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Grupos Espontaneos: As Turmas e Gangues de Adolescentes DAVIDE. ZIMERMAN ser humano 6 essencialmente gregario, Por essa raziio, sempre haverd uma busca natural das pessoas entre si, com a inevitavel formagio espontinea dos mais distintos ‘tipos de grupos. ( que importa consignar, no entanto, € que todo ¢ qualquer grupo, quer tenha sido formado espontinea ou artificialmente, quer tenha um ou outro tipo de finalida- de, sempre estar sujeito a uma mesma série de fendmenos psicolégicos, tanto cons~ ciientes como inconscientes, os quais se reproduzem de forma andloga em todos os campos grupais formados, com algumas variantes especfficas, & claro. Assim, 6 ttl embrar a diferenga que existe entre os pequenos grupos, que pertencem & area da psicologia, ¢ os grandes grupos, como sao os das comunidades, sociedades, nagées, seitas e multidées, e que pertencem tanto ao campo da psicologia como da sociolo- gia. |A formagiio dos diferentes tipos de grupos. O grupo familiar nuclear pode ser considerado 0 protétipo de todos os demais grupos. De fato, em qualquer familia ha aexisténcia de um campo grupal dindmico por onde circulam todos os fendmenos do ‘campo grupal, tal como estes itimos foram descritos no capitulo referente aos fun- damentos te6ricos. Destarte, acompanhando a conceittago formulada para a caracterizagio do que éum grupo, pode-se dizer que uma familia, muito mais do que uma soma isolada dos {ndividuos que a compéem, constitui-se como uma nova e abstrata entidade peculiar, existe uma vivéncia de experiéncias emocionais e uma interagdo afetiva entre todos (com os ingredientes da ambivaléncia: amor, agressio), assim como também hd uma interagio comunicativa entre cada um e todos; existe uma hierarquia de posigdes, fungGes e desempenho de papéis; hé um continuo jogo de projecdes e introjegies;.¢ existe, sobretudo, uma formacao de identidades, resultantes das identificacbes com (08 valores, predigGes, proibigdes e expectativas dos pais, e destes com os seus respec tivos pais, em uma combinagao de, no minimo, trés geracbes. De acordo com estes aspectos, as familias estruturam-se com um perfil caracterolégico varidvel de uma para outra, porém com uma especificidade tfpica de cada uma delas, que, por exem- plo, pode ser de natureza excessivamente simbiética ou de caracteristicas predomi- 60+ zieRmanaosonio nantemente obsessivas, narcisistas, parandides, fobicas, psicossomatizadoras, psicéticas, psicopiticas, ete, ou, naturalmente, apresentam-se como familias bem cestruturadas e sadias. A dinimica psicol6gica das multidées obedece a um esquema diferente, por- quanto, conforme os estudos de Freud, diante de situagées traumiticas mobilizadoras de pulsdes inconscientes —como, por exemplo, diante de um tumulto social, incéndio em recinto fechado, um estado de indignagao coletiva, etc. -, os individuos perdem 0 controle sobre os scus valores habituais e, ou entram em um caético “salve-se quem como puder”, ou seguem cegamente uma lideranca forte. Um comprovante desta assertiva € 0 de grupos que se estruturam em moldes de fanatismo em tomo de um ider de fungi altamente carismatica, portador de um conteiido ideacional de forte inspirago mistica e messianica, Dois exemplos servem para clarear a dinfmica dos grupos fandticos: o da Ale- ‘manha hitlerista e o do epis6dio do suicidio coletivo ocorrido hd alguns anos nas Guianas, Este tltimo fato ilustra 0 quanto uma multidao de fiéis, fixados em um nivel, de um predominante primitivismo no desenvolvimento biopsicossocial, podem, de forma ordeira e disciplinada, sacrificara propria vida em troca de promessas ius6ri- as provindas de um lider psictico (no caso, o pastor J. Jones), que dizia que a morte representava o ingresso em um mundo