¢ se procure aquela vértebra cervical de formato de estrela ow as filacteras enroladas no antebrago direito: sinal certo do amor. Em Agedor o Principe € um operirio do azul: de suas méos edifica — infancia. —- as galas do cristal ¢ doura 0 andaime das colméias: paz de cimaras ardentes. (© Preceptor — Meisterludi -- di o tema: rigor! As matemiticas: céries de uma série gelada, Linguamortas: oblivion sagrando a saiz dos drias: ars. Lingua vivas: amor. (© Principe, desde crianga, é um aluno do instinto. Saida as antenas dos insetos. ‘Ave! as papitts papoulas e 4 dlorofila — salve! tomassol das espécies sensiveis. 37 Helianto, doutor solar, sol honorério, o topismo te ensina a graca das elipses? inferno-afélio do langue heliotropo! ‘Térmitas: dii_inferi! Ele orienta as abelhas. Ele irisa as {ibéiulas, Ele entra o palicio dos corais € suspende os candelabros. A hora dos deméritos 9 Mestre diz: Rigor! Infancia do Principe: igua de que se fartam infinitas criancas. 2 © Principe aprende 2 equitagio do verbo. As palavras écio ¢ amor nada significam em Agedor — pois significam tudo. Impibere, ele pensa: a pluma o pagem ‘As aias — coro de vozes — baixelas de seu banquete. ¢ — Camaleio melancblico/distende a lin- gua e colhe Em Agedor, 0 Tempo — um inseto de bronze, 3 Nipciss Parandipcias Pronipcias, ‘A Educagio do Principe atinge a sua crise noturna. Congregacio de rubis, a puberdade instaura a missa rubra, Ele admira as grutas, apalpa as volutas cornucépies, contorna 0 maral- miscar das serei A Geometria Plana? Japiter Tetraedro de quadradas espiduas? — Drésera rotundifélia, amdlgama de stiabas cardi Labilingue, ele diz: amor — larva do beijo, ninfe nibelung dum ciclo de legendas. ‘Meisterludi: Rigor! Cobica as galixiasestrelas, dourora-se em lénguidas palavras: licomnes libidinosos ¢ gliteas obsidianas. Luz pirpura. Em Agedor chega-se A idade por uma sibite coloracio roxa sob as unhas. " légica do_olho & sensivel_¢ sensorial, artistica; ifi ARTE CONCRETA: OBJETO/E OBJETIVO Décio Pignatari Pela primeira vez, os concretistas brasileiros tém a oportunidade de_se_reunir como ‘presenga imediata de realigagdes © cori postulegao. postulegéo de prin principi 5 O concretismo visual j4 fez suas primeiras provas, circula, se 2 apura no debate saneador, leva avante o qualitativo rigoroso baseado na_informacéo e na co 2 # A poesia concreta, depois de um periodo mais ou_menos longo de pesquisas —- para determiner os planos de clivigem de sua mecanica interna (Mallarmé, Un Coup de Dés — Pound — Joyce —— Cummings — algumas experiéncias dadaistas e futu- ristas — algumas postulagdes de Apollinaire) entra na sua fase polémica. A mostra de poesia concreta tem um cardter_quase didatico: fases_da_evolugao formal, passagem do verso 20 ideo- gtama, do ritmo linear ao ritmo digdes para novas estruturagées da elementos verbivocovisuais — — como di Uma das principais caracteristicas do concretismo é 0 probleme do "moyimento, estrutura indica, mecanica_qualitativa. se estranhe falar aqui em “mecAnica” Norbert Wiener (cy. bernetics: the human use of human beings) nos adverte do equi- voco e do indtil saudosismo individualista de tratar vamenté tudo o que é mecnico. Isto nos leva as telagé: geometria ¢ pintura_geométrica: a pintura geométrica estd para a_geometria_como a arquitetura esté para a engenharia. A a da geometria, conceitual, discu a enfim. Nem foi por outro mo- tivo que, em niimero anterior desta publicagdo e neste mesmo lugar, o arquiteto Eduardo Corona lembrava a necessidade de um contato mais estreito dos arquitetos com as artes visuais, como a pintura e o desenho: “O aprendizado dessas artes deveria ser Jevado muitissimo a sério em nossas Faculdades, para formar arquitetos mais completos, mais conhecedores da Arte, enfim”. 39 a CARTS RETRY Te Se PROMEUDAR yecUArO as o Pm Ope Wao gy Por_outro lado, os concretistas também sentem a urgéncia de um_contato mais intimo com a arquitetura: o fato de varios deles_serem — quando arquitetos ou estudantes de arqui tetura — decoradores, paisagistas ou desenhistas de esquadrias — atividades ligadas a arte arquitetnica — atesta essa_neces- sidade_e essa urgéncia, se ja nao bastasse, por si mesma, a sua presenca numa revista de arquitetura e decoracao. Quanto A poesia, ela ndo esta alheada da questo, como pode parecer a_ primeira 08" aparentamentos isomérfitos das diversas manifestagdes artisticas nunca seraéo um tema de somehos. Abo: — Tido_o verso, a poesia concreta enfrenta muitos problemas de espago e tempo (movimento) que so comiuns farito as artes visuais ¢ i “esquecer_@ miisica mais avan- cada, _eletrénica. Além disso, "p. ex., 0 ideograiia, monocromo ou a cores, pode funcionar perfeitamente numa parede, interna ) ou externa. © - Finalmente, cumpre_assinglar_que_o_ooneretismo_nAo_pretende (alijar da circulacéo aquelas tendéncias que, por sua simples existéncia, provam sua necessidade na dialética da formagio da cultura, Ao contrario, a atitude_critica, concretismo o leva a absorver as preocupagées das demais correntes artisticas, bus- ~“cando_superalas pela emplstagio cocrente, objetiva, dos pro- blemas. Todas as manifestacdes visuais o interessam: desde as inconscientes descobertas na fachada de uma tinturaria popular, ou desde um aniincio luminoso, até a extraordiniria sabedoria pictérica de um Volpi, ao poema maximo de Mallarmé ou as maganetas desenhadas por Max Bill, na Hochschule fiir Ges- taltung, em Ulm. (Publicado originalmente na revista ad —— arguitetura @ decoracan, Sto Paulo, novembro/dezembro de 1956, n.° 20; tepublicado 10 Correfo da Manka, R. de Joneiro, 62-57, ¢ no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, R, de Janeiro, 21-4-57). . 40 | ) nova poesia: concreta cuk UE ae a_uma_atitude _postig: nao consegue libertar-se dos liames. légicos da linguagem: ao tentar faaé-lo, discursa adjetivos. nao da_majs conta do espago como condigdo de nova realidade ritmica, utilizando-o apenas como veiculo passive, Tombar, € ’io_como elemento relacional de estrut “ anti-economico, destrui “Te apenas 0 golpe de misericéfdia da consciéncia eritica: o primeiro ja fora dado, de fato, por mallarmé, ha 60 anos atrés — §un coup de dés§. américa do sul américa do sol américa do sal oswald de andrade uma_arte_geral_da_linguagem. propaganda, imprensa, radio, televiso, cinema. uma arte popular. ~ a_importéncia_do olho na comunicagio mais rapida: desde os andncios luminosos até as histérias em_quadrinhos. necessi- dade do movimento. a estrutura dinimica. o ideograma como, esto visibile parlare, novello a noi perché qui non si trova. dante, purg., x, 95 contra_a poesia de expresso, eubjetiva. por uma poesia de criagio, objetiva: conereta, substantiva. a idéia dos inventores, de eata pound, ideogramas cor o_um objeto poético, produto _indus- trial de consumacio, feito a maquina, a colaboracdo das artes Visuals, artes graficas, tipograficas. a série dodecalonica (anion webern) e a musica eletronica (boulez, stockhausen).~ 0. cineina. pontos de referéncia. - 4 bie. @ rose is a rose is a rose is @ rose gertrude stein com_a revolugao industrial, a palavra comecou a descolar-se_do objeto a_que se referia, alienou-se, tornou-se objeto qualitativa- mente diferente, quis ser_a palavra §flor§ sem a flor. e desin- tregou-se ela mesma, atomizou-se_(joyce, cummings) . conereta realiza a sintese critica, isomorfica: §jarro vta_jarro_e também jarro mesmo enquanto conteddo, isto Avante objeto designado, a palate jan de 9 jarro do jarro, como §la mer dans la mer§. o elevador subiu aos céus, ao nono andar, ~ © elevador desce ao subsolo, : termémetro das ambigées. 5 © agicar sobe. - 0 café sobe. 4 os fazendeiros vém do lar. mério de andrade BERS eave, o_tuais Licide tabatho intelectual para_a_intuicio mua © Geghar tom ae aides. tom on formalism ‘anitos da poe- sia_puma. a beleza ativa, no para a contemplacdo. para nutiir © impulso, pound. no maximo: ser raro e claro, como diss timo fernando pessoa. criar problemas justos e resolvélos em termos de linguagem. sensivel. ~~ o olhouvide ouvé. titica: joyce, cummings, apollinaire (como visio, nio como rea- izacio), morgenstern, kurt schwitters. estraiégia: mallarmé, pound (junto com fenollosa, 0 ideograma)- parean Pocchiaie anella sanza gemme: chi nel viso delli uomini legge OMO ben avria quivi conosciuta lemme. dante, purg., xxiii, 31 © uco dos olhos como anel sem gema: quem julga ler, no rosto humano, OMO agui veria fécilmente 0 eme. 42 a técnica de manchetes ¢ §un coup de dés§. calder e §un coup de désf,___mondrian + guts @ joao cabral de melo neto. joyce ¢ 9 cinema, cise ‘ideograma, cummings ¢ paul Klee, webern e augusto de campos. a polologia da gestalt. nsamento_poético é essencialmente figurado. ele nos poe sob_os_olhos_néo_a esséncia abstrata dos objetos, mas a sua ideograma critico nacional: (titulos de livros praia oculta de poemas publ claro enigma cados nos. il narciso cego mos 6 anos) a obscura efigie ema é forma e contetido de si mesmo, o poema é. a pmoeie faz_parte integrante da forma, vice-versa. ritmo: forg: telacional. renunciando A disputa do absoluto, ficamos no campo magné- tico do relative perene. a cronomicrometragem do acaso, 0 controle, a ciberné otha si palavra, ponto-evento. 0 fim do “clar ro, dos botoes da sensibilidade apertados na penumbra. o ideograma_regulando-se a si mesmo. feed-back. produzindo novas emogé vo conhecimento. ~ nidegas de cristal, érrSsa. 0 jargio Iirico do apés-guerra. vege- tativo, reacionario. joao cabral nao féz diitra coisa sén&o com- bater, didatico, licido, todas as fluidas flores da pressa; todas as timidas flores do sonho. fundar_uma tradigéo do rigor. volpi. para que o artista brasi- Ieiro nao decaia depois dos 40. a_presente_exposicio: quase did ideograma, ica. _transigio do verso ao (Publicado originalmente na revista ad — arquitetura e decoracao, Sto Paulo, noveribro/dezembro de 1956, n* 20; republicado no Suplemento Dominica! do Jornal do Brasil, R. de Janeiro, 5-5-57). 43 poesia conoreta augusto de campos — a poesia conereta comeca por assumir uma_responsabilidade ‘total_perante a Tinguagem: aceitando o pres: uposto do_idio- ma Histérico como_nicleo indispensavel_de comunicacdo, re- cusa-se_a absorver as palavras mie misros yoieulee:indife rentes, sem vida” sem personalidade sem historia — tamu- los-tabus com que a convengio insiste em sepultar a idéia. ao hes viver Pras eb nary — 0 poeta concreto nfo volta a face as palayras, laiiga_olha¥esobtiqios® vat_direté Vivitivar a sua tactioidade—— ; — © poeta concreto vé a palavra em si mesma — campo magné- tico “dé possibilidedes — “como um objeto dindmico, uma célala viva, um organismo completo, com propriedades psi- corfisico-quimicas, tacto_antenas circulagéo eoragao: viva. — longe de procurar evadir-se da realidade ou iludi-la, preten- de_a_poesia conereta, contra a introspeccdo autodebilitante @ contra o realismo siplisa e simplério, situar-se, fren- te para as coisas, aberta, em posi¢do de realismo absoluto. —o_yelho alicerce formal e silogistico-discursivo, fortemente no comego do século, voltou a servir de escora as Sr a coracéo atémico e couraga medieval. AL contra a organizagio_sintética perspectivista, onde as_pa © Tavras ven sentarse ‘como “cailiveres em banguete”, a poe: sia_conicreta_opde um novo sentido de estrutura, ¢ apaz_de, no_momento histérico, captar, sem desgaste ou regressio, 0 4—cerne da experiéncia humana poetizavel. — mallarmé (un coup de dés — 1897), joyce (finnegans wake), an ae ee ay lager (Linnean the graina), cummings ‘c, nam sezunds plano, apollinaire (calligrammes) € as tentaiivas experimen (as futritas- Jaden ealfo a fale Uo novo’ pi Seedimeite ante ico, que tende_a_impor-se & organizacaéo_convencional cuja unidade formal € 0. clus e) erso_(livi 44 — © poema concreto ou ideograma passa a ser um campo rela- cional de fungées. — © niicleo poético é posto em evidéncia_ndo_mais pelo _enca- deamente_sucessive ¢ Tinear_de_versoe, mas por wm sistema de relacdes_¢ equilibrios entre juer_partes do poema. — fungSes-relagSes_grafico-fonéticas _(‘“fatores_de_proximidade e_semelhanga”) e 0 us i mento de_composigao entret olho ¢ félego, que, aliada & sintese ideogramica do signifi- cado, cria uma soalidade sensivel “verbivocovisual”, de modo a justapor palavras dia num estreito colamento fenomenolégico, antes impossivel. : — POESIA CONCRETA: TENSAO DE PALAVRAS-COISAS NO_ESPACO-TEMPO. (Publicado originalmente na revista ad — arquitetura e décoratio, Sio Paulo, novembro/dezembeo de 1956, n° 20; republicado no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, R. de Janeiro 12-5-57,). 45 olho por olho a olho nu haroldo de campos uma arte — no q apresente — mas q_presentifique o OBJETO uma_arte inobjetive? nao : OBJETAL qdo_o OBJETO mentado nao é 0 OBJETO expresso, a expres saotem umacane |... LOGO: falidos os meios tradicionais de ataque ao OBJETO (ingua de uso cotidiano ou de convengao literdria) um(a) novo(a) meio(lingua) de_ataque direto a medula desse OBJETO POESIA CONCRETA: atualizacao “verbivocovisual” do OBJETO. virtual DaDos: valavra_ tem uma dimensio GRAFICO-ESPACIAL uma_dimensao ACUSTICO-ORAL uma dimensio CONTEUD{STICA aginde_sohre os comandos da ~palavra ~ nessa 3 dimensées 3 a oe MOLESTAR Curis PERCL TIS LU BNTE POESIA CONCRETA assedia "97-5 \TUP ceo a @ OBJETO mentado em suas plu- rifacetas: _previstas ou imprevis- tes: veladas ou reveladas: num jogo de espelhos ad infinitum em_q essas 3 dimensies 3 se ma- uma NOVA ARTE de expresso exige_uma ética, uma_aciistics, w i ii é- xico (revisados «partir do pré- prio fonema) PAIDEUMA elenco_de autores culturmorfologicamente atuantes _no_momento rico =. evolugéo qualitativa da expresso poética e suas Liticas: - POUND — método ideogramico léxico de esséncias_e medulas (definicao_pre- isa) JOYCE — método de_palimpsesto atomizagao da Tinguagem (palavra-metéfora) CUMMINGS — método de pulv erinagh fonétic (sintaxe__espacial MALLARME — método_prismogréfico_(sintaxe espacial_ax axiada—— nas_“subdivisdes brismatica © pq NAO os FUTURISTAS? — “‘processo de luz total” contra os DADAISTAS ick-out” da histéria: — validagao do contingente positive desses “ismos” em fungio da expressiio poética OBJETAL ou CONCRETA neotipografia, “‘paroliberismo”, imaginagao sem fio, simultaneismo, sonorismo, ete ete ~~ etc etc e m FUNGAO de uma NAO | apenas psicologia MAS fenomenologia da composigao POESIA CONCRETA = ,reacs unas De onde 21M ump ran enn poesia posicionada no Mirante culturmorfolégico ao lado da PINTURA CONCRETA MUGSICA__ CONCRETA suardande as diferencas relativas mas — néo_se_trata da obra de arte total — compreendendo as necessi- des comune i expresso artistica CONTEMPORANEA 47 PROGRAMA: o POEMA CONCRETO aspira_a ser: composi © Pigue ne & LO refisura para o poema_uma reintegrac cos da linguagem, organizados ético-acusticamente espaco grafico por fatores de proximidade e. semelhanga, como uma espécie de ideograma_para uma mogao, visando_a apresentacao directa presentificagio — do objeto. a POESIA_CONCRETA a linguagem adequada & mente. cria- tiva_contemporanea ite a comunicagdo em seu grau + rapid ‘na_semelhante a q 0 BAUHAUS propiciou as artes visua quer_como yeiculo de propaganda comercial (jornais, car- tazes, TY, cinema, ete), quer como objeto de pura frui- io _(funcionando ‘na arquitetura, p. ex.), com campo de Ssobbilidades andlogo ac do objeto plasico substitui o magico, 0 mistico eo “maudit” pelo CTIL TENSAO para _um_novo mundo de formas VETOR para ~o ~ FUTURO (Publicado originalmente na revista ad — arquitetura e decorasao, Sio Paulo, novembro/dezembro de 1956 n° 20; republicado no Suplemento Domiinical do Jornal do Brasil, R. de Janeiro, 28-4-57). 