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génie SOCIOLOGICA DE CULTURA J. BENTHAM ULEHLG. - BIBLIOTECA UNIVERSITARIA | CAE a 154986364 “who namo esa erent 4 ign + ‘ we Wee ty ad f : EDICOES CULTURA a é AVENIDA © DR JULHO, a7 (1) ~ FON. ¢.208 : ‘sko PAULO BRASIL 1943 Digitelinado pee GuIheeme Sapniva Baanchio —mailis Et quoniam variant morbi, variabimus artes. TEORIA DAS PENAS LEGAIS JEREMIAS BENTHAM ovip10. Introdugio eral INDICE TEORIAS DAS PENAS LEGAIS toda a Obra. . , Protfcle A Teoria dos castigos ou penas legais wie LIVRO PRIMEIRO Principios eras ‘YE— Das qualidades quo devem ter ° YI — Anaiogiacntro as penan © os dfitor 1—Das penas simplosmente aflitivas 1—Das ponas aflitivas complexas . Festettran = Nio polar 6 rie viver Eeaes ¢ 8B au Expree ‘VIII — Ontras expéies da pona do no ss onde eine hase priato — Dearie — Doenaturalizag : TX—Das penas simpleamente restritivas X—Penas ativas, ov trabelhon forgadon | 2. | X1—Do degrédo para BotanyBay |. | XXT1— Cana de corrogio j= Pansties © 2 2 | - XI Des pens eapittle Lt XTV—Exame da peat de moro) | 1) ) ¢ XV—Das penas subsididrias | SDSL LIVRO TERCEIRO Tdéia geral déste livre 1—Das ponas de privagio © 2 2... Ti—Das penas da sancio moral - 111 Da esas gus team na hoa, dete 2 shales murmuragio até & infimia — Privagto de propriedade : 2 aes V—Penas de privagio que entendem com 0 estado (on eonitigio) do 760 oe ee ‘YI—Privagho da protegio logal LIVRO QUARTO Das pense incompetentes 4 Siecle Rewpenbiinde i m vr Males inovitfveis que derivam da pena 1 —tIaconvenientes que reutam de semethanten pene 11 Exeomunhivo —Teaigno 105 m us 0 155 a3 BEE INTRODUCAO Entramos numa carreira arrisoada ¢ muito penose. Se uma tradugiio & coisa tao dificultosa, que os homens de estudo antes quorem inventar idéias do que exprimir as alheias, qué> seré tradusir do inglés meditagies novas em quase todos os ramos da Economia Civil ¢ da Politica, ou pelo menos ofere- cidas por um lado original? Esta dificuldade ainda se torna mais sensfvel pelo tempo, que nos tem sido limitado: 0 Govérno, destinando as nossas {orcas para um objeto semethante, deseja quanto antes contar com a exeougao do sex Mandado. A mesma Obra, pela sua natureea, embaraca o Tradutor: Juuxscias Bewrsam, ainda que tenha wm fundo de imaginagio admirével, nunca se lembrou de gankar os homens por um estilo figurado: suas Obras tém 0 cwnko do sen génio amigo da sabedoria ¢ de realidade: suas Obros conservam quase sempre wm estilo apertado ¢ consiso até pela modéstia. Ensaios, Bsbocos, Prag- meontos, Memérias, Cartas, Planos: taie sio os titulos que tem apresontado a frente da maior parte dos seus livros: so as idéias de um homem grande, que tendo esgotido a matéria, ainda espera tirar da riquesa do seu génio novas descobertas, que the possam dar a sua altima perfeicio. O vigor «a farca da rasdo, tal & 0 sou caréter: a verdade exprimida fielmente, @ fim de seus desejos. Contanto que possa melhorar ox homens. aliviar 08 oprimidos, expor ox motivos de wma lei saiddével, educar a mocidade, abrandar 0 rigor das cadeias, estabelecer casas pias, tirar partido até da infelicidade, 0 Autor io pretende mais nada; nao quis ser clogiiente, ow para melhor dizer, Juwatias BenTHaw é senhor da verdadeiva elogiiéncia, 10 IntRoDUgio se funda nas idéias (*). A liberdade bom entendida & a SS pates conaeent pelo amor da liberdade oferecen todos 08 seus Hsoritos ao Soberano Congresso das nossas Cértes, como ‘um sinal da sua admiragao, vendo quebrados os ferros do nosso cativeiro por um modo tdo solene, tdo quieto ¢ téo prodiyiow, ‘que seré de pais « filhos um Livro sucessive, em que seja 0 caréter poriugués. Os homons livres alegram-se com a propa- gagdo daqueles sentimenios, que moram deniro déles; ¢ para Felicidade do género humano, a mesma Providéncia, que for 0 ‘Autor modesto, retirado, escondido, 6 a mesma que, por uma paizdo nobre, pelo amor da liberdade, o faz aparccer para ‘onsinar ox Povos, ajudar os Sébios na reforma de uma Nagao, ¢ fazen.imortais os seus conhocimentos. Assim nés os pudéssemos verter em uma linguagem dignb de duas Nagdes, quo simpaticam na honra ¢ na grandeza dos, projetos, que se nao podem desenlacar de seus interésses gene- Tosos © que presentemente sao rivais na liberdade. Py Veins « Note do Jadisiown Compiedar ne tn do Capitals VI. § XII. PREFACIO A TEORIA DOS CASTIGOS is em prevenir os crimes, do que um despicar a Justiga: mézima trivial no dia de hoje, mas que nio deve ficar em palavras, jé que temos a fortuna de viver debaizo de wm Govérno Constitucional; para que se ndo diga que as leis humanas ndo tém sondo escravos, Horque ndo tém sondo suplicios. Os tiranos gostam de sangue, ‘nem se podem sustentar sendo pela férca, ultima ratio regum: ‘um bom Govérno & imagem de um pai, que nao mortifica, nem destorra sous fithos, sentio depois de esgotar todos os meios de 4 poder emendar. Facilitai os meios de cada wm poder ganhar @ sua vida, desterrai a ociasidade, ¢ os delitos serdo menos: educai a mocidade; na boa educagao 6 na paz e felicidade das familias estdo as sementes da felicidade geral, Bem sei que para a maior parte dos homens ndo hé sendo © mado; mas devemos ter em vista, disia Postoret, que Deus é © tinico Juiz, e vingador do pecado, ¢ que se as leis humanas castigam 6 x6 com o fim de restabelecer a ordem social (a). “Quem lava copos de video, die um dos nossos moralistas, (b) nao os deve esfregar, nem carregar a mio de sorte que a possa esfolar, @ magoar: se os eastigos sao violentos irritam ¢ fazem 4) Lasin Penais, Tom 2.8, Cap. 8 (8) Heher Pint, bia uw Prericro «as lois odiosas; quando so amitidados, j4 nao emendam, porque io fazem impressio, Castigai com wma sébia economia, sem priviégios, que derrogam todo 0 merecimento da justica: que ‘as ponas carreguem 0 menos que for posstvel sdbre 0 criminoso, ‘ainda que sejam as mais fortes na aparéneia: tal 6 a doutrina do Autor: ajustar quanto puder ser a pena com o delito: Brissot Yinka falado grandemente sdbre a analogia dos castigos; 0 ‘Autor espraiou-se muito mais sobre a matéria: tem muita ‘novidade, muita filosofia: a indulgéneia caminha sempre co Jado da ‘razio iluminada: 0 homem sensato oprende da sua ‘mesma fraqueza a desculpar os outros homens, ¢ tanto mais estuda a natureca, a experiéncia, 0 coragio humano, tanto gnais indulgente se mostra e compassivo (*). Postos nas mesmas ‘tircunsténcias, quase todos os homens fazem o mesmo. Que. ‘estes génios altivos, dizia Montaigne, metam as mios na sud conciéneia, que discorram pelo que tém feito, ¢ talvee des-, cubram que se tém escapade da pena altima, é porque se thet ‘ndo adjetivaram as ocasiéés, ow porque souberam escapar cos ‘thor do mundo: sejam verdadeiros ¢ néo falem de si com tanta vaidade, nem estronkom os vicios, que tim no seu coracao raizcs muito mais vivas ¢ arraigadas, do que nesses infelizes, ‘para quem no descobrem castigos suficientes sébro a terra: ‘que nos digam 0 que tim sonhado, ¢ saberemos sc j6 esto acor- Gados (a). A necessidade 6 inimiga da virtude; ¢ por isso ‘que 0 Govérno deve fazer améveis as obrigagies civis, empre- gando 0s individuos segundo a sua natural inclinagdo, honrando “todos 0s oficios, ¢ acabando de uma ver com estas distingdes odiosas, que atrasam as ciéncias ¢ as artes, que tanto servem para o bom de wma nacdo. Quantas veces os Governos, casti ‘08 delitos, esto dando em si mesmos, ¢ castigam o que tem feito pela sua ignordncia, desatencdo, crueldade, ow malicia! Temos dado uma noticia goral da matéria. fste Livro é verdadeiramente uma compilagéo feita pelos ewidades do Sr. Dumont, oxtraida dos manuscritos do imortal Bentham: bem ‘ze conkece a mao do Mestre ¢ 0 seu estilo, tanto neste Tratado, como no seguinte, em que s¢ fala dos prémios. Se a moldura & bom tirada, deiza ver a pintura em todo o seu primor: temos Flame sum: nik Reman « me elena, Tertncie, ent. ) Hantog, he 82, Cap 1 Preekero 16 feito toda a ditigéncia por ndo enzovathar nem wma coisa nem ‘outra; mas quem sabe se 0 temos consegwido? Os homens superficiais gostam de flores; mas 0 piiblico, diz Helvécio, rye pore og iepeehet gies funda a matéria, ¢ que, a poder de meditar ¢ refletir, abriw ‘novos caminhos para a sua felicidade, Nota — Depois de wma longa enfermidade, é preciso resguardo, cautela, dicta: a Napto Portuguesa esteve muito tempo em trovas, & necessirio que se vé acostumando a recebor @ impressio da luz: um homem, que estove muitos anos preso, dia 0 gronde Bentham, é fécil abusar; esté_ arriscado, s0 the dao logo toda a liberdade: cis aqui raséo por que temos soresoetne wos, ou entre rales: estos notas estio debaizo erisco; procedem de uma boa intengao, e por isso des- culpévois. ‘TEORIA DAS PENAS LEGAIS LIVRO PRIMEIRO Principios gerais CAPITULO 1 Definigées e Distingdes 'A palavra pend, ou, para evitar desde logo todo 0 equivoco, a palavra castigo, 6 uma daqueles que, a primeira vista, parece fue nao tem necessidade de ser definida: que nocio mais Gara se Ibe pode dar, do que a idéia, que todo o mundo coneebe quando se repete @ palavrat Todavia, esta noco geral, que parece to clava, fiea sendo vaga, sem explicagio; porque néo Histingue precisamente 0 ato de castigar de outras muitos, que se assemelham com éle a certos respeitos. Serd bom ensinar Togo no prinefpio tudo quanto se encerra na ago de eastigar, se queremos conhecer © que nfo entra, nem se pode incluir na dita palavra- 5 ‘ Le Castigar, no sentido o mais vulgar, é impor um mal a uma pessoa com intengio direta relativamente ao mal, em ranao de alguma aco, que parece que se fez, ou que se deixou de fazer. Néo passemos adiante sem esclarecer primeiro a flefinigao que temo: dado, A intencdo direta, relativamente ao se impde, é esseneial, Se fago mal a um sujeito sem Jntengio de tho fazer, 6 um mero acaso: se Iho fiz para 0 salvar de algum perigo, ou para me salvar a mim, ou por outro motivo, que nada tem com o prejuizo que sente, um semelhante ato nao se pode chamar castigo, mal, que 18 Jeremias BENTHAM |A declaragio do motivo, em tal caso, nfo 6 menos essencial do que a intengdo direta relativamente ao mal, que se impée. Se nfo houve aco anterior, real, ou presumida da parte do ofendido, que desse motivo ao mal, que Ihe fago, ninguém poderd reputar éste mal na razio de castigo. ‘Se em conseqiiéneia de uma aco, que fez o meu vizinho, o mal-vem a reeair nio sobre éle, mas sobre outro individuo, em razio de alguma relac&o, que tem com o primeiro, que fez a acho, éste mal vem a ser propriamente um castigo para 0 meu vizinho. (1). 2° Definido por éste modo o ato de castigar, j4 podemos desenvolver outros atos, que esto como enlagados com ale, ou que tém sua diferenga. Se néo houve da minha parte ago real, ou presumida, que desse motivo ao mal, a que me tens obrigado; se o meu sofri- mento foi objeto direto, e final da tua intencdo, semelhante ato da tua parte 6 de pura hostilidade ¢ de pura malicia. ‘Se houve da minha parte, ou da parte dos meus, algam ato real, ou presumido, que te eseandalizou; e que no mal, que me fazes, nfo tens em vista mais do que o prazer de me veres mortificado, o teu ato 6 de vinganga. (2). Se 0 teu ato de hostilidade nfo assenta em algum ato de inimizade da minha parte, mas é porque deseobres na minha pessoa esta, ou aquela qualidade, que te nfo agrada, sem haver da minha parte a mais pequena intengio de te ofender, 6 0 que se chama vulgarmente um ato de pura antipatia. 