muito melhor, o parafso celestial O exemplo do fanatismo ocorrido na Alemanha sob a lideranga de Hitler é mais significativo que o anterior, porquanto a multidao fanatizada nao era composta por indivéduos, separadamente, primitivos; muito pelo contrario. O que ocorreu entio? Através da montagem de uma fantastica miquina de propaganda que produzia com alta eficigncia a ilusao coletiva de uma justa e nobre causa de reivindicacdo nacional (no minimo discutfvel), a cépula hitlerista conseguiu atingir o mticleo intimo de cada individuo que ndo tolerava injustigas, que queria resgatar o que perdew ou Ihe foi roubado, e assim eles mobilizaram uma indignagio da totalidade da sociedade alema da época. A partir daf, 0 passo seguinte foi o de escother um bode expiatério que fosse o portador da project de toda a maldade, iniqitidade e sede de poder: a princ- pio, esse papel foi depositado nos comunistas e, logo a seguir, aos judeus, que, se eliminados, abririam o caminho para uma raga superior, um arianismo puro que prome- tia ser um novo éden. Essa louca organizagio fanstica foi fortemente consolidada com o emprego de recursos que facilitam uma hipnose coletiva, como sao os auditivos ¢ visuais, através de comicios gigantescos, hinos marciais, bandeiras e faixas multicoloridas, um pa- lanque que ficasse numa posigiio alta, de forma que a multidio ficasse apequenada infantilizada, olhando de baixo para cima e com a forte luz dos holofotes nos olhos, enquanto a fala mfstica penetrando pelos ouvidos fa provocando um estado de des- lumbramento, ou seja, quando uma luz é forte demais —tal como a de um farol alto de tum carro que vem em direco contrria A nossa, priva-nos (“des”) da luz (“tumbre”) FORMACAO DE TURMAS E GANGUES Como nao cabe aqui esmiucar com maior profundidade os grupos antes citados, va- mos nos ater, em particular, na formagio dos grupos espontineos, como o das turmas ¢ gangues, de modo mais restrto no Ambito dos adolescentes. ‘Antes de mais nada, cabe fazer uma breve revisio sobre as principais caracterfs- ticas da adolescéncia normal, COMOTRABALHANOS COM GRUPOS 61 1A eximologia da palavra “adolescncia”, composta fos prefixos latinos ad (para a frente) + dolescere (ereseer, com dores) designa claramente, um periodo de mutagio, portanto, de crise. 2. A palavra “crise”, por sua vez, deriva do étimo pre krinen, que quet dizer -geparagio” (dai 0 sentido de palavras;como covey critério, discriminar, etc.). De sgramefolescente esté fazendo uma importante sepa"2G%0 entre 0 seu estado de Evlanga em dependéncia dos pais e asua preparagso Pits ‘condigao de adulto eman- Cipado. Além disso, ele est fazendo separagoes © ‘modificagdes de seus valores, Pro- Setos e de sua corporalidade e sexualidade, Fic ato adolesctncia abrange tés niveis de maturagio © desenvolvimento: a puberdade, a adolescéacia propriamente dita 8 adolescéncia tardia, cada uma delas Pom earacteristicas proprias e especificas. Fate puberdade, no periodo dos 12 a0s 14 anos, carackei=s pelas mudan- gas corporais, como, por exemplo, 0 aparecimento de pélos pubianos (¢, daf, otermo Spabere"). A adolescéncia propriamente dita cestende do perfodo dos 15 aos 17 spore a sua caracteristica mais marcante & a das mucangas. psicoldgicas. A adoles- ares a tardia é a que vai dos 18 aos 21 anos e se carnc\esi7A, sobretudo, pela busca de ce entidade propria, no s6 a individual e a grupal, mas também a da identidade social 4, seas inevitiveis mudangas normais comumente So acompanhadas das Se- guintes manifestagdes ae fe desi mesmo" através dos processos de diferenciagio, Pan ioe de individuagio. indiviae er constant de come ele € visto © reecbido eles ate devido a0 Daa mg toa crata humana, também eles © ecoereS através do ta mhecimento dos ovtros. E importante assinalas Ne, muitas