48 EVOLUGAO DE FORMAS: POESIA CONCRETA Haroldo de Campos A_poesia, como invengao de formas, sente_as_mesmas_preméncias— + que_as_outras artes afins: musica e pintura. A melodia na musica, a figura_na_pintura, 0 discursivo-conteudi tal_na poesia sfo fésseis gustativos que nada mais dizem & mente_criativa_contemporanea. Os criticos formalistas russos, a_partir_ de 1918, i visualizaram com agudeza o problema, substituindo o binémio forma (forma) - contetido, de_acen "_patnasiano, por ! pr cedimento, 0 que implicava_em situar analogicamente_a a _poesia eas outras artes: enquanto o material na miisica eram os sons, na pintura_as formas de visualidade, na_poesia — afirmavam o material era_dado pelas Qs_for- malistas rejeitam o conceito idealista de imagem como conte onteado dg_obra_ de arte, substituindo-o radicalmente pela palavra como tinico e lusiyo material da poesia. V. Schklévski: “A obra literdria é forma pura; no é simplesmente uma coisa, um ma- terial, mas uma relagio de materiais”. E. Lo Gatto (4 Estética e a Poética na Russia): Para os formalistas, “o contetido — e assim mesmo sumente no sentido de material — é 0 elemento implicito daquele que é 0 elemento explicito da criagdo, i. é: 0 procedimento /priom)”. Jan Mukarovsky (seguidor dessas idéias na escola critica tcheca “Circulo Lingiiistico de Praga”) afirma (1928): “Nao estamos interessados na conexdo entre a obra e seu autor, ou entre a realidade externa eo tema do poema. Othamos para a obra de arte como algo aue existe por seu pro- prio _direito, com todos os seus elemen| lo parte inte- gral_de uma estrutura unificada. Visto ee © poema assu- me_o aspecto | complexo de part ‘libiadas, nenhiima das quais @ mais importante do que as restantes. A distingao tradicional entre conteiido e forma é substituida por outta, mi acurada, entre a forma e o material empregado. Por matersal, entendemos tudo o que entra na obra e deve ser_ organizado pelo artista, a saber: os clementos lingiiisticos, idéias, sentimentos,. eventos, etc., enquanto forma para nés é a maneira pela qual o Ses ee pee eee te a oles attation visado”, (Nota: forma, aqui, equivale, obviamente, ao que os antecessores russos de Mukarovsky denominavam procedimento.) 49 ae CONPRETI TOL ~pal—direta,_sem__bidmbos de eubjetivismos -encantat5 Sartre pensava certamente nessas teorias quando escreveu (Si- tuations I, “O que é a literatura?”): “O império dos_signos a_ao lado da pintura, da escultura e +++ 0 poeta se descartou, de golpe, linguagem-instrumento; ele escolheu de uma vez por todas a atitude poética que considera as_palavras como, coisas ¢_nio se agrupam por associa-_ gées_magicas de conveniéncia e inconveniéncia, como as cores ¢ 0s sons, se_atraem, se repelem, se inilamam ¢ sua associagao compée a verdadeira unidade pottica que é a frase-objeto” .. “se é assim, compreender-se-a facilmente a tolice que seria re- clamar wim “engajamento_pi Jirminski (1928): “Enquanto que uma poesia lirica é efetivamente uma obra de arte verbal, na escolha e reunido das palavras, de todo sub- missas, seja do lado da idéia, seja do lado sonoro, & realizagéo estética, um romance de Tolstéi, livre na sua composigio ver- bal, se serve da palavra néo como um elemento de influéncia artisticamente significativo, mas como um meio neutro ou um sistema de indicagdes submissas — da mesma forma que na guagem pratica — a uma funcio comunicativa, que nos intro- duzem no movimento dos elementos tematicos, destacadamente da palavra. Uma tal obra literéria nfo pode ser chamada de obra de arte verbal, pelo menos nfo no sentido da poesia liri- ca”, (Nota: © fato de Jirminski (“O método formal”) ser- vir-se, em seu exemplo, da categoria genérica “poesia lirica” nio invalida em nada sua colocagéo do problema. Esta, porém, se valoriza especifica e integralmente se a pusermos em fun- go da poesia concreta, Alias, é de se notar que este por em funcao se justifica inclusive no plano histérico, pois ¢ Lo Gatto quem salienta a importéncia que teve, para o surgimento da esco- Ja formalista de poética, 0 movimento futurista russo, preocupado em _revelar_o parentesco entre a poesia e as outras artes (misica pintura) e onde havia poetas votados 4 pregagiio teérica, como KUizbnikov- exaltadores Bo “valor da palevee em todas as suas manifestacées_metamdrficas, como elemento primordial frente a qualquer conteido”.) Dizemos que a poesia concreta visa como municagéo. Nao nos_referimos, a mas & comunicacaio de formas. efeito cordial. Nao ha cartao de visitas para o poemai lid o poema. Como forma verbal, o poema esta sujeito a uma evolugio qua: litativa. A poesia conoreta r eompres es essa dialética de formas: 50 For Gwe: : i k * i = Dien SOUPS SMO OU ag ‘Undo foge para o “paraiso perdido” de retrocessos_pusil . turmorfologia em prol de um conforto artistico livre do panico da_invengao. O verso livre, depois de Un Coup de Dés de Mallarmé, passou_a ibi_para_todas odagdes. Mallarmé propée a organizagio do espago grafico como de Jorge Tata do-poema. Indi Virer as costes para mada de posigao radical poética: ela exist exi- {Ge —_salto qualitative que € no mundo for rbais — ; uma_opgao critica de parte do artista eriativo. Indtil ignorar Pound, Joyce, Cummings, Apollinaire, certa parte do futurismo, 3do dadaismo, Eles esto ai. Sua preseiiga se tiede ‘pelo Tecuo tacumpliciador_dos diluidores de diccdes paradas, que se pr nao _& compreendér 0 processo artista_brasileiro, depois do_pri livro, ‘eostuma. zarse em nuahces da propria dicgo (nos melhores casos). No € habito da literatura brasileira a obra em progresso, mas a “reflexo. “Exempl “Andrade, de Mel 0 e anddino; o jargao desinfetado da poesia bom-tom, sujeita a “clima” (se o poema é sobre o mar, a ordem sio os simbolos maritimos: ondinas, oceanides, gai- votas, conchas, hipocampos, bizios, tritdées, afrodites e espumas), onde néo se admite nem sequer a metéfora dissonante, de tipo (Lrimbaldiano por exemplo, velha conquista do arsenal poemé- tico; a corrente da felicidade soneticista, com a sua conhecida trucagem, que, a falta de invencéo, serve de clister para a arte senil dos poetas oficiais, e para a juventude senilizada de pre- coces candidatos a “mestres”, etc. A_poesia_concreta_olha de frente para _as formas poéticas ¢ isar_o vetor qualitativo sua_evolugao. , Assume as_respol idades_da tradigfo viva _e nao _tenta escamoted lab sob a alegacio de. que os verdadeitos_inventores na_ poesia contemporinea sejam casos extravagantes e levem a becos-sem- conereta coloca o poema sob o foco de uma cia_rigorosamente organizadora, que atua sobre _o ma- terial da poesia da _m mais ampla e mais conseqiiente possivel: palavra, silaba, fonema, som, fisiognomia actistico-vocal- visual dos elementos lingiiisticos, campo grafico como fator_de estruturagdo espacio-temporal (ritmo organico), constelagdes se- manticas precipitadas em cadeia e consideradas simplesmente do ponto-de-vista do material, em _pé de igualdade com os restantes elementos de composigio. 51 E é Peter Dame oe Quando Stockhausen (um dos mais importantes compositores de misica concreto-eletrénica) escreve que, pela primeira vez, uma pega musical esti em: vias de ser organizada de modo total € sinteticamente serial, a partir do proprio material (sons “si- nusoidais” fornecidos por um gerador de freqiiéncias), aborda um problema que, “mutatis mutandis”, se situa como hipétese de_trabalho_na sia_concreta: trata-se de organizar de neira_“sintético-ideogramica” ao invés de “analitico- (para_usarmos uma formuilagéo de Apollinaire, que, de resto, encontra apenas pilida_ressohinicia prética ém seus “‘Caligta- as igi tnas”) a totalidade dopoema: todos os seus elementos, todo 0 material em jogo a que ja nos re severamente dis- ciplinados por uma vontade licida de estrutura, Esta a_supe- tagdo critica para a qual aponta a poesia concreta, considerada a0 paideuma do qual emerge, sem que esteja impli- ita, fentemente, por absurda, qualquer intengao de juizo Jules Monnerot descreve_o poeta _moderno como “um magico sem _esperanga”. A poesia concreta elimina 0 mégico e devolve a esperanca. Desaparece_o “poeta maldito”, a poesia “estado- mistico”. _Q poema passa_a ser um objeto itil sumivel, como _um objeto plastico. A_poesia_conereta respi certo tipo de “forma mentis” contemporanea: aquele que impoe 5 95 cartanee_ os “dlogans”,as_manchets, as diogdescontias - do anedotario popular, etc. © que faz urgente uma comuni- = cagio rapida de objetos culturais. A figura roméntica, per- sistente no sectarismo surrealista, do poeta “inspirado”, ¢ subs- | iiuida “pela-do""posta faltivo, ‘Tabalhando rigorosamcnt® sua obra, como um operdrio um a 1uro. Fenollosa_& Pound, a propésito do ideograma chinés, prefiguram \. um_novo mundo de formas, ‘a0 Mostrarem como, na escrita chinesa, até o verbo ser (que, nas linguas ocidentais, serve de “pura cépula” entre sujeitos e estados, dando, portanto, “o mais cru exemplo do processo prosaico-analitico”) passa a constituir- se num “espléndido relampago de poesia concreta (‘em chinés, © principal verbo correspondente a “é”. néo apenas significa ativamente “ter”, mas revela, por sua derivagdo, que exprime algo ainda mais concreto, a saber: “arrancar da lua com a mao”). © ensaio (A escrita chinesa como instrumento para a poesia) pode ser concentrado nestas palavras: “A poesia difere da prosa pelas céres coneretas de sua dicgdo.” Hans Arp chega a falar também em poesia concreta (‘‘konkrete Dichtung”), a propdsito do livro de Kandinsky, Kldnge (Sons). 52 Embora_os_poemas de Kandinsky nao coloquem problemas de estrutura, antes, mantendo o verso linear-tradicional (com_li- eiras variantes. aqui e sli), se marquem spcias, por. uma tems tica_abstratizante, um racionismo conceitual, precursor de ee tine slentlioo em voga em vevita argentinas como deixam de ser profe da, i z as algumss formulagoes de Arp: “Og a é que ela nao tem in aS Goethe leitor, sob uma forma poética, que morte ¢ transformagao 8a a condigao inelutdvel do si a ee ai , ao Gontrario, poe o_leitor diante de uma_ima; de palavras gue morrem e se transformam, diante de uma séri de palatres que morrem 6 se_transformam. .. A poesia conereta, tal como a compreendemos, é uma_ res de um_estudo sistemalico de formas, arrimado numa_trad obra maxima de Mallarmé - —_Un Cou “‘chamou- Ba gt que 6 sua_matriz, data “espetéculo ideogréfico”). _‘“Cother sepultada pela conhecida. reaglo do bom senso, po ‘aquele’ que se_apressam em tacl as fecundas vertentes oFiatvas, was bare dead ‘08 mornos direitos gosto romantico-parnaso-simbolista (de- corativa), esta_sim superada_¢ dissociada das necessidades da mente contemporanea “colher_no_ar essa tradigao viva”, repetil imos, compreender essa dialética de formas, é an da poesia _concreta. Situar-se em correlagéo de_pesquisas com a.misica e as artes visuais realmente criativas, frente & proble- matica_da_invengiie, de formas, que oferece mui spectos comuns, embora guardando as diferencas substanciais que se orendem a prépria naturena decade uma _dessas artes Des- necessario repetir o interesse revelado nos escritos tedricos de jovens musicos da importincia de um Pierre Boulez, por exemplo, “por obras fundamentais da poesia como as de Mallarmé ¢ Cum- mings. Inatil enfatizar que ha mais do que uma simples coin- cidéncia no fato de Eugen Gomringer — o mais representativo, do ponto-de-vista da obra de arte criativa, dos jovens poetas de Europa de hoje — ter sido secretério de Max Bill e ser professor na “Hochschule fiir Gestaltung” (“Escola Superior da Forma”), em Ulm, o mais importante reduto europeu das expe- riéncias plasticas de vanguarda. Pretender que poesia concreta, » misica_concreta e pintura concreta sejam conceitos dados aqui (“Gesamtkunstwerk” — a “obra de arte total”), ou, m a z pone wt ie ow ern g 5 ente, de ignorancia dos_meios de expresso _peculiares a cada uni deises artes, nisclada do-pfopisito de turvar as guia ferradeiro recurso da “culinaria fanebre” em que se especializa certa critica, Negar, por outro lado, radicalmente, uma_ per- meagao honesta de experiéncias, & manifestagao de andlogo obs- curantismo, caracterizado ainda pelo mitdo_tecnicismo solipsista ‘queue est ca jazir cada Ups de artista A clausbra de seu métiers! como um vidro de remédio numa farmacopéia ideal, munido da ceapectiva_etiquéta, para que a digesto mental do critico possa ‘se cumprir sem sobressaltos... Frobenius langa a teoria da culturmorfologia. Pound, em suas obras criticas, aplica-a a poesia. uma transformacéo _quali- tativa de culturas. Nesse sentido — ndo_no de uma hierarquia ascencional de valores — a arte evolui. Kandinsky, em seus ditimos escritos tedricos, Tnsere-se nessa perspectiva: “... cada época_artistica possui_sua propria fisiognomia, que a distingue do _passado_e do futuro...” ada_época_espiritual exprime seu conteido caracteristico através de uma forma que lhe & exatamente correspondente. Cada época alcanga, desse modo, sua verdadeira Tslognomia, plena de expresso e Torga, @ assim transforma o ontem em hoje em todos os dominios do espirito. Mas a arte possui, além disto, ainda uma qualidade que lhe é-exdTuaive ¢ pocul peculiar, ou seja, a faculdade de adivinhar ‘aman no hoje —- um poder criador e profético”. Descartado 0 to1 mistico-idealista, tio ao gosto dos escritos de Kandinsky, essas palavras_nos péem, com fidelidade, diante do proceso cultur- morfolégico. Eugen Gomringer, em Ulm, no centro de uma tradig&o artistica viva, cujo antecedente imediato era o Bauhaus, empenhou-se em construir uma nova realidade poética, em fixar um elenco de_autores basicos para uma arte da poesia verdadeirament criativa e conseqiente em nossos dias, oposta ao banho-maria vigente aps meio século de lernismo: igolou Mallarmé Coup de Dés), Apollinaire (Calligrammes), Cummings, William Carlos Williams (dos poemas curtos), Joyce (Ulyss: se_aos dadaistas © futuristas, além de citar Arno Holz por suas experiéncias tipogréfico-espaciais (Phaniasusgedichte, de Denominou_seus_poemas “‘constelagdes” (& maneir : ca), obtendo, nas melhores pecas, efeitos surpreendentes de otganizagéo ortogonal do espago com palavras curtas, uma es- pécie de linguagem poética elementar ¢ direta, que se pode situar na_érbita de trabalho da poesia concreta, O encontro de D. Pignatari com Gomringer, no momento em qué, em_contempo- 54 raneidade cronolégica, alguns poetas brasileiros preocupavam-se com TWenticos problemas e tragavam um quase idéntico paideuma (com a incluséo de Ezra Pound, de “Os Cantos” e sua estru- tura_deogrimice), @ uma _demonstragic_ de como © Peete culturmorfologico opera _no dominio artistico: objetivando propria evolugdo, exigindo-se a si mesmo, dialeticamente, inde: pendente de longit tude ¢ lingua, nado como uma_cere- + brina_mi do ‘destituida de conteiido material, mas, no plano real ¢ factivo, com fica impessoal de formas (Publicado originalmente no Suplemento Dominical do Jornal do Brasit, R. de Janeiro, 15-1-1957). 