3° Nos trés casos precedentes a intengdo em relagio 20 mal é direta: nos que se seguem vem a ser indireta; 0 mal néo 60 fim, 6 0 meio. Se’o mal, que me fazes, tem por tinico objeto embaracar o exereicio das’ minhas faculdades relativamente a certos atos, que da minha parte te desagradam sem motivo, 0 teu ato é prevenido, ou de prevengio. Se o mal tem por objeto da tua parte determinar-me a fazer certos atos, que eu nio faria a néo ser determinado, 0 jan «Livro 5: Castor incompetent, DY (Feb tas Bie GS aS egsete Ss cansgo: may nom ado, 0 castics vieguace'"tctatie 42 Sakata deteltota: Mal na vingangs de um BE a EPS Sats Seine ae pe per toe dw Teorta pAs Penas Leaars 19 teu ato 6 de constrangimento: 0 servico militar, as obrigacdes civis, os tributes, sio males desta natureza: a pena, que os acompanha, nao entra na inten¢&o do Legislador: esta pena nio contribue para 0 objeto do servico: de sorte que os atos de constrangimento néo se podem chamar castigos. Suponhamos que me obrigam a passar por tormentos agudos, que devem acabar logo que faca, 0 que se pretende de mim. por um modo violento: por exemplo, logo que dé a infor- mac&o sibre um fato, que devo saber: éste ato é de tortura. Se para te pores a salvo de um perigo, me fazes sofrer, mas a tempo, em que eu na minha idéia andava tracando meios de te fazer mal, da tua parte é um ato de defesa pessoal. Se esta agio tem por objeto livrares-te de um perigo, que receias, ou éste perigo provenha de coisas, ou pessoas, com intencdo, on sem ela, temos um ato de conservacdo pessoal. Trata-se de wma soma de dinheiro, a que te quevem obrigar, como reparacio de certa perda, que tens causado a um terceiro: temos um ato de satisfagao pecuniéria, que se nao pode chamar castigo. Por éste modo, o mesmo ato, o mesmo mal. segundo a diferenca de intenedo, e de motivo da parte do dinheiro, recebe diferentes denominagdes, e pode entrar na classe dos atos noeivos ou das agées ‘iteis (1). ‘Temos dado a definicéo geral da palavra castigar; passe- mos & definigéo particular da Pena legal: isto &, do castigo (2) Para diatinguirmor todos estes objetoe com tanta clarers, quanta 6 possivel, faramos a aplicacso a um exeaplo fami “sab 100 um Jurado condenoe Lard Hallas em 4.000 Ube. et. peas perdan ¢ danoc, gus sinha eaugado a Jal Wilkes, detendoe numa prisgo™ legal fupont rime de se 9 163 a deme perguntin? ese marae diner, sta fal acabador nem ‘ta ‘para fe verficar € precivo que ye dd uma agressio” peso Feagdo contra 0 agreccor: Pols qué? Sorla um aio de vingange, de prevensio, ou de satistagSo pecunidria, ou propria, conservacte TRespondo, que podiam ser todot eates alos, reinidos, gu separades, conforme ' Intenglo dot Jurados. Se um deles enraivecido contra Lord Halifax por um ‘vita estorvar © Autor, ou outro qualquer, de pratica? futuro, terlamos um aio de prevencde. Se se lembrasse Sohn ‘Wilkes pela. injdria, tertamos um alo. de suta/apdo Decunidriz. So assentaico que a pessoa dle Juralo estava em risco de pessur pelo ‘memo, @ ntenciaees contra Lord Halifax com intaito de se livrar 9 sh simhames Tum ato de preveagdo, e de convercacte pessoal, ee 20 Jeremras BentTHAM legal, no sentido que deve ter constantemente no decurso desta obra. Segundo o prinefpio de utilidade, as penas legais so males, que devem recair acompanhados de formatidades juridicas sobre individuos convencidos de terem feito algum ato preju- dicial, proibido pela lei, e com o fim de se prevenirem seme- Thantes acées para o futuro. Entram nesta definigao trés circunstaneias, que no entra- vam na defini¢ao abstrata: o direito de punir —o fim da pena — restringir 0 castigo o mais que for possivel, de sorte que se niio possa estender além do réu. Quanto a origem do direito de castigar, nio é preciso alargar o pensamento; saiu da mesma fonte, donde manaram todos os mais direitos, que pertencem ao Govérno: nfo podemos coneeber um s6 direito, nem do Govérno, nem dos particulares, que possa existir sem o direito de eastigar: a pena 6 a sangio de todos 0s outros. Autores de nome tém sustentado, que as penas n&io podem ser legitimas, a nio haver um consentimento anterior da parte dos individuos; como se fosse possivel, que em qualquer ato solene houvesse um homem, que se quisesse sujeitar a esta, ou Aquela pena por um certo delito, contanto que os mais ficassem igualmente sujeitos. Apareeem uns longes de um pacto seme- Ihante nas formas de Govérno, em que 0 Povo tem parte na Legislacio; mas ainda mesmo nas democracias, esta idéia de consentimento nfo seria pela maior parte mais do que uma fico tio arriseada, como sem fundamento. © que justitiea o castigo, 6 a sua maior utilidade, ou, pare melhor dizer, a sua necessidade. Todo o delingiiente é inimigo ptblieo; e como podem os inimigos consentir em serem desar- mados, ¢ reduzidos a estado de nao fazerem mal? No estado selvatico, ou no estado da natureza, o poder de castigar reside em cada um dos individuos muito a sabor do seu desafogo, ou de suas forgas pessoais (*): a medida que os povos se Vio civilizando, vio largando nas mios do Govérno Tamas faces, ot sara volant, furor arma minatrat, Vere TeoRIa DAs Penas Leeats a1 uma parte do exereicio déste poder; assim como todo 0 passo, coin que as nagdes caminham para o seu atrasamento, e anar- quia, é assinalado logo pelo esf6rgo, que vai fazendo 0 povo para se apoderar déste direito. Numa sociedade politiea bem assombrada nfo conservam os individaos mais do que o poder, qne a lei Ihes no pode tirar: quero dizer, poder negar cada um os sens oficios livres a qnem o maltrata. A antoridade doméstiea, a dos pais, por exemplo, que noutro tempo era tio larga, pouco a pouco se foi estreitando até chegar ao estado em que a vemos, de estar reduzida a simples penas chamadas correcionais. Nos paises, em que ainda se demora a escravidio, © maior mal do Estado consiste neste direito de eastigar, que ‘65 Senhores nio querem largar: direito, que é téo dificultoso, por nio dizer impossivel, encerrar nos seus justos limites. CAPITULO IL Classificagies __ Se os delitos particulares se podem reduzir a quatro classes principais: contra a pessoa — contra a propriedade — contra a reputacio — e contra a representagio, o mesmo podemos dizer das penas (1). Ninguém pode ser castigado senio na sua pessoa, ou nos seus bens, ou na sua fama, ou no lugar, em que esta figurando, O que forma a simetria destas duas classifica- gies, é que as penas e os delitos sio igualmente males impostos pela agéncia livre dos homens. Tantos so os pontos, em que nos pode ferir um eriminoso, quantos os pontos em que éle pode ser ferido pela espada da lei: a diferenga entre as penas ¢ os delitos nao est na sua natureza, que é e pode ser a mesma; estd em que as penas sio abonadas pela lei, € os delitos so ilegitimos: estes sio proibidos; as penas emanam da ei. Quanto aos seus efeitos, sio diametralmente opostos: 0 FACULDADE DE DIREITO sce. D), Tratadoe de Legal Principio do mal. 0 mal, 4° = i, egeass haa aoe ae Site! city crate os ene a me Se Sei oe Se ere Se TE EAOSSL Sa oan fates oes oe JeREwIas BENTHAM crime produz um mal da primeira ordem, ¢ wm mal da segunda causa dano a um individuo que o nfo pode evitar, e espalha uum terror mais ou menos geral: a pena causa um mal da primeira ordem, ¢ um bem da segunda: faz passa 0 crimi- noso por um padecimento, em que tem incorrido por sua von- tade; e nos seus efeitos secundérios transforma-se em bem, amedronta os homens perigosos, 6 0 alento das almas inocentes, e vem a ser o tinieo abrigo que pode manter e conservar qualquer sociedade. As penas que entendem imediatamente com a pessoa nas suas faculdades ativas, ou passivas, formam a ¢lasse das penas corporais, ¢ se dividem em varios géneros: 12. Penas simplesmente aflitivas. 2° Aflitivas complexas. 3° Restritivas. 4° Penas ativas que obrigam a trabalho. 52 Penas capitais. . As penas que entendem eom a propriedade, reputagéo, ow representacio civil, tm por fim privar o individuo de alguma vantagem de que estava gozando: chamam-se privativas, de perda, de privacdo de algum direito. As penas desta classe diversificam muito ¢ abrangem todas as espéeies de possesses possiveis, Kis aqui as penas reduzidas a duas classes : 1° Penas eorporais. =. 2° Penas de privacio, ou de perda de algum direito ou privilégio (1). CAPITULO IIT Fim das penas Quando acontece um ato nocivo, um delito, dois pensa- mentos se devem ofereeer ao espirito do Legisladon’ ou do magis- tome sos classficacio que nfo 6 mais do que um esbico: lembronme de ofereser nul resumo. oma revista analiten de fodad aa pena. com a 'imiideta do Autor; ‘ainda que. eejaquace impoctivel definir exatamente.daas ‘que maitas veues ado. to semehiantes que. se 60 distinguem ja" culdado em vemeihants,matéria, hd sempre niguns postos ae tocam 6 araitam per am modo Imperontval: ultra por exertplo, vem a. ser pena corporal, quando. por Bndividuo peivado de poder satitaser’ as primeivas’ nese TeoRIA pas Penas Leeats 3 trado: 0 modo de prevenir o crime para que nfo torne a acontecer, e 0 meio de reparar quanto for possivel o mal, que tem ecausado. perigo mais imediato vem do criminoso ; éste 6 o primeira objeto, a que se deve acudir, mas ainda resta o perigo de que outro qualquer, pelos mesmos motivos e com a mesma facilidade, no venha a fazer 0 mesmo, Sendo isto assim, ha dois modos de atalhar o perigo: um partienlar, que se apliea ao réu; outro geral, que se aplica a todos os membros da sociedade sem exceciio, Todo o homem se governa nas suas agdes por um céleulo, bem ou mal feito, sdbre prazeres e penas, ainda mesmo o que nao é capaz de uma reflexio aturada: lembra-se, por exemplo, de que a pena vai ser a conseqiiéncia duma acéo, que lhe agrada: esta idéia faz um certo abalo no seu espirito para o retirar do prazer. Se o valor total da pena Ihe parece maior, se pesa mais do que o valor total do prazer, 6 natural que a forea, que 0 afasta do crime, venha por fim’a veneer, e que no tenha lugar o desatino, que formava no seu pensamento (1) A respeito do réu, podemos prevenir a recafda por trés modos : ‘Tirando-lhe o poder fisico de fazer mal. 2° Fazendo-lhe esfriar 0 desejo. 3° Obrigando-o a ser menos afoito. No primeiro caso o homem desmandado ja n&o pode cometer 0 crime; no segundo nfo tem a mesma vontade de © cometer; no tereeiro, ainda que tenha desejos, no se atreve: no primeiro fiea inhabilitado; no segundo reformado; no ter- ceiro esta como preso, porque tem médo da lei. O modo geral de prevenir os crimes é declarar a pena que Ihes corresponde, e fazé-la executar, 0 que, na acepgio geral e verdadeira, serve de exemplo. O castigo que o réu padece é um painel em que todo o homem pode ver o retrato do que Ihe teria acontecido, se infelizmente incorresse no mesmo erime. iste é 0 fim prin. cipal das penas, 6 0 eseudo com que elas se defendem. Consi- (2) _Digo valor total, para comprecnier as quatro circunstincias de que s¢ ‘compe o valor de uma pena ou prater: intentidade: prosimtdede. certese, davegde Por” tete modo “res ‘@antemio is abjeqdes ‘de Lock (Le 2 Gap, KE) contra esta propos ‘Romem # determinnde pelo seu maior Wem aparente 24 Jerexrtas Bextuax derando o delito que passou na razio de um fato isolado, que néio torna a aparecer, a pena teria sido initil; seria ajuntar um mal a outro mal; mas quando se observa que um delito impune deixaria 0 caminho livre nfo s6 ao réu, mas a todos 0s mais que tivessem os mesmos motives e ocasides para se abalangarem ao crime, logo se conhece que a pena aplicada a um individuo é 0 modo de conservar 0 todo. A pena, que em si mesma nfo tem valia; a pena, que repugna a todos os sentimentos generosos, sobe até emparelhar com os mais altos beneficios, quando a podemos encarar, nfo como um ato de raiva ou de vinganga contra um criminoso on desgragado, que se rendeu a uma inclinagio funesta, mas como um sacrificio indispensivel para a salvacio de todos. Relativamente ao réu, j& sabemos que a pena encerra trés objetos: inhabilitagio, reforma, acanhamento para eometer © erime com médo da lei, Se o delito 6 de natureza que inspira grande terror, porque denota no animo de seu autor uma disposigio mui depravada, 6 preciso tirarthe o poder de reincidir; mas se 6 menor, bastaré aplicar-Ihe uma pena de passagem: mas esta pena em todo o caso deve ter qualidades prOprias para reformar e assustar 0 réu depois que sai da prisio. Tendo precavido os crimes, ainda resta ao magistrado reparar do modo possivel o estrago que tem feito, coneedendo & parte lesada uma satisfagdo, quero dizer, um bem, que possa ressarcir a injfiria que sofreu. Esta desforra, cimentada sébre motivos que se acham Gesenvolvidos no segundo “Tratado da Legislagio”, parece que niio pertence ao réu, por isso que se aplica a uma diferente pessoa; e até mesmo A primeira vista ninguém dird que tem alguma relagio com éle: mas estes dois fins tém um enlace real ¢ verdadeiro, Ha penas que tém dois efeitos: uma reparagio feita A parte lesada, e um padecimento proporeionado, que se aplica ao réu; de sorte que por uma s6 e mesma operacéo, preenchem dois fins ao mesmo tempo. Neste caso estiio as penas pecunidrias; qualidade eminente, quando se guardam limites. Trorta pas Pewas Leoais F CAPITULO IV Despesa das penas Esta expressio nova hé de parecer singular & primeira vista, e pouco natural: entretanto nés a escolhemos depois de madura reflexic, como a mais expressiva para denotar a idéia que se nos ofereceu, sem incluir em si um juizo antecipado de aprovacéo ou desaprovacio. 