vezes, as cond- reconhec in viguas ob grupas que tanto provocam PcacvEAGoes famili- tas nara mn tsiagem ea nccessidade de serera recomberidos COD pessoas autonomas. ae npecessidade de fantasia, intelectualizare cra Uma nese ideaigagdo tanto de pessoas oom decTengat Sn Co tam- ne ge permanente contestao. As dificuldades para acer 3s mudan- tas do mundo interno os evama querer mouicd ‘mudo fora de si mesmo, sob $25 40 ert feformarahomanidade através da filosofit religido, ete. Tron nconstancia de humor e tomada de posigbes. Uma income confusto quanto 2 imagem corporal e nfo ¢raro di S80 atinjaum Frau do surgimento de sentiments de despetsonaizad rau de Sat uma supervalorizaqo do corpo, aqual se trade) busca do impacto Decor ey pelo contro, pela nesta, Tanto uma como 4 2 costumam 2a a araves de foupas, penteados, so deespelpes Guranie horas, even tuais tatuagens, etc tuals Mente do esiado de paixBes, assim como o Ge tna ambivaléncia entre 0s sentimentos de amor e de 6dio. sentimem paver um estado de urbuléncia com os pais. (9 5 deve tanto 20 fato cosolescentes necessitarem testa a flexibilidade, a sensibilidade e o grau de de os alg aus pls por eles, asim como urna forma de de tmportnciafdamentalo comportarente os Fo ddiante das les Porta scontes quanto 2 determinagdo da. aualidade estraturante ot crises rants, na passagem para. a condicao de adullo ‘ZIMERMAN & OSORIO ponto principal da influéncia dos pais na formagiio da identidade de seu filho cconsiste no fato de que eles sio os principais modelos de identificagao. Nos casos patogénicos, as principais falhas dos pais residem em fatores como os de querer, & forga, modelar os seus filhos segundo a sua imagem e feigdo, seguin- do 0 modelo dos seus respectivos pais, numa verdadeira compulsao a repeticao através das geragées. Um outro fator, muito comum ¢ igualmente prejudicial, consiste no fato dos pais tentarem completar suas ambig6es niio-realizadas atra- vés dos seus filhos, criando assim um clima de expectativas que, muitas vezes, sto imposstveis de serem realizadas, Outros problemas equivalentes podem ser 0 de uma mie muito simbiotizante ou deprimida, de um pai ausente ou super intole- rante, de pais incoerentes na determinagao dos limites e das limitagdes, na designa- ‘eto de papéis a serem estereotipadamente cumpridos ao longo da vida, na esco- ha de um filho como o bode expiatério ou porta-vor da patologia familiar, assim por diante, Em funedio dos fatores até aqui apontados, € importante reconhecer que a tipica cconduta desafiadora e provocativa por parte dos adolescentes pode dever-sc a0 prop6sito inconsciente de serem punidos, assim aliviando as suas culpas e fortifi- cando a tese de que sao vitimas, o que justificaria a sua posigdo agressiva, num cfreulo vicioso que pode se tomar crescente e intermindvel. Outra conseqiiéncia importante é que 0 adolescente pode preferir ser um nada ou ninguém a ter que assumir um feixe de identidades que Ihe estdo sendo impostas de formas contradit6rias e fragmentadas. Por iltimo, uma caracteristica marcante da adolescéncia e que se constitui no principal enfoque deste capitulo é o que diz respeito & sua forte tendéncia a gru- palidade. Desde logo, € necessdrio discriminar os trés tipos basicos de grupos formados espontaneamente por adolescentes: 08 normais, os drogativos e 0s delingiientes. (Os grupos normais assumem as caracteristicas tipicas que correspondem a faixa etéria da sua adolescéncia. Assim, no grupo de piiberes prevalece a linguagem corpo- ral elidica, de acordo com as suas mudangas corporais, como antes foi frisado. Por conseguinte, é comum que as meninas andem de maos dadas e criem um espaco de {jogos coletivos, enquanto os meninos se notabilizam pela comunicago por meio de empurrdes, socos e de esportes mais