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A Corte Hig ode eye hate Mekmer-A CHicia Negeace 2.9 Texas Arter: Pio Herrique de Fouarase ‘Antara; Nenbuar Ebitmrns Puleagte Lachltre Edlere Eaicans 1 A CIENCIA OFICIAL esté chegando ao firn de ima estrada sem sida pela qual ver trilhanda’ nos dltimos 150 anos. AS evidénicias poder ser vistas” na clara ames ‘em nosso planeta, Aquecimento global, deseongels- mento das camadas polares com elevagio do nivel dlo mar, destnigto da camiada de ez6nio, criagdo de superinsetot e superbactérias a partir da utilizagio de inseticidas antibi6ticos si0 alguns dos efeitos: da ago de uma cincia de base ateista e materialista. Descobrir o momento em que cigncia optow.por. esse caminho, abendonando sua orgem epiriiaita, 2 prdpria sobrevivéneia humana’ 6 0 objetivo da colegdo "Conspiragao do Silénsio” Sea Inquisigto utilizou.se das foguciras par silenciat 8 verdade, 05 métodasutlizados pels representantes oi MESMER COLECAO CONSPIRACAO DO SILENCIO Historiadores como Marc Ferro referem-se & idéia de uma hist6ria vigiaca ou de uma hist6ria silenciada. Interesses econémicos, politicos ¢ ideolégicos podem interferir nunsa narrativa hist6rica, fazendo com que conhecemos apenas umn lado das coisas. Um dado ainda no conhecido pela maioria nesse sentido € de que houve um forte silenciamento de cor. rentes que desenvolveram ciéncias e doutrinas com pesquisa experimental, mas nfo assumiram o5 Pressupostos do mate- ialismo, que se tornou a imposigio ideologica a partir de meados do século XIX. Os que iniciaram a medicina experi- ‘mental efugiram dos horrores da sangria edas purgagées. de que se constitufa a prética médica do século XVIII ~ foram ‘os médicos Mesmer ¢ Hahnemann, com o magnestismo ¢ a homeopatia, propostas médicas vitalistas. Mesmer, porém, foi caluniado historicamente como charlatiéo e Hahnemann | quase desconhecido por aqueles que vao estudar medicina Quem propés primeiro a constituicdo de uma ciéncia peda- gOsica foi Pestalozzi e, depois, seu discipulo Rivail, no virar do século XVIN e XIX. Mas quem leva 0 mérito si0 0s que a desenvolveram sob a ética cognitivista e biolégica, deixando de lado a dimenséo espiritual do educando. O evoluicionisme biolégico foi uma teoria proposta por dois pesquisadores que trabalharam paralclamente e a apresentaram no mestno dia as sociedades cientificas de Londres: Charles Darwin ¢ Rus- sel Wallace. Hoje estudamos Darwin na escola, mas Russel jamais € mencionado. E que o evolucionismo darwinista dis- pensa Deus e a alma ¢ Russel Wallace era espiritualista, A série Conspiracdo do Silencio ¢ um projeto que pre- tende resgatar esses grandes silenciados, que teriam conduzi- | doaciénciaa um ‘conhecimento menos fragmentadoe menos | dogmatico. Eles foram esquecidos propositalmente. Neste ‘momento histérico de tantas perplexidades, eles poderio in. dicar caminhos que deixamos de trilhar, apenas para nao ferir interesses de pessoas e grupos, que impuseram o materialis. ‘mo como tinica verdade. PAULO HENRIQUE DE FIG UEIREDO MESMER A CIENCIA NEGADA E OS TEXTOS ESCONDIDOS Esta obra contém integra dos mais importantes livros escritos por Mesmer ¢ perdidos por mais de dois séculos, ‘Tradugio dos textos de Mesmer ALVARO GLEREAN ©2005 Paulo Henrique de Figueiredo Editora Lachttre Leds Rua José Emilio, 207, Jd. América CEP 12907-090 Bragenge Paulista SP ‘Tel (011) 4033-3999 / Pax (011) 4032-3106 Pégina na internet: http//worw lachatce.com.br Correio eletronico:lechtre@lachstre.com.be can “Ande! Poless ‘TRADUGKO DO FRANG#S DOS TEXTOS DE MESMER ‘Alvaro Glerean Compesque Renato Bittencourt Graswre DE PRoDUCAO Teabel Valle 1 edigfo ~ Maio de 2008 120 3.000" exemplar Impresso na Yangraf Gréfice e Eitora Lida. A reprodugto parcial ou total desta obre, por qualquer meio, somente seri permitida com a eutorizagia por escrito da Editors. (Lei n® 9.610 de 19.02.1598) Impresso no Brasil Presits en Brazslo arses Crim onto 1F492m_ Figueiredo, Paulo Henrique de, 1966- Mesmer,a clécia negatia eos textos excondidas / Pa- lo Henrique de Figueiredo. Tradugio do francs dos tex tos de Mesmer de Alvaro Glerean. Braganga Pasta, SP: Lachitre, 2005, Aptedice Incl bibiograia 640. |. Magnetism animal. 2 Medicina, 3 Histéeia da medic- ‘as, 4 Sistemas teraptutices, 5.Mesmer, Franz Anton, 1734-1815. Titolo. IL. Bibliografa ‘DD 610.981 1339 Nasci em tempos rudes Aceitei contradigées lutas e pedras como lighes de vida e delas me sirvo Aprendi a viver. ‘CORA CORALINA Foi assim que viu a vida Cora Coralina, Empresto esse poema para expressar minha gratidéo obrigado, Viviane, Juliana e Carolina, SUMARIO Preficio do tradutor Introdugio . Cronologia . 1-Uma cuidadosaformagio. .., ML-Doutoradoemmedicin. .. 00 || U1-Omegnetismo animal. || | IV- Mozart nos jardins de Mesmer . | | | | V-Abaquet eoutros métodos . ee VI-Mesmere oespiritualismo . . , Vil-O sonambulismomagnético | . VIU-Megnetismoe espiritismo.. || | | | DX. Mesmer resurge entreosespiritos. ||| || 2X. Bibliografis completa de Franz Anton Mesmer Segunda Parte: breve histéria da medicina 1- Amedicina oficial nos temposdeMesmer. Il- Medicina cientificae Filosofia. . Il Cristianismoe cura. . . . IX ‘Ogalenismo ea teoria dos: humores . V-Amedicina dogmética . Vi- Surgem contestagées e reformas VII-O renascimento das ciéncias médicas. ‘VIII - Oiluminismo ea. medicine vitalista . IX- Espiritualismo e materialismo X-Amedicina integral... .-. “a Primeira Parte: biografia de Franz Anton Mesmer 51 59 o7 7 83 93 109 7 133 - 141 145 151 - 167 173, v7 195 2a = 219 227 243 - 249 Terceira Parte: obras originais de Mesmer Suméric hist6rico das obras de Mesmer . . . 271 Moméria sobrea descoberta do magnetismo animal |... 298 Notaa edicio brasileira beeen es 297 Avisoao pablico. . 2299 Meméria sobrea descoberta do magnetismo - 301 Proposicées . » 328 Apéndice 2... cece . . 332 Reswano hist6rico dos fatos relativos ao magnetismio animal. . . 339 Nota a edigio brasileira. . . bee e ee. B40 Lista das corporagSes de sébios. . . . . 341 Resumo histérico dos fatos relativos a0 ‘magnetismo animal... 5 344 Relagdes com a Faculdade de Medicina de Viena. . . 351 Relagbes com a Academia de Ciéncias de Paris... , 358 RelagSes com a Sociedade Real de Medicina de Paris . 374 Relagoes diversas de agosto de 1778 a setembro de 1780. 394 Relagées com a Faculdade de Medicina de Paris... 421 Proposig6es do senhor Mesmer.a Faculdade deMedicinadeParis 6... 2. 423, Reflexées hist6ricas servindo de conclusio aesta obra. 477 Pecas justificativas. .... eee. 502 Meméria deF.A. Mesmer, doutor em medicina, sobre suas descoberta:S03 Notas edigio brasileira, 6... 510 Preficio ee se 512 Meméria de F. A. Mesmer, doutor em medicina, sobre suas descobertas . on +. S15 Apéndice I: Magnetismo animal e homeopatia vo 565 Apéndice II Aforismes dosenkerMesmer .. 575 NotaAedigiobrasileira. 20.2... - 576 AforismosdosenhorMesmer .........., 577 Apéndice Il: Uma falsa publicagdo . . eee 627 Bibliografia 629 PREFACIO DO TRADUTOR Conheci, certamente ndo por acaso, uma pessoa, o Paulo Henrique, que estava 8 procura de alguém que pudesse tradu- ir do francés livros escritos por Mesmer e seus discfpulos, Apés relatar o seu projeto, ou seja, o de escrever sobre o mag- netismo, relacionando-o com o espiritualismo e com a doutri- na espirita, perguntou se eu ndo conhecia alguém que pudesse fazer as tradugdes. Como eu havia feito jé a tradugSo de um li- ‘vro cientifico do francés e a supervisio de uma outra traducio, respondi que poderia tentar, mesmo porque eu jé estava quase que totalmente envolvido com o tema, pela simples exposigio que ele havia feito. Com o passar do tempo, vencendo todas as dificuldades préprias de uma traducdo, mais ainda por se tratar de assunto que envolvia nio $6 a parte médica, mas também a parte con- ceitual da época (século 18), além do texto original com a grafia © os caracteres gréficos também da época, acabei me envalven- do profundamente com o assunto e addquirindo conhecimentos valiosos nao s6 do ponto de vista conceitual como também fi- loséfico. Travei conhecimento intimo com duas personalida- des marcantes (Mesmer e 0 marqués de Puységur), ampla- mente cultas ¢ que, com certeza, podem ser inclufdos entre aquelas pessoas que vieram para exercer uma misséo aqui no ‘nosso mundo. No momento em que percebi este fato, a tradu- fo passou a ser para mim como que uma obrigaco que deve- tia ser cumprida da melhor maneira possivel, pois que deveria servir no s6 para divulgar o pensamento e as teorias de am- bos, como também como tentativa para resgaté-los 10 PAULO HeNRIQUEDE FicvEsREDO Esta experiéncia foi para mim extremamente gratifican- te, porque pude conhecer mais fund essas personalidades impares, além de entrar em contato com a época em que eles viveram, assim como com 0 conhecimento médico, flos6fico social, também todas as dificuldades por eles enfrentadas ¢ suas lutas inglérias para divulgar suas descobertas e importan- tes achados sobre o magnetismo animal e suas aplicagées na medicina. Em resume, tive a dolorosa sensagéo de estar convi- vendo com toda aquela gente e seu modo de sere de agir,¢ es- tar assistindo As manobras vis realizadas por puto interesse Contra os dois pioneiros — manobras que ecebaram impedindo que eles impusessem seu modo de curar. Ao mesmo tempo, estive observando sua tenacidade e sua alta capacidade de tra. balho visando & cura de seus pacientes, geralmente agindo em Circunstancias inadequadas. Enfim, creio que este trabalho acrescentou algo positive no meu modo de ser e de pensar: a0 se tomar conhecimento de vidas como estas, bem como das Vidas de seus contempordneos, néo hé como deixar de apren- der muito ¢ de agradecer pela excelente oportunidade de ser ‘um pouco iti AtvaRo GLEREAN ‘Nascido em So Paulo, capital, @21 de maiode 1930, or. Alvaro Ge. ‘eva formou-se em medicina pela Escola Paulista de Medicina (ated Ue fesp) em 1956. Monitor da cadeira de ‘histologia da Escola Paulista de Medi- ‘ina. Docente da dscpna de histologia da Faculdade de Odontologia de Sto José dos Campos. Doutor em ciacia pela Universidade de $50 Pala, 1969. Docente da disciplina de histologia embriologia geral do Instituto de Citscas Biomédicas da Universidade