0 mal, que produzem os casti- gos, 6 uma despesa que faz 0 Hstado com tengéo de luerar @ste Inero é prevenir os crimes: nesta operagio nio hé mais que somar 0 gauho e diminuir a perda: donde se segue que abater a despesa ou acreseentar a receita, é tender igualmente para a utilidade geral, ‘Uma vez que se admita a expresso, a mesma palavra despesa inculea naturalmente a idéia de economia, ou de par- ciménia, Todo o mundo fala da brandura das penas ¢ do seu rigor: € um prejuizo supor no castigo mereé, ou menos favor; prejuizo, que pode servir de estérvo A imparcialidade do exame: quem diz pena suave, diz uma contradi¢io ; chamar-the economia é saber caleular, darthe o sen nome. Diremos, portanto, que esta ou aquela pena & econémica; todas as vezes que produz o efeito, que se pretende, com o menor sofrimento que pode ser da parte do réu: chamar-lhe-emos sumamente dispendiosa, quando produz um maior mal do que bem; ou quando se poderia aleancar o mesmo bem A custa de uma pena menos aspera, Neste caso houve desperdicio, largueza demas Que nos seja Kieito insinuar aqui mesmo outra distingdo, que nos ha de servir no deeurso da obra, H4 nas penas um valor aparente, © um valor verdadeiro. Entendo por valor verdadeiro o mél da pena por inteiro, tal qual se experimenta quando se sofre, Entendo por valor aparente 0 mal provavel, que se pode oferecer & imaginacio dos homens, quando a pena se descreve simplesmente, on quando éles a véem executar Quem constitue a despesat A pena real. Quem influe sdbre a moral dos Poyos? © castigo aparente. A pena real ¢ a 26 Jeremwias Bentnam perda: 0 ganho consiste no castigo aparente: déste ganho participam dois ao mesmo tempo, o puiblico e a pessoa do ofendido: a despesa da pena ajunta a estes dois um tereeiro, ‘a pessoa do réu. Nao se deve esquecer, como acontece muitas vezes, que 0 réu é membro da comunidade, como outro qualquer individuo, fe que até mesmo na razio de parte lesada néio devemos perder de vista os seus interésses: 0 seu bem & proporeionalmente 0 bem de todos, o seu mal, o mal da comunidade: eis aqui a base, a sélida base das idéias morais da justicn: podem haver casos em que o interésse do réu seja sacrificado ao interésse geral; mas ainda mesmo assim tem direitos, que devemos respeitar: pode-se arriscar uma grande pena com os olhos num grande bem, que dai pode resultar; mas por uma troca sim- plesmente, ou por um bem de uma ordem inferior, seria um absurdo arrisear a mesma pena; éste 6 0 principio que dirige ‘os homens nas suas especulagdes particulares; éste deve ser ‘0 mesmo por que o Legislador se deve governar. F verdade que necessitamos lancar mio de penas reais; ‘mas a prineipal razo é para servirem de exemplo: a realidade da pena é necesséria; porqne sem esta realidade nfo podemos ter a aparéneia, que na imposig&o das penas deve ser 0 nosso fim esséncial: todo o mal que nao apareee, fica perdido; logo, é preciso que 0 mal real seja o menor, e 0 mal aparente o maior possiveis. Se castigar um homem em estitua pudesse dar de Sia mesma impressio de terror, seria um desatino, e até erueldade, enforear um homem. (1) Se os réns fossem constantemente castigados em segrédo, é uma verdade inegavel que, 4 excecio da vantagem acidental que poderia resultar de se emendar éste ou aquele, ou de fiear com as maos presas para nfo fazer mal, a aplicagio das Gitizads, por terra, sem. se mover, ot amigor © “lait; « com into fleam sallfeitos 8 barbaros. 0 peor “ave pod ‘ies, era langar © homem no fog; man. ot SC oeetrsekS* Ram’ sido inals espertos, timham langado fogo Bo estémare do ‘heme, ‘eLioya's Evening-Post” para agosto ou setembro de 2776) eorta pas Penas Leoars penas teria sido inétil: a pena real neste caso era tudo; 0 castigo aparente coisa nenhuma; cairia de repente sdbre os homens como um mal imprevisto; nao se teria apresentado a0 seu espirito para o afastar da aco criminosa; no serviria de exemplo a ninguém. Pode acontecer que os réus nfo tenham conhecimento da pena: 1°, quando esta se aplica sem lei, que tenha sido publicada praviamente com as formalidades necessaria quando 0 réu nao tina conhecimento da lei penal. _ Allei pode apresentar-se & idéia: 1°, pelo seu enuneiado, isto 6, pela desericio da pena; 2, pela execucio pibliea da Iei, quando a pena é imposta ao réu por uma notoriedade conveniente. A idéia da pena deve ser exata, ou, como dizem os Légicos, deve ser adequada, quero dizer: seria bom, que se oferecesse a0 espirito nao s6 uma parte dos inedmodos que traz consigo, mas a sua totalidade. Para ser exata, deve repre- sentar claramente todos os Iteus de que se compée: 0 que se niio conheee, nfo pode obrar como motivo. Daqu{ podemos tirar trés maximas de suma importinei 1+ Sendo iguais as coisas em tudo mais, qualquer pena, que ficilmente se pereebe, ¢ melhor do que outra, que se nao entende bem. 2* A que se imprime melhor na meméria vale mais do que outra, de que nos podemos esquecer facilmente. 38 A que 6 igual, ou avulta mais na aparéneia que na realidade, tem mais merecimento do que outra, que ¢ maior na realidade que na sua aparéneia. CAPITULO V Medida das penas Pe EST RUT CANT: Regula, peecatis quae poenas irroget aequas, Ne scutica dignum horribli sectere flagello. Hor. L. 19, Sat. 3, 28 Jerewias Buntuaw uma proporgéo entre os delitos e as penas: & sca Gia. Dreseliod (lov Mantenquiea, do" Beonrla o/s outros Tnuitos. Excelente méxima na verdade; mas que tem mais de aparato que de instrugdo, uma vez que se reduz a termos vais; trabalho estéril enquanto no soubermos em que con- Sete wna tal proporeso, enquanto néo houverem regras que yhos possam encaminhar seguramente na aplieagdo de verta pena a respeito de qualquer delito que se pode oferecer. “As Fonas tém 0 seu minimum, © 0 sen mazimum. Hs razdes para rue no sejam menores, ¢ ha também razses para que no fevam ser maiores: so 0s dois lados da questo que sempre devemos ter em vista, sem propender para um, nem para outro. / Primeira regra = & necessério que o mal da pena seja maior que 0 interésse que se pode tirar do crime. Por esta palavra interésse nfo entendo simente o di- nbeiro; mas qualquer vantagem real, ou aparente, que dew motivo ao delito, O interésse & a forca, que leva o homem a arrojar-se ao crime; a pena 6 a forca, que se emprega para 0 desviar, Se a primeira 6 maior, temos o homem eriminoso (1); 0 a segunda & mais forte, néo se. verificaré 0 crime: donde se segue, que se 0 réu achar o interésse, que recebeu pelo sen delito, maior ¢ mais a seu jeito que o mal da pena que sofrea pelo ter eometido, é bem natural que 0 torne ontra vex a cometer sem haver quem o sustenba: a pena, em ta caso, vem a ser nula; porque o nfo pode atemorizar; «0 Povo, observando que a balanca do ganho inclina a favor do criminoso, de nada Ihe poderé servir 0 exemplo que podia tirar do castigo. [As leis Anglo-Sax6nias, que tinham fixado um valor certo para a vida de um homem, duzentos chelins por uma pessoa ordinéria, um conto € dusentos por um nobre, sete contos e duzentos ‘chelins pela vida do Rei, estavam bem eras ete regra. Em muitos casos a pena teria sido considerada nula em comparagio com 0 interésse que o réu tirava do seu crime. Ty Fale déstes homens, que nfo tim outro freig mais, do aa eats ic thdlvee asivor a namaniiade, ds Baligto« TroRIA pas PeNas Leoars 29 Bem advertido que vimos a cair no mesmo érro todas as vezes que estabelecemos certa pena que se no pode estender além de um certo ponto, enquanto as vantagens, que se tiram do delito, podem ir muito adiante, Autores abalizados tém querido defender 0 contréri dizem que devemos aliviar a pena quando a tentagio é maior; porque a tentacio diminue o crime; e que quanto a sedugio for mais forte, tanto menos depravado devemos considera 0 réu, que se tem deixado alucinar: 0 que se rende neste caso, inspira naturalmente comiseracio aos outros homens (1). Tudo isto pode ser verdade; mas niio & razlo bastante para sairmos da regra: a pena deve fazer-se respeitar em um gran maior do que o crime se faz apetecivel: todas as vezes que a pena no consegue o seu fim, é um dobrado mal: para © pitblico, por isso que deixa cometer o crime, que devia obstar; ¢ para o réu, porque o vem a eastigar sem tirar utili- dade. Que conecito fariamos de um cirurgifio, que para nao molestar o doente deixasse o tratamento incompletot Seria um ato de humanidade bem entendida acrescentar A doenga o tormento de wma operacéo imitil? Logo, é necessério que a pena corresponda a todos os graus da tentacko, exeeto quando 4 mesina tentagio é um sinal da inoeéneia, ou do bom caréter do réu; porque entio deve dar-se a modificaedo da pena, como, por exemplo, a respeito de um pai, que, para matar a fome da sua familia, tivesse cometido um roubo (2). 2+ Regra = Quando a acito é de natureza que oferece wma prova concludente de ser um costume inveterado, & necessério que a pena seja bem vigorosa para exercer néo sdmente o (2) Quem se nto admira de ver Adam Smith caindo em semethante tro, iSiuctids Sm Beri ap hot Biota por aie ee serine falando de contestant i, conte ‘om prineiplon’ da. justea, dado o ser a tentagio para a eastigar depois no infelty que ae delace afeciners & lel "sgrava o castigo a par ie uma cireunaténcis, que 6 devia fazer aieaos enone’ tcheases des Natioe", LT, cap. 2. paca infamar, "do 4 fonta-ae ‘io rau de desprévo ve rea eria, ae chrigado o. sea’ préximo. ‘ofrea ma estimagao.pabiiea: ‘de ‘padecimento 8 que tem 30 Junewias BENTHAM proveito do delito individual — mas de todos os crimes do mesmo género que podemos supor terem sido cometidos pelo mesmo réw impunemente. Liste edleulo conjetural, a-pesar-de ser rigoroso, é de uma necessidade absoluta em certos casos, como em crimes fraudu- Jentos, pesos sem estarem aferidos, medidas falsificadas, moeda falsa: se um déstes que fabricam uma tal moeda mio fosse punido sendo pelo valor do tinieo delito que se Ihe pode provary Jemelhante pratiea fraudulenta viria a ser, na sua totalidade de grande Inero para o réa: logo, @ pena seria sem eficécia, Se nao contrabalancasse © ganho total, que se pode supor resul- tar, ndo de um ato partienlar, mas de uma série de atos do mesmo género. A 3.¢ Regra = A pena deve exceder o interésse que se tira do crime, a ponto de compensar o que The falta na razdo de certeza € aproximagao. (© interésse do crime 6, via de regra, mais certo do que costuma ser o castigo; ou, 0 que vem a dar no mesmo, assim parece ao réu: geralmente falando, é mais imediato; a tentagio esta presente, o castigo, longe: e aqui temos duas cireunstancias que tornam menos: ‘vigoroso 0 efeito do castigo: a sua incerteza ea distancia em que o réu o considers. ; ‘Suponhamos que 0 proveito do crime é igual a dez libras esterlinas, e ponhamos a realidade do castigo na proporgio um para dois: é claro que se a pena, na razdo de ter Ingar, ja nto Ede 10 libras esterlinas, o efeito que faz sdbre 0 espirito de uum homem, enquanto esté incerta, nao pode ser igual ao de ‘uma perda certa de 10 libras esterlinas, e que deve ser igual a uma perda certa de cineo libras esterlinas: se a queremos fazer equivalente ao proveito do erime, 6 preciso darthe o valor de vinte libras. ‘A excegiio dos casos em que o homem é impulsionado por uma paixio impetuosa, naturalmente nio se vai meter no ‘caminho do erime sendo porque espera ficar sem castigo. Uma vez que a pena néo conseguisse mais nada do que tirar sim- plesmente ao réu o fruto do seu crime, contanto que no falhasse, ninguém se atreveria a ser eriminoso: qual seria o homem eordato que se lancaria voluntariamente a cometer um crime, com 0 riseo certo de 0 no desfrutar, e com a vergonha Trorra’ pas P Nas Lzears 31 de ser apanhadot Mas como sempre se figura posstvel 0 poder eseapar, € necessirio dar A pena um maior valor para con- trabalanear a probabilidade de se nfo empregar. Daqui se segue que quanto mais pudermos aumentar a certeza da pena, tanto mais Ihe devemos diminuir o rigor; 6 @ste o grande interésse que resultaria de uma Legislagio simpHfieada e de nm bom sistema na ordom judicial. Pela mesma razio necessirio que a pena acompanhe o crime 0 mais que for possivel; porque a sna impressio esmorece no espirito dos homens, logo que deixam de a ter diante dos olhos; além da grande rardo de que a distincia da pena reforga a mesma incerteza, dando-lhe novas probabilidades de se nfo verificar (1). _4* Regra = Quando concorrem dois ou mais delitos, 0 mais nocivo deve ficar sujeito a uma pena mais forte, para que o réu tenha un motivo para no passar do menor. Concorrem dois delitos, quando um homem tem poder € vontade de cometer ambos; por exemplo: entram ladrées em uma casa, em que podem roubar simplesmente, ou maltratar as pessoas, assassinar, lanear fogo: se a pena contra o furto 6 a mesma que para quem rouba e mata ao mesmo tempo, esti claro que os malfeitores tm um motivo na mesma lei’ para assassinar; porque éste segundo crime facilita o primeiro, ¢ 0 torna mais seguro, Esta regra seria completa se pudéssemos repartir uma porgio correspondente de pena para cada uma das porgées do erime. Se 0 que roubou uma moeda de ouro sofre a mesma peua que outro que furtou meia moeda, esta claro que os cinco éruzados noves, que o primeiro tirou de mais, 6 uma porofo de crime que vem a ficar sem castigo, E aqui temos a rao de quanto deve ser absurdo agravar as penas em delitos menores; porque se perdem os meios de as podermos gradnar em os erimes maiores (2). (@) Vejamse as obras de Plutarco . 