5S Wassily Kandinsky R Irreg-ular Reg-ular R eg Onde? Como? De fato — quando um sobe, 0 outro desce. Mas ambos subirem, ...ou ambos descerem, é isto regula Desregrado sempre sem régua. Vale dizer — grave tom irreal, infinita beleza, aura-delirios Com alturas acres Alacre: Vin RRR. Tradugéo/adaptagée: Heroldo de Campos Aber tatsichlich — wenn Eins stcigt, sinkt des Andre. ‘Wenn beides steigt, ...oder beides sinkt, ist es dann missig? ‘Ubermissig immer nachlassig, D. h, wie men es so unendlich schin, lilienduftend, unwirklich tief mit spitzen Hihea sagt: Essig. S8S— Paris, 1937 (O poema “nascemorre", 1958, de Haroldo de Campos, foi instigado pelas observacdes de Hans Arp subre a poética de Kandinsky; Arp falava em “konkrete Dichtung” nio no sentido especifico do movimento de poesis concreta, € claro, mas na acep¢io genérica do termo. Refira-se que Kandinsky, na esteira de van Doesburg, Arp e Bill (1930/1936), comecou em 1938 a chamar sua pintura de concreta. CF, “Konkrete Kunst”, em “Kandinsky: Essays liber Kunse und Kiinstler’, edi¢io organizada por Max Bi Verlag Asthur Niggli u. Willy Verkauft, Teufen, Sufca, 1955), 56 ol es10ule8d . eospuel easowes . edspuel a110W91 e2spues at eas0w 225DU eospuU SrspUusOW asd lassowsep easpusep e110usep e@2spUsep e4sousep a2spusep ad ess0w ess0w eospu es A EXPOSIGAO DE ARTE CONCRETA E VOLPI Décio Pignatari 1 — Quais as primeiras concludes que podem ser tiradas da “Exposigao Nacional de Art a? Este_foi_o primeiro confronto nacional das artes de yanguarda realizado no pais, tanto no que se refere as artes visuais como @_poesia_conereta: este_fato é de grande importancia_para_o publico, que assim teve_a oportunidade de entrar em contato com todo um pensamento visuz "marcha, s_hesi- tages _e arrancadas, mas perseg objetives comuns, que se traduzem, em alia andliee pela Tig andlise, pela liquidacéo da tropega tra- digae expressionista da arte moderna brasileira (a abstrata’ in- ch clusive). Para os artistas con tistas, a importancia da expo- sigdo nao foi nienor, pois @ mesma Thes possibilitow uma tomada de_consciéncia mais Tacida sobre a evolugao for seus préprios trabalhos, A grande vitéria aleanca a_por_ocasian do recente “Prémio de Arte Contemporan: reconhecimento incontornavel da importancia do coneretismo_vi sual_na_formagio da nova cultura brasile aquele duplo_confrento, interno e externo, acima_referido, _Sultou numa auténtica “bomba”, pelo carater de que se ré ques poesia brasilen a rist ‘a se encontrava (e se encontra) num estgio provinciano de eyolugao formal, por ignorancia ¢ por falia de nivel critico e forga seletiva. De resto, é bom notar, de passagem, que a estagnagio da poesia é um fendmeno de todos os paises na hora presente: somente na Alemanha con- segui encontrar um reduzido grupo de poetas, ligados 4 revista Spirale e chefiados pelo suico-boliviano Eugen Gomringer, em- * penhados na “poesia-sem-verso”, a que tinham recém-chegado partindo de pontos comuns aos nossos (Un Coup de Dés, de * Mallarmé, Cummings, etc.) -- pontos esses que os poetas de = vanguarda brasileiros — pelo menos os de Séo Paulo — tinham = 4 conseguido estabelecer no decorrer de oito anos de trabalho, = Enquanto isso, os eriticos — mesmo, que, néo deixaram de a_com_os jovens” — tentam con- “isso jé foi feito”, “onde € que esta _a novidade?”, “as expe- 58 riéncias ultrapassadas de Tzara, Isou, Apollinaire, Barzun etc...” etc. Em _primeiro lugar — e refiro-me as obras_j4 plenamente realizadas dentro da nova concepgio, e que ndo sao todas, mesmo em nossa recente publicagao noigandres 3 — “isso” nunca foi feito em_parte_alguma, ¢ muito menos no Brasil, porque é a primeira vez_que as experiéncias passadas Tendentes_a@ poesia. sem-yerso so trazidas ao exame critico, pata efeitos de re-dimen- sionamento. e com propésitos de continuidade, enriquecidas de novas invengdes ¢ possibilidades estruturais. Em segundo lugar, estamos cansades de proclamar que os pontos cardeais para a realizagéo de uma poesia concreta so: Mallarmé (Un Coup de Dés\, Pound, Joyce e Cummings — porque foram estes os que mais se detiveram no problema da estruturagdo dinamica do_poema, que é 0 problema que mais nos preocupa. Sobre estes nomes, os tais criticos calam a boca —- 0 que é significativo de muitas coisas penosas. E que outros poctas tenham deixado realizagdes e postulagdes de interesse para uma poesia-sem-verso — ja se vé que esses criticos nfo seriam os primeiros nem os mais indicados para nos prestar qualquer informagio itil, ja que citam os ainicos nomes de seu receituério de vanguarda, com 0 fito de insinuar que a poesia concreta esté escamotcando+ suas origens!... Em_terceiro lugar, & curioso_que esses criticos, Videndo,disviamente_com_a_poesis- tradicional, em verso.—_ sane clalmente_o gelatinoso jargao lirico vigente — se esquegam de observar que “isso” j4 foi feito... E_em quarto lugar, é bom dis _ niio & a novidade ou a originalidade por si_mesmas que nos interessam, mas a realiza- rio, que “dis- g4o_de uma poesia construtiva, direta_e_sem_misté pense interpretagao” — como diria Mondrian, muito bem Tem-_ brado por Haroldo de Campos. Que os jovens, os menos jovens cos velhos se interessem pelo métoda ideogramico, para a ela- boragdo de uma linguagem poética rica, original, nacional e internacional — esse € 0 nosso desejo e para tanto convergem esnossos. esforges. 2 — Por_que os concretistas consideram Volpi_o maior_pintor brasileiro ¢ como se explicaria a evolugdo-revolugao que Volpi_realizou_em_sua_obra, a ponto de seus wltimos qua- dros_poderem ser chamados de “‘concretistas” por alguns? Infelizmente, n&o regressei da Europa em tempo de ver a re- trozpectiva de Volpi, realizada no: Museu de Arte Moderna de 59 Sao Panto, em meados do ano passado. Conheco mal sua obra anterior a 1950, mas conhecendo melhor a obra posterior, a partir da série de “casas”, que ja haviam sido a grande sur- presa da II Bienal de Sio Paulo, posso arriscar algumas obser- vagdes. Volpi _demonstra_em sua obra um escasso interesse pela figura humana: sua preferéncia vai para_a paisagem e, na _paisagem, a casa. A. Codide jue a arquiteture visual da casa ou casas vai se confindindo com a do pro prio quadr cér_vai se purificando: um Mondrian “trecentesco”. © assim como Mondrian supera a ortogonalidade estatica de sua obra neoplasticista propriamente dita com a movimentagio barroco- impressionista de elementos no “boogic-woogie” da iiltima fase; como Calder transpée o neo-plasticismo de Mondrian para o dindmico-planetario de seus “Mébiles” — Volpi acaba por agitar, pela_variagéo de uns poucos elementos (janelas, portas, ban. deiras de portas), a calma, giottesca fachada de suas casas (preto-e-branco, verde-e-vermelho), propondo-se um problema de movimento, que acabaria por resolver tomando como pretexto um_tema tipico do movimento: a ventoinha de papel, & qual se seguiria, finalmente, a pura estrutura dindmica de seu ex- jordindrio quadro em xadres brang ielho, onde um fe- némeno_de refragdo, por interferéncia <¢ (que_ se reconciliam no centro do quadro retangula féncia do olho), confere_a_um mesmo branco duas qualida ersas. Esta obra é, exatamente, uma obra concretista, e das mais estupendas,+ ainda que a Volpi nao interesse, provavelmente, saber em que “jgmo” se enquadra a sua obra. Q importante é saber que is problemas visuais de Volpi e dos_concretist: a especialmente os da estrutura dindmica obra_sejam diversos, Volpi atend rtesanais. Por outro Iade, Volpi ignora_o que te, gestalt”, “topologia” e coisas que tai _um excelente elemento para a com da “teoria da pura visualidade” — um dos principios que informam_o movimento concretista. Mas nem por isso é Volpi um primitive, um ingénuo ou um equivocadamente influenciado: sua_educagdo_e cultura visuais, sua capacidade de rigor 1 | rami de formas — olho critico — fazem de Volpi um } dos artistas mais conscientes ¢ conseqiientes na evolugo formal ( da_prépria obra. A isto se deve chamar, precisamente, de “humano”, pois ¢ primério ¢ arbitrério fazer derivar a nogio de “humano” meramente do anedético-figurativo. Alids, é bas- tante curioso esse vicio e necessidade de alguns espiritos de algemar o “humano” ao figurative: nesta base, toda a cultura 60 arabe seria tachada de “inumana” ou “desumana”, jd que o Cordo interdiz a representgdo de figures humana Volpi, além do mais, ¢ um dos rar: b 8 que nao 86 nfo decaiu depois dos 40, mas fove a sébia o juste coreger ‘de’ “salto qualitative” em plena maturid Por » tudo isto, os concretistas, que tamente na fundagdo de uma tradigao do a cultura brasileira foram entve os primeiros (Waldemar Cordeiro a frente) a “achamar — a ateng¥o para o “caso” Volpi, onsideram-no nao somente “maior pintor rast, tas entfe os grandes_num confronto internacional. “Ostial...” — diria Volpi. (Depoimento publicado originalmente no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, R. de Jancizo, 19-1-1957). 61 POESIA CONCRETA: PEQUENA MARCACAO HISTORICO-FORMAL Décio Pignatari Ezra Pound, baseado nos estudos de Fenollosa sobre a escrita chinesa, nos fornece uma idéia elementar, mas clara, do que € 9 ideograma: Como define o chinés a cor vermelha, sem usar o vermelho? ‘Com os desenhos abreviados de rosa cereja ferrugem flamingo A palavra chinesa, ow ideograma, para vermelho, é baseada em Wiss qué todo mundo conhece. (ABC of Reading) A poesia _conereta, indo além da aplicagéo do processo tal como foi_praticado por Pound, introduz no ideograma o espago como ica: desse_ modo, eri Q_xitmo - tradi- elemento substantivo da _estrutura_ pot uma_nova tealidade ritmica, espac cional, linear, é destruido, “para glésar termos joycianos (v. 1." parte do Ulysses), diriamos que_a_ poesia concreta_ resulta da inter-agdo do verbal, da ine- lutavel_modalidade_do 1pors ees audivel, num breve espaco de tempo através de um breve tempo (de espace. Joyce — como Pound, de resto — nfo utiliza o branco da pagina como elemento da_composigio, mas realize emi cada uma de_suas famosas palavras-meléforas um_pequeno ideograma ver- bivocovisual (para _usar_uma expresso. sta) : silvamoonlake (silva = silva (do latim, selva) ¢ silver = prata, moon = lua, lake = lago). Com este exemplo, se ilustra também aquele “panaroma of all flores of speech”, que Joyce realizou em Ulysses e, principal- mente, em sua obra de complexidade maxima, Finnegans Wake. Quanto as realizagdes espaciais, cite-se, antes de qualquer outr: altima e impressionante obra de Mallarm?, Un Coup de Dés, 62 1897, que & a primeira obra poética consciente ¢ estruturalmente >, organizada indo_a espacio-temporalidade._ Os problemas co- locados por sua teoria das “subdivisées prisméti la_Idéia” — cuja_concretizagao requereu_o branco da pagina como ele- mento de estrutura, palavras em diferentes. c: e@ tipus € indicagdes de leitura, que fazem do poema uma verdadeira par- titura_verbivocovisual —cobrem, hoje, ‘campo de preocupagées da concreta. Este poema representa, para a poesia conereta, o que um Anton Webern representa para a misica eletrénice, um Maliévitch ou um Mondrian para ‘a pintura concreta, e um Gropius, um Mies van der Rohe ou um Le Corbusier representariam para a arquitetura moderna. , A primeira tentativa de sistematizar e teorizar sobre 0 poema vidualmente figurative — que pode ser encontrado em Rabelais, “Lewis Carrol, nos dadaistas ¢ futuristas — se deve a Apollinaire, *. com seus caligramas, que, na tentativa, nao pode sendo expos- = tular as insuficiéncias do proceso. Contudo, sob o pseudénimo . de Gabriel Arboin, Apollinsire abordou 9 problema com, serie dade, no artigo intitulado “Diante do Tdeograma de Apolli- naire”, referindo-se ao seu caligrama “Lettre-Océ i ideograma porque, depois desta produgdo, nao ha que certos escritos modernos tendem a ingressar na i Mais adiante, Apollinaire declara Pr * era revolucionario, “porque & necessério que a nossa i i © se habitue a comprecnder sind fer sintético-ideograficamente ém lugar de ® analitico-discursivamente”, — afirmac@o_que os poetas_concretos prsubscrevem inteiramente. ‘Vitima_do-preconceto fguretiro.po~ 2” rom, ¢ sem ter tentado sequer as possibilidades de uma figuragao | 7 fisiognémica, quis alcancar ndo sabemos qual ideograma puro, = ou seja, o puro desenho figurative, e caiu no decorativismo sem sentido: poemas em forma de bandolim, de Torre Eiffel, “de \ metralhadora — 0 que, desde logo, impossibilitava toda e qual- quer_ estraturagio ritmica_e_escamoteava 2 visio do_verdadeiro oblema que, em_substdncia, era o problmea do movimento. 