de Sio Paulo: Docente ca dil ‘nse histologia do departamento de Morfologia da Universidade Federal de Sto evlo, Ercole Paulista de Medicina. Tradstor de ios centificos dela, sa francesa, Autor do Manual de hstolopia (Atheneu, Sto Paulo, 2002) INTRODUGAO. Aqucle que dese filosofar deve, antes de tudo, dluvidar de todss as coisas. Nio deve sdotar poss ‘num debate antes de ouvir as vérias opiniges e consi- eras © comparar as razbes pré e contra. Jamais deve julger ou adotar posigéo com base no que ouvlu, na opinido da maioria,naidade, nos méritos ou no pres. ‘igio do'orador em questéo, mas deve proceder de acorco com a persuasto de uma doutrina orgiaica ue sea fiel As coisas reais ea uma verdade que posta ser entendida 3 luz da razio, GIORDANO BRUNO Consideragées iniciais No Brasil, existe uma escassez de fontes para pesquisa so- bre o mesmerismo. As tradugées, praticamente inexistentes em lingua Portuguesa, resumem-se a uma dnica ¢ rarissima publicacéo contendo extratos de um dos livros de Mesmer, suas memérias de 1779 ¢ 1799.1 A obra foi editada em 1962 ——_—__ Primeira tredugio pare lingua inglese de Mémoire sur la decouverte du ‘magretisme animal fi publcada sornente em 1948: Mesmeriem by doc, ‘er Meumer (1779), screcida de urna monografia de Glen Fravkaw tradnida por V. R’Myers. London, Macdonald, 2. As memcias do doutor Mesmer, de 1779 ¢ 1799, foam publicadas em foido acusages de estar apenas em busca de fortuna e prestsi, Pois, antes de tudo, suas posses eram suficientes para manté-le confortavelmente por toda sua vida. Eo seu prestigio, conquista, do por uma brilhante carreira na medicina e na cultura em geral, foi completamente abalado depois de ele se dedicar a0 magnetis: imo, Apesar da traletériaatribulada e permeada por persegug6es ¢ sofrtmentos, Mesmer manteve admiriveis condicées de save ¢ disposiglo. Desencamou licido, e ainda curando seus conten. rne0s, aos oitenta e um anos de idade. A explicagao de Mesmer sobre sua dedicacao & descober- ta do magnetismo animal ¢ ao mesmo tempo um convite lel, tra de sua obra © uma revelacfo de seu verdadeiro carster: Superior atantos obstéculos ¢ contradicdes, acreditel ser \ necessirio ao progresso da cincia, mais tinda ao sucesso do imugnetisme, publicar minhas idéias sobre a organizagio ¢ influtncia respectiva do corpo. Absndono velvateriemente ‘minha teoria& critics, dectarando que ndo teaho nem tempo nem vontade de responder. Néo teria nada a dizer iqueles ‘ue, incapazes de me julgar com justiga © com generoeidade, ‘fomptazem-se em me combater com disposigées puramente hosts ou sem nada melhor para substituir aquilo que preter, ‘dem destruir, een verei com prazer melhores génios remon. 16 PAULO HENRIQUEDE FICURIREDO tarem princpios mais sidos, mais luminosos; talentot ais amplos que os meus descobrirem novos fatos¢ tomar, Por suas concepses,e seus trabalhos, minhas deseobertay Binds mais interestantes: em uaa palavra, eu devo desejar ‘que se faca melhor do que ex. Ser suciete sempre Amis nha gléria ter podido abrir um vasto campo aos cllclos da cldnciae de ter de algum modo tragadoarota desta nova car- reita. Como me esta apercorrer apenas am curt tec do ‘aminho da vide, deejaconsagra o que me rests de existen, {22 Baca pritica de um meio que recanhego coma eminen temente til 8 conservagio de meus semelhentes,« fan de «que no sejar, de agora em dlante, expostos as chances in Caleuléveis das drogas ede sus aplicagio™ (MESMER, 1759) ‘Um critico justo e coerente do magnetismo animal, res- peitando o desejo manifestade por Mesmer, tem o dever de agit com seriedade e rigor metSdico, tudo estudando antes de considerar-se em condigées de elaborar conclusoes. Basta lembrar as recomendag6es de Allan Kardec, carregadas do seu peculiar bom senso: _Sése pede consider como ete ati aque que howre- se tudo visto, tudo estudacdo, com a pacidncia « a perseverance cde um cbservador consciencioso; que soubesse sobre cise 2:- ‘sunto tanto quanto o mais esclarecido adepto; que nao tivesse cextrafdo seus conhecimentos dos romances das ciéncis a ‘qaem no poderia opor nenham fato do seu desconhecimento, ‘argumento que ele néo tivesse meditado, que refutes: 8 nfo por negacies, mas por meio de outros arguments roais perempt6rios; que pudesse, enfm, atribuir uma causa mais 16 1a os fatosaveriguados. (Revista Espiriea, 1860, 9.271) Como bem disse Allan Kardec, para compreender o mag- netismo animal € preciso estudar, com paciencia e perseveran- , todos os seus fatos. Mas também mergulhar nas obras de Mesmer para conhecer seus argumentos, o desenvolvimenta de suas idéias, as descrigbes de suas descobertas, os verdedei. tos fatos por ele relatados, Pera isso é necessério voltar a0 pas. sado, relembrando a ciéncia, a situagio politica, os costumes & a consciéncia de sua época e decifrar o significado dos termos vigentes em sua culture. Enfim, é preciso estudar também os antecedentes e precursores de sua doutrina. MESMER-A CIENCIA NEGADA E05 TIXTOS ESCONDIDOS v Este estudo tem como finalidade contribuir para uma re- paragio desta lacuna: 0 desconhecimento, em nossos dias, da Senambulismo como fenémeno natural, podendo ser provocs, do pelo magnetismo. Tendo estudado a ciéncia do magnetis. mo animal por trintae cinco anos, logo constatou que as divas ram cigncias irmis. “O magnetismo e o espiritismo se dio as ‘mos. Sdo duas partes de um mesmo todo, dois ramos de uma mesma ciéncia, que se completam e se explicam um pelo ou tro. Acreditar no ‘Mmagnetismo € abrir caminho a0 espiritismo, € reciprocamente.” (Revista Esptriza, 1867, p. 347) -MESMER -& CIENCIA NEGADA 5 0S TEXTOS ESCONDIDOS 46 ‘enc , de (O magnetismo, como ciéncia, sofreu violentos ataques comunidade médica tradicional desde quando Mesmer divulgou seus primeiros resultados. Entretanto, esclareceu Kardec que o.. ..] magnetism preparou o caminho do espritismo e os shin tgs asta na dota sa Rereee mente devidos & vulgarizagfo das idéias sobre a primeira. Dos fentmenos magnéticos, do sonambulismo e do éxtate As manifestagdes espiritas hé apenas ur passo. Sus conexfo é tal que, por assim dizer, ¢impossvel falar de ura sem fler do outro. (Revista Esprita, 1858, p, 96) O codificador do espiritismo ainda afirmaria ter sido 0 aparecimento do espiritismo preparado por varios pesquise- dores como Swendenborg, Mesmer e Puységur. De scordo com Kardec, as grandes idéias s4o antecipadas, como o cristia~ nismo teve Sécrates e Plato como precursores: 16 um sécule tinham preparado seu aparecimento, Swe- denborg, [.] Sem esquecer Mesmer, que deu a canhecer a fooga fluidica, de Puységur[..] Todos levantaram uma: onta do véu da vida espiritual; todos giearam em torno da verda- deira hie dela se aproximaram mais ou menos; todos prepa~ ram os caminhes e dispuseram os expiritos, de torte que, [por assim dizer, o espiritismo apenas teve que completar © (que havia sido esbogado. (Revista Espirta, 1865, p. 264) O espiritismo nfo seria completo sem as descobertas do mesmerismo, "Se tivermos que ficar fora da ciéncia do magne- tismo, nosso quado ficardincompleto e poderemos ser compa- rados a um professor de fisica que se abstivesse de falar da luz, (Revista Esptrita, 1858, p. 96). Kardec, no entanto, nfo repro- duziu em sua obra os textos doutrinérios do magnetismo. Em sua época, diversas instituicbes de pesquisa, clinicas, periédicos © grupos cientficos frequentades por médicos e pesquisadores citidavam do assunto com profundidade e experitncia. Por isso Kardec, em sua Revista Espfrita, nao se referiu diretamente as doutrinas do magnetismo animal, “sendo acessoriamente, mas de maneira suficiente para mostrar as relagbes intimas das duas ciencias que, na verdade, nfo passam de uma’. PAULO HENRIQUEDE FIGUEIREDO Marqués de Puységur defendeu o Mesmerismo Em 1813, dois anos antes do desencame de Mesmer, omar- qués de Puységur teceu as seguintes consideragées num artigo: ‘As sonémbulas magnéticas nao guardam neahums lem- bbranga, no seu despertar, das experiéncias de que partici ram. Nada Ihes fica gravado na memé6ria, ‘Acesta cbscuridade, que em todos os tempos deve envel- ver os fenémenos magnéticos, & que cumpre ateibuir a igno- rincia em que os homens estiveram até aqui da existéncia de ‘uma das suas meis belas faculdades. Assim como 0 acaso, 0 antes a observagio, fizera Newton descobrir a perpétua gra- vitagio dos corpos, que todos os seus conhecimentos mate- rmiticos antecedentes no lhe puderam fazer presumir; da ‘mesma maneira cumpria que se encontrasse um observador |guc, somente mais atento que outro aos perpétuos eflévios do fluido, ou principio vital dos corpos organizados, reparas- se enfim na influéncia dos seus sobre o principio ou fluido vi- tal de seus semelhantes. Cumpris que aquele homem fosse douto na fisica, na quimice, na Fisiologia, para que pudesse ditigir as suas observagSes sobre causes perteaceates Aquelas ciéncias ¢, demais, cumpria ainda que fosse médico, para loge aplicé-lo ao tratamento a0 alivio dos males da humani- dade. Esse homem, em quem se achou reunido tanto mérito ce tantas quilidades, é 0 seahor doutor Mesmer, anciio hoje setirado, © quase ignorado, numa pequena aldeia da Suise, porém cuja imagem e nome transmitir-se-4o com gloria & posteridade seconhecida. [| Infelizmente para Mesmer, _nGo se dava com 2 sua descoberta o mesmo que com todas as {que se fizeram antes dele sobre ¢ natureza morta e inanima- da, de cujarealidade cada um pode, a cada instante, certifi- car-se com 0 auxfio dos mesmas instrumentos ou dos mes- ‘mos processas que as fizeram alcansar por seus primeiros observadores. Para que os fendmenos do magnetismo animal se manifestem, Mesmer era tnico investigador. Sendo 36, ‘esse homem reproduziré esse fendmeno milhares de vezes 1s vistas de seus conternporineos. Para os menos esclarecidos, sero milagres; para os doutores,ilustes; e sob esses dois as- pectos, igualmente enganadores, ninguém sto e consciente- -mente poders jugar. Tal, com efeito, conteceu com 2 descoberta de Mesmer: aparecendo no meio de uma geragio ainda imbuida das lem- bbrangat dos pretendicios milagres praticados sobre o timulo | -MESMER~ A CIENCIA NEGADAE0S TEXTOS ESCONDIDOS a do discono Paris, que asembleias cvs c religiosss havi