1. cemendi' erltinos, Ren terve ie exempi, TE (2) Montesquieu, dopeis de ter recomendado esta reer acrosetta: "Guando mio "Hidterengn ‘no eatlign, precise” gue tetsu Separanea do perdi, "in. Taylaterra on sutteadore nfo tnam (dere die? peas erst mata); jorque dtm espn ‘Goldnisas 9 us de Wart Genhuma so concede ao matador. Biprit due Lous is 8 Gap. 16 diserigtg "do "um poder arptrarioY “Se perdio ina” infoo at) uate onto, do ‘uma tei'eert deverd:sortir wm ‘lets mais seguro” SS 150, A demora nem Jerewtas Bextuax 5 Regra = Quanto maior é 0 crime, tanto se pode arviscar uma pena mais grave, en razito de se poder prevenir. Esta regra tem um eardter de evidéneia, que no necessita de prova, mas que pouco tem sido observada entre nés! Ainda nao hé muito que as leis de Inglaterra condenavam mulheres ao fogo 86 pelo crime de terem pasado moeda falsa: a pena de morte ainda se esté aplicando a delitos de menos entidad © roubo doméstico na Franga era eastigado com pena tiltima: muitas nagées ainda se servem do suplicio do fogo, ou pelo ‘menos 6 eominado por leis contra certos erimes, que se podiam coibir s6 com a vergonha, Se fosse conveniente conservar seme- Thante pena, que leva o terror ao seu maior ange, deveria ser para incendidrios e homicidas ao mesmo tempo. Dirdo, talvez, que os Legisladores sempre fizeram tengio de seguir esta regra, mas que @ sua opinifio, como a do Povo, tem variado sobre a gravidade dos crimes. O sortilégio pareceu o mais horrivel: um feiticeiro, que vendia a sua alma ao deménio. era objeto de exceracdo piibliea: um herege inimigo de Deus chamava sobre si a eélera celeste: roubar vasos sagrados, on qualquer coisa destinada ao eulto divino, era um delito maior que 0 roubo ordinério, como ultraje contra a Majestade divina (1); uma falsa avaliagdo dos crimes, que resultado podia dar, seniio uma falsa distribuigio de castigos? 6 Regra = Nao se deve impor a mesma pena a todos os réus pelo mesmo delito; 6 necessdrio reparar nas circunstdncias. que injluem na sensibilidade. ‘As mesmas penas nominais impostas a diferentes pessoas nao séo as mesmas penas reais. Trata-se, por exemplo, de castigar uma injiria corporal? A mesma pena pecuniaria, de que se fica rindo o homem rico, pode reduzir & miséria 0 homem pobre: a mesma pena afrontosa, que envergonha o juanto. A profanapie don vasor agrados — fol o crime de Baltasar, de sare te PG ama nia, que se\fax to cao. publcn, 6 ema. impiedade. Os mesmoe CGentios 1 ‘tnham em horror’ é a vou dn Naturesn’ era o water dalilo 2 Verses, no sentimento. de Gteero: ® falande segundo ss idéian do Catobcismo, ¢ aacatar’'a" ‘Deus nor atos, que encerram os seus mistérios, eos Socrameatos Ga 'igreja. @ evcandalizar,"e fazer pecndos naqucle’ mesmo’ Tugar, em ue #0 Hora 'te confesam, ¢ #2 perdoam. Trorta pas Pewas Leears homem de uma certa dignidade, néo fax mossa numa classe inferior: a _mesma prisio pode arruinar 0 qne vive de sun agéneia, acelera a morte de um velho debilitado, ¢ uma deshonra para uma senhora de bem; enquanto que vem a ser pouco mais de nada para quem se acha noutras cireunstincias. A lei pode antecipadamente determinar que esta ou aquela pena seja modificada em razo da idade, do sexo, da qualidade da pessoa, ete.; mas sempre deve deixar alguma coisa & pru- déncia dos Juizes. Os limites do castigo ficam mais bem assina- Jados por carta de menos, que por carta de mais: 6 mais facil Tepararmos no muito pouco, que no muito: 0 que nfo chega, mete-se pelos olhos; 0 que exeede, passa muitas vezes em claro: devemo-nos contentar com uma aproximagio. As irregulari- dades, na forga das tentagdes, sio de natureza que obrigam os Legisladores a fazer subir a pena por cima do risco, que ser’ bastante para a maicr parte dos homens: contam com a violéncia dos desejos ; e por isso aplicam logo remédios hersicos, deixam 0 caminho ordinério, Nem se diga que @ pena, no caso de ser menos forte, produzia o seu efeito: 6 0 que se nfo pode provar: bastaria um pequeno grau de atencio para evitar a insufici®neia; e ainda quando existisse na lei, por isso mesmo que era claro, € manifesto, tinha facil emenda, Nao acontece 0 mesmo quando a pena 6 excessiva: hé uma natural inelinagio no espirito humano em aumentar os crimes alheios; e os Legisladores, seja pela antipatia, que os leva a uma severidade ilimitada, seja por falta de comiseragio, esto dispostos contra homens, que se Ihes representam como perniciosos e baixos. Para des- contar esta prevencio ¢ que sfio necessérias todas as cautelas: é preciso estar alerta, sem perder de vista o lado em que. a experiéueia tem mostrado as maiores disposigdes para o érro. Devo acrescentar, de passagem, que nfo sejamos tio apu- rados, que tenhamos em vista uma proporeio matemtica: seria fazer as leis sutis, minueiosas e complieadas; nem 6 preciso encarecer éste principio, pelo nfo fazer ridieulo:: 6 tio barbaro neste caso menosprezar as cireunstincias mais mitidas, quanto seria absurdo querer fazer meneo de todas elas a fio direito, sem deixar uma s6 de fora: hi um bem, que vale mais do que 34 TJuremias Bentuam ‘a proporgio: a elareza das leis, a brevidade, a simplicidade e 0 seu efeito exemplar. ‘Tenho ouvido falar contra esta doutrina, que as regras de roporgo em um cédigo penal teriam seu merecimento, mas on utlldade; porque supdem 0 que é falso, que as paixdes eostumam caleular: mas ndo me posso acomodar a uma pro- posi¢&o tio decisiva. Em matérias de grande interésse, qual & 0 individuo que nao langa primeiro as suas contas? & Yerdade que uns acertam melhor do que outros, segundo os Giferentes graus de capacidade e férea dos motivos, que tém império sobre éles; mas todos caleulam, até mesmo o insensato, na minha opinido. uma felicidade que de todas as paixdes ‘a menos caleulista seja a que, em razio da sua fora, cons- taneia e generalidade, é a mais temivel para a sociedade: falo da avareza. De sorte que 0 avarento pode ser tanto melhor combatido, quanto for maior 0 cuidado da lei em o cortar pelos seus mesmos fios, pelo meio do interésse. CAPITULO VI Das qualidades que devem ter as penas Passemos agora a considerar as qualidades que deve ter o modo de eastigar, para corresponder aos seus fins. 1L*) Divisibilidade ‘A primeira qualidade que deve ter a pena 6 ser divisivel, suscetivel de mais ou de menos, seja na inteneéo seja na sua Guragdo. Uma pena indivisfvel nio pode corresponder aos dife- rentes graus da eseala dos delitos; hé de pecar necessiriamente por excesso, ou por defieiéneia: no primeiro easo ser muito dispendiosa; no segundo ficaré sem produzir 0 seu efeito. |As penas corporais excessivas sio muito divisfveis na sua intensidade; sio muito menos na sua duragéo: os trabalhos forcados esto quase iguais em uma e outra qualidade, Tror1a pas Pewas Lecars ‘As penas erénieas, o degrédo, e a prisio sio perfeita- mente divisiveis quanto & sua dura¢io e podem também variar na intensidade: a cadeia pode ser mais, ou menos apertada penosa; um destérro na Sibéria ¢ mais rigoroso, que mum clima mais benigno. 2°) Certeza — Igualdade A pena deve ser certa e, quanto possivel, igual a si mesma. A certera nao se refere A exeengio: esta pode falhar pela difieuldade que muitas vezes se encontra em produzir as provas do crime e nem sempre se pode apurar quem seja 0 eriminoso e prender. Uma pena é incerta de sua natureza, quando ao réu nao se Ihe dé de a sofrer: o degrédo tem éste defeito; pode mortificar e pode ser indiferente, conforme a dis- posigao do réu e cirennstincias individuais da idade, da qualidade da pessoa e da fortuna. Pelas leis de Inglaterra, muitos crimes sio punidos por uma confiseagdo de todos os bens méveis, sem tocar nos iméveis: que se segue daqui! Se a fortuna do réu consiste em bens da primeira espécie, fica perdido; se nfo tem mais do que prédios, vem a néo ser castigado, Se a pena é incerta de sna natureza, 6 como se néo existisse para o réu, a quem no incomoda. Hi, porém, alguns casos de necessidade, em que tem lugar uma pena incerta, quando se nfo pode impor outra; porque é melhor castigar algumas vezes por éste modo, do que a impunidade geral. meio de remediar a incerteza ¢ ter divas penas dife- rentes, nio para as aplicar ao mesmo sujeito, mas para suprir, quando uma delas 6 defeituosa; por exemplo, a pena corporal supre a pena pecuniéria, quando o réu, pela sua indigéncia, no pode pagar. ‘Uma pena incerta desigual: a perfeita certeza supe perfeita igualdade, quero dizer, supde que todos aqueles, que passam por ela, a sentem da mesma sorte; mas a sensibilidade dos individuos é tio varidvel, tio desigual, que a perfeita igualdade das penas é uma quimera: basta evitar tudo o que € desigualdade manifesta e que se faz odiosa. Portanto 6 uma verdade, que devemos trazer esculpida na meméria quando da 36 Jeremias BENTHAM elaboraco de um eédigo penal: que a mesma pena nominal nfo 6 a mesma pena real, segundo as diversas cireunstaneias do estado, fortuna, idade, sexo, ete. Toda a multa ou conde- nacio de uma quantia certa e permanente é sempre uma pena desigual: ¢ que diferenga nos castigos corporais, nos agoites, por exemplo, segundo a idade e 0 estado das pessoas? Na China tudo se reduz a levar pauladas desde o aguadeiro até ao Mandarim ¢ ao Principe, 0 que prova que semelhantes Povos nao conhecem absolutamente os nossos sentimentos de honra. 3.) Comensurabilidade ‘As penas devem ser comensuraveis entre si, Suponhamos ‘wm homem em situacdo de poder eseolher entre muitos delitos: apoderar-se de certa quantia de dinheiro por um simples roubo — por homicidio —, por meio do fogo: a lei deve oferecer-lhe um motivo, que o faga abater do maior crime: éste motivo ¢ saber de certo que ao maior crime corresponde um castigo mais pesado, 1 necessdrio que 0 réu possa comparar as penas entre si e medir os diferentes graus, de que elas se compdem. Se os trés delitos estivessem igualmente sujeitos & pena ‘iltima, semelhante pena j& se ndo podia medir; deixaria a réu a escolha do crime que se Ihe afigurasse mais facil menos arriseado na sua execugio. Ha dois modos de conseguir éste fim: 1%, ajuntando a uma certa pena outra quantidade da mesma espécie; por exemplo, a cineo anos de prisio, por certo crime, dois anos de mais, quando for mais requintado: 2°, ajuntando-lhe uma pena'de outro género; por exemplo, a cinco anos de prisio, por um certo crime, a ignominia piibliea, por ser mais agravante. “) Analogi: A pena deve ser andloga ao delito, Se a pena tem uma semelhanga caracteristiea com o crime, imprimese mais pro- fundamente na meméria, entranha-se na imaginago com mais viveza; a pena de Talido é admirdvel por éste motivo: dtho por étho, dente por dente. 