4 problema que, em_subs vv & Cummings, americano, comprendeu_o erro: escapou_ao_caligra-> ma_e conseguiu realizar, jé, verdadeiros ideogramas, utilizan- de sncihor cs" courses Upamtilicos, ainda que sua Spografia oF So saidueente arteaarain Cummings utiliza as letras ¢ 08 sinais de pontuagao. Partindo de_uma_letra, no interior_da_primeira_palavra, jedota pontuada de acidentes liri- valavras a agoes expressi BETUIE yu UB 63 concluilo em boa ¢ devida forma, Cummings usa largamente as_peculiaridades Tisiognomicas de certos caracteres verbais, o que nis ‘ocorrera_a_Apollinaire. mO0On Over tOwns mOOn Neste outro exemplo, as caixas alta e baixa e os sinais de tuagéo sdo empregados a fim de obter as cintilagdes em c moree das estrelas: bright bRight s??? big (soft) Na poesia concreta, temos alguns exemplos de aj ‘oveitamento dos TRUE TSO a) no poema “silén-cio”, de Haroldo de Campos, é 0 préprio material — 0 papel negro — que colabora na criagdo-recriacdo da experiéncia, carcomendo as arestas das palavras (A direita, em baixo) ¢ funcionando estraturalmente com as letras brancas © com a palavra “siléncio”, fragmentada e em caixa alta, que permeia todo 0 bloco em caixa baixa; b) em “o formigueiro”, de Ferreira Gullar, a letra “g” faz as vezes da formiga; ©) em “ovonovelo”, de Augusto de Campos, a gestagio do poema-crianga, num lento multiplicar de elementos — células semelhantes (ova novelo ~ novo no velho) ‘acaba por se resol- ver no plano puramente visual e fisiogndmico, com 4 secgdes ovais. No Brasil, depois de raras_e casuais realizagdes — de Mario & Oswald de Raita (este tendo a vantagem do gosto emprego da palavra ta, que funciona, entéo, como anti- fora) — somente Joao Cabral de Melo Neto velo colocar com _Iucidez alguns problemas de_interesse. m_alguns pot mas seus, a pslayra nua e seca, as poucas palavras, a esco- ha substantiva da palavra, a estrutura ortogonal, arquitetonica _€ neo-plastich estrofes, o jogo de elementos iguais esta a servigo de uma vontade didética de linguagem direta, ligdo que nao devéria ter sido esquecida: Como nao ha noite cessa toda fonte; como nao ha fonte cessa toda fuga. 64 © engenheiro viu as coisas claras. A “Antiode — Contra a poesia dita profunda” marca o limite do descolamento pala vra-objeto (“flor é a palavra flor”) — e anunciaria a volta ao objeto no sentido concretista, se o poeta nfo tivesse preferido orientar-se em outro sentido, mais humilde e tradicional, mas sem deixar de realizar obra de interesse, como essa admiravel “Uma faca s6 lamina”: poema do furor contido, aparado e vivo, con- sultando a hora da mais extrema violéncia. A Jodo sie | se deve o primeiro ataque liicido contra o jargio litico ¢ a peste ‘Hietaforico-liriferante que assola_a poesia nacional e mundial. Mas caberia 4 poesia concreta retomar, em bases criticas, e com propésitos_de continuidade e amplitude, uma tradicao perdida de_60_anos, repondo-tudo_em_questéo_¢ recolocando, todos 03 problemas, para_a criagio de uma Tova Tinguagem poética, que receie_o util — antes, o busque — que seja essencialmen- te sintética, substantiva, direta e comunicativa, e estruturalmen- te conseqiiente. “A poesia concreta_comeca por assumir uma_responsabilidade total perante a linguagem” — como disse Augusto de Campos. Desta_forma, jiza-se_a_sintese critica, isomorfi io palavra-objeto: “jaro” é a palavra jarro e jarro mesmo enquan- to conteido, isto é, enquanto objeto designado. A palavra jarro & a coisa da coisa, o jarro do jarro, como “o mar dentro do mar”, de Baudelaire. Isomorfismo, Donde a tendéncia da poesia concreta a respeitar a “a _integridade da_palavra, as deformagées_e_atomizacées,_a_ponto_ de_conside: das, num estdgio de_drasticidade superior, as_experié um Joyce e de um Cummings — ‘sem falar, naturalmente, dos arabescos figurativos de um Apollinaire, dos futuristas, ‘letris- tas e sonoristas — com os Pocsia cone! mantem aquéles contac! boa colocagao critica dos problemas. A poesia concreta_é exatamente 9 oposto de todo surrealismo e expressionismo. Como exemplo de poemas con- cretos ja plenamente realizados, citam-se “tensfio”, de Augusto setae ethan Kind hurd haus" do suigotelvlane Ev. | en Gomringer, radicado em Ulm, que, partindo de pontos co- | muns aos concretistas brasileiros —— ou, pelo menos, paulistas = Mallarmé, Cummings — chégou a realizagues senielhantes, por_ele_denominadas, “constelagies” (v. Coup de Dés), mos- trando-te, ja, inclinado inagado genérica de “poesia_concreta”, mais to de caré- ter internacional. OQ poema de Augusto de Cary mais uma vez, que a poesia concreta, de modo algum, pode 65 abdicar_da dimensio sonora da palavra, se ja néo bastassem, Para provélo, os seis poemas em cores que publicou em noi- gandres 2, fevereiro de 1955, apoiados na “Klangfarbenmelodic” (melodia de timbres) de Anton Webern, alguns dos quais, adap- tados para varias vozes, foram executados no Teatro de Arena de Sio Paulo, em novembro de 1955, pelo grupo musical “Ars Nova”. © mesmo grupo prepara, para este ano, mais um reci- tal de poesia concreta, com novos poemas. (*) Na poesia concreta — como o demonstram os poemas acima Gtadoxs —o movimento Ja_nio ¢ mais mera ilustragio de um. movimento_partici real (motion), como o -am_os_futu- ristas —~ poetas, pintores e escultores — e o proprio Apollinaire. © problema, aqui, é o da propria estrutura dinamica_nio-fi- i é), produ: ils por e produzindo relagdes-fun- Bes grifico-onéticas informadas_ de_ ieulcade, @_conferindo 7o, uma forga baum baum kind kind kind hund huad hund haus haus haus baum baum kind hund haus crianga: casa). (baum = Arvore; kind hund = cachorro; haus (Publicado originalments na revista ad — arguitetura e decorasio, Sio Paulo, ano IV, o.* 2, margo/abril de 1957. Resumo, da conferéncia pro- nunciada por Décio Pignatari no auditério da U.N-E., Rio de Janeiro, em 10-2-1957, na noite de langamento da poesia concreta naquela capital). * Apresentado em 3-6-1957. no Teatro Brasileiro de Comédia, com par- tiruras de verbalizacdo de Willys de Castro e diresio geral de Diogo Pacheco. 66 ci Bee ad Ore Ma See) rT or Td Cary ery ri tural oa or cns eta Perry Etc) Peco) ed ar. paz haroldo de campos ovo novelo novo no velho © filho em folhos na jaula dos joethos infante em —fonte feto Feito dentro do centro nu des do nada ate o hum ano mero nu mero do zero crua—crianga incr stada no ceme da carne viva . en fim nada ° ponto onde se esconde lenda ainda antes entreveniras quando —queimando os seios sao peitos nos dedos no turna noite em forno em treva turva sem contorno: morle negro né cego sono do morcego nu ma sombra que o pren dia preta letra que se torna sol augusto de campos con tem can tem ten sao fom bem tam bem augusto de campos POESIA CONCRETA—LINGUAGEM—COMUNICACAO Haroldo de Campos Para Korzybski, 0 criador da “semantis geral”, nova discipli- na educacional definida como uma “ciéncia empirica do ho- mem,” baseada no estudo da linguagem, da comunicagao e de seus reflexos no comportamento humano, 9 principio arist lico de identidade “tende a obscurecer a diferenga entre pi vas @ coisas”.1 Quando falamos: “isto 6 um lapis”, tende- ‘a identificar, incondicionalmente, o objeto com sua expres. sao verbal; mas (afirma Korzybski) “como as palavras. so os objetos que representam, a estrutura, e somente a estru- tura_sétorna 9 vinculo exclusive que liga nossos processos vei bais_aos dados empiricos”. Assim, as_transformages operadas nos hébitos tradicionais de pensar, a cosmovisdo que nos_ofere- isica de Einstein, ete.), exigem _uma_andloga revolugio na es- trutura da_linguagem, que a _torne capaz de se adequar com maior fidelidade a descrigéo do mundo dos jetos. Em lugar dos dualismos “metafisicos, pré-cienti tas” que a es- trutura lingijistica tradicional teima em fomentar, “obscurecendo apagando relagdes funcionais”, — como, por exemplo, os conceitos de espago e tempo, individuados de maneira estanque e autarquica (0 que Korzybski chama de “clementalism”), --- uma estrutura lingiiistica mais préxima da realidade daria curso a _nogio—de—“expagotempo” {"spacetime”, que poderemos en- contrar no Finnegans Wake de Joyce, onde a “durée” bergsonia- na, desprovida de qualquer estrutura espacial, 6 superada e ironizada).2 Para a renovacéo da linguagem, além dese “non-elementalism” terminolégico, Korzybski propée o ‘“método matematico”: “sistemas de fngiee " Proposicionais, deliberada- 1 Ver: “What is meant by aristorelian structure of language?” — §, I. Hayakawa, na coletdnea de selecées da revista Etc., de semantica geral, or- ganizada sob o titulo Language, Meaning and Maturity, 1954, Harper & Brothers, N. Yorl 2 Adelheid Obtadovic, Die Bebandlung der Raumlichkeit im Spacteren Werk des James Joyce, cap. Ul, 1 “Zeit und Raum und ihrz Relationen”, pag. 10 (Marburg, 1934). i 70 mente _esvaziados de contetido, que podem, assim, receber qual- _quer contetdo™.3 Ora, fascinante_perspectiya_apresentam essas_formulagdes_quan- do postas em contato com os problemas da_poesia concreta. O desde Togo, a estrutura légica fa Tinguagem discursiva tradicional, porque encontra_nela uma Barreira para o acesso ao mundo dos objetos. Porém, teleclo- + gicamente, difere fundamentalmente a posicao_do_poeta_da do semanticista, Q primeiro visa a uma comunicagéo de formas; o segundo procura _comunicar conteidos. Ambos, no entanto, querem essa _comunicacao realizada_da_mancira a_mais dire- ta_e_eficaz e rejeitam as estruturas incapazes de conquist-la. ree Tendendo para a técnica sintético-ideogramica de compor, a0 a analftico-discursiva, toda uma cultirmartologia que, Tiltimos sessenta anos,_se_produziu no dominio arlistico (desde Mallarmé), armou_o poeta de um_instrumento lingiiis- tico_mais_proximo_da_real_estrutura das coisas, e, profetica- mente, o colocou “em _situagio” perante do_pensamento cientifico. Q poema conereto, com sua_e: ra espicio-temporal, suscitando no seu campo de relacées_estimulos Sticos, acisticos e significantes, é uma entidade que possui um parentesco isomérfico (no sentido, da psicologia da.Gestalt) 4 com o “mundo total de objetiva_atualidade”, que, segundo Trigant Burrow, é furtado, desde 0 treinamento infantil, ao homem mo- derno, “fechado dentro de um campo de simbolos substitutivos”. 3 “Ninguém é livre para descrever a natureza com absoluta_imparciali- dade; mesmo quando nos acrzditamos mais livres, estamos sujeitos a cet- tos modos de interpretaco. A pessoa mais préxima da liberdade em tal respeito seria um lingiliste familiarizado com muitos sisteinas lingifsticos complecamente diversos” — Whorf, citado por Hayakawa, que coienta: “Korzybski, estou certo. ditia que uma pessoa enfronhada’ na matemiética moderna estaria na situagio do “lingiista”, com a vantagem, ademais, de que esses sistemas mateméticos nio sio 0 residuo casual de primitivas nocées metafisicas e animismos, mas sistemas de funcies proposicionais, deliberadamente esvaziados de contetdo, que podem, assim, receber qual quer conteiido’ 4 Kohler assim enuncia 0 principio geral do isomorfismo: “Qualquer consciéncia real, em cada caso, no s6 esté estreitamente enlagada com seus correspondentes’ processos psicofisicos, mas ainda thes € afim em suas pro- pricdades estruturais essenciais”. Kofka salienta a importincia do isomor- fismo pasa a psicologia da atte (Principios de Psicologia de Ia Forma, Editorial Paidos, Buenos Aires). A_teotia_isomérfica, focalizando_a_ater- sio_na_correspondéncia de estruturas entre realidades distemelhaftes por suia_nat A préciéso instrumento de trabalho para_o estudo do fer némeno lingiiistico (j4 utilizado por D. Pignatari, a propésito da poesia conereta, em “Nova Poesia: Concreta”, Revista ad, 2.” 20). val A poesia concreta, ao buscar um instrumento que a trega para junto das coisas, uma Inguagem que tenha, sobre a pocsia de tipo verbal-discursivo, a superioridade de envolver, além de w estrutura temporal, uma dimens&o espacial (visual), ou mais exatamente, que oj espacio-tem) talento’ io pretende com. isso, uma Teserigno el de objetos, nao “de: senvolver um sistema de sinais estruturalmente apto para veicular, sem deformagdes, uma visio do mundo retificada pelo conheci- mento cientifico moderne, ORE . Pretende_pér_egse rico e flexivel_instrumento de trabalho men- 2 tal — dictil, proximo da forma real das coisas — a servico 44m ti ianttador ctiar_o seu préprio objeto. Pela_primei- ra_vez passa a nao ter importancia o fato de as palavras nao soem un dade objeto, pot au ue, na realidade, clas serio sempre, no dominio especial do poema, o objeto dado. Entéo uma li guagem afcita a comunicar o mais répida, mundo das coisas, trocando-o por sistema r turalmente isomérficos, coloca, por uma subita mudanca de cam- po de operago, seu arsenal de virtualidades em fungao de uma nova empresa: criar_uma forma, criar, com seus proprios mate- Hain, ume mundo patalelo ao wiundo’das colsae =o pome, Egse refluxo das virtualidades de uma linguagem — ja poderos: mente renovada — sobre si proprias espelha e explica o espe- cial_processo verbal que se desencadeia no ambito poético, evi- denciando como, se até um certo ponto podem se entrelagar as rotas_do cientista da linguagem e do artista, estas logo, por suas respectivas metas, se descartam: uma descrigao destes pro- cessos, que tém em comum, modernamente, muitas reivindica- ges, se faz necesséria —- ainda que de modo sucinto como a tentaremos tragar — para uma clarificagéo basica da mente. Hayakawa (“Seméntica, Semintica Geral e Disciplinas Correla- tas”), comentando a teoria preconizada por Korzybski de que “devem ser desenvolvidas novas linguagens de tipo fisicomm >, Um dos pontos cepitais do ensaio de Fenollosa (The Chinese Written Character as a Medium for Poetry, The Little Review Anthology, Hermi- tage House, Inc., N. York, 1953) € aquele em que é posta em destaque a estrutura espicio-temporal ‘do idcograma: “Uma superioridade da poesia verbal como arte reside em seu apego a realidade fundamental do tempo. A pocsia_ chinesa_tem a vantagem inica de combinar ambos os elementos. Fala, simultaneamente, com a vivacidade: da pintura e com a mobilidade dos sons. em certo sentido, mals objetiva do que ambas (poctia verbal ou _pintura), ‘mais dramitica, endo” chins no paiecerenios empeabados ‘uta engandsa prestidigitagko mental, mas estaremos contemplando coisas cumprirem o seu préprio destino”, 72 tematico que correspondam em estrutura a estrutura do com- portamento humano, individual e social”, assinala que ha dois campos que “esse programa comegou a ser realizado: a biologia matematica e a cibernética”. Oliver Bloodstein (“Se- méntica Geral e Arte Moderna”), encarando o mesmo problema, acrescenta que a arte moderna — como a matemitica — “é um sistema ndo-aristotélico”, rejeitando, entre outras coisas, 0 principio da identidade (arte = imitagéo da natureza). _ Se fizermos a aplicagio desses conceitos @ Area de trabalho da poesia concreta, poderemos dizer sem temeridade que o poema concreto entra no dominio dessa forma de avaliagdo lingiiis- tica, ¢ de um modo surpreendentemente “sui generis”: radical. © poema concrete — paTa_agermog de uma observagio de Gom- ringer sobre a lagao “€ uma_reali um_poema- sabre ons nao esta Tigado & comunica conteddos ¢ usa a palavre (com, forma visual, sagan te ‘con teido) como material de composigao e n&o como veiculo ‘de in- terpretages do mundo objetivo, « eontedido. Somente no plano histérico-cultural, podere contrar uma relacéo entre o poema- objeto concreto € um con- tetido exterior_a ele: relacdo, porém, que serd, uma relagéo de estruturas, Assim, Fisi época”” (a revolugio industrial, as técnicas do jornalismo ¢ da B da, a cosmovisig oferecida pelas