agressivos. Naadolescéncia propriamente dita e na tardia, prevalece a linguagem verbal de tipo contestat6rio, ¢ a nao-verbal através das atuagdes nas atitudes € conduta. O pon- to de vista fundamental é que se leve em conta a diferenca entre “agressividade” & “agressao”. Explico melhor: 0 verbo “agredit” se origina dos étimos latinos ad (para a frente) + gradior (movimento) € isso corresponde a0 fato de que a agressividade ngo s6 € natural, mas € indispensavel para o ser humano, da mesma forma que no reino animal, como um recurso de luta pela sobrevivéncia e de uma melhor qualidade € sucesso na vida. O termo “agressio”, por sua vez, designa a predomindncia dos intentos destrutivos. ‘Como se observa, a agressividade construtiva ¢ a agressio destrutiva tanto po- ‘dem se manifestar de forma claramente delimitada e diferenciada uma da outra como podem tangenciar, alternar, confundir-se entre si e assurair formas que confundem 0 observador extemo. ‘Umexemplo claro deste tiltimo aspecto pode ser dado pela costumeira contesta- ‘do veemente que um adolescente possa estar fazendo contra os valores habituais do establishment dos pais, escola e sociedade. Estard essa contestagio, nas méltiplas COMO TRABALIAMOSCOMGRUPOS + 63 formas como pode se apresentar, a servigo de uma agressio destrutiva, ou ela pode estar significando movimentos importantes de uma agressividade voltada para 0 ob- jetivo de uma auto-afirmagdo na construedo de sua identidade de adulto? “Transportando para um plano sociolégico, creio ser vélida uma comparagio com as guerras de independéncia das nagdes (como as do continente americano no século passado ou as africanas neste) contra 0s paises colonizadores, quando elas atingem um grau adolescente de desenvolvimento e de identidade de cidadania. ‘Vale a pena insistir neste ponto, pois ele é de fundamental importincia na discri- minagiio, nem sempre ficil de ser feita, entre a agressividade sadia dos individuos nos grupos ¢ o da patologia da violéncia, tanto a auto quanto a hetero destrutiva, Por conseguinte, um cuidado especial que os educadores devem exercer € 0 de evitar um apressado rétulo depreciativo ao carster belicoso do adolescente, pois a imagem que devolvermos a eles é a que subsistird e formard a sua prépria imagem e, portanto, a sua identidade, abe uma outra analogia, agora com uma queda d’égua: a forga avassaladora da ‘mesma tanto poderd destruir tudo 0 que ela atingir como poderé ser utilizada para fins benéficos — por exemplo, quando a energia mecdnica € devidamente drenada e canalizada, ou é transformada em alguma outra forma de energia, como, por exem- plo, a térmica ou. luminosa. Alids, essa paridade entre energia construtivae destrutiva test bem expressa nas palavras “vigor” e “violéncia”, ambas originadas do mesmo étimo latino vis, que quer dizer forga. ‘Da mesma maneira, em grande parte, compete aos educadores a responsabilida- de pelo destino construtivo ou destrutive da energia do adolescente, O passo inicial & a de que os educadores ~ pais, mestres, etc. — entendam 0 porqué da formaclo de ‘grupos em condigdes normais e sadias, ainda que aparentemente doentias. Para tanto, vamos listar alguns pontos mais relevantes: +O grupo é 0 habitat natural do adolescente. Nos casos sadios, vamos denominar turmas, e nos que sio destrutivos, gangues. grupo funciona como um objeto e um espaco transicional, ou seja, ele permite a saudével criagio de uma zona imagindria onde ainda existe uma mescla do real com um forte sentimento, ilusiio e magia onipotente. A diferenga é que, nas tur- ras, essa onipoténcia é transit6ria, e, nas gangues, permanece mais intensa ¢ permanente, essa forma, a turma propicia a formacio de uma nova identidade, intermedi entre a familia e a sociedade, com a assuncao € o exercicio de