condenado sem haver podido explici-los nem concebé los. -Emluta com doutores indignad com razio contra as exage- agbes misticas e metafsicas 8 que esses prestigios haviam dedo causa, ¢ sob um gorerno vacilante, do qual a idectogia republicanae oflosofismo mais absurdo haviem desde mui totempo solapado os alicerces, tudo concorria para nto fuze? ‘qncarar Mesmer, 4 sua chegada 8 Franga, sendo como um ‘taumaturgo empreendedore audscioso, que, para strapalhar marcha de uma revolugéo salutar,vinha renovar antigos er- rose remogar velhes prevengées. Apeser de alguns médicos franceses muito afamados haverem altamente reconhecide a existdncis © a utlldade da descoberta de seu doute colega, cla nto detxou de ser proscrita pela desfavorével decisto que sobre ela deram, a excegto de um s6, todos of sEbios comis- sirios encerregados de julgs-la, ea verdide de fato mais ad ‘miravel que talvezjamsis se haja manifestado As cinciasfsi- cat fisiol6gicas, nfo fol mais, desde esse momento, do que ‘um objeto dle zombaria aos olhos doe seus profanadores. Demis, quaisquer que fossem os motivo que levaram a opinido a declatar-se tho fortemente contra o magnetisno animal, certo & que ndo podem mais servir de desculpa 10 siléncio que os sbiosatuais guardassem hoje a seu respeito. ‘Acvidéncta earegulardade das suas manifestagies, os resul- tados constantemente salutares da sua aplicaggo a0 tat mento das moléstias, atestados por trinta anos de experién. «ia © de cbservacio, tudo enfim serve park provar # esses doutos que o magnetism do homer & uma verdade incon testével. (MONTEGGIA, 1861) Fazendo um apelo a razdo Stbios da Fransa inteir,fago o tltimo apelo a0 vosso dis- ‘cemimento, Tudo quinto anteriormente se acreditou on de- cidiu do magnetismo animal néo influ, pores, sobre a opi. nifo que deveis ter dele, pois nao haveria mais cazio para egurdes a sus existéncis, porque o ceicismno filoséfico do sé culo 18 otratou de quimera, do que o credes prestgio migi- oou obra do deménio, porque a ideologia mistica dos sécu- los 16 e 17 0 prescreveu e condenou como tai, NSo, Senhores, 0 fatos devem ser para os sdbios do século 19 6 ‘nico catecismo de sua ceuio, E sob um governo cujo chefe declarousse inimigo de toda a expécie de ideologia, porque 48 PAULO HENRIQUE DE PtCUEIREDO st na altura de todas as céncias que profestis,no haver pares ouras verdad slem ces stn Estee Soke ‘uma ordem técita que ele vos dé, de Ihe dizerdes enfim se 0 ‘magnetismo é um fato, essa liberdade que me concede de Publicar cada ao os seus fendmencs ede convidrevs eae vir cbservito? Quel 60 fi dea léncias sento descaber & verdade pela obscrvacto das lei da natures? [-] Oqso cine que este magnetsmo, quando o tempo tives sucbostang sum exisuncia,obrigaré en stbiosfscose outon a recfes, ‘Fem, ou mesmo mudarem as intimeras nocdes que cles havi- amedotadoanes dec recashecerer. (MONTECGIN, 1861) £ imprescindivel, nos dias de hoje, fazer uma reviséo da doutrina de Mesmer e seus seguidores ~ Puységur, Deleuse du Potet etc. E 0 espiritismo € a ferramenta necesséria pare esta tarefe, .,P ySegUr Conta, em seguida, o que the disse um homem sibio, mas incrédulo, que foi & sua casa em 181] e, vendo tré homens doentes entrarem em transe sonambilico, confessou O maior esforco para mim, senhor, nfo € 0 aereditar nas sas experiéncias; pois néo tenho, por certo, 3 pretensio nem a presuneio de tudo saber; mas € 0 ter muito que descrer.a ser real tudo quanto vejo neste momento”. E, em seu artigo, com. Cluirevelando sua crenga em Detis como causa priméria de to. das as coisas: hhipstese: este causa €0 ato valuta do meu pensancate, ‘Acasa, pois, de tds os fenémencs magnéicor no univer: s0€um grende,etemoesoberanopensamnento E Deus, eal que estd em tudo, abraga tudo, € que est no homem como 6 bhomem ext nel, toma 0 nosso se, ou nos amttinda oo, cera no tempo, snceivel de elas imaterias com 0 se ‘incpioe digns de poder reuni-e a Ee no eterna. Uma revolugéo na medicina Existe uma hist6ria praticamente oculta nos livros de his- toria da medicina. As terapias alopéticas, atualmente em crise, { MESMER- A CIENCIA NEGADAE 0S TEXTOS ESCONDIDOS 0 so uma continuidede do pensamento galenista (contraria contraribus curantur), na roupagem dos medicamentos no- ‘vos, porém tio agressivos e prejudiciais quanto os empregados nos milénios anteriores. Por outro lado, as alternativas tera- éuticas criadas a partir das descobertas cientificas dos pes- quisadores vitalistas foram combatidas, caluniadas, deturpa- das ¢ finalmente silenciadas pela cigncia oficial. ‘As cidncias médicas vio descobrir no espiritualismo o que Ihe falta para superar os limites impostos pelo materialismo, ‘Os casos hoje insoliveis, os sofrimentos desnecessérios, as ra- 2es ocultas que desafiam os médicos serio resolvidos quando as verdadeiras causas forem stacadas. Veja o que disse Kardec, em O evangetho segundo o espiritismo. Se os médicos si malsucedidos, tratando ds maior parte des mols, € que tratar do corpo sem trtarem da aa, ‘Ona nose achanda © todo em bom exado, iapossvel € que ‘uma parte dele passe bem. O espiritismno fornece a chave das relages existente entre alma eo corpo e ova que um rage Jncesantemente sobre o outro. Abre, assim, nova senda para Géncia. Como Ihe mostra a verdadeira causa de certas afec- ‘s6es, faculta-lhe os meios de as combater. Quando a ciéncia le- ‘rem conta a aio do elemento esprinlna econo, menos freqiente serio os seus maus fits. (KARDEC, 1863, p. 51) Trés quartos da populagio mundial sio pessoas pobres, Jé- mais a estrutura médica materialista atender,isolada, 2s necessi- dades da humanidade, A populagio mundial precisa de wm tra- tamento eficaz, barato, sem efeitos colaterais e que ataque @ verdadeira causa das doencas. Uma revolugio da medicina tera ‘um caréter social inevitvel. Ea fratemnidade serd a base dessa luta 1734 1743 1750 1754 1759 1760 1766 Cronologia de Mesmer Franz Anton Mesmer nasce em Iznang, aldeia proxi- ma a0 lago de Constanca, na regio da Sudbia, hoje Alemanka, no dia 23 de maio. E levado pelos pais para o monastério Reichenau, em Constanga, onde, durante seis anos, estudou linguas, literatura cléssica literatura e mésica com os monges. Ingressa na universidade jesuita de Dillingen, na Ba- véria, onde estudou filosofia por quatro anos, che- gando ao doutorado. Passa a ler as obras de Galileu, Descartes, Leibniz, Kepler, Newton etc. Inicia 0 curso de teologia na Universidade de Ingols- tadt, também na Bavéria, Ingressa na Universidade de Viena, Austria, e no pri- meiro ano estuda leis, ‘Transfere-se, na mesma universidade, para o melhor curso de medicina da Europa, totalmente reformula- do por Gerhard van Swieten — discipulo de Boerhaa- ‘ve, 0 mais respeitado professor da época, conhecido como o "Hipécrates holandés”, Depois de seis anos estudando medicina, no dia 27 de maio, conquista 0 doutorado com uma disserta- so, Dissertatio physico-medica de planetarum influ. xu, sob a égide de Newton e talver de Paraceiso. Neste texto, que trata da influéncia dos planetas so bre © corpo humano, usou pela primeira vez 0 con- ceito de fluido universal. 51 32 1768 1768 1773) PAULO HENRIQUE DE FlaUEIREDO Casa-se com Maria Anna von Bosch, numa con- corrida cerimOnja, em 10 de janeiro, celebradia na ca tedral de Santo Estévao pelo arcebispo de Viena. Muda-se para uma mansio em Landstrasse, onde promovia saraus musicais com Mozart,. Gluck, Haydn e outros, \ Estréia, em outubro, no teatro de seu jardim, a pri- meira apresentacéo em Viena de uma épera de Mo- zart. Entdo apenas um menino de doze anos, o com- Positor apresentou seu primeiro singspiel em alemo, uma comédia popular, Bastien et bastienne, Inicia 0 primeiro tratamento pelo magnetismo ani- «mal. A paciente foi uma parenta da esposa de Mesmer 1778 € amiga da familia Mozart, Franziska Esterlina, uma senhorita de vinte e nove anos bastante debilitada, ‘Com @ pouca acolhida dada a sua descoberta, determi- zna-se anada mais realizar publicamente em Viena, Vi Ja para diversos paises da Europa anunciando sua des- coberta, Visita Suébia, Bavéria, Suica, Hungria etc, Publica uma Carta ao povo'de Frankfurt, que repre- senta uma importante fase do desenvolvimento de sua teoria, Pela primeira vez definiu 0 magnetismo animal como sendo a capacidade de um incividuo causar efei- tos similares a0 magnetismo mineral em outta pessoa. Em 5 de janeiro, publica em jomais ¢ panfletos uma Carta a wn médica estrangeiro, esclarecendo a terapia lo megnetismo animal. Foi primeiramente enderecada a0 medico Johann Christoph Unzer, de Altona, Em Munique, a 28 de novembro, & aceito como membro da Academia do Eleitorado da Baviera, Deixa de fazer uso do ima como simples condutor do muagnetismo animal, para evitar mal-entendido por parte dos médicos ¢ fisicos. Continua a ‘usar dgua, garrafas, barras de ferro. 