Fevolucdes do mento. ci icO_€ ee ‘2 teoria da comuni pela_cibernética, etc.) a ‘provivel _estrui estrutura conteudistica rela- cionada com o contetido-estrutura do poema-concreto, ¢ nao éste ow aquele objeto, esta ou aquela sensagio subjetiva, garimpad no mundo exterior ou interior do poeta, pelo fato dé. xado, com as reagdes semanticas que habitualmente envolvem a manipulagao de palavras, rastros no campo de forgas do poema, ags_quais 0 leitor e mesmo 9 critico, numa e rotineira, se apegam como a tabu: esses rastros de contetido_existem cor ou _do som, | ino pode ser tra te neutro, antes carrega um lastro imedia- to de significado.S A fungéo da poesia concr se poderia imaginar — desprover a palavra de sua carga de 6 Sartre, Sitwatione HI (Gallimard), embora colocando a poesia a0 lado da pintura © da misica, j4 apontava essa diferenca de material: “As notas, as cores, as formas nio sio signos, nio remetem a nada que thes seja exterior. E certo que & impossivel reduzi-las estritamente a si_mesmas © 4 idéia de um som puro, por exemplo, € uma abstracio: no hi, Merleax 73 ~ contetido: mas sim utilizar essa carga como material de traba- Iho e-em pe de igualdade com os demais materials a stu dispor. | O-dlemento:palavea € empregade ia sua Tntegridade © ndo nut lado através de uma unilateral redugao a musica descritiva ~ | ene ‘ou 4 pictografia decorativa (caligrama, ou_qualquer outro_arranjo grafico-hedonista). O simples ato de langar sobre um papel a palavra terra poderia conotar toda uma geérgica.J O que o leitor de um poema concreto precisa saber é que uma A dada conotagao sera Hicita (como até certo _ponto_inevitAvel) plano_exclusivamente material, na_medida em_que cla re- ue lunes %_corrbbore os demais elementos manipulados; na me- didaem que ela participe, com seus efeitos peculiares — uma relagéo seméntica qualitativa e quantitativamente determinada — na_estrutura-contevido_que é 9 poema. Qualquer outra “ marrage” catartica, qualquer outro desvio subjetivista, é alhei ao_poema c corre por conta da tendéncia a nomenclatura —-- & troca de objetos artisticos por vagas etiquetas noniinativas — que tio bem identificou Hayakawa nessa anedota de sabor cotidiano: “Um exemplo trivial mas revelador desse ajustamento a nomes ocorreu-me em minha prépria casa recentemente. Pos- suo um quadro abstrato da iltima fase de L. Moholy-Nagy. Uma senhora que nos estava visitando nao podia prestar atengao a conversa; virava-se constantemente para olhar o quadro. Apa- rentemente ele a perturbava bastante, Afinal levantou-se e di- rigiuse para ele, encontrando uma delgada etiqueta de papel com as palavras: “modulador de espago, 1941”. “Ah, & um - “modulador de espago”, néo é?” —- exclamou. “No é mesmo < bonito?!” Sentou-se novamente, muito aliviada. Depois disso nao deu mais sequer uma olhada para o quadro.” Voltando palavra terra, cla nos possibilitaré um excelente teste para a compreensio do tipo especial de tratamento da linguagem que ocorre no poema concreto, e de-como se po relagde-a. ee” porma a questza do conte. Or dada a observagio é de André Gide, reproduzida por Mondrian ("*Neo- = plasticismo”) — quiseram “libertar o verbo do pensamento dis % pondo as palavras umas ao lado das outras sem que houvesse uma ligagio qualquer”; “cada vocabulo-ilha deve na pagina apre- ‘sentar contornos abruptos”. “Serd colocado aqui (ou ali, o melhor possivel) como n tom puro; e nao longe vibrardo outros Ponty 0 demonstrou com acerto na Fenomenologia da Percepcao, qual dade ou sensaglo tio despojadas que nao sejam penetradas de signifi- cagiio. Mas © pequeno sentido obscuro que as habita, alegria ligeira, timida tristeza, Ihes € imanente ou tremula em torno delas como uma bruma de calor; € cor ou som”. 74 tons puros, mas com uma falta de relacdes tal que nao autorize nenhuma associagao de pen: i serd_despojada de toda sua_si da_evocagao do passado”. Lis o oposto do procedimento_do poeta_concreto, para_o qual o poema é uma “relagéo de ma- teriais”, para _o qual_o problema do poema é um problema de relagdes. Décio Pignatari se propée construir um poema ba- sicamente fundado em uma s6 palavra (uma experiéncie que, na musica concreta, fora tentada por Pierre Boulez com seu “Estudo sobre um som”, referido por Pierre Schaefer em 4 Ia Recherche d'une Musique Coneréte, pag. 191). A palavra terra sera o micleo gerador do conjunto relacional que é€ 0 poema abaixo: ta terra ter cat erra ter rate rra ter rater ra ter raterr a ter raterra terr araterra ter raraterra te rraraterra ¢ erraraterra terraraterra terra — erra — ara terra ~~ rara terra — erra ara terra —- terra ara terra: eis os elementos tematicos que se originam desse né- cleo, além da locugao terra a terra, que 0 acompanha implici- tamente como um coro fonético virtual. Pignatari —- como ele préprio refere — usou_o processd de ae aa 3 eo eee estrvtural do poema. W. Sluckin (Mentes e Méquinas): “As méquinas que mais nos impressionam nao sio aquelas meramente capazes de realizar calculos complexos, mas antes as que traba- tham de um modo que faz lembrar de mancira incisiva 0 com- portamento animal ou humano. Estas maquinas incorporam alguma forma de regulagem automética, ou, como é chamada hoje em dia, controle automético. Isto é conseguido por um mecanismo que em muitos casos é denominado servomecanismo. 75 Ele opera de tal modo que regula a atividede da maquina a qualquer momento de acordo com o resultado produzido pela atividade imediatamente anterior da mesma. Em outras pala- vras: o rendimento da maquina controla sua operagio de modo a nao permitir que o rendimento, a qualquer tempo, exceda ou deixe de atingir a um determinado valor” ... “Qualquer apa- relho que empregue o “feedback” negative, seja”denominado servomecanisme cu no, pode ser considerado somo "movido pelo erro” e “auto-correlivo” (ou “compensador de erro”). Isto porque opera quando o rendimento se desvia de um determina nivel, ou esté em erro com relagdo a cle; a opéragio do “feec Na sétima linha-membro do poema terra — que até entio vinha se compondo desta unica palavra, articulando-se e desarticulando- se, como a correr na fita de um teletipo ou na esteira rolante de um noticidrio luminoso — dé-se a sdbita intredugio de um elemento novo, gerado pelo proprio niicleo inicial: — a silaba ra, formando ara ao se ligar com o a descartado da palavra terr a na linha-membro anterior; esse elemento novo (que esté em “erro” em relagdo a expectativa do leitor, que aguardaria, sim- plesmente, a formagdo continua do vocabulo: terra, e nao a du- plicagdo de sua silaba final) “memorizado” pelo poema e passa a controlar o seu rendimento subseqiiente, retificando-o, desencadeando outro elemento, aparentemente inesperado, mas de- sejado pelo processo — rara — até atingir o climax — terraraterra — que baliza, como nivel necessério e procurado voluntariamente, © campo de agao do poema. Essa estrutura regulada pelo “feed. back” € corroborada pelos elementos teméticos da maneira a mais eficaz: a palavra erra, produzida j4 na segunda linha do poema, € que esta constantemente se insinuando no corpo da pega, torna explicita a estrutura-conteido: a um tempo a ope- raggo do poema, o “olhar de errata”? do poeta, que acerta errando, ou que transforma seus erros em acertos no “campus” semantico por ele trabalhado; e — a um tempo, dissemos — a prépria estrutura isomorficamente resultante. Ideoforia. O erro, como vimos acima, no nivel verbal e no nivel de processo, ex- prime a auto-corregéo a que se submete o poema, coagido pela vontade de estrutura com que 0 poeta armou 4 sua opgdo cria- dora. Um tépico da cibernética, correlato, deve ainda ser cha- mado aqui & cena: o método de solver problemas por “tenta- 7 Pignatari, “eupoema” — 1951 (noigardres 1): “eu jamais soube ler: meu olhar / de errata a penas deslinda as feias / fauces dos grifos e se refrata / onde se lé leia-se”. 76 tiva-eerro”, que interessa do mesmo modo aos psicélogos da “Gestalt”. Como assinala W. Sluckin, o comportamento “ten- tativa-e-erro” pode ser descrito em termos de “feedback negativo”. “A solugio do problema pode ser considerada como o alvo ime- @iato ou nivel de equilibrio da criatura. A informacio — distancia do alvo — é retro-fornecida ao centro de controle. Pode-se dizer que & este fluxo de informagao que controla a marcha segura da criatura em diregao ao alvo”. E esse o sistema que explica os mecanismos decifradores de labirintos construidos por Shannon, I. P. Howard, J. A. Deutsch nos tltimos cinco ou seis anos. Também o poema terra, concretamente, decifra-se a si mesmo. Mas no é s6. Os demais elementos tematicos sio outras tantes linhas de forga a conduzir a estrutura-conteddo: o poema ge- rando-se a si préprio, 0 erro ativo — errar erar — como uma terra que se auto-lavra (terra ara terra), uma rara terra, e no entanto uma operagao tio terra a terra, tio elementar, tio carac- teristica da condigio humana factiva como o ato do lavrador que roteia um campo. Um_quadro concreto_possui_um_determi-~ nado _nimero cromético, que controla quantitativa e qualitativa- mente mimso. das cons Tequeridaa pare’ a soluio. 0 numero das cores Tequeridas para a solugao do per- ticular problema proposto; 0 poema concreto possui 0 se niimero tematico: isto é, as_cargas de conteddo das palavras, tratadas do ponto-de-vista de ial, s6 autorizam um determinado na- mero de implicagdes significaiites, justamente aquelas que atuam como vetores estruturais do poeina, que_paiticip vel mente _de sua “Ges N decorativiemo, nenhum eleito intimista_de pirotécnica subjetiva, Neste ponto cabe uma distingao fundamental entre 0 poema con- \ creto e o poema surrealista. surrealismo, defrontando-se com a_barreira da légica tradicional, nao procurou desenvolver_uma linguagem que_a_superasse; ao contrario, instalou_seu_quartel- general no lado “maudit” da linguagem 6gico-discursiva, onde se produzem “proposigées admirdveis como: um bugio de caude malhada néo é uma assembléia constitucional”.8 0 “revélver 8 “Jé mencionei a tizania da Iégica_medieval. De acordo com essa 16 ca_européia o pensamento € uma espécie de fabrica de tijolos. Ele E cozi- futuro,._Uso_que_consi conyeniente ctiqueta, ¢_incrusté-lo omi- nado sentena, com o_etiptego de afgamassa » ow de argamassa negra (a cOpula_negativa Dessa_maneira pro- duzimos proposigdes Sdmilves comer im Bugio de canda malbada nd é wma atsembléia constitucional”, (Fenollosa, ensaio cit.) do. em pequenas “unidades sblidai ou _conceliog; este Sig" éimpithados_em fileiras, te cordo como tamanho e etiquetados com palavras para uso v alguns. sijolos, cada. qual por. sue 7 ¢ | de cabelos brancos”, de Bréton, vige no reino absurdo que se desencadeia da linguagem ordenada pelo sistema aristotélico, quando cste é levado, como processo, as suas ultimas conseqiién- cias. Eo reino do paradoxo, do “nonsense”, cujo estatuto séo as “confusdes de niveis de abstragoes”. Q surrealismo, embora se_insurja_contra a _ldgica, é apenas o filho bastardo desta. Hayakawa (expondo Korzybski): “A estrutura da linguagem tra- dicional aristotélica ¢ suas correspondentes reagées semanticas tendem a ignorar um fato fundamental do funcionamento do sistema nervoso humano; que nés abstraimus em um mimero indefinido de niveis — abstraindo de abstragées, abstraindo de ubstrages de abstragdes, etc. Na matemética, o proceso de manipulagdo do simbolo é tal que, ocorrendo uma confusio de ordens de abstrago, o sistema evidencid-la-4 imediatamente exi- bindo uma contradic&o. A eficiéncia da matematica nesse respeito @ demonstrada pela mancira simples com que muitos paradoxos logicos tradicionais, nos quais transicées de ordens de abstragdo sio escondidas pela linguagem cotidiana, so resolvidos por mé- todos matemiticos”. A poesia concreta — que é, como a mate- matica, um sistema especial, ndo-aristotélico_ de linguagem_— possui, também, através do numero temdtico, um instrumento de controle_que_evidenciae elimina os elementos que entrem em contradigao com sua estrutura rigorosa. Assim, no poema terra, palaveas como o substantive era ou a interjeigao arre (p. ex.) seriam desde logo rejeitadas, como corpos estranhos, por esse regulador da estrutura-conteiido da pega, embora pudessem par- ticipar aparentemente de seu esquema fonético. © poema con- ereto_repele a logica tradicional _e seu irmao torto, 0 “automa- tisme_psiquico™: “A Tégica abusou da linguagem que foi deixada & sua_mercé. A poesia coneorda com a ciéncia, nao com a a_légica” (Fenollosa).9 Grifico-visualmente 0 poema terra esta dirigido A sua estrutura. A geracdo do poema, a comegar da silaba ra que logo forma terra e segue, tirando desse nicleo erra, cria no campo espacial am movimento préprie, apoiado em fatores de proximidade € semelhanga; um setor que mingua de terra até a (centro-superior, 9 Pound (Abe of Reating): “Em contraste ao método da abstracio —- defini coisas em termes mais e mais gerais —, Fenollosa enfatize 0 mtto- do_da_cigacia, “que & 9 método da poesia” (distinto do método da “dis. cussio Yilosdfica"), e que foi_o caminho intentado pelos chineses_na_sua ‘A comparacio: Fenollosa escrita_ideografica ou de pinturas abreviadas” & Pound / méodo Heogrimico — Korzybski / sistemas nio-atistotélicos de linguagem sei um item dos mais sugestivos. 