novos papéis. Igualmente, a turma cria um novo modelo de superego ou de ideais de ego quan- do os adolescentes sentem que nao podem, ou no querem, cumprir com os valo- res e ideais propostos e esperados pelos pais. Costuma haver — por vezes com um colorido manifestamente histérico ~ uma busca por fdolos que consubstanciem uma imagem ~ nio importa se fabricada pela midia—de alguém que seja portador e porta-vor dos ideais dos adolescentes tanto sob a forma de beleza quanto de prestigio, talento, riqueza ou de contesta- do libertéria. ‘A tendéncia a se agruparem também se deve ao fato de que: sentem-se menos expostos as criticas diretas; discriminam-se dos adultos; confiam mais nos valo- res de seus pares; diluem os sentimentos de vergonha, medo, culpa e inferiorida- de quando convivem com outros iguais a cles; reasseguram a auto-estima através cda imagem que os outros Ihe remetem. 64 + zomermaneosonto © grupo propicia um jogo de projegdes e introjegies, de idealizagbes e denegri- rmentos, de miltiplas dissociagées e integragoes. Da mesma forma, 0 adolescente esti angorado na fantasia de que a “unido faz a forga”, e com isso ele se sente ais forte, e a sta voz ressoa mais longe © mais potente. Ao mesmo tempo, a turma possibilita que cada um reconheca e seja reconhecido pelos outros, como alguém que, de fato, existe como um individuo, e que tem um espaco préprio. ‘A turma propicia o fortalecimento da identidade sexual ainda no defi ficil entender que a “turma do Bolinha’”, cujo lema é o de “meninas ndo entram”, ou a contraparte na “turma da Luluzinha” atestam no uma homossexualidade latente que um jufzo mais apressado poderia pressupor, mas, sim, como uma forma de fugir do sexo oposto. Essa fuga tanto serve para marcar enfaticamente as diferencas entre os g6neros sexuais, ¢ assim consolidar a sua identidade sexu- al, como também para proteger-se dos riscos inerentes as renascentes e temidas fantasias ligadas & reativagdo hormonal-libidinal. ‘Uma outra forma de as turmas firmarem a sua diferenciago com os adultos € pela via da obtengiio de um reconhecimento propiciado com sinais exteriores, Eomo sio as roupas-uniformes, 0 uso de motos potentes, a exibigio de pranchas de surf, o uso de insignias, os penteados algo bizarros, um tipo de mifsica da moda, etc, Nesses casos, pode-se dizer que, muitas vezes, as “modas” tomam o ugar das identidades, enquanto estas ainda no estao claramente definidas. ‘Nas turmas que denominamos drogativos ~ € diferente de drogadictos -, pode estar acontecendo que se trate de um grupo normal, no qual a droga esté unica- ‘mente servindo como um modismno, uma espécie de griffe de coragem e valoriza- {io junto aos respeetivos pares. Nesse caso, as drogas estariam desempenhando, ha atualidade, o mesmo papel que a proibigao rigorosa do cigarro representou para as geragdes mais antigas. Assim, paradoxalmente, a droga pode estar sendo lum fetiche que une e integra a turma. essa forma, é importante assinalar que a tendéncia antissocial da turma adoles~ cente referido anteriormente, a prinefpio, ndo é preocupante. Os individuos e 0 {grupo assim espontaneamente formado necessitam apenas serem contidos em seus excessos nas transgressdes das leis que regem a sociedade, sem pressiond- Jos para uma orientagdo adulta. A FORMACAO DE GANGUES ‘Tal como antes foi consignado, o aspecto mais caracterfstico de uma gangue é o da predomindncia das pulsdes agressivo-destrutivas, muitas vezes com requintes de per- Versidade ¢ de crueldade. Por que isso? A resposta ndo € facil, pois as causas determinantes nfo sZo tinicas e nem simples, pelo contrério, so miltiplas, comple- xas e abrangem fatores tanto da natureza do psiquismo interno como aqueles que dizem respeito as circunstincias da familia, os aspectos