0 homem, ainda o mais bronco e Torta pas Penas Leoars 37 sem capacidade, pode ligar estas idéias; mas semelhante pena raras vezes tem lugar na prdtiea, além de ser mui dispendiosa ; 6 preciso recorrer a outros meios de analogia. Trataremos desta importante matéria em um capitulo separado. 5.) Ser exemplar © castigo 6 exemplar, quando a pena aparente esté em grande proporgio com a pena real (veja-se o Cap. IV). A pena real, que néo fosse aparente, poderia servir para inti- midar 0 réu, e para o reformar; mas fieava perdida para piblico. Os Autos da Fé seriam a mais itil invengao da Jurispru- Aéncia se, em Ingar de serem da Fé, tivessem sido atos de justice. Que é uma execucho pitblica? Uma tragédia solene, que o Legislador apresenta ao Povo reiinido; tragédia da maior importineia, verdadeiramente patética, assim pela reali- dade do seu catéstrofe, como pela grandeza do seu objeto. O aparato da cena, a decoragio e as ceriménias devem ser carre- gadas; porque do exterior depende o sen principal efeito: tribunal, cadafalso, vestidos dos oficiais de justiga, 0 desalinho do padecente, 0s Ministros da Religiio, a proeissio, 0 acom- panhamento, tudo deve ter um cardter sério e horrivel no seu género: os préprios executores deveriam estar cobertos de negro: © terror anmentaria, e estes servos iiteis do Estado deixariam de ineorrer no édio, e aversio do Povo. Com tudo isto ha uma coisa que notar em todo éste cerimonial da pena e yem a ser: que nio indisponha o mesmo Povo contra si, nem se faca odiosa pelas falsas aparéncias de rigor. 6.") Economia ‘A pena deve ser econdimica, isto é, nfo deve ter seni 0 grau de severidade necessirio para aleangar o seu fim. Tudo 0 que é além da necessidade, nfo s6 vem a ser um mal supérflao, mas traz consigo um aluvido de inconvenientes, que tendem, mais ou menos, a enfraquecer o sistema penal: 6 0 ‘nico motivo raciondye! que indispde 0 Povo contra as pens. 38 Jerewtas Bentua As pecuniérias tém esta qualidade num gran eminente: todo 0 mal, que sente o que paga, se converte em beneficio para o que recebe, Em relagio & despesa piblica, ha eertas penas que se opdem especialmente ao prinefpio de economia; 13 mutilagdes aplicadas a delitos, que se cometem © contrabando é déste género. Quando os homens ficam aleijados para ganhar a vida, é necessario ali- menti-los & custa do erdrio, ou entregé-los a caridade dos figis, tributo que vai fazer péso exclusivamente sébre a classe a mais virtuosa. Se devemos acreditar Filangieri, havia continuamente nas cadeias de N&poles mais de quarenta mil presos ociosos: que imensa perda de trabalho! A cidade de Inglaterra, que tem mais fabricas, nfo chega a oeupar um mimero igual de pessoas. Em muitas nacdes hii pena iltima contra os desertores, imposta pelas leis militares: matar um homem nio custa nada; mas perde-se o que éle poderia ganhar: 0 produto de quem preenche 0 seu lugar fica sendo imitil, como se nfo trabalhasse. 7°) Ser repardvel uma das qualidades da pena ser reparivel, ou poder-se revogar. 6 verdade que em relacko ao pasado todas as penas so irremissiveis: logo que o réu foi eastigado, ainda que depois venha a provar claramente a sua inocéncia, ninguém Ihe tira o castigo. O que podem fazer as leis, é compensar 0 inocente: ninguém o pode repor outra vez no sew primeiro estado; mas podem haver meios de melhorar a sua condicio presente. A Yinica pena irreparivel ¢ a pena de morte. (Veja-se 0 L. 2%, Cap. XIX). 8.) Atalhar 0 poder de fazer mal Uma peua, que tira ao réu o poder de fazer mal, & exee- lente, logo que no seja mui dispendiosa. A prisio, enquento dura, tem esta qualidade; as mutilagdes podem reduzir éste poder a quase nada; e a pena iiltima o destréi pela raiz. Ha Teoria pas Penas Lecats 39 casos em que se nfo pode tirar o poder de fazer mal sem tirar a vida, em cireunstincias extraordinérias, como, por exemplo, nas guerras civis, quando o nome de um cabeca de partido, enquanto vive, é bastante para atigar as paixdes dos seus apaniguados; mas ainda mesmo assim, a pena dltima, aplicada fa agdes de uma natureza tio problemética, deve considerar-se mais como um ato de hostilidade, que na razio de pena legal. Ha casos em que se tira o dito poder com a maior economia da pena: suponhamos que o delito consiste num abuso de autoridade, ou na falta de fidelidade na arrecadaco dos direitos; basta remover o empregado, tirar-Ihe a administracio, a tutela, 0 fideicomisso, de que tem abusado: éste meio pode servir para 0 govérno doméstico e para o govérno politico. 9.*) Tendéncia para o melhoramento moral Toda a pena tem um certo efeito para intimidar; mas se ‘o réu, depois do castigo, se nfo abstém do erime senfo porque tem médo, no podemos dizer que esta reformado: quem diz reforma, diz mndanga no carter e nos maus hébitos morais. ‘A pena tem uma tendéncia para emendar o homem, quando é caleulada de modo que pode enfraquecer os motivos enganosos, e reforcar os motivos tutelares: algumas penas hé que tendem, pelo contririo, a fazer o homem vicioso ainda mais estragado: as penas infamantes tém éste grande perigo, quando se aplicam ‘@ pequenos defeitos, on a falhas da mocidade: Diligentius enim, vivit, cui aliquid integri superest. Nemo dignitati suac parcit. Impunitatis genus est jam non havere pacnae locum. Seneca de Clem. Cap. XXI. 10.) Poder-se converter em proveito Quando a pena se pode converter em proveito tem uma qualidade de mais, que em muitos casos pode ser de sumo valor, Quando se comete um crime e depois se eastiga, temos o mal do crime e o mal da pena; se a pena render algum proveito, aplieai éste proveito A parte lesada, e tendes sarado © mal do crime: saldando a conta, jé nao resta mais do que 40 Jerewias Bentuas uma s6 porgdio de mal em lugar de duas que existiam. Se nio ha parte lesada, como nos crimes que nio produziram mais do que susto, ou perigo, niio ha golpe que se deva curar; mas, entretanto, se a pena é de natureza que rende proveito, temos uma soma Iiquida, com que podemos contar. Esta qualidade se descobre nas penas que consistem em desautorar o réu, ow fvé-lo do poder que tinha. O lugar de honra, ou de luero, que vem a perder pelo seu crime, vai recair em outra pessoa mais digna: de todas as penas, as que chamam pecunidrias sio as tinicas em que se verifica perfeitamente uma tal qualidade. 11.4) Simplicidade no modo de se dar a conhecer ‘A pena deve enunciar-se com a maior clareza possivel, ¢ com a maior simplieidade, de sorte que todos a entendam, nio sé as pessoas de tino, mas até o mais ignorante. & verdade que nem sempre se pode guardar esta simplicidade. Ha muitos crimes, cuja pena se compoe de muitas partes, de multa pectinidria, pena corporal, cadeia, ete.: a regra de simplieidade, neste caso, deve ceder a coisas mais importantes, Oferego esta qualidade, para que o Legislador se lembre dela e se lhe acomode 0 mais que for possivel. Quanto as penas séo mais complexas, tanto é mais de recear que se néo apresentem por inteiro ao réu na ocasido em que é tentado; on porque nfo tem conhecimento das partes da pena, ou porque se 10 lembra das outras: entram todas na pena real; mas nio entram na pena aparente. ‘Também é de sumo interésse saber eseolher 0 nome da pena: uma palavra obscura é um vin, que se langa sébre 0 total das penas, e que as nfo deixa conhecer por um modo Gistinto. A lei da Inglaterra tem seus defeitos nesta parte. A traigdo capital (1) encerra penas tao diversas, que pela maior parte se nfo eonhecem, e que por isso mesmo nio fazem impressio. O mesmo crime com privitégio do Clero tem a mesma obsewridade: as ameagas da lei nfo oferecem ao espfrito uma idéia distinta e o primeiro pensamento, que se oferece a uma (a) Velaso 0 L. 5, cap. 3 desta obra Teorta pas Penas Leaats AL pesso; que nfo é instruida, é que a lei trata de prémios, e no de castigos. 0 Pramunire (1) também se nfo entende: os que sabem latim esto bem longe de eonhecer a pena, que ali se declara: semelhantes obscuridades sto bem parecidas com os enigmas de Esfinge, em que os homens eram castigados por nio saber adivinhar. 12.4) Popularidade As penas devem ser populares ou, para melhor dizer, no devem ser odiosas no conceito pitblico. 0 Legislador na escolhe das penas deve evitar cuidadosamente as que podem entender com os prejuizos da sua nagdo, Se 0 Povo, com razio ou sem cla, tem coneebido aversio a um certo género de pena, por mais conveniente que seja em si mesma, nao deve entrar no Cédigo Penal: é um yerdadeiro mal dar ao pablico um sentimento penoso pelo estabelecimento de uma pena, que néo é do seu agrado: neste caso no se castigam s6 os criminosos. mas as pessoas as mais inocentes e as mais quietas da sociedade, impondo-The uma pena verdadeiramente real, enquanto se fere a sua sensibilidade ¢ se afronta a sua opinitio, metendo-lhe cara a imagem da violéucia e da tirania, Que sucede de um procedimento tio poueo judicioso? O Legislador, que nao fax caso da opinifo pitbliea, vira contra si mesmo esta opinitio insensivelmente; perde 0 abrigo voluntario, que os individuos costumam dar & execugdo da lei, quando ela tem a sua apro- vacfio; nfo pode contar com 0 Povo como seu aliado, mas como seu inimigo. Qual trabalha por facilitar a evasio do eriminoso ; qual faria eserdpulo de o denuneiar & justien: as mesmas testemunhas fogem, o mais que poder ser, de dar o seu depcimento: insensivelmente se vai formando um prejuizo frmesto contra a lei, até que vem a ser uma vergonha, uma espésie de deshonra, concorrer para a sua execugio. 0 deseon- tentamento geral ainda pode ir a mais: rompe algumas vezes em desobediéneia formal, ou contra os oficiais de justiga, on contra a exeeucio da sentenca. Se 0 Povo sai bem do seu (i) Gera lel, ou ordenagio de Inglaterra, feita no tempo de Ricardo TH, ara Sopear abuses 42 Jeremras BENTHAM arrdjo, assenta que tem aleaneado uma vitéria eo réu impune se alegra com a fraqueza da lei humilhada pelo seu triunfo. E que 6 que faz as penas odiosas? Pela maior parte 0 serem mal escolhidas: quanto mais se ajustarem as leis penais com as regras, que temos apontado, tanto elas serio ‘mais acre- ditadas pelos homens de juizo e até pela mesma aprovacio sentimental da multidio: todos acharam justiga e moderagéo em semelhantes penas: cada um ficaré maravilhado de ver a sua conveniéncia e analogia com os erimes, podendo graduar a pena agravante, que deve corresponder a um crime agravado eA diminuig&o do castigo, que se deve aplicar a um crime, que se faz menos odioso por alguma cireunsténeia, fiste género de merecimento, que se funda nas idéias domésticas e familiares, esté ao aleance dos homens de menor capacidade: nenhuma coisa ¢ mais prépria para nos dar a idéia de um Govérno paternal, para inspirar confianca e fazer, caminhar a opiniéo piiblica ao lado da autoridade. Quando o Povo segue o partido das leis, as abertas do crime para escapar do castigo estio reduzidas & sua menor expresso. Fazer um catdlogo das qualidades, que deve ter a pena para ser bem ordenada, seria um trabalho imitil. A primeira coisa que se deve fazer em qualquer matéria, se queremos proceder com acérto, é formar uma idéia abstrata das quali- dades que deve ter 0 objeto que se pretende explicar: enquanto nao fizermos isto, toda @ nossa aprovacio ou desaprovagio nao passa de um sentimento confuso de simpatia ou de antipatia. Pelo que fica dito, 34 podemos ter razées claras ¢ distintas para decidir na escolha das penas: resta imicamente observar em que proporeio esta ou aquela pena, possue estas qualidades diversas. Tirar uma eonclusio de uma 86 destas qualidades no é querer acertar: é preciso desfiar cada uma de per si, e consideré-las todas juntas. Nao hé uma s6 pena, que possa reiinir em si todas as qualidades; mas segundo a natureza dos crimes, assim umas podem ser mais importantes do que outras. Nos maiores crimes devemos fitar toda a nossa atengio e enidado no exemplo e analogia. Nos pequenos delitos é neces- io atender mais & economia da pena e ao objeto moral da Trorta’pas Penas Leaars 4 reforma, Nos crimes contra a propriedade sio preferiveis as penas que se podem converter em proveito, de que se pode tirar uma compensagio para a parte lesada. __ Nota. Vou dar um exemplo do andamento progressivo das idéias ¢ da utilidade dos niimeros para registrar metddicamente todas as observagies modernas a éste respeito, sem perder wma s6. Procurei em Montesquieu todas as qualidades penais, que The mereceram cuidado; e achei quatro, que estio exprimidas por termos vagos ou perifrases, _ 1 Requer que as penas sejam tiradas da natureca dos crimes, isto 6, que tenham uma certa analogia entre si. 2° Que sejam moderadas; expresso muito vaga, em que se nfo acha um ponto de comparagio, 3 Que sejam proporeionais ao crime. A proporgio refere- se mais & quantidade da pena do que & sua qualidade. Mon- tesquieu nio expliea em que consiste esta proporgéo, nem da uma s6 regra a éste respeito. 