777 1778 179 1780 1781 1782 1784 MESMER~A GENCIA NEGADA E OS TEXTOS ESCONDIDOS 53 Publica Cartas sabre a cura magnética, esclarecendo sua tese de doutorado, e as envia, como divulgacéo, a alguns médicos. Aceite como paciente a famosa pianista Maria Theresa Paradis, desde 20 de janeiro, curando sua cegueira e gerando controvérsias, Chega a Paris, no més de fevereiro, e comesa a apresentar suas descobertas para os sSbios e os médi- cos desta capital. Nesse mesmo ano morrem Voltai- re e Rousseau. Retira-se no més de maio, com alguns doentes, para a cidade de Creteil. Requisita comissérios da So- ciedade Real de Medicina de Paris para que eles fis- ‘ calizem as curas, 0 que foi recusado. Depois de tentar em todas as universidades, sem sucesso, um exame de seu sistema, publica em Paris um relato analitico da nova ciéncia: Meméria sobre a descoberta do magnetismo animal. Prope a Faculdade de Medicina de Paris um teste comparativo de seu método com a medicina tradi- ional. Em 18 de setembro, houve uma assembléia geral. Apés uma leitura e um discurso, d’Eslon, seu discipulo foi excluido do quadro dos médicos ¢ as proposig6es de Mesmer foram rejeitadas com des- dém ¢ enimosidade. Publica Resumo histérico dos fatos relativas ao mag- netismo animal, a mais importante descricio his- t6rica da ciéncia do magnetismo animal. Em agosto, vija para Spa, cidade famosa pelo uso me- dicinal de sua égua mineral, permanecendo ali por apenas duas semanas e entdo retornando para Paris. Faz, uma segunda viagem a Spa para uma estada de trés meses. Em 20 de agosto, envia uma carta a Benjamin Franke Jin denunciando os equivocos da comisso nomeada 54 1785 1787 1788 1790 1793 PAULO HENHIQUE DE FIGUEIREDO para examinar d'Eslon, desautorizado para agir em seu nome, e a impropriedade do método adotado. rei da Franga nomeia uma comissio de sébios da Academia de Ciéncias de Paris ~ Bailly, Darcet, Franklin, Lavoisier ~, que em quatro meses concluit, ‘que as proposig6es de Mesmer ndo passavam de ima- ginagao, além de redigir um relat6rio secreto alegan- do implicacées sexuais: Uma outra comissio forma- da por médicos da Sociedade Real de Medicina também rejeitou a existéncia do magnetismo animal. Porém, um de seus membros, Jussieu, divergiu dos colegas e admitiu as curas Troca cartas com George Washington, primeiro pre- sidente dos Estados Unidos da América. Desautoriza 2 divulgacio de Aforismos de Mesmer, anotagoes de suas aulas, divididas em 344 proposi- 4g6es. Entretanto, alguns de seus discipulos néo 0 res- peitam, publicando o livro. Encontra-se, em Zurique, com 0 pastor Johann Cas- par Lavater (1741-1801) um entusiasta do magne- tismo animal na Suica. Viaja para Kalsruhe. Depois, percorre a regio do Lago de Constanca E homenageado por Mozart, em sua Opera Cast fan tutte. No final do primeiro ato, a personagem Despina, fantasiada de médico, imita Mesmer e seu tratamento, Sua esposa, von Posh, morre de cAncer no seio, em 15 de maio. Retoma a Viena em 14 de setembro. Dois meses de- pois, € preso pela policia, pois estava sendo investiga do por questoes politicas, suspeito de ser favoravel aos jacobinos. Liberado, ficou sob custédia até cinco de dezembro. Continuaria, porém, sendo observado pelas autoridades. 1796 1799 1801 1802 1809 1812 1814 1815 1821 -MESMER~-A CIENCIA NEGADA E 05 TEXTOS ESCONDIDOS 58 Vai a Wagenhausen, no canto de Thurgau, Suica, onde permanece por trés anos, até 1798, Retorna & Paris, onde vive no niéimero 206 da ma Vendéme. Publica Meméria de F.A. Mesmer, doutor em me- dicina, sobre suas descobertas, sua principal obra, contendo o modelo te6rico da terapia do magnetis. ‘mo animal, sonambulismo provocado e lucidez so- nambélica. Foi seu primeiro trabalho publicado de- pois de dezoito anos. Muda-se para Versalhes em fevereiro. Decidido a deixar a Franga, passa a residir em Me- cersburg, no sul da Alemanhs. Muda-se para a cidade suica de Frauenfeld. Muitos achavam que ele jé havia morrido, Um grupo de mé- dicos da Academia de Berlim redescobre o seu para- deiro, mas, j com setenta e cinco anos, ele nao acei- ‘ta acompanhé-los. Recebe um emissério de Berlim, doutor Karl Chris- tian Wolfart, encarregado de solicitar “a comunica- {G40 de todos os fatos, retificagbes e esclarecimentos desse importante tema”. Mesmerismo ou sistema das interagées, teoria e apli- cago do magnetismo animal como a medicina geral Para a preservagdo da satide do homem & publicado em Berlim. Segundo seu editor, doutor Wolfart, & ‘uma organizacdo de artigos, anotagées ¢ pensamen- tos de Mesmer sobre ciéncia, filosofia, educacio etc., constituindo as suas reminiscéncias. Deixa este mundo no dia cinco de marco, lacido até 65 iltimos dies de seus oitenta e um anos, na cidade de Meesburg, Suabia, nas proximidades do lago de Constanga, atual Alemanha, Realizam-se notéveis experiéncias de magnetismo,” registradas em relat6rios, os magnetizadores du Po. 56 1826 1831 1863 PAULO HENRIQUE OF FicuEREDO tet e Robousm, sob a direcio dos doutores Bertrand, Husson e Récamier, e na presenca de trinta outros médicos, Nomeada, depois de calorosos debates, nova comis- séo pela Academia de Medicina de Paris para nova. mente analisar 0 magnetismo animal, com doze membros, depois reduzida para nove: Bourdois de la Mothe, Fouequier, Guéneau de Mussy, Guersant, Itard, Husson, Leroux, Mare, Thillaye. Em sessoes de 21 ¢ 28 de junho, é lido pelo relator, doutor Husson, e aprovado, o relatério da comisséo da Academia de Medicina favorével ao magnetism animal, depois de cinco anos de pesquisas ¢ numero- ° sas experimentacSes registradas. No entanto, 0 rela. 6rio néo foi publicado. Depois de assinado, foi ar- quivado na Academia, Allan Kardec publice O livro dos espiritos, dando inf- clo a0 espiritismo. Na questo 555, revela a ligacio fntima entre as duas ciéncias: O espittismo.e o magnetism [animal] nos do a chave de tums imensidade de fentmenos [..] em que os fatos ce spre sentam exagerados pela imaginaclo, O conhecimento livide esses duss cacias que, a bem dizer, formam uma Gnica, ‘mostrando a reaidede das coisas e suas verdadeiras causas, constitu omelhor preservativo contra as idias supersticiores Mesmer dé sua primeira comunicacéo por meio de um médium da Sociedade Parisiense de Estudos Espiritas, presidida por Allan Kardec, Fala sobre 0 “magnetismo animal’ ¢ espiritual, também afirma ser prece um magnetismo sublime. PRIMEIRA PARTE BIOGRAFIA DE FRANZ ANTON MESMER A MESMER, UMA CUIDADOSA FORMACAO, ‘Mesmer pertencia a uma grande familia catdlice da Sué- bia, regio que hoje pertence & Alemanha. Foi o terceiro dos nove filhos do casal Franciscus Antonius Mesmer ¢ Maria Ursula Michel, Seu pai, Anton Mesmer, era casador episcopal e couteiro do bispo de Constanca. Esta antiga profissio era respeitada € permitia uma vida confortével para sua farnila, ‘Mesmer nasceu em Ianang, perto de Radolfeell, no dia 23 de maio de 1734. Aquela pequena aldeia fica nas imediagSes do grande lago de Constanga, ou Bodensee, um dos maiores © ‘mais profundos da Europa. A maior parte de sua linha costeira pertence hoje & Alemanha, mas suas éguas banham também 2 Suica e a Austria. A espetacular paisagem dos Alpes suicos ¢ 0 ambiente agradavel do lago marcaram a inféncia ¢ mocidade de Mes- mer. A regio sempre foi agraciada pelo clima agradivel e a ri- queza de sua fauna e flora. A produgo de vinho nas margens do famoso rio Reno e a pesca de truta e salmao no lago de Constanga sao caracteristicas dessa provincia. Mesmer mante- ria por toda sua vida o habito de receber seus convidados com ‘uma mesa farta e alegre, 59 oo PAULO HanniQUe De FICUEREDO Agrande extenslo do lago reflete o calor no verso, ofere cendo um clima ensolarado e moderado. No outono, a lumi nosidade torna as cores da paisagema mais contrastantes fo. thas de todas as cores se espalham pelo cho. A neve cobre a paisagem no inverno. Curiosamente, depois de percorrer diversas partes da Eu- ropa defendendo as suas descobertas, Mesmer passou os titi. ‘mos anos de sua vida com suas irmas em Meesburg, cidade na tal de sua mie, a poucas quilémetros de onde nasceu, Ele deixou este mundo no dia 5 de marco de 1815, kécido até os ‘times dias de seus oitenta e um anos, Vale destacar que a meio caminho entre Iznang ¢ Mees- burg fica a famosa cidade de Constanca. Foi nela que, em ” 1415, exatamente quatrocentos anos antes da morte de Mes- mer, as chamas de uma fogueira da inquisi¢do consumiram 0 corpo do reformador Jean Huss, condenado pelo papa, no concilio realizado nessa cidade.!2 Em meio as labaredas, Huss permaneceu cantando enquanto pide. Suas dltimas palavras foram: “Hoje queimario um simples pato (Huss, em alemie), mas um dia virgo as aves do céu em tio grande ntimero que ‘io poderto ser alcangadas.” O.espftito de Allan Kardec, co. municando-se em Paris em setembro de 1869, afirmou. Apés quishentotenos, ean Huss vive na meméria de to- dos, ele que verteu apenas o seu proprio sangue parts cefese das iberdades que havia proclamade. (..) © pensader, of lesofo, 0 que primero despertou a ieia do direito © do de. 12 “Atualmente, faz parte do roteiro hstérico da cidede de Constanga uma visite 20 porto, onde fic a pitorescaestitua mpéria, uma enorme pros, tuta de cimento e erro, carregando em suas mos um papa e um fe, am. bos nus. Depois da polémica causada entre os moradores, aestétua, cada pelo escultor Peter Lenk em 1993, & um cartdo-postal da cidade."A ma {her provocante ¢ uma referencia 80 Concilio de Constanga, ocorrido en. ‘tre 1414¢ 1418, tendo como um de seus objetivos reunifcar 0 poder de Ipreja Casética, que naquela época estava com trés papas um na cidade Francesa de Avignon, eos outros em Pisa e Roma. O papa que pronunciow * condenagio de Huss em Constanga, no final de conetlio, remunciou | -MESMER A CIENCIA NEGADAE OS TEXTOS ESCONDIDOS 6 yer gu eu a carro ojag pela expraga dt berdade, esse esté vivo em todos os corapSes. Ele nio procurou o seu bem estar ea sus gloria, mas sflicidade © a lore para a Humanidede Futura! (KARDEC, 1869, p, 196) Jean Huss, Mesmer ¢ Kardec. Sio trés vidas cujos atos gloriosos esto inscritos nas folhas esparsas do grande livro da imortalidade, Mesmer, lembrando a coragem dos mértires da liberdade perseguicos pela intolerincia, lamentava a indoléncia ¢ a fra- queza daqueles que o cercavam afirmando que: [J 2opinite elevava outrora a coragem até fazt-la desafi- sromartiio, 20 passo que hoje nfo se pode suportar omenor ridicule, £ que o amor-préprio punha entBo toda a sua gléria 1a forca da resistencia, e que no presence ele temeria a hum thagdo de uma credulidade que se taxaris de fraquezs. O ri- diculo ceria, sem devida, o melhor meio de seformule iniGes, se todavia nfo houvesse de ecrar pela inten Mis, por um aelo exageado pore o progress da fost, abusou-se multas vezes desse meio. As verdades mais tieis foram desconhecidas, confundidas com os erros sacri das com eles, (MESMER, 1799) Primeiros passos Em 1743, quando o pequeno Franz completou nove anos, seus pais, considerando o interesse € a inteligéncia do menino, encaminharam-no para 0 monastério Reichenau, em Constan- $2, para com os monges aprender a ler o latim ¢ iniciar-se ne iisica, preparandose para futuramente cursar @ universida- de. Sua formacio recebeu a protecio direta de von Schén- born, bispo de Constance. Os seus primeiros estudos, conforme os costumes da épo- 2, compreendiam também seis anos de lingues, literatura cléssica e teologia. Os colégios davam uma educacio bésica formal, tornando os jovens aptos a prosseguirem seus estudos profissionais ou tomarem lugar na sociedade. Entretanto, ‘Mesmer trazia