s6cio-culturais, econdmicos, politicos e também a influéncia da midia ‘Sabemos que existe uma constante interagZo entre o individuo € a sua socieda- de, e que a identidade do sujeito — especialmente a do adolescente — fica seriamente ‘ameagada quando hé um incremento de angdstias, quer as provindas de dentro dele, quer aquelas que, vindas de fora, abatem-se sobre ele com exigéncias e privagdes de toda ordem. COMO TRABALHAMOSCOMGRUPGs « 65 ‘Assim, uma primeira e ébvia razio é a de que uma gangue agressiva representa um grito de desespero e de protesto contra uma sociedade que nio s6 nfo os centende, como ainda os desampara, humilha, mente, corrompe ¢ degrada, Vale assinalar que, nessa busca desesperada por uma libertagdo, formarse um grande paradoxo, porquanto a organiza¢ao da gangue segue um tio rigido cédigo de leal- dade aos seus valores, que ele préprio acaba por se constituir num novo cativeiro. Como a maioria das gangues se forma no seio das classes mais humildes, temos ‘uma tendéncia em aceitar essa explicagdo de natureza s6cio-econémica como suficiente para entender o porqué da conduta predatéria dessas gangues contra a sociedade burguesa. No entanto, em classes mais favorecidas, esse fenémeno também nfo acontece raramente, o que comprova que o extravasamento de senti- ‘mentos de 6dio, inveja destrutiva e fmpetos de vinganga cruel nao € exclusivida- de de classes e de pessoas economicamente carenciadas. A caréncia é mais pro- funda e séria do que aquela unicamente econdmica e diz respeito as privagées de ‘ordem afetiva e do caos emocional de certas familias. Outra causa explicativa da empafia arrogante e onipotente que caracteriza cada ‘um dos individuos que pertencem & gangue consiste no fato de que, muito refor- sada pela antes aludida idéia de que a unio faz. a forga, exacerba-se uma sensa~ ‘¢do de onipoténcia e prepoténcia. Sabemos todos que, muitas vezes, 0 sujeito ‘necessita recorrer ao recurso mégico da onipoténcia como uma forma de fugir da depressio subjacente, do reconhecimento da sua fragitidade ¢ da dependéncia dos outros. Da mesma forma, um grupo favorece a diltigio do fardo de responsabi lidades e de culpas de cada um, separadamente, em relagio aos danos causados as outros. ‘Um aspecto importante a ser levado em conta € 0 fato de que, assim como, nas turmas sadias, a supervalorizac3o do tipo de vestimenta, penteado, gosto musi- cal, etc., pode estar sendo o emblema designativo da sua diferenciagtio com 0 establishment —ou, nas turmas drogativas o fetiche supervalorizado e diferenciador seja representado pela droga nas gangues deliquenciais, a violéncia, por si mes- ‘ma, pode se constituir como insfgnia principal. Dessa forma, o ideal da gangue se organiza em tomo da idealizagdo da violéncia, a qual nao s6 nfo é criticada pelos ‘pares, como ainda o seu prop6sito anti-social € significado por eles como uma demonstragio de audicia e valentia e, portanto, como um passaporte para a acei- taco e a admiragao dos demais. ‘Modelo de uma cfipula diretiva corrompida, seja no ambito familiar, sejano nivel ‘govemamental. AA influéncia da midia como um fator modelador da formagao de gangues no deve ser exagerada por parte dos estudiosos do assunto, porém também nio deve ser depreciada e est por merecer um estudo mais profundo. Por tiltimo, um aspecto muito importante 6 aquele que diz respeito a dificuldade em se conseguir modificar a progressiva expansio, numérica e destrutiva, das ‘gangues nascidas nas classes marginalizadas, Prendem-se ao fato de que os indivi- duos nascem erescem em um ambiente que tem uma cultura propria, com 0 cultivo de valores outros que no aqueles habitualmente considerados por nés como sendo os construtivos e saudaveis. Bles se organizam em uma sociedade paralela e, por isso, a regra é que eles nio se sentem como marginalizados, mas, sim, como orgulhosos portadores de uma cultura diferente, uma anticultura, com ‘um cédigo de valores morais, éticos e juridicos inteiramente & parte dos valores vigentes. 