4° Que sejam honestas. Becaria noton igualmente quatro qualidades: | 12 Diz que as penas devem ser anélogas aos delitos; mas nio entra na averiguagio desta analogia. 2° Que sejam pablieas; que vale 0 mesmo que dizer exemplares. _ 8° Que sejam brandas, térmo impréprio e que nada significa, ainda que as suas reflexes sdbre 0 perigo de excesso sejam mui judieiosas. 4° Que sejam proporeionais; mas no assina uma s6 regra para esta proporgao. Que, além disto, que as penas sejam certas, prontas, inevitévets; mas tudo isto pertence ao foro judicial, a0 modo de apliear as penas e nfio as suas qualidades Voltaire, no seu comentario sobre Becaria, repete muitas Vezes que as penas devem ser proveitosas: um homem enforcado, dix éle, nao serve para nada, " . ‘Um dos herdis da humanidade, o bom, o virtuoso Howard, tinha sem cessar em vista a emenda dos réus. , 44 Jerexias Bextmax Se observarmos 0 ponto de que partem todos estes ordecutlos da ciéneia; se examinarmos suas idéias vagas, prineipios gerais, viremos a coneluir que, nfo tendo apresentado um nome préprio para se expliearem, nfo poderao fazer uma emumeragio regular de todas as qualidades que podem ter as penas, sua distineéo, seus nomes, suas definigdes. Levados pelo Autor desta obra, j@ podemos oferecer as penas debaixo de um ponto de vista de aproximacio; jé podemos determinar a sua impor- ‘tincia comparativa e o seu justo valor. Montesquieu, querendo dar tudo i qualidade de analogia, deixon-se enganar, atri- buindo-lhe efeitos que certamente nao tem. Esprit des Loiz, XI. 4. Creio que temos respondido suficientemente aos que notam M., Bentham de ser nimiamente afeicoado ao seu método: falo das suas divisées, enumeragées, classificagies, a que podemos chamar aparato légico. Dizem que se devem deitar abaixo os andaimes, logo que o edificio esté levantado: mas para que havemos tirar ao leitor os instrumentos de que o Autor se serviu? Para que se The hi de esconder o trabalho analitico € procedimento da invengio, Organum cogitativum, que nos obriga a pensar? O Autor revela o seu segrédo; chama a si os outros para cooperarem com éle; entrega o fio, que o tem encaminhado nas suas deseobertas, para que os homens possam. ir mais adiante e verificar a verdade por si mesmos. Coisa singular! Porque o trabalho ¢ maior, mereceré menos prémio? Bem sei que se o Autor fizesse mistério dos meios da sua lgiea, como de uma doutrina secreta, nao deseobrindo, (se Vieito falar assim) a anatomia do sen diseurso, os misculos, os nervos, poderia ter ganho mais pelo lado da facilidade e colorido: bem sei que, seguindo a andlise, tudo corre de plano, todos esperam 0 que se segue, nfo hi novidade; mas que importa, se 0 todo 6 luminoso? 0 estilo néo arrebata, néo hi relampagos, nem pensamentos, que do nos olhos e que num instante se metem pelas sombras; custa a levar ao fim um método to exato; mas era éste o modo de satisfazer plenamente a razio do homem sensato. Nota do Sr. Dumont. Trorta pas Penas LeGats 45 CAPITULO VIT Da analogia entre as penas e os delitos _ Analogia é 0 mesmo que relagdo, conexio, ligacio entre dois objetos, pela qual um déles tem a propriedade de nos fazer lembrar do outro. A semelhanca é uma espécie de ana- logia, e dessemelhanga ¢ igualmente outra (1). Para estabelecer a analogia entre o castigo, e 0 crime, é preciso que haja neste alguma eircunstancia notdvel que s+ possa transferir para o castigo, Esta cireunstincia notivel on caraeteristiea pode ser o instrumento que serviu ao erime, 0 Srgio do corpo, porque éle se consumou, a parte do corpo, que deu ocasiio, 0 meio empregado pelo delingiiente para o nao conhecerem, ete. Os exemplos que vou dar nao tém por fim mais do que explicar ao claro o que quer dizer analogia. Limito-me a dizer que tal pena seria andloga a certo erime, sem recomendar que se empregue a dita pena absolutamente ¢ em todos os casos. No basta que uma pena seja andloga para ser conveniente; é necessério atender a outras muitas consi- deragdes: mas ninguém pode dizer tudo ao mesmo tempo. I Primeira causa da analogia O mesmo instrumento do crime e da pena _ © langar fogo, alagar, envenenar: estes delitos, em que 0 meio empregado pelo criminoso é a primeira cireunstancia que lembra, so do mimero daqueles em que se pode aplicar & pena © mesmo instrumento que serviu ao crime, A respeito do incendidrio, devemos reparar que o seu crime se deve restringir timicamente ao caso em que do ineéndio se seguiu a morte de alguém. Se nio houve homicidio, nem mau trata- mento pessoal irreparavel, o crime deve ser reputado como um prejuizo ordindrio: destruir uma propriedade pelo fogo, D)_Da idtin do um gicnnte 0 xorso expirito pode formar idtin de tuto ‘gande, Os natarais Le'itipna Shemarsn a) Galver’s homens montane “Ea idia'Ge tm icamic polemon former Wud dean pigwes. 416 Jeremras Bextaam outro modo, vem a dar no mesmo: o valor da perda ‘lave ser a medida do erime: ste homem, por exemplo, Jangow fogo a uma casa erma ¢ deshabitada; fez uma destrui¢do nada mais: 0 seu erime nfo entra na definigio de incenditio (1). Se o suplicio do fogo fosse reservado tnicamente para os que deitam fogo a um prédio alheio, a lei neste caso teria a seu favor a razio de analogia; mas nos séeulos de barbaridade a Legislacio tem empregado geralmente na Europa em trés delitos diferentes: na magia, crime puramente imaginario; na heresia, ou diferenga de opinidio em matéria religiosa, em que pode haver boa £6 e em que semelhante castigo néo podia fazer mais do que hipéeritas; e nos crimes vergonhosos contra a naturesa (2). © fogo poder-se-ia empregar como instrumento do supli- cio; mas sem matar 0 criminoso: 6 uma pena que podemos modifica & nossa vontade, Também seria preciso que o texto da lei determinasse com todo 0 cuidado a parte do corpo a que se deve aplicar, o modo da operacio por uma luz, os minutos que deve durar, o aparato necessrio para aumentar o terror e, para fazer a deseri¢éo do suplicio mais viva e meter médo, (objeto principal da pena) seria bom mandar abrir uma estampa, em que se representasse 0 castigo. © crime de alagar é mais raro que o de lengar fogo: & deseonhecido em muitos paises; ¢ até se nfo pode cometer senfo em terras em que houverem eanais e diques artificiais, que se podem romper: éste crime pode diminnir e avultar por todos os modos: eausar uma inundacio em alguns campos 6 estragar simplesmente a propriedade; mas quando se lhe ajunta a destrui¢io das vidas, entio. pode subir a um grau de atrocidade que necessita de penas severas. : ‘A analogia a mais sensivel indica o meio do suplicio: afogar 0 eriminoso por um modo solene, que exeitasse o terror em um Cédigo Penal, que tivesse desterrado a pena diltima, Ti) Salvo so a propriedade pegava com outra, 0 que fax 0 crime agravante ‘ar nefits fan nunca podem servic de swera para slates erdngrie « vera hn funn crimes capa, como ae ve 0 Livro dos Namy 1. 1, Tronta pas Pexas Leears 47 poderia o réu ser afogado de sorte que néo perdesse a vida: seria uma parte da pena. Mas um miseravel, que propinon veneno, deverd também emborear a taca e morrer envenenadot Falando geralmente, néo seria um despropésito. ste crime distingue-se dos outros homiefdios pelo segrédo com que se pode fazer e porque supée no malvado uma intengdo continuada e refletida, que o faz horrivel: a primeira cirennsténeia aumenta a férga da tentagdo eo mal do crime; a segunda faz ver que 0 réu com os olhos no seu interésse 6 eapaz de uma reflexio muito séria sbre a natureza da pena: a idéia de morrer pelo mesmo género de morte que aparelha para o seu inimigo 6 uma idéia assombrosa, bem capaz de o reprimir em eada preparo do crime esté vendo na imaginacéo a sua mesma sorte; e por éste modo a analogia produz plenamente © seu efeito. Todavia, o castigo tem difieuldades: os venenos lavram com :nuita desigualdade a incerteza: por isso a lei deveria fixar um certo espago de tempo, depois do qual deveria morrer © padecente, para The abreviar o suplicio. 0 veneno, que faz dormir a sono sélto, nao convém; porque nio faz 0 castigo exemplar: 9 que faz convulsées ¢ raiva até despedacar-se 0 homem a si mesmo, seria fazer a pena odiosa. Se o veneno propinado nio matou, poderia darse ao réu, e, depois de o bebe, obrigé-lo a tomar um contraveneno, antes que 0 pudesse matar: a dose e o tempo deveriam ser fixados pelo Juiz, de vonselho dos médicos O Povo, que sempre teve horror a éste crime, poderia levar a bem esta pena, uma vez que se fosse costumando: e enquanto © pais fosse mais sujeito ao crime, tanto a pena, que repre- senta esta analogia com o delito, poderia ser mais conveniente. UM Segundo principio de analogia Por uma injiria corporal a mesma pena corporal Nos delitos que consistem em injdrias eorporais irrepa- raveis, a parte do corpo lesada é a cirennstaneia earasteristica @ neste caso a analogia consistiria em fazer a0 réu o mesmo 43, Jeremras Banteay mal por @le feito: bem entendido, sendo o delito malicioso e plenamente intencional em toda a sua extensio, cireunstaneia necesséria para o eastigo e distingdo da maior importéneia. ‘Mas suponhamos que o réu carece do érgdo ou daquela parte do corpo, de que tem privado o seu adversirio; ou que esta perda lhe vem a ser de maior ou menor prejuizo do que A pessoa lesada: se a injitria foi de ignordneia sem mal perma- nente, a mesma ignominia se pode empregar na pena, quando & compativel com o estado da pessoa e com as demais cir- cunstincias. IIL Terceiro principio de analogia Castigo na parte do corpo, que serviu ao delito Nos crimes de falsidade @ lingua e as mios so instru- mentos do crime. Desta circunstincia podemos tirar uma exata analogia para o castigo. Se o réu falsificon eserituras priblicas, a sua mio deve ser traspassada com um ferro quente, que tenha a forma de uma pena; e neste estado se deve apresentar a0 Povo, antes de o meterem na cadeia para expiagio inteira do seu crime. N. B, — Esta pena pode ser mais grave ua aparéncia do que na realidade: a parte do ferro, que se v8, pode ser grossa; e a parte que se entranha pela carne, pode ser delgada como um alfinete. Na caliinia, ditérios pessoais, que se nfo provam, em que a Iingua foi o érgdo do crime, o caluniador deve ser exposto aos olhos do pliblieo da mesma sorte — com a lingua furada. N. B, — A mesma observagio. 