em sua esséncia uma sede pelas ciéncias ainda Ca . PAULO HENRIQUEDE FIGUEIREDO nascentes. Sua vontade firme marcaria uma formacio eclética c extensa, culminando com a apresentagio de sua teve de dou- torado em medicina, Seus primeiros anos na escola mondstica foram dedicados a ‘temas mais amenos. O amor dos monges pela mtisice marcaria 4 Vida de Mesmer. Experimentando o magnetismo animal, ele percebeu uma ligagso entre as harmonias musicais, 0 equiltbrio do corpo humano € o universo inteiro, E intuitiva a nogio de que a miisica eleva o espfrito. Existe uma conexao entre as trés percepsées da alma: harmonia, ciéncia ¢ virtude. “A harmonis, a citncia e a virtude sio as trés grandes concepgées do Espirito: a primeira o arrebata, a segunda o esclarece, a terceira 0 eleva, Possuidas em toda a plenitude, elas se confundem ¢ constituem a pureza.” (espirito Rossini, in KARDEC, 1890, p. 181) No sonho de Cipido, uma das mais belas péginas da Anti- gtiidade, obra-prima de Cicero, o sonhador conversava com @ alma de seu pai, Paulo Emilio, e de seu avd, Cipiéo, 6 afticano. Contemplava as maravilhas dos astros, vigjando pelo céu, quando perguntou: — Que som doce eintenso é esse que chega aos meus ouvidos? ~ E aharmonia que, a intervalos desiguais, mas sabia mente combinados, produz a impulsdo e o movimento das esferas em que, misturando-se os tons agudos com os graves, produzem-se acordes ¢ diversos conceitos; nao se pode realizar em siléncio tamanho movimento, ¢ a natureza quis que, quando as notas agudas vibram num lado, as graves ressoem em outro, Os ho- ‘mens inspirados que, com instrumentos diversos ou com a vor, imitam esses cantos, abrem caminho e procuram ingresso neste lugar, do mesmo modo que os outros, que, mediante seu enge- ho na vida humana, cultiveram os estudos divinos. Essa har- monia, ressoando nos ouvidos dos homens, ensurdeceu-os sem que chegassem a compreendé-la, ¥6s, por outra parte, tendes esse sentido pouco desenvolvido. Assim como o Nilo, nos luga~ res chamados cataratas, precipita-se de montes altfssimos e en- surdece as pessoas que se encontram perto daquele lugar com 0 nuido estridente com que se despenha, assim também ndo po- -MESWER~A CIENCIA NEGADA EOS TEXTOS BSCONDIDOS a deis escutar a prodigiosa harmonia do universo inteiro no seu giro répido, e nio podeis contemplar o Sol de frente, sem que seu esplendor deslumbre vossa vista. Quase todos os compositores de genio, como Beethoven e Mozart, declararam que percebiam harmonias impossiveis de serem descritas, Mesmer encontrou a inspiracZo para stas idéias na grande nisica das esferas. Compreendeu a uniformidade das leis que regem tanto 2 formagdo ¢ o equilfbrio dos astros quanto as vi- bragies criadoras do som, da luz, do calor, e do magnetismo animal. Completa o espirito de Rossini: O homem que gosta das delicis da harmonia & mais ele- vado, mais depurado, do que aquele que ela ado pode pene. ‘ar. A sua alma esté mais apta a sentir. Libera-se mas facl- ‘mente, ¢ a harmonia a ajude a ibercar-se. Ela atransporta ¢ the permite ver melhor 0 mundo moral. De onde € necessi- rio concluir que s misica 6 essencialmente moralizadora, tum vex que leva s harmonia i almat, e que a harmonia a leva eas engrandlece. (thidem, p. 184) Teologia, filosofia e direito A educacio primeira de Franz Anton Mesmer foi conti- nua e bem fundada, Aos quinze anos, ele recebeu uma bolsa de estudos para ingressar na famosa universidade fundada em 1551 pelos jesuttas de Dillingen (antigo Colégio de Sao Jeré- nimo), na Bavéria. Mesmer ficou quatro anos estudando filo- sofia nessa cidade atravessada pelo rio Damibio, até que, em 1754, foi levado para a Universidade de Ingolstadt, outra es- cola jesuitica da mesma regio, Nos nove anos que passou nes- sas universidades, Mesmer alcangou o titulo de emeritus stu- iosus em teologis. Também foi promovido ao que na época ra designado como doctor autoritate, et consensu illustrissi- morum, perillustrium, magnificorum, spectabilium, clarissi- ‘morum Professorum em filosofi O conhecimento da flosofia, desde Sécrates até Descartes ¢ Leibiniz, e ciéncias, com Galileu e Newton, foi essencial para 54 PAULO HENRQUEDE FICUEREDO a descoberta do magnetismo animal. Como veremos, a medi na de Mesmer esté baseada no retorno as raizes fun lamentaie A fllosofia socrética e a medicina cientifica foram esforcos con- ‘emporineos de Sécrates e Hipécrates, cuja influéncia ‘métua Participa da prépria geragio de suas doutrinas, “A criagio da ‘medicina hipocrética marca o ingresso de nova citigja ma frea do saber cienifico e, como Sécrates e Platdo foram anaplamens lacfo filos6fica”, concluiram Giovanni Reale e Dario Arched (ReAte, 1997, p. 123). A esse respeito, W. Jaeger”? escreve, “Nao exageramos quando dizemos que a cincia ica de Sera, fs, que ocupa o centro da disputa nos dislogos platénicos, nao teria sido pensével sem o modelo de medicina” : Tanto Sécrates quanto Hipdcrates foram fundamentals era o surgimento da ciéncia do magnetismo animal. Podemos afirmar que a medicina de Mesmer € um renascimento, heat nado pela cigncia, dos fundamentos filossficos ¢ cientifices dlesses luminares gregos. Para Socrates, ohomem é sua alma, £€ preciso despojé-a, submeté-la a prova para curé-la. Een oug Alosofia, a cura da alma esté em aprimorécta, a fim de que Komem se realize em seu justo valor. Para HipSerates" que fundou a medicina cientifica, a satide ¢ 0 corpo no so reali- Gades isoladas, mas partes de um amplo conjunto de fatores, desde o ambiente até questdes socizis, A palavra fundamental Para representar a satide, Portanto, é harmonia. A cura é obti- a auxiliando os esforgos da natureza, Hipécrates vecomen tn ‘yaa seus alunos um estudo dedicedo da filosofia, Na obra Fedro (PLATAO. 2003), Sécrates perguntou: ~ Acreditas que seja possivel conhecer a natureza da alma sem conhecer 0 tiniverso? E Fedro respondeu: Se dermos crédito a Hipécrates, que & um Asclepfades, ynem sequer 0 corpo se pode conhecer sem tal métoda. 1S Tacos. Paid, La formazione dell wo greco. Vol 2. Fetenga: La nouva Ieilia, 1967, MESMER CIENCIA NEGADA F 08 TEXTOS ESCONDIDOS 6 E Socrates, antes de chegar a essa conclusio pelo exame da razio, afirmou: ~Pois ele tem razéo, meu amigo! A medicina cientifica de Mesmer iria associar todos esses conceitos com as recentes descabercas cientificas de sua épo- a, numa sintese prética: a terapia do magnetismo animal, ela- borada por meio da observagfo cientifica, Seu testemunho fundamental foram as inumeréveis curas condicionadas & agio de sua descoberta. Por outro lado, a leitura de reformadores, como Descar- tes, foi fundamental na educagio de Mesmer. O filésofo, no Discurso do método, havia.condenado os programas ¢ os pro- cessos da antiga educagéo. Comenta René Hubert em sua His. ‘ria da pedagogia geval 2, io, nova flesfi, now fica, novo méto- do, Colona tee pele Papade, plas faculdades de ‘eologa, pela congrepacio dos jena, ua doutria e inf tra, sobretudo, no exptito publica, pois, nfo podia deixar de repercutr 20 menos nat teors nos panos e educacto, quando nfo na pedpea educago, (HUBERT, 1949, p35) No século 18, ainda pairava a sombra da perseguigio aque- les que emeacavam a hegemonia do poder da Igreja, apesar de terem se tornado mais escassa as abaredas do fanatismo inqui- Sitoria, agora queimando livros, nfo mais pessoas vivas. Mas 0 Renascimento foi, acima de tudo, um ressurgimento da digni- dade do individuo, na mais livre busca da verdade, representan- do um rompimento dos grilhées da ignoréncia dogstica. Mesmer anotou em suas memérias: A filosofiaconseguiu neste culo trunfar sobre os precon- ceitos a superstgg: ft peta sdicl,sobcetude, qu ele fi bbem-sucedlida na extincio des foguelras que o fanatisme, raui- ‘© crédulo, bavi acendido, porque o ridfculo é a arma 8 qual 0 smor-préprio pode menos resistir. (MESMER, 1799) i le Lotas e he- A.conquista do saber foi sempre um terreno de lutas e rofsmo. A prépria hist6ria do magnetismo animal éstd impreg- 65 PAULO HENRIQUE DE FIGUEIREDO nada dessas condigées. Bacon dizia que “saber é poder’. Nas suas obras, Franz, Anton Mesmer deixa que ressaltem a profun- didade a lucidez dos seus conhecimentos filos6ficos, cientifi ‘cos e morais, em parte por sua formacdo, também por seu auto- didatiso e principalmente pelos evidentes conhecimentos inatos de sua alma. Avido de conhecimento, ele se interessava ppor todas as éreas do saber, e nunca parou de estudar. Em 1759, aos vinte € cinco anos, Mesmer foi para Viena, Austria. Primei- ramente dedicou-se ao estudo das leis por apenas um ano, pera 86 entio ingressar em sua quarta faculdade, a de medicina I DOUTORADO EM MEDICINA Mesmer recebeu a melhor educacéo dispontvel aos estu- antes de medicina em toda a Europa. Mas ele integrava uma minoria. Nequeles tempos, a formagéo daqueles que se dedi- cariam a arte de curar néo se diferia, na grande maioria das universidades, dos métodos empregados durante mais de um milénio. Diante de um professor circunspecto, autoritério e distante dos seus pupilos por sua superioridade eclesidstica, os alunos acompanhevam a leitura monétona dos livros de Gale- no € Aristételes e os comentarios da filosofia escoléstica Os estudantes jamais estudavam o corpo humano pare chegarem 4 suas préprias conclusées; nem ao menos acompanhavain o ‘tratamento ¢ a cura dos pacientes. Sua formagio era teérica e ‘mecanicista. Tudo era determinado pela memorizagao dos li- ‘ios impostos. Este sistema vinha sendo arrastado por séculos, entlausurando o raciocinio e a criatividade de geracSes de mé- dicos e criando uma gama de preconceitos académicos que de- terioraram a pritica médica. Por séculos, 0s estudantes de medicina foram condiciona- dos a virar as costas para a realidade, debrucando-se sobre li- Wros escritos no século 2, quase exclusivamente por Galeno. Era respeitada a autoridade absoluta da palavra escrita, em de- 67 58 PAULO HENRIQUE DE FIGUEIREDO trimento da observagéo da natureza. A prética médica, além de ter ume orientagSo materialista, era prejudicial aos jé debi. litados ¢ indefesos doentes. Sua terapia fazia uso irracional ¢ indiscriminado das sangrias, purgantes, vomitérios, infusbrios, especificos e irracionais pocdes. Muitas