66 = ziwenwan a osonio (COMO ENFRENTAR O PROBLEMA? sta 6a parte mais dificil do presente capitulo, especialmente no ve ANE A gra ves problemas das gangues deliquenciais Talvez nenhum outro problema de causas © repel lénciassocaise ccondmicas tenha merecidotantos estos, ‘conferéncias, con- frescos divalgagio em todos veieulos daimprensac ano tenha mobilizado a preocu- pago nacional como este que se refere As criangas ‘marginalizadas e abandonadas; €, Pact monseqtiéncia deta, 8 formagao de bandos predat6rios cada vex Pas cousados. “Apesar de tudo isso, o problema continua crescente, sem solugio definitiva 8 vista. No entanto, alguma coisa pode ser dita ¢ feta Me cre elagao ds furmas que tanto costumam preocupar os Pal, 8 PUTTS medida que se impde €a de propicarinstrumentos que possi ilem wri reavaliagao medida ave f dos problemas dos “mal-entendidos” ene as geraybes, de ‘modo a res- gatar 0 dislogo entre pais efilhos. eoeutna de favorecer esse intercimbio afetivo e atemuar 0 crucio! problema domslentendido na comanicagao consistena promogio de grupos de reflexdio, coor “onadios por técnicos bem preparados, nilo necessariamente grupoterapentas. Esses trupos podem ser composts exclusivamente por adolescenics, ‘apenas pelos pais, ares serem constitufdos juntamente por diferentes adolescentes © respectivos pais, Os problemas so comuns,¢ a troca de experiéncins pode clarear muita coisa, Par ir enlpas e emores exagerados, bem como abrir um espago Para tolerdncia eo respeito recfproco. is eae gapectos mais importantes em relagio as aitudes dos pais conse £7) aque estes tentiam condigSes de pereeber que, muitas vores ‘aparéncia de agressdo, Re Foro ¢ desafio por parte dos flhos representa um saudéye! intent de afirmagio de sua personalidade instvele que abizarria da turma do soy filho se comporta como dim espago intermedifrio entre o seu mundo family © © ‘mundo social adulto. Em uns siislavras, os pais devem entender que os conilitos inerentes BS raudangas inter- gas sfo projetados e atuados sob a forma de rmudangas extermas re telagao asturmas drogativascom adolescents, anes de mais nada € indispen- sivel estabelecer a diferenga conceitual entre as expresses drogadicto” e “drogativo”. No primeiro caso, trata-se de uma adicgo qufmica, portant. de uma doengaaltamente preocupante, No segundo caso, trata-se do uso ce droge ativas, as quais, porém, Prope apa consumidas no pela compulsoriedade de um vicio @mm So jase cebclecet um eiteulo vicioso entre 0 organismo eo pSidAnTO. de sorte que a droga ‘equer uma saciedade urgentee irrefredvel), mas, sim, 0 adolescente da turma experi- requer mroga como ui ilusdrio ritual de passagem & condica0 de adulto livre © reconhecido pelos seus pares "A pergunta mais provavel que deve estar vorrendo 26 leitor costuma ser este: io halo isco de um adolescente drogativo passar 8 conde de drogadicto? Ev Tesponderia que sim e que nfo, tudo dependendo da este emocional bisica de cada adolescentes em particular. ‘fa mesma coisa que perguntar por que @ majoni® Gas pessoas bebe cerveja ou vinho, socialmente, ¢ serene ‘algumas delas derivar= para oalcoolismo? Por que, entre tantas pessoas dus J980 ccartas por lazer, algumes Peta se tomnam jogadores compulsivos? E assim por diane semana bésica de cada adolescente, por sua vez, depende fundamentalment= de come foi e como continua sendo forjado na sua familia nueleae Como o assum dda relagdo grupal entre pas efilhos é muito extenso, nao cabe aqui o seu aprofun casas basta dizer que um fator de primeira importancia € © 06% de modelo & mento, mms smitido pelos