7B em triangulo retangulo) ase por um dos vértices a outro triangulo, também retAngulo, que decresce de terr a t; a direita (setor latero-superior), uma coluna ortogonal formada pela rei- teragdo do elemento éer; finalmente, um triangulo reténgulo maior, incluindo em sua area os outros elementos ja descritos, com a base menor em terra ter e um dos vértices em t. Com orientagio em sentido contrario, isto é, com a base menor em terraraterra e um dos vértices em ra (truncado), distingue-se outro grande setor triangular, oposto pelo angulo reto ao anterior; dentro, por forca de um sulco que corre entre as linhas de aa e tt, interagem, confrontados, um tridngulo truncado (ra a terrara), um retingulo (a coluna ortogonal formada pelo elemento ra seis vezes repetido) e um trapézio (lados demarcados pela linha de t, por terra na undécima linha-membro, e por uma reta que vai de t a a formando a base maior do trapézio); 0 trapézio, por sua vez, gera visualmente um pequeno tridngulo reténgulo (vértice em ¢, base menor em terr) e um paralelograma (elemento terra seis vezes repetido). O branco do papel atua no fino sulco j& referido, e nos sulcos mais largos (um, separando os dois triéngulos maiores opostos; outro, o setor triangular centro-su- perior — terra até a — da coluna de elementos ter). Um grande retangulo enquadra a area geral do poema e baliza o jogo. As orientagdes conflitantes dos elementos triangulares principais; a produgdo perceptual de formas no corpo de outras; os dois sulcos espaciais paralelos ¢ os dois outros que lhes sio, respectivamente, perpendiculares, e cuja injungio cria uma espécie de flexdo visual no rumo da leitura; os setores que minguam da palavra a letra; tudo isso impée graficoespaciotemporalmente a estrutura do poe- ma, cujo fluxo verbal fora subitamente alterado, retificado ¢ conduzido ao rendimento-climax pelo “feedback”, pelo erro auto- corretivo. Passagem do fisiognémico (sulcos brancos = sulcos numa terra arada) ao isomoérjico (estrutura visual =estrutura verbal), Advirta-se que a propositada miniicia analitica que empregamos aqui didaticamente, para descrever um proceso, néo oferece maior dificuldade no campo da percepgao, onde atua, simples e naturalmente, sobre dados sensiveis, a geometria do olho. No plano acistico se opera fendmeno sémelhante. A. dialética interna do poema, os cortes e coagulagdes de elementos fonéticos —a partir da palavra-fonte terra, produzindo erra, rara, ara — se solidarizam com a estrutura-conteido desejada e exigem elo- eugo (jogo timbristico, pausas, etc.), pedem voz humana que 79 os enfatize, que reflita, através de uma vocalizagio criativa, seu movimento proprio. $6 aqueles que néo esto afeitos as técnicas ativantes do uso da vor na misica moderna (o “Sprechgesang”, por exemplo, usado por Schénberg no “Pierrot Lunaire” e na “Qde a Napoledo”), poderdo duvidar do efeito aural de um poema concreto. A simples leitura mental sera tanto mais rica quanto mais préxima se colocar da previsio dos efeitos de uma tal vocalizagéio. Refira-se de passagem: a poesia de E. E, Cummings (um dos autores que esti na base do movimento concreto), por predo- minantemente visual, seria “‘impossivel de ouvir”, na opinigo de um critico que se pronunciou sobre poesia concreta.10 Nao é porém 0 que pensa Susanne Langer (Feeling and Form — “Vi tual Memory”) ao estudar o papel do som na criagdo posti “Ha poesia que se beneficia com a vocalizagao real, ou mesmo a exige. E. E. (Cummings, por exemplo, ganha tremendamente quando lido em voz alta...” Posto que o poema terra nao é uma geérgica, nada narra que possa contentar a imaginagdo propensa a discursos sobre a na- tureza ou a églogas pastoris, seu contetido, como o de um quadro conereto, é a sua estrutura, e esta, somente no plano histérico- cultural, vai encontrar_uma_conexdo, | 1 de ra, .com um problema que lhe é exterior —- no caso o “feedback” tal como _o estuda a cibernética —- integrado_na_cosmot do homem de hoje Os conteudes locais de palavras e seqiiéncias de palavras, requeridos pelo mimero temdtico do poema terra, née chegardo a satislazer a demande de catlise que asialle determinado leitor desse poema, de tal maneira indesligaveis de sua estrutura e resolvidos nela. Saber ver e ouvir estruturas serd_pois_a_chave para _a compreensio de um ja_concreto. } Mas para um estudioso da seméntica geral, como Bloodstein, a arte moderna é um sistema nio-aristotélico, préximo aos preco- nizados por essa ciéncia da linguagem, justamente porque (além de algumas outras caracteristicas) “considera a estrutura, rela- 10 Adolfo Casais Monteiro: “Palavra, letras ¢ possia” (O Estado de S. Paulo, 17-2-57) — “A_preponderincia, da visio sobre_a audisio que ¢ i ‘Cummings, tornando impossivel ‘ouvir poemas que também para se olhar, € levada a0 extremo pelos concretistas, cujos poemas aio podem ser ouvidos”. Ler, a prop6 sito, o trabalho de Diogo Pacheco (Movimento “Ars Nova") “Musicalidade e Verbalizacio” (Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, R. de Ja- neiro, 17-357). 80 ges, ordem, 0 contetido tnico da arte”. Isto, como & dbvio, implica uma revisio das reagdes semanticas habituais do leitor, acostumado a procurar num poema objetos que nao _séo o seu objeto; a fazer da obra de arte pretexto para divagacdes meta-artis- tics. Korzybski (citado por Bloodstein): “Qualquer sistema fu ntalmente novo emolve ovas reagGes semanticas; eis a if ‘que nos assalta quando tentamos dominar_um emos Teeducar, ou_mudar, nossas velhas rea- Se esta adverténcia é valida para qualquer ema novo de linguagem, ie prominteriente sempre com ‘preméntemente ord_com referéncia & poesia concreta, onde a preocupagao com a estrutura ada realidade — como nos demais_ sistemas nao- ristotélicos) , auto-bastante, esgotando-se na realizacdo de si propria, £ Ja se atribuiu, talvez pelo gosto des simplificagdes, aos langa- ores do movimento de poesia concreta (o grupo de S. Paulo) “a crenga de que a menor ou maior rapidez com que uma obra de arte atue sobre espectador decida de sua validez e de sua eficdcia como obra de arte”.11 Eis uma pequena pos- tulagéo escoldstica, cuja simples enunciagdo desfigura 0 pro- blema. © que se afirmou ¢ estd ao nivel da evidéncia é que o poema concreto, entre suas virtudes, possui desde logo a de efetuar uma comunicacao rapids. Comunicacdo essa de formas, de estru- turas, nao de contetidos verbais. Realmente, apoiado verbi-voco- visualmente em elementos que se integram numa consonancia estrutural, o imediatamente, por todos co 08 lados, o campo perceptive do leitor que nele busque o que nele existe: um conteddo-estrutura. Assim, 0 poema concreto, encarando a palavra como objeto, rea- liza_a proeza de trazer, para o dominio da comunicagao poética, as_virtualidades da_comunicagao nao-verbal, sem_abdici mer das peculiaridades da palavra; ou_melhi poema_concreto comunica sua estrutura, as catgas de conteido das_palavras manipuladas — aspecto pelo qual _ele_se_incluiria, em_tese, entre as_modalidades de comunicagao verbal — si controladas em beneficio dessa 4 pelo numero tem e, portanto, ndo excluem, antes apelam ao nivel de compres! 11 Oliveira Bastos, “Por uma Poesia Concreta”, IV, Suplemento Domi- nical do Jornal do Brasil, 24-3-57. 81 no-verbal do leitor.12- Jurgen Ruesch e Weldo Kees, em obra recentemente langada (Nonverbal Communication — Notes on the Visual Perception of Human Relations, 1956, University of California Press, Berkeley, Los Angeles), tracam_a seguinte dis- tingéo fundamental entre comunicagdo verbal e ndo-verbal: a Primeira baseia-se numa codificagao de informacées de tipo ital, cujos principais exemplos slo o alfabeto fonético e o sistema numérico (“a informagéo transmitida através de um tal sistema € obviamente codificada mediante varias combinagées de letras unda_utiliza-se da codificagao analégica (“vi tias espécies de agoes, quadros ou objetos materiais representa andlogos tipos de denotagéo”). “Em termos de codificagao”, —continuam esses autores — “digital contrasta com _analégica; em termos de linguagem, discursiva contrasta com néo-discur- iva”... “A linguagem discursiva se funda na légica, feita de iais, que foram aceitas, expressas de uma espécie circunscrita de tra- digpensa_codificacées analégicas, a despeito do balho. A légica fato de que parte de 08_pensamentos e comunicagdes dependam do somo do verbal,""13 Rejeitando o ordenamento Id; discursivo, abrind suges- Toor do métado Weogrimico de compot, que é do tipo analogico | ® n&6 "do tipo digital, Tanca-se a poesia concreta a fascinante aventura de criar com digitos, com o sistema fonético, uma area lingiiistica ndo-digeursiva, que participa das vantagens da comu- nnicaco nio-verbal (maior proximidade das coisas, preservacao da continuidade da agdo_e da percepcio), sem, evidentemente, rutilar_o seu instrumento — a palavra — cujos dotes especial 12 Mario Pedrosa, em seu importante artigo “Arte Concreta ou a au- stncia de icones” (Jornal do Brasil, 15-2-57), j& enfatizou a relevancia do nivel nio-verbal de comunicagio ma poesia’ concreta. 13. Ruesch e Kees prosseguemn apoiados no ensaio A Chinese Philosopher's Theory of Knowledge, de autoria de Chang-Tung-Sun, publicado na sevis- ta de semantica geral Fee. (9, 203-226, 1952): “O pensamento ociden- tal, inclusive @ légica cientifica, tem sido preclpuamente baseado — ou ‘foi até recentemente — numa visio aristotélica, que ¢, por seu turno, radicada na gramética grege € em sua estrutura lingiiistica sujeito-predi- cado, Dentro de uma tal estrutura 0 sujeito do discurso tem que ser de- terminado ¢ 0 alvel de abstracao definido, Isto ndo € verdadeiro em fela- sk exemple, a 1égica e A linguagem chinesas, onde a dicotomia sujei- to-predicado € evitads. Nao serd desintstessante afsinalar “qae~os-tremendos FRG RHaE Tvados a efeito na. tecoologia ocidentl deseavlveramae. omen: te quando 0s cientists adoteram uma linguagem desvinculada da dicoto- mia sujeito-predicado, a saber: 2 matemitica,” Eis mais um t6pico para a aproximacdo Fenollosa / Korzybski. 82 a a ee Soe ee )_néo sao desprezados, antes utilizados em" proveito da totalidade comunicetiva cria nogao de metacomunicagéo explica, para os estudiosos dessa matéria, “as relagdes entre codificacSes verbais e nado-verbai “qualquer. mensagem pode ‘tex_considerada como tendo dois aspectos: a ptoposig&éo pro- priamente dita, e as explanagdes pertinentes & sua_interpretagdo. A natureza da comunicagao inter al necessita de que ambos coincidam no tempo, e isto pode ser conseguide somente através di ima_outra_vi: Assim, lo uma proposigao é taseada_verbalmente, tende-se a dar instrugées nao-verbalmente. 0 aad & similar ao arranjo de_uma sirusees nee sigdo musical para dois in: trumentos,_ onde as yozes se movem independentemente am ¢ suplementam uma ‘a adas"nurna unidade orga- i poema concreto 0% um a fesbuitio até certo ponto semelhante ao da metacomunicagao: ferenga mai. ‘estard, porém, sempre, em que tal deases recursos para comunicar formes, para eriar.e co verbi-voco-visualmente, uma _estrutura-conteiido, Observes oreliron -eoroldrios aos problemas jé discutidos: Tarefa_ formas, a_produgao de_est Cina ii a al pa Valor dessa The é intrinseco): colocar uma obra de ac” nostélgico dos “bons _velhos ol de sensibilismos irresolvidos © vages “humana” | di & de_nossa época. Cor que. um_poema concreto_pode trazer_p: bitos mentais, para a criagio de x seménticas novas, que, por contagio, agucem no leitor a percepgéo da real estrutura da Hnguagem ‘de comunicagao cotidiana e 0 preparem — a maneira 8 dos “artificios_extensionais” de que fala Korzybskil4 — para © estimulo_imedi a clarificagdo dos 14 Anatol Rapoport (“What is Semantics”, in Language, Meaning and : “A orlentacéo recomendada por Korzybski para libertar © indi- 83 Base (erhe e- \ sistemas n4o-aristotélicos de comunicacdo de idéias, capazes de nao escamotear_@ estrutura do mundo em que vivemos (0 vicio ret6rico nacional, “o mal da elogiiéncia balofae rocagante”, ja exemplarmente fulminado por Paulo Prado no seu importante Prefécio A poesia Pau Brasil de Oswald de Andrade, é dos que mais urgentemente necessitam dessa acao saneadora); 0 apelo para o nivel ndo-verbal da comunicagdo torna a é mamente sensivel a relagio palavis-coisa, € a piévine contra as “distoreé significacio” la manipulagao abstrati- zante, desterrada da realidade, dos simbolos verbais, “ensinan- do-a_mais uma vez (Ruesch e Kees) “a usar palavras escrupu—P Josam« om senso de integridade”. Aqui se tocam os lemas de Mallarmé ¢ Pound: “Donner un sens plus pur aux mots de la tribu” / “Artists are the antennae of the race”. A_produgio de estruturas-contetidos poe problemas que nao se esgotam na obra de arte especificamente considerada — 0 poema. As novas tendéncias das artes visuais instigaram um novo mundo de formas no campo da produg&o industrial (Bauhaus). O ‘poema concreto instiga un ‘ipo de tipografia e propaganda _mesmo um novo tipo de jornalismo, além de outras_ possiveis aplicagdes (TV, cinema, etc.). Maiacdvski: sua reivindicacdo por uma propaganda que fosse também “poesia da mais alta qualificago”15, objetivo a que se liga toda a atividade do pocta na agéncia de informagées Rosta (1919 a 1922) e, mais tarde viduo da tirania das palavras foi por ele denominada extensional, Tosca- mente falando, ser extensional & ter consciéncia de coisas, fatos ¢ opera ges da maneica em que eles se relacionam na natureza, e nio do modo pelo qual sio discutides. A ressoa extensionalmente orientada estabelece diferencas de maneira mais eficaz do que a de mentalidade verbal (inten- sionalmente orienteda), E consciente do cardter basicamente iinico de “coisas”, “eventos”, etc., €, assim, mais consciente da transformacio do que a pessoa intensionalmente orientada, que confunde o mundo fluid, dindmico, em seu redor com 0 mundo estitico, rigido, de rétulo, “quali- dades” ¢ “categorias” que tem na cabeca”. Ao que Bloodstein acrescenca: “Orientagio extensional e intensional em arte correspondem, respectivamen- te, & percepcio da forma ¢ a pereepséo do conteido. 