0 réu pode apresentar-se com a lingua de fora, atravessada por uma agulha delgada, que termine em dois n6s, para se néo recolher. Esta pena oferece néo sei que ridieulo; mas por isso mesmo teria o merecimento de fazer a impostura mais des- prezivel e a verdade mais respeitavel. TeoRIA DAS PENas LeGars 49 IV Quarto principio de analogia Disfarce Hé certos crimes em que o disfaree é um dos seus rasgos earacteristicos. O réu, para nfo ser conheeido, ou para inspirar mais terror, comete 0 crime com o rosto tapado: eireunstancia agravante, que aumenta o susto e diminue a probabilidade da pena: sendo assim, & necessério que haja um castigo adicional ; € se 0 quisermos acomodar segundo a sua analogia com o delito, deveremos marcar 0 réu; cuja marea pode ser delével, ou indelével, conforme a prisio for temporéria ou perpétua. A primeira pode fazer-se com tinta, a segunda com ferro em brasa, A utilidade de semelhante pena seré muito mais sen- sivel nos homiefdios premeditados, crimes de violéneia, injirias pessoais irrepariveis e no ronbo acompanhado de forca ¢ de terror. V Outros prineipios de analogia Ha mais circunstancias earacteristicas, que se néo podem arranjar, como as precedentes, em classes gerais: & necessério consideri-las segundo a natureza dos crimes, se queremos guardar a analogia. No fabrico de moeda falsa, a arte do réu é uma eirenns- tancia earacterfstiea: podemos voltar o feitign contra o feiti- ceiro, aplicando-lIhe na testa, ou nas faces um sinal que denote a qualidade de dinheiro que sabia contrafazer: esta marca deveria ser de passagem, ou indelével, segundo a prisio que faz parte da pena, fosse por um tempo limitado, ou para sempre. Em Amsterdam h uma easa de corregio, chamada Rasp- house, onde se metem os oeiosos ¢ vadios: diz-se que entre 0s diferentes trabalhos a que sio obrigados, podem ficar debaixo d’égua e afogar-se, uma vez que deixem de trabalhar por wn instante: ou seja verdade ou mentira, aqui temos uma pena analégica levada ao seu mais alto ponto de vigor: a quererimos adotar semelhante meio, deveriamos ajustar o castigo segundo as foreas do réu. 50 Jeremias Bentoam © lugar do delito também pode oferecer uma espécie de analogia, A Tmperatriz Catarina If mandon que um homem, que tinha feito nao sei que travessara na praca do comércio, fosse condenado a varré-la todos os dias em que se ajuntavam os homens de negéeios. N. B. — Quando se diz, em geral, que as penas devem ter analogia com os crimes, ninguém pode negar a utilidade da regra; mas quando se quer aplicar, eada um vai para sua parte fon porque a imaginacio neste caso é 0 primeiro Juiz de uma circunstineia, ou porque ninguém consulta senfo a sua ima- ginaciio, e nada mais. Tenho visto pessoas com uma estranha Tepugnineia para adotarem alguns procedimentos caracteris- ticos propostos pelo Autor; tenho visto homens de espfrito meterem a ridieulo tais procedimentos, ¢ sorrirem-se com des- prézo, como de uma lembranea esquisita. O que é certo, & que tudo pende da escolha dos meios: a seriedade € 0 carater insepardvel de qualquer. pena; mas 0 respeito de crimes de orgulho e de insulto, a pena que envergonha o réu; e 0 faz digno’ do vilipéndio da sociedade, & sem dtivida a mais eon- veniente para humilhar o agressor e satisfazer a parte ofendida. ‘Também devemos fugir de tudo o que é requintado e mostra demasiado feitio. 0 ato de castigar ¢ uma acho necessi- ria feita com repugnineia e contra vontade: admiramos a yariedade dos ferros de um cirurgiio, porque quanto mais diferentes e multiplicados, tanto mais nos parecem necessirios para nos dar satide e fazer as operagdes mais dolorosas com © minimo de tormento; mas nfo acontece 0 mesmo nas penas: o Legislador, neste caso, vem a perder a sua dignidade ; porque parece que 0 seu espirito se entretém em coisas pequenas. Debaixo déstes prinefpios, a analogia pode ser muito ‘til; pode encaiinhar 0 Govérno para deseobrir as penas mais e¢o- nomieas e mais efieazes. Nao posso deixar de referir um exemplo moderno de um Capitio da Marinha Inglesa, que nfo tinha estudado os prineipios de Bentham; mas que sabia conhecer © coraeio humano, As licengas, que se costumam dar aos marinheiros para sairem a terra, ndo passam de vinte e quatro horas por via de regra; quando excedem a licenga, so agoita- dos. © médo de semelhante castigo é uma das causas mais freqiientes de haverem tantas desergies: 0 remédio de que Toorta pas Penas Leaars on se vale a maior parte dos Ofieiais superiores, ¢ negarem a licenga'; mas 0 Capitéo de que falo, para coneiliar 0 méto da sna gente com o servico do Estado, em Iugar de mandar agoitar o réu, profbia a Ticenea para as outras vezes A pro- poredo da falta: se fieava em terra mais de vinte e quatro horas, nfo entrava no primeiro turno: se fieava dois dias, nfo podia entrar no segundo, ¢ assim por diante. A expe- rigneia tinka correspondido aos seus desejos; nem es faltas cram mais freqtientes, nem havia desertores. CAPITULO VIIT Da pena de Talifio Se a lei de Talifio fosse admissivel, os Legisladores tinham poupado muito trabalho; uma palavra podia valer wm livro inteiro, Em que consiste esta pena? Em fazer passar o rén pelo mesmo mal, que tem feito A parte Iesada: para uma injtiria corporal um castigo corporal: ofendeu a propriedade, deve pagar em dinheiro contado: afrontou a repntacio, seja cortado pelos mesmos fios e pagne na mesma moeda. Tal é a idéia geral; mas nfo basta. Para fazer a pena exatamente conforme eom o prinefpio de Talifio, devemos levar a iden- tidade © mais longe que for possivel: por exemplo, se 0 delito consiste em queimar uma casa, deveria ser queimada igual- mente a casa do rén: deshonron alguma pessoa, fez-Ihe perder a dignidade da sua representagio? deveria sofrer 0 mesmo: mutilou © seu inimigo? deveria ser mutilado: tirou-lhe a vida? deveria softer a pena de morte. Em uma palavra, quanto mais a semelhanca é especffica entre a pena e 0 delito, tanto é mais conforme a lei de Taliio: Olho por dlho, dente por dente, § 0 provérbio, A identidade requer que no s se castigue a mesma parte, que fez o delito; mas até do mesmo modo: se matou a ferro, fogo, ou veneno; deve padecer da mesma sorte, o instrumento deve ser 0 mesmo. © grande mérito desta lei esti na sua simplicidade: em uma 86 regra apanhou e recolhen em si todo 0 Cédigo Penal: 0 ré sofreré o mal que tem feito sofrer. Semelhante plano, 52 Jeeemias Bentuam a-pesar-de ser imenso, entra na cabega mais pequena, fica entalhado na meméria, ainda que seja muito fraca e a sua analogia 6 tao perfeita que a idéia do crime desperta imediata- mente a idéia da pena: quanto 0 delito parece mais apetitoso, tanto o médo, que resulta da pena, deve ser maior: é 6 uma sentinela, que esté de guarda para nao deixar cair o miserével. Queria prosseguir por diante; mas para que, se na maior parte dos crimes nfo pode ter Ingar esta pena, nem é prati- cével! Primeiramente, nfo se pode aplicar nos crimes pablicos, que ofendem a sociedade em geral: um traidor, por exemplo, que se corresponde com uma nag&o inimiga, o que entregou ‘uma praca, como se lhe pode fazer o mesmo mal? Também néo tem lugar nos crimes quese publicos, que prejudicam um distrito, uma certa classe de pessoas: quanto mais, que uma grande parte désses erimes nfo passam de ameagas, de meter médo, de por a gente em perigo, sem que se possa assinar o individuo em particular que foi lesado. Nos erimes que 0 homem comete contra si mesmo e que ofendem a moral, a pena de Talido seria um absurdo: fazer-the o mesmo mal, néo seria castigado. Quando um homem estraga a reputagio alheia, quando inventa uma calinia; a lei nfio Ihe pode fazer 0 mesmo: pode sujeité-lo a uma pena afrontosa; mas esta mesma pena fica muitas vezes sem efeito, porque pende da reputagio do réu; que se pode tirar a quem nenhuma coisa tem de seu? Nos crimes que ofendem o direito de propriedade, a pena de Talido seria muito fraca, muito pouco exemplar; e além isto, como podem compensar as penas pecunirias um delito, que pela maior parte tem por motivo a indigéneia? A mesma falta de aplicacio, a mesma impossibilidade se descobre nos delitos contra a condi¢ao natural, ou civil, para se nfo poderem sujeitar & pena de Talido: hé casos em que ainda quando se pudesse aplicar, se nfio deveria fazer, eomo no erime de sedugio, de adultério, ete. Que resta pois na pritica a respeito desta pena? Quase nada. Os tinicos delitos, em que se pode empregar e nfo ha de ser sempre, so os que tocam na pessoa; e ainda nesse caso é necessirio supor uma paridade de eireunstineia, que raras yezes acontece. Nos casos mesmo em que pode entrar, tem Trorta pas Penas Legars 53 contra si o ser muito rigorosa: 0 seu vicio radical é ser infle- xivel, A lei deve medir a pena pelas cireunstineias agravantes, ou que podem diminuir o crime; o Talido destréi toda a medida, $6 0s Povos vingativos devem gostar desta pena: ‘Maomé ja a tinha achado estabelecida entre os Arabes, ¢ por isso @ consagrou no Aleorfo com um tom de elogio, que bem mostra a medida dos sens conhecimentos em matéria de Legis- lagéo; cito as suas palavras (T. 1. eap. 2. da vaea) : “6 v6s, que tendes um coracio, achareis no Talido e no terror, que inspira, a seguranga de vossos dias!” Seja fraqueza, seja ignorincia, Maomé lisonjeava o vicio dominante, que deveria combater. CAPITULO IX Da popularidade do Cédigo Penal Provar que uma institui¢o ¢ conforme ao prinefpio de utilidade, 6 provar quanto a coisa é suseetivel de prova, que deve ser do agrado do Povo: 6 verdade que éle nem sempre gosta do que deve gostar; porque nem sempre se governa pela utilidade: é 0 ultimo grau de civilizagio a que nenhum povo ainda péde chegar. Entre as nagdes que estio mais adiantadas, ainda nas classes superiores, quantas antipatias se acham ¢ quantos prejuizos sem fundamento! Antipatias contra certos delitos sem ‘uma razio suficiente — prejuizos contra certas penas sem reparar que sio convenientes. As objecdes contra esta ou aquela pena podem ser tio diversas quanto é diferente a imaginagio dos homens; mas se fizermos reflexio, veremos que se podem reduzir a uma destas quatro coisas principais: Liberdade — Decéneia — Religito — Humanidade. Estas objegies sio de capricho, porque tiram toda a sua férga aparente do respeito que infundem estas palavras sagradas. 0 capricho consiste em tomar estes nomes em vio. L. Liberdade — Poueo temos que dizer sobre estas palavra: todas as penas so contrérias a liberdade, porque de boa mente ninguém sofre 0 castigo: mas aparecem entusiastas que, sem atenderem a esta razio, condenam certas penas, por exemplo, Jerextas BeNtoam a prisio junta com trabalho obrigado, como um atentado contra 08 direitos naturais do homem. Num pajs livre, dizem éles, niio se deve consentir que nem ainda mesmo os malfeitores sejam reduzidos a wm estado de escravidio: ¢ um exemplo odieso arriseado; s6 as Povos avassalados pelo despotismo podem ver sem comocio os miserfveis agrilhoados, que tra- balham nas galés. Esta objecio foi repisadz em muitos folhetos, quando se propuseram em Inglaterra certas casas, em que os homens eri- minosos so obrigados a trabalhar para o pablico, que vale o mesino que dizer: que devemos deixar em liberdade os que abusam dela, ou que a liberdade dos malfeitores é uma parte essencial da liberdade dos homens de bem. IL. Decéncia — As objecées, que se tiram da decéneia, recaem sobre as penas em que se expoem aos ollios do péblic objetos que assustam o péjo, que se encobrem, e que néo entram ordinaricmente na conversago dos homens: todos convém em que as penas devem ser honestas; mas 0 péjo, assim como as outras virtudes, nfo tem valor senio pela sua utilidate (1). Logo, se houvesse um caso em que a pena mais apropriada 20 delito encerrasse na sua execugio uma cireunstineia pouco decente, julgo que no seria contra a rao admitir a pena en: beneficio da utilidade maior. A castracSo, por exemplo, parece a pena mais conveniente no caso de violencia, quero dizer. a mais propria para fazer uma forte impressio sdbre 0 espfrito, quando se deixa arrebatar da paixio: logo, em tal caso, para erin, do gue serepender se teat be paatag do Eno Ta: Penhancy de pre 9 awreat ievamn as onan Toelangder? quel datas dase conan ue fan com maior anna dpe fe "nyuprenio mai amcara, un aln de ictac nahn’ acko de malcat uns tor tateresn nu feprsencrto te SmSTSGTaia "ts ialeadon, 08 or mens de bem, que totems infutieat Donde Son sea ena) qlsitasie, plas avien herdios, ets arvintamentoe dear eat ‘Stas "grapdont Gus reaeao temo entsico ds, rude goo tet inletee raha ier na eS So Seti! Gite ace ate" glace Suara SAR ee Le Sacce ‘ Eec'echttidntbneh Wd eS oof the wo Tne SS'SOP LSE oh hn ete a Ta ae Teoria pas Penas Leoars que ser necessirio, por um eseripulo de péjo, recorrer A pena tiltima, ou a outra menos efieaz e menos exemplar? (1) Conta-se das Virgens de uma cidade da Grécia que, levadas no sei de que mania, que se comunieava de umas para outras, se matavam a si mesmas. Os Magistrados, assustados pela repe- ti¢io do crime, ordenaram que toda aquela que se achasse morta por éste modo seria arrastada inteiramente uua pelas rnas da cidade. Nao entro na probabilidade do fato, nem falo da natureza do crime; 0 que se diz é que o mal acabou de repente, His aqui uma lei que afrontava o péjo e a que pode- mos chamar conveniente pela sua eficdeia: porque, na verdade, que maior perfeigéo em uma lei penal, do que prevenir inteira- mente o crime? TIT. Religido — Ha seitas no Cristianismo que pretendem tirar do Cédigo das leis a pena de morte por ser ilegitima: a vida & um dom de Deus, que se nfo deve tirar a ninguém. ‘Veremos no segundo livro que hé razdes muitos fortes contra a pena de morte, ou que pelo menos se néo deve admitir seniio em casos mui singulares: mas quanto a ser ilegitima, 0 argnmento, que fazem, é fundado sdbre um falso prinepio. Hegitino quer dizer contrério & lei. Os que usam desta palavra na presente questo entendem que hé uma lei divina contra a pena tiltima: ora esta lei ou é revelada, on 6 natural: no primeiro easo deve aparecer nos livros, que eneerram a palavra de Deus; mas semelhante mandado néo existe na lei de Moisés; antes, pelo contrério, hi muitos crimes a que os Jadens aplicavam a pena de morte: logo os partidérios de wna tal opiniéo firm reduzidos a lei divina nao revelada, & lei natural, quero dizer, a wma lei reduzida da vontade suposta de Deus. (Q) Limitome o dicer que tal pena seria andlogn a certo crime, sem recomeniar que se empregue a die pena? sio palnvrst do Ante: A ansiogia deve oder acs bons costumes. 