pais. Assim, € mito comum encontrarmos ma incoert comoTeanaLHaMos comanuros * 67 cia entre 0 que os pais dizem, fazem, ¢ 0 que, de fato, eles sao. Por exemplo, os pais podem pregar verdadeiros discursos de alerta contra os vicios, ao mesmo tempo que bstensivamente cultivam o seu vicio a0 cigarro, 2 comida, ou a remédios, ete. ‘O que essencialmente diferencia a existéncia de uma turma e de uma gangue é ‘que, na primeira, além de uma busca sadia por emancipagao, prevalecem os sentimentos amorosos, ainda que esses estejam camuflados por uma capa de onipoténcia e de pseudo-agressio. A turma se dissolve ao natural, porquanto 0s seus componentes frescem, tomam diferentes caminhos na vida eficam absorvidos pelo establishment. diferente nas gangues: neste caso, ha a predomindincia dos sentimentos de 6dio e vinganga, com a auséncia manifesta de sentimentos de culpa c de intentos. reparatorios, ancorados que aqueles estio na idealizagio de sua destrutividade. Em ‘caso de dissolucdo da gangue, 0s seus membros seguem a mesma trilha de delinguén- ‘ia ao longo da vida, tanto porque os conflitos s6cio-econdmicos estio continuamen- te reforgando e justificando a violéncia como porque o processo de separagio entre eles nfo foi devido a um processo natural de crescimento, mas, sim, pelo fato de que, {qual um foco infeccioso, cada um deles vai inoculando o virus deliquencial nas gera- ges vindouras. Por essa razio, & de dificilima solugao 0 complexo problema de con- {er a violéncia provinda das gangues organizadas em tomo de Iideres que fazem da ‘crueldade 0 set ideal de vida. Mesmo em paises do primeiro mundo, com todos os recursos econémicos e com técnicos especializados & disposigio das autoridades, 0 desafio do problema deliqieneial nfo esta sendo vencidos pelo contrério. ‘Nio se pode esquecer, no entanto, que, melhor do que simplesmente eruzar os bbragos ou fazer o instil jogo da retsrica bonita —¢ efetivar uma real tomada de inici- ativas que se diijam nfo tanto unicamente a necessdria ago repressiva dirigida isola- damente a individuos ou algumas gangues, mas sim ao investimento em processos educacionais, de al sorte que, desde muito cedo, acrianga marginalizada possa respei- tar, admirar, e assim incorporar novos modelos de valores provindos de técnicos, ceducadores. TE desnecessétio esclarecer que a énfase aqui tributada & educagio de forma nenhuma exclui a necessidade simulténea de uma agio repressiva por parte das autori~ dades competentes, especialmente porque a melhor maneira de mostrar amor por tuma crianga ou adolescente é saber impor limites adequados a sua onipoténcia. ‘As outras medidas que idealmente poderiam solucionar o problema das gangues violentas sf0 ut6picas e totalmente invidveis para a nossa realidade atual, porém no custa fazer algumas cogitagdes: + Uma mudanga na mentalidade das classes dirigentes e na elite econémica, de tal sorte que 0 modelo que vern de cima para baixo nido viesse impregnado com os valores da hipocrisia e da corrupea ‘Uma profunda modificagio na distribuigdo de renda, de maneira que se propici- asse condigSes de vida, no minimo dignas, principalmente para as criangas. ‘Uma participagao mais profunda do Estado junto as comunidades, de forma a propiciar a disseminagéo de grupos operativos educativos dirigidos a eriangas, adolescentes, pais e educadores em geral. Embora a ja mencionada obviedade de que as duas primeiras cogitagBes sfi0 totalmente inalcangdveis em nosso meio, a terceira delas é bastante vidvel e talvez possibilitasse, mais precocemente, uma mudanga de mentalidade nas classes sociais mais desfavorecidas, no sentido de substituir a idealizagio da violéncia por outros valores e por uma outra ética de convivio grupal e social.

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