15 Maiacdvski, Moi-méme (traducio de Eisa Triolet): “Uma das pala- yras de ordem, uma das grandes ‘conquistas de Lef” (revista da frente esquerda da arte, dirigida por Maiacévski de 1923 a 1925, cf. E. Triolet) “€ a desestetizacio das artes aplicadas, 0 construtivismo. | Seu suplemento pottico & 0 poema de agitacéo, a agitagio econtmica — 0 anincio, Mal- grado os “taiaut!" poéticos, considero o “em nenhum Juger como — no ‘Mosselprom” poesia, e da’ mais alta qualificacio”. (Explica E. Triolet: “Em nenhum lugar como — no Mosselprom” € uma férmula de Maia cévski muito popular para a propaganda do comércio do Estado, que se podi Jer em todos os muros de Moscow. E£ evidente que sua “alta qualificagio” se perde na traducio, se bem que esta — “nulle part comme — au Mossel- 84 (1923 a 1925), a servigo do comércio ¢ da economia do Estado soviético — eis uma cogitagao a ser renovada. Fonte neem de sugestes seré também a teoria do livro de Mallarmé ¢ sua Preccupacio com as tenicas do jornslismo (referida_expres- samente em Le Livre, Instrument Spiriuel, ¢ identificada por Valéry — Varieté IJ — como um dos estimulos do Un Coup de Dés): uma reversao de interesses, do jornal, de certas técnicas do jornalismo, para a érbita da poesia concreta ndo seria, por- tanto, um_acontecimento desconcertante. Nao esquecer, ainda, o influxo_que o método ideogrimico em si mesmo, como “forma mentis”, pode trazer para a propria critica de arte e da cultura do-a_das_ventoinhas esfuziantes € esté lo purismo “saggistico” ¢ forgando-a a olhar para a coisa (justa- sigéo direta_¢ aracao de“: z a_emprei que Ezra Pound tomou a peito com éxito em sua obra paralela aos Cantos (de The Spirit of Romance ao Guide to Kulchur). prom” — esteja bem préxima do original.”) O pintor construtivista Alie~ Kinder Rodtchenko, um dos coleboradores de Maiacévski no periodo de 1923/1925, escreve: “O trabalho dz Maiscbvski no dominio da publicidade suscitou, 2 paca, nfo pouca estupefacio e risos entre os criticos. Conside- ravasse que aquilo era um trabalho indigao de um poeta de talento, nio se comprezndendo como um poeta auténtico poderia se ocupar de tais baga- telas; mas Maiacvski tomava essa atividade rigorosamente 2 sério, cons- ciente da importincia que possuia num momento em que a indistria sovié- tica comecava somente a tomar forcas, quando o capital privado era ainda forte ¢ fazia concorréncia 20 comércio do Estado." NOTA PARA ESTA EDICAO: “Coca-Cola” (1957) de D. Pignatari é um exemplo do uso das técni¢as da poesia concreta para uma propaganda — ou “anti-propaganda” — na base do. “aguit-placét” de Maiacovski: beba coca cola babe cola beba coca babe cola caco caco cola cloaca (Publicado originalmente no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, R. de Janeiro, 28-4-1957 ¢ 5-5-1957; republicado, sob forma de resume, no Suplemento Literario de O Estado de Sao Paulo, 1-6-1957 ¢ na revista ad, n° 23, ano IV, maio/junho 1957.) "85 POESIA CONCRETA: ORGANIZACAO Décio Pignatari “Nao podemos resolver nenhum problema de organizagao, se nos dispomos a resolver cada um de seus pontos separadamente, um apés o outro: a solugdo tem de vir para o todo. Vemos, désse modo, que o problema da significagdo esta itimamente gado: ao problema da relagio entre 0 todo ¢ as partes, Ja foi dito: 0 todo é'thais do que a soma de suas partes. £ mais correto dizer-se que o todo é algo diferente da soma de auas partes, que somar é um processo sem sentido, enquanto que a relag’ todo-parte € cheia de significado.” Koffka, Principios de Psi- cologia da Forma. Mario de Andrade, em seu “Prefacio Interessantissimo”, depois de falar do verso comum, melédico, aborda o que ele chama de verso harménico, formado de palavras sem ligagdo imediata entre si: “estas palavras, pelo fato mesmo de se néo seguirem intelectual, gramaticalmente, se sobrepdem umas 4s outras, pal a nossa sensagéo, formando, ndo mais melodias, mas harmo- nias. (...) Harmonia, combinagdo de sons simultaneos”. A palavra portmanteau, inventada por Lewis Carroll ¢ amplamente utilizada por Joyce, é uma nova unidade qualitativa, resultante da justaposigao de duas ou mais palavras: silvamconlake (silva, selva (do latim) — silver, prata — moon, lua — lake, lago — like, como, semelhante a). Pequena paisagem verbivocovisual ou pequena paisagem ideogramica. Dentro, alias, do espirito da lingua inglesa, mais préxima do chinés do que o portugués, por exemplo, e mais apta, portanto, a adjetivar o substantivo sem alteré.lo: icebox (geladeira, literalmente: caixa de gelo), the snow mountain stoneman (o homem de pedra da montanha de neve). “Fugas... tiros... Tom Mix!” Cassirer, em sua Filosofia das Formas Simbélicas, diz que as linguas isolantes, como o chinés, poderiam parecer, & primeira vista, informes, se comparadas com linguas cuja forma se rege por ligagées logico-gramaticais; em verdade, investigagdes mos- tram que a lingua isolante, ndo-flexionada, € derivada de uma 86 fase anterior, flexionada, tal como acontece com o inglés atual, menos flexionado do que o inglés primitive. Na lingua isolante, uma mesma palayra pode exercer as fungées de substantivo, adjetivo, verbo ou advérbio, sem ‘qualquer mudanca indicativa de sua categoria gramatical: a ordem das palavras é que preenche a fungao tradicional das mutagées légico-gramaticais: “as pa- lavras isoladas simplesmente se colocam umas ao lado das (sobre as) outras na sentenca, como veiculos materiais de significagao, e sua relaciio gramatical nao & tornada explicita. (...) Quanto menos gramética exterior possui a lingua chinesa, mais uma gramética interior the é inerente. (...) Vé-se, pois, que este tipo de lingua é uma forma de pura relagéo: a palavra parece possuir aquela genuina substancialidade, por forca da qual ela &, € assim deve ser concebida.” Mario de Andrade parece nao se ter apercebido de que o seu verso harménico, levado a sistematizagao, acabaria por destruir © verso como unidade ritmico-formal do poema, pelo continuo fraccionamento espacial (representado pelas reticéncias) : este pas- saria a interferir na estrututa, conduzindo ao poema espacial, visual. “Larmature intellectuelle du potme se dissimule et tient — a lieu — dans espace qui isole les strophes et parmi e blanc du papier: significatif silence qu'il n’est pas moins beau de com- poser, que les vers.” Mallarmé. Eisenstein, dando um exemplo de decupagem ¢ montagem de um fragmento de Pushkin: “Ninguém soube entéo como e quando fugira. $6 um pescador, & noite, ouviu um galope de coreéis, acentos cossacos ¢ leves murmirios de mulher... - ‘Trés enquadramentos: 1) © patear dos cascos 2) 0 falar dos cossacos — 3) 0 murmirio de uma mulher. (...) Trés representagées (sonoras!) expressas objetivamente se unem para criar uma imagem unitéria, expressa _emotivamente, € distinta da percepgdo dos elementos considerados isoladamente. (...) Com trés detalhes selecionados entre todos os elementos da fuga, a sua visio é expressa por meio de uma montagem 87 que faz o leitor particfpar emotivamente da ago.” Tecnica del Cinema (The Film Sense), trad. italiana, Einaudi. Em chinés, o ideograma de drvore e 0 ideograma de sol se fun- dem, se sobrepdem, para formar o ideograma de leste (sol entre - os ramos de uma Arvore, sol nascente). Na pocsia concreta, sintaxe visual: fatores de proximidade e melhanca relacionando palavras no espago, tendo em vista a simultaneidade, que Mario de Andrade, subjetivo, julgava im- possivel de ser_atingida objetivamente, mas que Mallarmé atingira com sua obra maxima, Un Coup de Dés (Um Lance de Dados), 1897. Assim como nas chamadas artes do espaco se introduziu 0 tempo: movimiento (certay_ obras dobre ambivalgholse cial, de Alhers, por exemplo), nas cha rtes_ misica, poesia), ©_espago passou a set elemento qualificado da estrutura. © artista nio associa idéias, associa formas, que para cle sfo as finicas idéias que contam. Pode-se dizer que a etimologia das linguas ocidentais se baseia na associagao de iaéias enquanto_que a etimologia do ideogra chinés_sc Baseia na associacdo de formas: é uma etimologia Pictografica, etimologia figurada. © chinés ou-VE-1é os desenhos modificados de_olho-sobre-pernas- correndo, que Tormain o ideograma do ato de vér (cf. The Poetry of Ezra Pound, Hugh Kenner, citando Fenollosa). Ao conflito de fundo-e-forma-em-busca-de-identificagio, eu chamo de isomorfismo. — Paralelamente_ao isomorfismo fundo-forma, se desenvolve_o morfismo espaco-tempo, que gera_o movimento. Na poesia concreta, 9 mor nto tende & simultaneidade, ou seja, 4 multiplicidade de _movimentos conco1 Ritmo: forga_relacional. Dou penwe noo © isomorfismo, num primeiro momento processual_da_pritica ~ ‘compositiva espacial, tende & fisiognomi movimento | imitative do real (motion). Pode-se dizer que, nesta fase, pre- domina a forma organica. A esta fase, de mancira geral, per- ; tencem poemas como o “formigueiro” (Ferreira Gullar), “soli- dio” (Wiademir Dias Pino) “um movimento” (Décio Pigna- tari), “siléncio” (Haroldo de Campos), “ovonovelo” (Augusto de Campos), “choque” (Ronaldo Azeredo) ou “mév mov” (Eu- gen Gomringer), iniciador_simultineo, na Europa, da poesia concreta, com seu volume de konstellationen, 1953. Num estdgio mais avancado de evolugao formal, num estagio mais racion: de criagdo, 0 isomorfismo tende a resolver-se em puro_movi- mento estrutural, e ira dinamica (movement). Pode-se dizer que, nesta fase, predomina a forma geométrica ou matematica. Pertencem a esta fase poemas como “tensdo” (Augusto de Cam- pos}, “velocidade” (Ronaldo Azeredo), “mar azul” (Ferreira Gullar), “terra” (Décio Pignatari), “fala clara” (Haroldo de Campos) ou “baum kind bund haus” (Eugen Gomringer). “A informagdo & mais uma questo de processo do que de arma- zenagem. (...) A informagéo é importante como uma fase do proceso continuo pelo qual observamos o mundo exterior & agimos efetivamente sobre ele.” Norbert Wiener, The Human Use of Human Beings — Cybernetics and Society. “(...) © organise é uma mensagem. O organismo se opde a0 caos, & desintegracao, 4 morte, como a mensagem ao barulho. Para descrever um organismo, no tentamos especificar cada uma de suas moléculas e catalogé-lo, pega por pega, mas antes responder certas quest6es a seu respeito que revelam a sua pattern: uma pattern que seja mais significante e menos probabi- Histica & medida em que o organismo se tone, por assim dizer, mais completamente um organismo.” Wiener. ‘A poesia concreta parte de um parti pris formalista, na medida em que “seu pensamento se traduz em agao imediatamente, for- mulado, néo por uma formula, mas por uma forma”, como disse Eisenstein. © problema da comunicabilidade, ou da comunicacio mais _ré- pida, implica um problema de funcionalidade, ¢_este um _pro- blema_de estrutura. FE claro, pois, que a comunicacao répida um_yalor. jitivo ao joema, ou melhor, guia_a sua prépria confecgdo (cf. “A Filosofia da Composigéo”, de Edgar 89 Allan Poe, e “Técnica do Poema”, de Eugen Gomringer, pu- blicado no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, 28-4-1957) . “(...) Feed back, a propriedade de ser capaz de ajustar a con- duta futura pelo comportamento passado. O feed back pode ser tao simples como o de um reflexo comum, ou pode ser um feed back de alta categoria, em que a experiéncia passada é utilizada nao somente para regular movimentos especificos, mas também inteiras orientagdes de comportamento.” Wiener. Fundar uma tradigéo do rigor. Volpi. Para que o artista bra- sileiro nao decaia depois dos 40. Ou antes. (Publicado originalmente no “Suplemento Lit » Paulo, 1-6-1957 pagina especial dedicada 4 poesia concreta, Foram suprimidos, ‘onde cabivel, os trechos extraidos do manifesto “Nova Poesia: Concreta”.) 90 um movi mento compondo alem da nuvem om tompo de combate mira gem ira de um horizonte puro num mo meato vive décio pignateri VVVVVVVVVV VVVVVVVVVE VVVVVVVVEL VVVVVVVELO VVVVVVELOC VVVVVELOCI VVVVELOCID VVVELOCIDA VVELOCIDAD VELOCIDADE ronaldo azeredo DA FENOMENOLOGIA DA COMPOSICAO A MATEMATICA DA COMPOSICAO Haroldo de Campos @ se renovam mutuamet preender_a_obra em progresso como_uma_dialética. paralisar para compreender. A forma produzida vale por si_prépria, como realizacéo mais ou_menos perfeita e abodes ‘ai se coloca_a questo do éxito, do juizo de valor de um dado objeto artistico. A consideragio da_dinamica de um movimento é outra coisa: consiste em saber propor a mente criadora os problemas novos suscitados pela continuldade do processoi enxeriar o sou volar” de desenvolvi- mento. Esta operagdo nao invalida os éxitos que, porv tiverem sido obtidos numa etapa anterior do mesmo_processo. Redimensiona porém, violentamente, o futuro do ato criativo. A jia_concreta caminha para a rejeicao da estrutura orga- nica ro] de uma estrutura matematica (ou quase-matematica). I. & em vez do poema de tipo palavra-puxa-palavra, onde a estrutura resulta da interagdéo das palavras ou fragmentos de palavras produzidos no campo espacial, implicando, cada palavra nova, uma como que opgaéo da estrutura (intervengio mais acentuada do acaso e da disponibilidade intuicional), uma _estru- Plane} ente & palavra. “A. solugao do_ prob estrutura € que requererd, entio, as @ serem usadas, controladas pelo ni ico. A definigao se . scolhida que determinara rigorosa, quase matematicamente, os elementos do jogo © sua posi £ claro que essa distingéo implica uma atitude perante a composicéo do poema, mais do que, prop! mente, uma praxistica de trabalho poético exclusiva e exclu- dente. ‘A visdo integral da estrutura a ser projetada no papel & algo que qualifica de antemao a tarefa criativa, podendo 93 orienté-la mesmo num caso em que, na pratica, a visio da estru- tura resulte de (ou seja provocada por) um jogo inicial de palavra-puxa-palavra. Haverd talvez uma correlacdo primeira de estimulos entre ambos os processos, na pragmética poética. ‘Tedavla, a sinples Vontade de conceber’o poema como. um todo matematicamente planejado faré, na operacdo criadora, pender afinal a*balanca para o lado da racionalidade construtiva. Quanto possivel, respeitada a natureza peculiar a cada uma das artes, tenderé a desaparecer a diferenga de atitudes discernida muito bem por Mério Pedrosa entre poeta e pintor concreto*: a fenomenologia da composigao cederd a uma verdadeira mate- mitien de composigto, “O que ae pretenderd_ eed realizar, “de i ssivel”, a estrutura verbal planejada, ee da Tégica simbéliea”, ow com a precisio com “idéia visivel”. esse sale palavra como um dado integral, a_set_objotivamente considerado e utilizado_em fungio. dessa estrutura, interesse que sucede ao redescobrimento_{ gico (por assim dizer) da realidade palayra. Con: Tespeito a integridade das palavras, segue que estas — hao as labas — serdo o element basico_de_composigo em_estrita fungao-da-cstrutura. ieaturaallamente e reduzida. “Modéstia tatica” (Boulez re Webern) ; lade, como hipétese inicial de trabalho rigoroso, do poema de tipo monumental, cuja “longueur” sera um apelo irresistivel & quebra do controle organizador e um convite as * velhas ligaduras sintéticas comprometidas com o ranco discur- sivo que se pretende rejeitar. A retérica do poema longo — : ainda que, numa altima tentativa de sobrevivénci : ficialmente pelo “pneuma” espacial — se_opie a justa brevidade do_poema concreto, donde a importancia da experiénci mentarista de Gomringer. Eliminagio da poema descritive: conteiide do poema sera sempre sua_estrutura. Palavras simples com cireulagio viva "— * “Poeta & Pintor Concretista” Jornal do Brasil, R. de Janeiro, 18-2-1957. (Publicado originaiments no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, R. de Janeiro, 23-6-57.) 