desses priticas teimo. samente avangaram até o século 19, ignorando as déscobertes de Mesmer e continuando a desgracar suas vitimas, Entretanto, vivia-se uma época de transformacées ¢ novas idéias no Século das Luzes. Precursores, como os médicos Pa. racelso, van Helmont, Willian Harvey, André Vesilio, Des Cartes e seus seguidores haviam aberto ume passegem nas tre- ‘vas, por onde a luz poderia finalmente surgir. E certamente ‘fo foi por coincidéncia que Anton Mesmer fez.os seis anos dé seu curso de medicina na Universidade de Viena, apés a recs- truturacio esclarecida de Gerard van Swieten. Para compre. ender a relevancia deste fato, precisamos seguir o caminho do mestre de van Swieten, 0 médico considerado pelos historia. dores da medicina como o maior professor e clfnico da medic na iuminista: Boerhaave, O surgimento da clinica médica O holandés Hermann Boerhaave (1688-1738), um dos ais influentes humanistas do século 18, criou a clinica médi- cago recuperar os principios originais de Hipécrates. Com sua pedagogia renovadora, Boerhaave era conhecido como “pro. fessor da Europa” e também “Hipécrates holendés", Boethaa- ve permitia 20s seus alunos a elaboracio de suas préprias con. clusdes pela observacio direta ea pritica médica junto ao leito dos doentes, retomando o métode cientifico, Para ele, a enfer. ‘maria ndo era um lugar apenas para tratamento, mas também para a educagio dos estudantes. Em suas aulas, frequientadss por alunos de toda Europa, le dizia que o objetivo da medicina era curar os pacientes ¢ que 0 médico devia permanecer ao lado deles, deixando os reconceitos académicos de lado e avaliando a situacdo com -MESMER A CIENCIA NEGADA F 08 TEXTOS ESCONDIDOS 59 calma e dedicagio. Quando um paciente morria, Boerhaave Jevava seus alunos para acompanhar a aut6psia. Todos os diss eles eram levados para seguir o exame clinico dos seus pacien- tes, com os quais conversava regularmente, no pequeno hospi- tal de Leyden, Os futuros médicos aprendiam a decidir sobre o tratamento depois de conhecerem meticulosamente 0s his- t6ricos clinicos de seus pacientes. ‘O médico holandés — professor de medicina, botsnica ¢ quimica ~ trazia novos conceitos para a medicina, indo mito além das noc6es mecanicistas medievais, Para ele, influencia- do pelas teses de Newton, os sistemas fisicos do organismo compreendiam um todo equilibrado e integrado. Enquanto os médicos ainda seguiam esquemas supersticiosos e irracionais {como a teoria dos humores, conhecida como humorismo), Bocthaave estudava os fluxos que percorrem os tubos, vasos ¢ Srgios s6lidos que controlam os humores corporais, criando uma nova teoria: 0 solidismo. Retomando Hipécrates, Boer- hhaave dizia que no estado de satide tudo encontra seu préprio equilfbrio, e a doenga era um fator desequilibrante relaciona- do com a obstrugio ou a estagnagao da vis naturae. Boerhaave ainda sofreu influéncias das tnicas terapias dis- ponfveis em sua época, mas concentrava-se nos recursos mais amenos, oferecendo aos seus pacientes agua pura, Ieite, re- pouso e massagens. Ele escreveu sobre o sistema circulatério, co sistema nervoso, as funcbes do cérebro e a possibilidade dos impulsos elétricos ou atragdes magnéticas ativarem secrecées glandulares. No entanto, Boerhaave dava como certa a presenga da alma separads do corpo. Afastava-se do dogma materialista da milenar medicina galénica, apesar de nao ter levado o estudo da alma ao detalhamento da prética médica. Seria necessério um estudo dedicado de suas obras para esclarecer o quanto se consagrou a tal tema, Nos tiltimos dias de sua vida, ele escre- vveu, jé moribundo: "Como no posso seir desta situacéo agoni- zante, coloco-me nas mos de Deus, cujos planos acolho com 4 j 7 PAULO HENRIQUE DE PICUSIREDO resignacao e cuja vontade amo e venero como & nada mais” Protestante, Boerhaave primava por sua religiosidade. E surpreendente a profundidade de seus aforismos, como, por exemplo, sua afirmago quanto & origem psicosso- mitica das doencas: Sentimentos violentos ou de longa duraggo atacam ¢ cor- rompem 0 cérebro, nerves, temperamento e mésculos, de ‘manera to extraordinira econcreta E,consequenteren- te, em acordo com euse diversidades e duregéo so capazes A produair e crlar praticamente todo tipo de doenga. (WINGAARDEN, 2002, p. 38) Em sua obra, Mesmer retomou a relagao entre emogio, paixdes e a patologia. Muitos alunos seguiram 0 génio do mestre Boerhaave ¢ 0 auxiliaram na reformulacdo da ciéncia médica. Um célebre discfpulo da escola vienense foi Leopold Auenbrugger, que desenvolveu o método da percussio para 0 diagnéstico, funda- mental técnica clinica usada até hoje. Outro foi Albrecht von. Haller (1708-1777), que ensinou todos os ramos da medicina, desenvolveu esplendidamente a anatomia e 2 fisiologis. Sua obra sobre fisiologia iniciou a era moderna. Uma de suas maio- res contribuig6es foi superar a afirmagio de Galeno de que a sensibilidade restringia-se ao sistema nervoso. Haller, pela ob- servagio experimental, defini a irritebilidade como caracte- ristica dos muisculos e a sensibilidade, dos nervos. Estas recentes teorias, ¢ a linha de pensamento de Boerhaave, ccausariam uma clara influéncia na doutrina de Mesmer, formando 2 base médico-cientifica da terapia do magnetismo animal. A excelente faculdade de medicina de Viena Outro destacado aluno de Boerhaave, 0 que mais nos inte- ress fi o holandés Gerard van Swieten (1700-1772). Disctpa- lo predileto, foi cuidadosamente preparado para assumir 0 posto de seu mestre. Enquanto exercia a funcdo de assistente, anotava diariamente 05 comentérios de Boerhaave sobre cada caso. Futu- -MESMER— ACIENCIA NEGADA £ 05 TEXTOS ESCONDIDOS n Tamente, essas anotagdes comporiam os cinco volumes da Com- meniaria in Hermann Boerhaave aphorismas, renomada obra elaborada sob uma inspiragao claramente hipocrtica, No entanto, van Swieten sabia que, sendo catélico, néo teria chances de assumir 0 posto maximo em Leyden, uma pe- Quena cidade protestante. Viajou para Viena e, em 1744, logo em sua chegada, foi chamado para curar a enfermidade da irma da imperatriz Maria Thereza. Impressionada com os ‘bons resultados do tratamento, a monarca convidou-o para ser seu médico particular. Pouco depois, em 1748, van Swieten reccbeu o encargo de reorganizar a faculdade de medicina de ‘Viena, assumindo o cargo de presidente, Desde que assumiuo ‘trono, em 1740, a imperatriz Maria Teresa empreendeu uma grande reforma universitéria. Além de um clinico destacado, van Swieten possuf a uma ampla visio administrativa. Construiu novos prédios, organi- zou laboratérios, estabeleceu novos cursos e fundou uma clini- a similar & criada por Boerhaave em Leyden. Anton Mesmer jé se encontrava na Universidade de Vie- rz, dedicando-se a0 estudo das leis. No entanto, por ndo ser cidadio austriaco, concluiu que esta carreira nio previa para cle um futuro ideal. Por isso, em 1860, depois de um ano de estudo, encaminhou-se para 0 estimulante e inovador curso de medicina de Gerard van Swieten. Outros importantes professores de Mesmer foram Anton de Haen (1704-1776), também discipulo de Boerhaave, ¢ 0 bario Anton von Stderck (1731-1803), que estava a frente das instrugées clfnicas nas enfermarias e foi o grande reforma. dor dos hospitais de Viena. Além de ser um jovem professor, ra amigo de Mesmer. Stoerck assumiu a presidéncia da facul, dade depois da morte de van Swieten, em 1772. Mesmer, em seu quarto curso superior, teve & sua disposi- gdouma das melhores estruturas de ensino médico da Europa. ‘Totalmente renovada, a faculdade de medicina havia incorpo- rado as recentfssimas inovagées criadss por Boerhaave, co- mandadas por seu primoroso discipulo, van Swieten. A anzto- n PAULO HesuQue DE GUEIREDO inia era estudada em scparado da cirurgis. Mesmer e seus colegas faziam uso do completo laboratério de quimnica, Mex ier Pde dedicar-se « conhecer as particularidades do orga. nismo humano nas bem estruturadas dependéncias do depres famento de anatomia. Até mesmo um jardim botdnieo tabs sido fundado por van Swieten. Esta escola proinoveu cara aproximacio entre a medicina e as ciéncias naturals, A fisiologia estudads na escola de medicina de Viena ti- nha sido renovada por Boechaave e seus discipulos, Coma ve os, @ doutrina dos humores de Galeno, to antiga quanto Sauivocada, havia sido substituida pelo estudo dos sondos © dos iquidos. A movimentacéo equilibrada e integrada dec fs estagnagio dos Iiquidos, on cia das partes solidas, por sua ver, representa o estado de doenca, As aulas de van Swieten, de Haen ¢ von Stéerck entuc sSiasmavam pela clareza, pela légica ¢ pelas opiniées renovado, 138, Boerhaave pesquisou, escreveu ¢ easinon sobre 9 sisters Geulario,o sistema nervoso, as fungSes do cércbro ea pom, Sbilidade de os impulsoseleeicos ow a atragso magnésica pre. Wocar as secregSes glandulares. Seus discipulos descobriran fonceitos fundamentais, como os da irrtabilidade e de sensi bilidade, por von Haller. A clinica médica nao eve te6rica, sino da medicina clinica, Ele usava o termémetro, examinava © Paciente, escutava suas queixas. Hoje, estas pritices med cas podem parecer bvias, mas para a €poca eram: inovagées Testritas a poucos profissionais. Por outro lado, a maloria dos médicos seguiaidéias tradicio- nals completamente falsas, no exercicio da cura. “Todas as tes: fas sobre o mecanismo das doencas antes de 1800 eran como Castelos de areia no ar.” (PORTER, 1996, p. 123) Em suas aborce, -MESMER -A CIENCIA NEGADA£ 08 TEXTOS ESCONDIDOS 3 : F gens teraptuticas, os médicos da época seulam empircemente cE Seadighen milenares. Como néo acompanhavam clinicamente seus pacientes, desconheciam as conseqiiéncias funestas de seus ‘ratamentos. Poucos pacientes sarevann; muitos tinham a morte precipitada; a maioria sofria danos irreparéveis. Apesar do desenvolvimento da teoria clinice e fisiol6gica, a prdtica médica permanecia estagnada. Os tratamentos dis- Poniveis eram os da medicina herdica, de tradicio materals- ta, Foi exatamente nessa questo que o génio de Mesmer viria a atuar, avangando nas consideracdes metafisicas ¢ no estudo objetivo da vitalidade humana, aos quais nfo tinham se dedi- cado Boerhaave ou mesmo qualquer outro médico. De acordo om as pesauises de Mesmer, 0 estado patoldgico ou 0 dese. quiltbrio orgénico proposto por Boethaave estava relacionado diretamente com a alma (que, para Mesmer, no era uma ebs- ‘tragio, mas uma individualidade que interagia com todo o uni- verso € 0s seres que o habitam, recebendo impresses atern- porais ¢ de tudo que existe, por meio do que ele denominou instinto ¢ também pelo sexta sentido). E esse conhecimento era a chave para o restabelecimento da sade. Simbolicamen- te, o segredo da arte de curar estava ‘nes méos' do médico. Mesmer escreveria sobre sua terapia em 1799: 8 apresetarel na tern to simples quanto nova do progrtoe do dcavettneme tu dosge Teahonee fate o prinepieeiceroe quest agora tem ser de ‘egal medina, por ume pric guaimente spicy, ger torada de nateroa, As descobertas de Mesmer estavam relacionadas com urna terapia natural, fundamentada pela nasceate medicina cientifica, era fruto da observacio e da experimentagio cientifica, Seu es- forgo nasceu do exercicio da liberdade de pensamento e cons- cigncia, contrariando a orientacio dogmatica de seu tempo. em e faz, © livre pensamento eleva a dignidade do hom ele um ser ativo e inteligente. Para compreender & preciso fazer uso do discernimento, na experiéncia e na observacio dos fates. [Portento,] 0 livre pensadar & o que pensa por si ” PAULO HENRIQUEDE FIGUEIREDO mesmo, eno pelos outros, Sua epiniz the &prépria.