94 Nota: Reproduz-se, a seguir, para maior clareza, trecho do artigo “Lance de olhos sobre Um Lance de Dados”, de Haroldo de Campos (Jortal de Letras, R, de Janeiro, agosto de 1958), onde, a propésito do poeia de Mallarmé, sio reiomados 03 conceitos de ‘racionalidade € acaso e seu alcance para estética da poesia concreta, “A convadicio dialética entre a afitmacio axial de que um “lance de dados jamais aboliré 0 acaso” € 0 surgimento presumivel da constelayzo que eavolve 0 proprio poema como forma nova, e, portanto, disciplina controla- dora do acaso, j& foi apontada por Maurice Blanchot: ““o acaso, se ndo € assim vencido, é pelo menos, atraido através do rigor da palavra ¢ elevado i firme figura duma forma onde ele se encerta”. E esta contiadicio critice que fecunda 0 poema e recoloca os termos do problema — “symphonique équation” (Mallarmé, Oeuvres Complites, pag. 646) — como um “xadrez de estrelas” (para tomarmos de empréstimo a imagem bartoca de Vieira) perpetuamente em progresso. A. procura do absoluto; fadada por definigio 4 faléncia, entrevé um éxito possivel na conquista relativa sancionada por um talvex: a obra-constelacio, evento humano, experiéncia viva e vivificante, sempre a ponto de se rectiar — véspera de um novo lance (“toute pensée Gmet un coup de dés"). Do ponto-devista de uma tcoria da composicio, a conseqiéncia duma tal hermenéutica do Un Coup de Dés nfo seria a aboliczo do acaso, mas sua incorporacio, como termo ativo, #0 proceso criativo. Realmente, um racionalismo da composi¢ao, como o postulado por Edgar Allan Poe e mais tarde por Mallarmé, no implica, afinal, na elisio do acaso (desejo de absoluto que, se esbocado, é cerceado logo a altura de um jamais), mas, sim, na disciplinagio deste. A inteligéncia ordenadora delimita 0 campo de escolha, o feixe de possibilidades € engendrado pelas proprias necessidades da estrutura poemitica pensada: a opcio criadora sig- nifica liberdade de escolha, mas também — e sobretudo — liberdade vigiada por uma consciéacia seletiva e critica, Isto queria dizer Décio Pignataci, quando escreveu ("Nova poesia: concreta”): “renunciando i disputa do absoluto, ficamos no campo magnético do relativo perene. A cronomicro- metragem do acaso,.. © mais hicido trabalho intelectual para a inicio mais clara". Este 0 roteiro de um racionalismo construtivo — sensivel, nio cientifico, pois labora sobre os dados da sensibilidade (no ‘mesmo sentido poderiamos falar de uma “geometria do olho") — que tracamos em “Da fenomenologia da composic’o 4 matemitica da composigéo”. Esta tentativa de derivar uma estética contemporinea atuante da obta de Mallarmé pode adoter como Jema as palavras de Greet Cohn: “Se o anti-racionalismo pode ser temporariamente til como preconceito criador, torna-se inumano como doutrina tebtica de longo alcance, para todo o mundo, compreendidos cs escritores”. (Laeuvre de Mallarmé — Un Coup de Dés, pag, 27. nota 18.)" 95 ASPECTOS DA POESIA CONCRETA Haroldo de Campos 1 — Quais as relagdes entre os ideogramas concretistas e os ideogramas chineses? A_importancia do ideograma_chinés como instrumento para a oesia foi salientada Gor Bara Pound, com base em estudo do sin6logo Fenollose, publicado por E. P. em 1919, “Nesse pro- cesso de composigao” — dizem Fenollosa_e E. P. — “duas elses conidia aio produzem uma t mas sigerem alguma relacio fundamental entre ambas®. Desse modo, srama_chinés “traz a linguagem para junto das coisas poesia difere da prosa pelas cores concreias de ideograma, como aponta H. Kenner (The Poetry of Ezra Pound), “é "uma forma mer tengio, uma_comunicagéo direta de formas verbais. Cantos, de E. P., 0 ideograma é 0 principio de estrutura pre- i ge de locos de idéias, que se criticam, rel- teram e iluminam mutuament © isolamento de niicleos tema- ticos em cadelas de essénclas e medulas impde a tomada de B , como fator de organizagao do “(vejam-se, nesse sentido, especialmente, os “Cantos Pisanos” e a secgio “Perfuratriz de Rochas”, ultima publicada, de 1955). Mallarmé, que do ponto-de-vista do léxico é 0 pélo oposto da poesia de Pound, vem a ser, no entanto, sob o prisma da es- trutura, o imediato antecessor da experiéncia poundiana. H. Kenner foi o primeiro a divisar esse parentesco, até entéo igno- rado pela critica, 4 qual impressionou sempre a exclusio de Mal- jarmé (por razdes de tdtica explicaveis a luz das necessidades histéricas da poesia de lingua inglesa) do paideuma de auto- res eleito por E. P. Kenner vincula a sua visio dos Cantos como uuma “épiea sem enredo” & teoria langada por Mallarmé “da fragmentagéo da idéia estética em imagens alotrépicas”, “cuja importancia para o artista corresponde a da fissio nuclear para © fisico”. Realmente, Mallarmé, em seu pequeno prefacio a0 Un Coup Dés (1897), se refere a8 “sub-divisdes prisméticas da Idgia”, a uma “mise en scéne espiritual exata”, obtida gracas 96 fa tue pee Que weotem , a0_uso semaférico dos brancos da pagina e de \_grdficos de tamanho ou feitio diversos, tudo 0 redundando \ “no_emprego_a nu do pensamento, com retrocessos, prolon- | gamentos, fugas” ao invés_ do pr (“on évite le récit”). Muito a propésito, do sobre Um lance de Dados, que se ideografico” (Variété, I) Em 1974, é Appolinaire quem retoma o fio condutor dessa evo- lugado_de formas poéticas, ao teorizar: “... nada de narracao, dificilmente poema, se_quiserem: poema.ideografico. Revolu- que_nossa_inteligéncia se habitue a com- raficamente, em lugar de analitico-di em verdade que o “caligrar naire se perde na pictografia, exterior, (no poema com objetos, ua figuragdo artificial a composicéo); mas sui go tedrica (contida no artigo “Diante do ideogra- ma de Apollinaire”, de autoria 0p dénimo de Gabriel Arboin) é Tecunda e” profética, fadaistas vamos encontrar _tributos a /Simultaneita / Chimismi lirici, de Ardengo Soffici, publicado em e simbolos tipograficos, algarismos, etc., servem de} a apresentacdo de estrofes de andadura tradi- | _cional, dis assithetricamente. ante o os dadaistas, pregadores da “pura idiotia” e do caos arti Nao ‘obstante, sera necessdrio referir os estimulos vivificantes que ainda hoje podem ser encontrados no Manifesto técnico da literatura futurista de Marinetti (onde a experiéncia de Mallar ‘mé encontra eco) e num documento como, por exemplo, a pou- co lembrada Nota para o burgués, que Tristan Tzara apés ao poema simultaneista “O almirante procura uma casa para alu- gar” (1916): vincula Tzara o poema simultineo as pesquisas pictéricas dos cubistas, ao Un Coup de Dés de Mallarmé, is “palavras em liberdade” de Marinetti, a pregacéo de H. Bar- zun (Voix, rythmes et chants simultanés), a0 “novo género de poema visual” praticado por Apollinaire; todavia, a resultante } dadaista rejeita, deliberadamente, a nogio de estrutura coerente, | o7 definindo Tzara seu propésito como o de possibilitar “a cada ouvinte a ligagiio das associagses convenientes. Cada_um re- tera_os elementos cos para sua personalidade, os en- .» ficando, de todo modo, na di- regio que 0 autor canalizou®. O poema (escrito em colabora- do com Hilsenbeck e Janko) compée-se de 7 grupos de versetos Fineares, trilingiies (aleméo, inglés, francés) e um interlidio so- norista, Os versetos produzem um livre associacionisteo, sem qualquer inter-relagio direta: o espacejamento das palavras em cada verseto permite, verticalmente, outros jogos arbitrarios de associagdes: nada mais, nada menos do que o “automatismo psiquico” sistematizado depois, sem o mesmo gosto hidico ¢ in- ventivo, pelos surrealistas capitaneados por Bréton. Mas a técnica ideogramica de composigao ficou no ar, infor- mando_a mente criativa contemporanea, como a traduzir uma necessidade intrinseca do pensamento moderno no seu esforgo de _comunicagéo imediata e total de formas verbais. Como ad- vertia Edward Sapir escrevendo em 1921 (Language): “Acre- dito que qualquer poeta inglés de hoje seria grato a concisio que um poetastro chinés atinge sem esforgo”. Para néo nos alongarmos sobre um topico que jé tem sido amplamente abor- dado em artigos que anteciparam a mostra da poesia concreta (principalmente: “Poesia-estrutura”, “Poema-ideograma” e “Pon- tos-periferia: poesia conereta”, de Augusto de Campos, publi- cados, respectivamente, nas edigGes de 20-3-55 e 27-355, do Didrio de Séo Paulo, e no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, de 11-11-56), bastaria dizer que, a luz da técnica sinté- « ticosideogramica de_cony or, Equa. se poders comprecnder a contribuicao_poétic fummings — que “extraordinariamente Se aapele a aguela_ prec @ movimento" —ou a estrutura de um romance-poema como o Finnegans Wake de Joyce, cuja analogia, sob este ponto-de- vista, com os Cantos de Ezra Pound é enfatizada por H. Kenner (ob. cit. pag. 186; ver também “The portrait in perspective”, na coletanea James Joyce: two decades of criticism, pags. 158/159) ; e, com o Un Coup de Dés, por Robert Greer Cohn (L’oeuvre de Mallarmé — Un Coup de Dés), para quem o Fin- negans Wake tem mais pontos de contato com o ltimo poema de Mallarmé do que com qualquer outr: i outro tado, Eisenstein mostra em seu livro Film Form a rela- gio entre o “principio cinematogrifico e 0 ideograma”, exem- plificando sua tese, do ponto-de-vista literdrio, com a técnica joyciana do Finnegans Wake. 98 mizagéo critica com essa ideogramica, abafada ¢ cstrangulada pela morna reagio ticas de retaguarda e conformismo, é de se apontar, na joven poesia européia, a posigiio de Eugen Gomringer; este, secretario de Max Bill e pro- fessor na “Hochschule fiir Gestaltung”, em Ulm (sucessora do Bauhaus), empenhou-se, em contemporaneidade cronclégi © que vinham fazendo alguns jovens tas de Sio Paulo, em compreender a dialética evolutiva das formas poéticas, che; do a um eleco basico de autores quase Wéntico ao estabelaido, como hipétese de trabalho, por aque Embora ndo tenha incluido Ezra Pound em seu paideuma, Gomringer, no artigo “Vom Vers zur Konstellation — Zweck und Form einer neuen Dichtung” (‘‘Do Verso Constelagio — fungio ¢ forma de ume nova poesia”), publicado na revista Spirale, n.° 5, Berna, Suiga, afirma: “redugao em sentido positive — concent -simpli- cidade é séncia da poesia; e, mais adian de imps “de organizer a relas, um grupo de s, trés ou mais palavras oidenadas.vattca «he inhas gerais, com as ‘incipio de condenss- que Pound dérivou da poesia chinesa: 0° gfo_ (“dichtung s ¢ medulas”) © 0 método ideogra de compor: — justa- jo direta de elementos em conjuntos geradores de relacdes (0 que Gomringer, a exemplo de Mallarmé, denomina onstelagdo”). 4 Feito este levantamento critico, serd facil compreender qual a importéncia que, para a moderna estética da poesia, possui o sistema chinés de escrita — o ideograma, afirmagaéo que néo“ deve _ser_tomada como um desejo de _substituir’ si uma_ordem Tingiistica por outra, mas que parte da c go do instrumento ideogrdfico como 0 proceso mental de or- | ganizagéo do exata uma comunica¢’ rapide, direta .¢ econémica de formas verbais que caracteriza o espirito contemporaneo, anti-discursi- vo e objetivo por exceléncia. Por isso também chamamos 0 | Poema que concebemos como uma unidade totalmente estrutu- i i ético-i elementos sono- | indengare” — “gists and piths”/“essén- | i 99 2— Ea poesia concreta arte racionalista, no sentido de que toda experiéncia deve cristalizarse em idéia clara e dis- tint Uma das preocupagées fundamentais de E. P. & Fenollosa no ensdio sobre o ideograma chinés como instrumento para a poe- sia 6," fustamente, demonstrar’ o | sso_da_légica tradicional, do silogismo, como principio ordenador da poesia: em seu Iu. © gat, € proposto 9 inélodo ideogramico, com uma” espécte de 5» “légi¢a” poética”: Evideniemente, a poesia” concreta repudia o > intacionaliemo. surfealistar ¢ “auitomatismo ps “o eaos tico individualista”e indisciplinado, que nao conduz a qualquer tipo de estrufura © permite — como ja disse’ alguém — uma | - espécie ‘de “comunismo ‘do génio”. Q poema concreto niio se 1 are oe Til intbos amértos do imconsciente, nem the ¢ licita ‘y jogo oratdris de conceites, o pocina narrative, com ordem sinta- vigia_em suas partes eno todo, controlando minuciosamente o campo de_possibilidades aberto “ao leitor. Nesse sentido, de obra rigorosa, de problema conscientemente proposto e resol- Vido_em “Weimnos attishcos, de corpo_irreversivel fe_tudo é _ posto” etn Fungo de"uma vontade implacdvel de estrutura, é que tica semelhanie & do discurso légico. QO poema concreto & sub- metido a_uma_conseiéncia gone rgd, Organizadora, “que 0 pod 3 meta do’ p jereto — como o fez D. Pignatar’ — 0 verso do ultimo Fernando Pessoa: “‘ser raro ¢ claro”. 3 — A_pocsia conereta substitui_o verso, como base formal do poema, pelo espago. De que espaco se trata? Do es- pago real (cheio, heterogéneo, colorido, etc.) ou do espago abs- trato, “o espago ideal” indicado por Bergson como o instrumento fundamental da pura inteligéncia (“un milieu étendu, homogéne et vide, infini et infiniment divisible”) ? © espago a que nos referimos @ 0 espago de organizagao do poemna. Ocampo grafico, aquilo que Mallarmé chamava de Todavia, se & inegdvel que mesmo uma nogio precisa de tée- nica de composigéo — 0 espago grafico, campo de atuagao des- sa “fora relacional”, que é 0 ritmo (para recorrermos a uma 100 = om re or pum! expresso de D, Pignatari) — possa ser porosa as mais fecun- das especulagdes da mente moderna, nao, nos parece cabivel explicar o valor do espago na poesia concreta através de cate- gorias estritamente bergsonianas. Realmente, Susanne Langer (Feeling and Form) evidencia “o principal obstdculo a uma filosofia da arte na rica e nova apreenséo bergsoniana do tempo — sua oposigio radical ao espago, 0 repiidio a qualquer propriedade que ele pudesse pa tilhar com o espaco”. Ora, na_poesia_concreta, 0 espago estd irremissivelmente ligado ao tempo, de modo a se poder iar} om_mais_propriedade num verdadeiro espaco-tempo. Ce nua Susanne Langer (tomando o exemplo da misica freqiientes referéncias a espago musical na literatura técnica nao eGo puramente metaféricas; ha ilusdes definidamente espaciais criadas na misica, & parte do fendmeno do volume, que é lite- ralmente espacial, « do fato de que o movimento logicamente envolve o espaco, 0 que seria tomar muito ao pé da letra 0 con- ceito de movimento” “O fato de que a ilusio primaria de uma arte possa aparecer, como um eco, como ilusiio secundaria em outra, dé-nos uma sugestao da comunidade basica das artes. Como © espaco pode aparecer subitamente na musica, o tempo pode ser inserido nas obras visuais.”... “A ilusio primaria sempre determina a “substancia”, o real cardter de uma obra de arte, mas a possibilidade de ilusées secundas confere-the a riqueza, a elasticidade © a ampla liberdade de criagéo que fazem a verdadeira arte tao dificil de ser colhida nas redes da teoria.” Por seu turno, A. A. Mendilow, examinando 0 conceito de Les- sing de artes espaciais temporais, afirma (Time and the No- vel): “Assim, sera assumir um ponto-de-vista muito estreito associar demasiadamente coexisténcia com artes espaciais ¢ su- cessao com artes temporais. Lessing e muitos dos criticos mo- dernos que estudaram a matéria identificaram de maneira ex- cessivamente exata o instrumento de expressio com suas limi- tagdes légicas. Passaram por cima do fator de ilusdo atra- yés do qual podem ser comunicados efeitos extra-instrumen- tais.”... “Tais esforcos para introduzir a ilusio de sucesso nas artes espaciais e de coexisténcia nas temporais através de experimentos com efeitos extra-instrumentais dao base para opo- sigdéo A idéia de Lessing de que uma arte s6 pode atingir seu efeito de maneira a mais plena quando se satisfaz em trabalhar dentro dos limites temporais ou espaciais do seu instrumento. 101

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