£ vo- luntariamente edctada er vitude do exerci dojlgamen- to pessonl. (Revista Exprita, 1867, p. 38) Imerso nessa atmosfera que privilegiava o livre exame, ‘Mesmer péde despertar em seu espfrito a emancipacio inte- lectual e a independéncia moral, bases para.a descoberta da te- rapia do magnetismo animal. O doutorado em medicina: De planetarum influxu Mesmer recebeu seu grau de doutor em medicina no dia 27 cde maio de 1766 com uma dissertacio de quarenta e oito pégi- ‘nas, intitulada: Dissertatio physico-medica de planetarum influ- zat. Na primeira folha, abaixo de seu nome, pode-se ler as pala- vras: Marisburgensis Acron. Suev. A.A.L.L. & Phil. Doct. (suabio cde Meesburg, do lago de Constanga, doutor em artes efilosofa). O seu trabalho, bastante influenciado pelas teorias de Isaac Newton e, talvez, Paracelso, foi recebido, ¢ seu diploma assinado pelos seus mestres van Swieten e St6erk. Anton ‘Mesmer contou em suas Memérias: Fiz, em Vien, em 1766, uma dssertagi sobre influén- cia dos planetas sobre o corpo humane. [.] Nomee a pro- pricdade do corpo animal, que o torn susctivel 3 agfo das corpos celestes e da terra, magnetismo animal. [...] Meu pri- -meiro objetivo foi o de meditar sobre 0 que poderia ter leva- do a opines abwurdas segundo as quais os Gestinos dos ho- tens, asin como or eventos de natuens, pudestem Ser vistos como submetidos as constelacbes ¢ as diferentes posi- gtd ae ene SU vat aera de atc ot relagSes que eres as leis mecinices e mes “ See aol ie da natureza foi o resultado das mi- hes meditagées de minhas pesquisa. ‘Assim,-ele retomou, sob as luzes da ciéncia, as idéias de Hipécrates e Sécrates. Para Mesmer, a causa da gravidade € material, mas rare- feita a tal ponto que é imperceptivel para nossos sentidos. Ele usa a expressio fluido universal para a origem da gravidade, do MESMER-ACIENCIANEGADA EQS THUS ESCONDIDOS 75, magnetismo, da luz, da eletricidade ¢ de tudo que existe no universo. Todas as forgas tém uma origem comum no fluido universal, em diferentes estados de vibragio (ou, nas palavras de Mesmer: ton de movimento). Esta teoria setia posterior- mente confirmada pela doutrina espirita, em 1857, em O l- 70 dos esptrites, de Allan Kardec. Aos trinta ¢ dois anos, 0 doutor Franz Anton Mesmer es- tava preparado pelo conhecimento de Iinguas, artes, filosofia, teologia e medicina, Estudioso e observador, conhecia a fisicz, a quimica, a biologia, a-botinica e outras disciplinas. Tendo aperfeicoado seus dotes rausicais durante seus estudos supe- tiores, tocava com taleito violoncelo e clevicérdio, instru- ‘mento antecessor do piano. - Estava apenas iniciada a luta de toda uma vida para revelar a cigncia do magnetismo animal. Mesmer denunciow: Meu objetivo entio era apenas o de Axar a atengio dos médicos, Mas, longe de ter obtido éxito, percebi que me ta aram de singularidade, que me trataram de homer de sis- ‘tema e que taxaram de crime a minke propensto de mudar 8 1018 ordinéria da medicina A nova ciéncia esté destinada’s promover ufna revolugso na medicina, superando o dogma materidlista mecanicista, ¢ seu descobridor nao medju esfeegos para tanto. ‘Muito se especulou sobre quando Mesmer teve as primei- tas idéias sobre o magnetismo animal. Alguns pesquisedores chegaram até a.imaginar que a descoberta tivesse ocorrido por acaso, Clareando a questio, um discfpulo de Mesmer, J. L. Pi- cher Grandchamp,"* na edigéo anotada das Memérias,}> em 1826, contou um interessante fato narrado por Anton Mesmer: Apés seus extudos denominados de humanidade, © per- feitameatefeitos antes dakdadeordinéi, ele fez 0 de medi Gina, Formado na escola de van Swieten e de Hen, disipu- los do famoso Boerhaave, ele no tardou a se impor uma nova rota, 6s ter por longo tempo combatido os préjulgamen- +5, foi que ele se lengou nos conherimentos dos verdadeiros prineipios da naturezs. O profundo sistema que anunciou fal 16 PAULO HiniQuE DE FiovERepo ‘resultado da combinagio dos tempos novos ¢ des suas obser- vasées particulars. Dizwse que Newton teve sua primeire {déia, tao sabiamente desenvolvida depois como seu sistema de gravitasio, observando uma magi caindo ds devore. O outer Mesmer teve sua primeira idéis do seu sistema obser. vendo que cada vez que & mesa ou noutrolocal,um domest!. 0 ou outra pessoa de seu conhecimento colocava-ce etrds dele, por uma sensasao particular e sem observ Ds com 2. fa, ee anunciava que se tratava de tal ou qual que Ihe peda ssa observagio, Nascido muito sensivel, e grande observa dor por natureza, é destes primeiros efeitos e destee prism rascausas que ele tirou ebaseou seu sistema, estabeleceu sua doutrina e splices paras cura das doengas. le me repetia ‘virias vezes esses acontecimentos. Mesmer contou que, em determinada ocasiéo, 20 se apro= ximar de um ferido de guerre, observou que, ao dirgir sua atengio para a ferida, a hemorragia se estancava. Entretanto, intrigou-se a0 notar 0 sangue jorrando novamente a0 se afastar do soldado e desvier sua atengfo da chaga. Repetindo algumas Yezes os movimentos, cervificou-se da relacdo caustl, fieando maravilhado com o acontecimento. Mesmer conclui que exis. tia necessatiamente um meio de comunicacéo entre a sua von. tade e as func6es orginicas do soldado ferido.!# Mesmer néo era mistico. As suas idéias ndo partiram de um sistema imaginado: foram claborados lentae progressivamente. 3 artir da observagio dos fates, pelo método cientifco, 14. Grandchamp possuia os seguintes titulos: antigo cirurgito chefe do hos- fatal geral da Caridad de Lion, membro do Colégio Reel de Cinmgia deste cidade, membro da Sociedade de Medicina e do Circulo Medics de Pans, membro honoririo ds Academia Real de Medicina, um des ‘médicos e cirurgies des pobres da primeira circunscrigio de Paris 15, Memérias de F. A. Mesmer, deutor om medicina, sobre suas descober- tas. Nova edigio com notas de J. L. Picher Grandchamp. Panis: Pierre Maumus et Cie, 1826. 16 Mesmer relatou o fato numa carta publiceda em Recueil des effects salu. tires de Vaimant dans le: maladies, Geneva, 1782. Reproduride em Mesmeriomy a translation of the original scientific and medical writings of FA. Mesmer. California: William Kafana, Ine, Il O MAGNETISMO ANIMAL Nao vamos descrever o surgimento do magnetismo animal, as dificuldades para divulge seus beneficios e também os princ- pos, conseqiiéncias e regras desta ciéncia, Nada substituiria sa- tisfatoriamente um estudo dos textos originals de Franz Anton ‘Mesmer. Para isto, transcrevemos as suas obras na integra. No entanto, cabe destacar a dificil situacdo vivida por ‘Mesmer em Paris, lutando para convencer a elite académica a estudar, sern preconceites e por meios cientificos, as curas conquistadas pelo magnetismo animal. Sabedor da impossibilidade da observacio direta do flui- do vital, imperceptivel para nés, Mesmer desejava comprovar suas hipéteses pelo estudo dos resultados de sua terapia, Se- guindo os passos formais do método cientifice, Mesmer dese- java testar 0 seu modelo te6rico a partir da andlise controlada dos efeitos benéficos da aplicagio de sua terapia. Assim, espe- rava um debate sério da comunidade académica e cientifica, abrindo um novo campo para o conhecimento humano. As opinides estavam divididas entre os que o reetavam aqueles que nele viam “um grande cientista incompreendido e denegrido pelos arrogantes académicos”. O jomal italiano No- 7 PAULO HENRIQUE DE FIGUEIREDO tizie Diverse, do cremonense Lorenzo Manini, era favorével as curas mesméricas. As discuss6es também tomavam as paginas de jomnal, franceses, alemies e ingleses. A polémica se espa- Thou por toda a Europa, e “no abrangeu apenas os inais popu- lares e incrédulos, mas também, e sobretudo, cientistas ilus- tres, letrados famosos, cortes, academias, iluministas de todas as nagées”. (VOVELLE, 1997, p. 175) No entanto, enfrentando uma oposicao sistemética ¢ pre- concebida do meio cientifico parisiense, em determinado mo- mento Mesmer viu seus esforgos desperdicados: Resumindo minha stuacfo, deseo apenas falar de meus tuabalhos, de minhas complactacias e de minhas penes; ind me resto tetentno de mina consciacn, Eapenaie [Es havin multipicado as experiéncias para provar a as80 do Imagectisno tial no entante ado pude fer econbe- cer esta agto. Sua determinacio nao se perdia em devaneios, mas sua ppostura cientifica era clara e esclarecida: Bu havia imaginado um ndmero muito considerével de ‘eatamentos para provar que © magnetismo animal ers um meio de cura das doencas as mais inveteradas,e, no entanto, po consegui fazer reconheces que o magnetismo animal era um meio de cura. Determinedo, Mesmer chegou a abrir mao de suas con- fortaveis posigées profissionais e sociais para despertar os sé- bios de sua €poca: Mia profisfo de médico me havia dado outrora em Vie 1a algurna consideracio, minha descoberta me havia posto n0 mr deco. Na Fang, tomeme ceo dss ete, te & turba académica, $6 no restante da Europa meu nome gov tocar agora ves aud dos tempi eevaos as ciéncias, pore o foi sé para ser repelido com desprezo. Seu digno e sincero empenho na divulgacio de suas des- cobertas enfrentou cobica, orgulho, embigéo e invejade repre- sentantes da ciéncia e da medicina. ‘MESMER ~ A CIENCIA NEGADA E 0S TEXTOS ESCONDIDOS 9 Enquanto acusava e denegria Mesmer, a elite académica e secede 1a Wiena foi uma cidade era que a misica desempenhou urn pa, Bel Ge destaque. © imperadr José I tocavainstrngentooeo Palécio de Schénbruna. Van Swieten tocava contuten. quer salio que entrasse. Um cartao de identidade da tado de : 788 Rave, 1956, P9), quando ele jf contava sessenta e ‘nos, relata a altura 1,76 metro, i token ce eat 1 76metz,cabeloscastntos rs 80s levavam 20 aviério © a pombal, narrou M | narrou Mozart. O dest ficava para o belo teatro ao ar lve, um requsitado palea araat ‘fides culturas. Caminhando por uma elevacio, chege, asa, que em 1865 tinham sido abertas a6 pablice pet, dor José I. Ac fando, avstava-se 0 Dandbie Pema O casario, solidamente construfdo, foi utiliead , foi utilizade por snui- tos anos como estabelecimento comercial i Somente em 1920, (ULaicH, p. Lag)’ “ed emolido MESMER A CIENCIA NEGADA 2 0S TEXTOS ESCONDIDOS as Paixao pela masica A miisica era uma paixdo antiga de Mesmer. Admirado musicista, além do clavicérdio e do violoncelo, também toca- vaesplendidamente a harménica de vidro. Esse curioso instru- mento foi inventado por Benjamim Franklin. Para se conhecer © seu som peculiar, basta passar levemente o dedo sobre a bor- da molhada de um copo de cristal. Com alguma habilidade, poder-se-6 ouvir um silvo longo, penetrante e bastante singu- lar. O instrumento, aperfeicoado por Mesmer, tinha a forma aproximada de um crevo. Consistia em diversos copos ladea- dos e semni-imersos na gua, que eram girados em um fuso, por meio de um pedal. As diversas notas eram produzidas a0 se to- car as beiradas dos copos de diferentes tamanhos. Leopald Mozart, a0 escrever para sua esposa em 1773, comentou: Nio te exrevi peo coreo anterior porque celebrames um gande sarax musial na casa do nota emigo Mester, em Seu Jardim da Landstrase, Mesmer tceexplendidamente a hatr- sca de vero. Eem Viena o ico qu aprendu e possi i in ‘rumento mito mais bonito (que 0 ca senhorta Devs Wolfgang tmnbérnotocau"” Em 1765, as irmis Dewis ti- ham levado o instrumento a Viena ¢ oferecido um concerto para a im- perstriz, Mozart, entusiasmado com o instrumento de Mesmer, chegou a compor algumas pecas para serem tocadas pela harménica de video, como 0 Adagio para har- ménica, K 356 e 0 Addgio e ronds para harménica, flauta, obo8, viola Htarmbnica de cristal. Museu of @ violoncelo, K 617. Eley in ie, Minneapolis 17 Mozart, Wolfgang Amadeus. Cartas Vienenses, Sio Paulo: Veredas, 2004, 35 PAULO HENRIQUE DE FIGUEIREDO Entre os mais destacados saraus musicais de Viena esta- vam 0 de van Swieten, o professor de medicina, com sua pe- ‘quena cimara em Tiefen Graven, e o teatro da residéncia de ‘Anton Mesmer. Naquelas concorridas noites culturais em Landstrasse, além das costumeiras palestras cientificas, podi- ‘am-se ouvir as mais belas composigdes executadas pelos gran- des mestres, muitas escritas especialmente para aquelas oca- sides. O proprio Mesmer, Haydn, Gluck, Leopold e Wolfgang Mozart, € outros misicos, revezavam-se a0 piano, violinos, violoncelos, proporcionando momentos inesqueciveis em ‘meio aos jardins. Podemos imaginar quantos improvisos ine- briantes dos grandes mésicos teriam se perdido nos tempos, deixando Mesmer e seus convidados com o privilégio de se- em 08 tinicos @ aplaudi-los. Mozart, um menino de doze anos, estreou nos jardins da casa de Mesmer, em outubro de 1768, seu primeiro singspiel em aleméo, Leopold Mozart ficaria etemamente reconhecido por esta iniciativa de seu amigo. Alguns meses antes, tudo se encaminhava para se exibir em Viena La finta simplice, que seria a primeira pera de Mo- zart a ser apresentada fora de Salzburg. Foi uma decepcionan- te noticia quando o diretor da Opera Real de Viena, senhor Afligio, ludibriando as ordens imperiais, recusou-se a apresen- tar a obra de quem, para ele, era apenas um jovem. ‘Anton Mesmer, ao ser informnado do caso, rapidamente mo bilizou-se para auxiliar o amigo, oferecendo sua manséo. O ambi- ente, no entanto, era inadequado pare a apresentaao completa daquela 6pera, ¢ Mozart escreveu rapidamente outro tema. A es- ‘tréia de Mozart em Viena foi com uma comédia popular alems, com cangdes e didlogos falados: Bastien et Bastienne, O texto do libreto fot inspirado em Le Devin du village, escrito pelo compo- sitor e filésofo, Jean-Jacques Rousseau, em Paris. Com um texto coloquial e melodias simples, Bastien foi a terceira 6pera composta pelo génio da mtisica. Na pega de um ato, preocupada com a indiferenga de Bastien, seu pretenden- te, a pastora Bastienne consulta Colas, que era o feiticeiro da MESMER A CIENCIA NEGADAE 0$ TEXTOS ESCONDIDOS a7 aldeia. O velho e experiente mago a aconselha a fingir desinte- resse também. Em seguida, vai dizer a Bastien que a moga jé noo ama como antes, mas o adverte que as suas artes mégicas poderdo reacender o amor da emeda, Eo que basta para que o pastor se sentisse inflamado de paixdo. Os dois, enfim, agra- decem a Colas por té-los unido tao babilmente. A estréia de Mozart foi um grande evento no teatro do jardim de Mesmer.'* Ap6s o sucesso da apresentacio, Mozart seu pai voltaram agradecidos para Salaburg. Esse gesto de amizade jamais seria esquecido por Wolfgang Mozart, que, a partir de entio, seria um habitual freqientador da casa de Mesmer, tanto em Viena quanto em Paris, Curiosa- mente, a primeira paciente tratada pela terapia do magnetismo animal, durantes os anos de 1773 e 1774, foi uma parenta da esposa de Mesmer e amiga da familia Mozart, Franziska Esterl- nna, uma senhorita de vinte e nove anos bastante debilitada, V4- as cartas de Leopold a sua esposa comentam o estado de sai- de dessa moga, O tratamento surtiu efeito, como confirma uma das mensagens de Wolfgang Mozart para set pai: De onde vocé imagine que eu estou escrevende esta car~ 1 Pas doa de Mester Landase Nest m9. ‘mento a sua senhoranio esté em casa, Mas quern 2 enkoe Este Blas eooae agra €or ten Boh [desposara o enteado de Anton Mesmer]. Mas, para minha surpresaeu mal a reconkec! Ela gaahou peso eet bastante Vigoross, Agora tem tres criangas, todas so fortes robus- tas. (MOZART, 2004) Mesmer homenageado em Cosi fan tutte Mozart, alguns anos depois, homenageou Mesmer, inse- rindo, numa de suas mais famosas obras, um papel em aluso ‘40 magnetismo animal e seu descobridor. 18 Alguns autores afirmam que ojardim da casa de Mesmer ainda néo ti- aba sido construido em 1768. A apresentacio teria sido, entio, em ou- tuo ambiente de sua residéacia. 88 PAULO Hevngue De FicuenzD0 Sempre que se representar sua célebre 6pere bufa Cosi fan tutte (1790), a homenagem seré renovada. Ultima obra de ime popular trilogia (as outras foram As bodas de Figaro Don Giovanni) em parceria com o poeta italiano Lorenzo da Ponte, Cosi fan tutte foi baseacia num caso real ocorrido exn Viena por volta de 1780, Ay enredo € ambientado em Népoles, no século 18. do ¢ Guglielmo, jovens oficiais do exército, numa calorose ci cussio sobre se as mulheres si0 ou nfo fis, citaram suas namo. radas como paradigmas da virtude femninina. O velho solteirie don Alfonso apostou cem cequins que as namoradas deles,as ir. mis Fiordiligi e Dorabella, passariam num teste de fidelidade. Seguindo seu plano, don Alfonso declara para as donzelae gue seus noivos foram chamados para se apresentarem 20 exército. Eles voltam, enti, disfarcados de soldados albanie. nos, determinados a conquister 0 coracio delas. Como elas re. Sstiram, 0s rapazes fingem tomar veneno, num gesto desespe- rado. No final do primeiro ato, a criada das irmés, Despina, convencida por don Alfonso, aparece disfarcada como um doutor chamado para salvar Ferrando e Guglielmo da morte, © médico entra em cena falando umn sotaque alemto carrege. do, parodiando Mesmer, O didlogo que se sucede revela algumas particularidades de Mesmer ¢ sua descoberta do magnetismo animal, explora. des de forma bem humorads por Mozart. Vamos analisar a tradugio do texto selecionado, acrescido de comentarios so. bre as referencias a Mesmer. No primeiro ato, durante a cena 16, todos os outros per sonagens estfo em cena, quando entra Despina disfarcada como um médico, vestida com uma bela casaca e usando uma grande peruca branca. Comeca o dislogo: Don Alfonso: Aqui est 0 doutor, senhoritas! Médico: Salvete amabiles bonae puellae! (Com estas pelavras estranhas, Mozart e da Ponte estio satirizando a fema de Mesmer em falar muito mal o francés, com seu sotaque germinico da Sudbia,) MESWER -A CIENCIA NEGADAB 0S TEXTOS ESCONDIDOS 9 Fiordiligi e Dorabella: Ele estd falando um idioma que nds desconhecemos, Médico: Mas é s6 pedir « eu falarei diversos idiomas: co- nhego o grego. o drabe, falo 0 turcoe o vandalo, Também posso falar 0 dialeto da Sudbia e 0 tarsaro, (Mesmez, em virtude de seus estudos de filosofia e medi- sina conhecia ber o lati, 0 grego, e outraslinguas moras, ‘com os quais ele pode ler os textos originais de Plato, Hips- crates, Galeno, Avicena, Mas que, na sétira de Mozart, no eram tio tteis quanto a lingua vernécula.) Don Alfonso: Mantenha todos esses idiomas consigo mes- mo. Neste momento, examine estas miserdveis criaturas. Eles tomaram veneno. O que pode ser feito? Fiordiligi e Dorabella: Doutor, o que pode ser feito? Médico: Eu preciso saber primeiro a razéo ¢ a natureza da ‘porto bebida. Preciso saber se estava quente ou fria, se era. pouca (ou muita, se foi ingerida toda de uma vez ou em diversas doses (Mozart estava bem familiarizado com as préticas tera- peuticas do magnetismo animal, Aqui o autor faz uma referén- cia espirivuosa 3 meticulosa avaliegéo que o doutor Mesmer sempre fazia ao atender seus pacientes. Discipulo do mestre holandés Boerhaave, seu tratamento era precedido por minu-

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