0 exemlo das’ Virgens de, Mileto € uma. prova, do, poder {4a Nonestidade ainda mesmo entre oe Gentles, Nig ha erune que de no. Legicador dg eg absurdo' ¢ atror, dia 0 jedisiwo Briss, talando sobre sia matéta f+ 2 reon escundalinn, & impopalr: $6 ve ama fala vergonha de que’ fala Platares, (no. ignordnca, ¢ dos prelatsn neste entido tom mu Palites. io, deve aplicar, Batrotanto, hd 2 aa sae ru ke a que © corérno deve desbastar pelo melo dn tnatrugto Mew? 2"Seutrina to grande: Bildote” do" consumes 36 Jerewias BexrHam Mas prestmir que Deus quer, ¢ supor que tem uma razio para querer, uma razio que o no envergonhe, o maior bem das suas eriaturas: e neste sentido a lei divina natural deve ser conforme a utilidade geral. Sem éste cardter, presumir da vontade de Deus ¢ uma quimera, um prinefpio ilusdrio, capaz de sancionar todos os sonhos de um entusiasta, e todos os Gelirios de um miserdvel supersticioso. A Religidio, mal entendida, tem pésto muitas vezes dife- rentes obstéculos A exeengio das leis penais, por exemplo, o asilo dos templos aberto aos facinorosos para escapar da justiga. Teodoro I proibin toda a sorte de processos eriminosos enquanto durasse a quaresma; porque se nio compadecia estar sentenciando os crimes alheios, e pedindo a Deus o perdio das prdprias eulpas. Valentiniano I mandava soltar todos os presos em dia de Pscoa, & exeegdo dos acusados de erimes maiores (1). Constantino nfo queria que se imprimisse um ferro na cara do réu, porque era contra o direito da natureza escurecer a majestade do rosto do homem: razo singular! a majestade do rosto de um malvado! A Inquisigéo, diz Bayle, condenava os hereges ao suplicio do fogo por nfo quebrantar a maxima: Beclesia non novit sanguinem. Em matéria de Religido ha seus abusos, seu jOg0 de palavras, assim como nas leis. IV. Humanidade — Néo esentes a rario, que nos engana mmitas vezes; eseuta a vor do coragio, que se nfo desmente: rejeito sem exame essa pena, que se pretende estabelever, porque faz violencia aos sentimentos da natureza, porque faz estreme- cer as almas sensiveis, porque é tirana e cruel: eis aqui a linguagem dos Oradores, que fazem timbre de terem senti- mentos. Mas a ser verdade que a repugnincia de um coracio sensivel é uma objegio suficiente contra uma lei penal, ris- quemos todas as penas, porque todas elas, mais ou menos, cortam pela sensibilidade natural. Toda a pena por si mesma é neeessiriamente odiosa; e como poderia conseguir o seu fim sem desgostar o réu? Uma pena nfo merece aprovacio senio (GQ) Pilots, Historia das revolugies desde a coroagio de Constantino até a queda do Império do’ Ocidente. TroRIa pas Pexas Leears oT enquanto se lhe ajunta a idéia do crime. Nao quero o senti- mento com drbitro, no 0 posso enjeitar como primeiro conse. Theiro da razio: porque uma lei penal se no casa com 0 meu coragio, nem por isso a hei de condenar; 0 que devo fazer & examiné-la com uma ateneGo escrupulosa. Se ela é verdadeira- mente digna do meu édio, eu virei a descobrir a razio legitima. porque se nfo deve admitir: veremos que esti fora do seu Ingar, ou que é supérflua, ou que nfo guarda proporgdes com © delito, on que produz maior mal do que previne: por éste modo chegaremos a deseobrir o lugar em que se amalha o érro. O sentimento obriga a reflexionar, ¢ a reflexéo desenvolve 0 vieio da lei, As penas que tém maior aprovagio so as que tém ana- logia com o crime; porque dio mostras de justiea e de eqitidade; mas quando se examinam de mais perto, onde esto estas quelidades? Nao entendo : eastiga-se o delingiiente pelo mal que fez? Mas a lei deveria imitar o mesmo que condena? Serd racionével que os Juizes fagam um mal, porque o malfeitor malicioso? Ser possivel que o ato solene e juridico seja natu- ralmente 0 mesmo que o ato criminoso? A razio preponde- rante para 2 multidio & que o réu néio tem que responder, nem pode acusar a lei de severa sem que a sua coneiéneia 0 acuse em segrédo, Felizmente a mesma volta de imaginagio, que faz a pena popular, 6 2 mesma que a faz conveniente: esta analogia, que se faz sensivel ao Povo, fere igualmente os individuos no ins- tante em que a tentagio os persegue, e faz esta mesma pena objeto particular de terror. Cumpre desviar as nogdes enga- nosas, ainda quando se ajustam com o principio de utilidade esta consonineia néio é mais do que um acaso; eo que da um jufzo do aprovagio, independente déste prinefpio, esta disposto a formar outros jufzos, que Ihe podem ser contré- rios. Nao hi firmeza no entendimento para trilhar um caminho seguro enquanto se nao servir do principio de utilidade com exclusio de outro qualquer principio. As palavras puramente de aprovacio ou desaprovacio, em matéria de diseursos, sio 0 mesmo que o sentimento das erianeas, quando balbueiam as Jeremias Benruas palavras: devem estar de parte logo que se trata de alguma averiguaedo filos6fiea, ou quando pretendemos aclarar, con- vencer e nio mover os fnimos (1). CAPITULO X Das penas, que se no devem impor (2) Podemos reduziy a quatro poutos prineipais os easos em que 2 pena se néo deve impor. 1° Quando é mal fundada. Quando dela se nio tira proveito. 3° Quando é supérflua, E 4° quando 6 mui dispendiosa. Entremos na averiguagio de cada um déstes pontos. : 1 Penas mal jundadas ‘A pena vem a ser mal fundada quando se néo deu ver- Gadeiro-erime, quando nio hé mal da primeira ordem, ou da segunda, ou quando o mal é sobejamente compensado pelo bem que resulta désse mal, (como sucede no exercicio da auto- ridade politica ou doméstica), quando rebatemos um mal mais grave em propria defesa, ete. Se temos formado idéia do que 6 verdadeiro erime, ficilmente 0 podemos distinguir désses crimes de wm mal imagingrio, atos inocentes em si mesmo; mas que certos Povos tém contado entre os delitos pelos seus pre- jnizos, prevengoes, erros de administracéo, prineipios asoéticos, ‘mando fogem de certos alimentos nutritivos e sadios, como se fossem um veneno, ou uma nutri¢éo imunda (3). A heresia e © sortilégio pertencem a esta classe de delitos. TA) _Os termes de que use. homem proventdo, que aio examina, encerram quate Dayo? tin toring peigis de" principio: aprovem,perdoe proram: rum Enveign, ‘Sa ata gue tenia logo. que tenho examinado, qi nem epee Pistol em Gone al"pelon eplieios de que os homens e Fervem ‘na, Tioguagem ordindria, (2) tate eptlo «'» menmo,gae m ain noe rato de Lai. 11 emo filuofo eereye contra estas vrtades exterior, indie extssheing 4¢°Wastemo ‘e nfkdcn AX sbtintnca, diz mele tntié (o Gouice Bolviee'n "2 Tama enplce de cxpiagto e"nemihagso a presence, de Dams ae’arncin‘o inpécia da suo shbre 0 trpo « sobre as patie: rane ae senate’ Seals doe Eatecon; if aprendiam a domar os Partie eae ot sopea’ fst e sea pula 6 um crime; 8 noderagio Tovcomer Beber deve eer ime va Trorté pas Pryas Leears 5e IL Penas de que se néo tira proveito Chamo ineficazes as penas que nfo produzem efeito sdbre a vontade, e que por esta razio ndo prestam para atalhar semelhantes crimes. As penas so ineficazes quando se aplicant um réu que nfo podia conheeer a lei, que obrou sem intenga que fez mal sem saber que o fazia, numa suposi¢fio errdues, ou por um constrangimento inveneivel. As criangas, os insen- satos, os doidos, ainda que os possam levar até um certo pont por meio de mimos e ameacas, nio tém assaz idéia do futuro para se poderem moderar por meio de penas futuras: a lei a éste respeito fiearia sendo imitil, Se um homem fosse determinado por um médo superior & maior pena legal ou pela esperanca de um bem preponderante, est claro que a lei teria pouca eficdcia, Viram-se as leis contra © duelo metidas a desprézo, porque o homem brioso tinha mais médo da vergonha, que do suplicio. As penas deeretadas contra ste ou aquele culto fieam, por via de regra, sem efeito, porque a idéia de uma recompensa eterna faz desaparecer 0 terror do. cadafalso: mas como estas opinides tim mais ou menos influ éncia, a pena é também mais on menos eficaz. HI Penas supérjluas As penas fieam supérfluas, quando podemos conseguir o mesmo fim por meios mais suaves, como: pela instrueo, pelo exemplo, convites, esperas, a ver se o homem se reforma, reeom- pensas, ete, $6 porque um sujeito espalhou opinides perni ciosas, nio é preciso que o Magistrado se arme logo de espada para o castigar. Se 6 do interésse de um individuo espalhar méximas estragadas, sera do interésse de infinita gente refutar essas maximas (1). (1) Os esceiton ado fazom os Tevantamentos, nem as heresiae, mas dispier Gnimos: sprendese o mal com mals facilidade do ‘que o bem: é deizar case para a lovantar de nove. Estamor 20 principio da noass Uberdade ‘hos odemos ‘engoifar, nem meter todas’ as volas: porque tomos In eejtan sowtobrar tiasma Naw emt que’ naveyai, "20" yoru, os oversar. 0 Jerewras BentHaM IV Penas mui dispendiosas Se o mal da pena exeede 0 mal do delito, 0 Legislador ‘vem a causar um padecimento maior do que devia ser, vem & comprar a isengdo de um mal custa de um maior mal. Devemos ter diante dos olhos dois quadros, um, que represente mal do crime e outro, que represente 0 mal da pena. ‘Véde o mal que produz uma lei penal: 1.°) Mal de repri- mir a vontade: a lei impde uma obrigagio mais ou menos penosa, segundo o grau de prazer, que pode dar a coisa proibida. 2°) Incémodo causado pela pena, quando os infratores so punidos. 3.°) Mal de apreensao, que sofre o que tem que- brantado a lei e que tem médo de que The néo imputem o seu crime. 4.°) Mal de haver sentenca sem prova legal. Bste incon- veniente é préprio de todas as leis penais, anda principal- mente anexo as leis, quando sfo escuras, aos delitos de um mal imaginério: uma antipatia geral produz nos homens uma espantosa disposigdo para persegnir e condenar os outros s6 por meras suspeitas e aparéncias. 5.°) Mal derivative, que sofrem os parentes © 0s amigos do que esté exposto ao rigor da lei. Aqui temos o quadro do mal e da despesa que 0 Legisla- dor deve considerar todas as vezes que estabelecer uma pe Daqui nasce a prineipal razdo para facilitar anistias gerais nesses delitos complicados, que procedem do espirito de partido. Pode acontecer que a lei envolva uma grande multidio, metade, eas vezes ainda mais de metade de um Povo. Quereis punir todos os eriminosos? Quereis simente dizimé-lost O mal da pena seria maior que o mal que tem eausado o seu delito. Se um réu tem ganho o amor do Povo, de sorte que é de esperar um deseontentamento geral; se é protegido por uma Poténeia estrangeira de euja amizade depende a Nagio; se 0 réu pode fazer & sociedade um servigo extraordinério; em todos estes casos particulares, 0 perdio, que se concede ao criminoso, é filho de um eéleulo prudencial. Semelhante pena viria a sair muito cara para a sociedade; e por isso se nfo deve empregar. Trorta’ pas Prenas Leears 61 CAPITULO XI Escolha da pena — Certa liberdade, que se deve deixar aos Juizes Ha duas razdes em que o Legislador se deve firmar 0 mais que for possivel na aplicacio do castigo: Certeza, impar- cialidade. 1° Quanto a medida da pena se aproximar mais & certeza, tanto mais sabem os membros da sociedade o que tém que esperar: & proporgéio que 0 homem conhece a pena, assim se afasta de cometer 0 crime: uma pena problemétiea nfo pode fazer impressio; e tudo o que 6 duvidoso a ate respeito favorece a esperanca, 2° Se o Legislador niio sabe antecipadamente sébre quem deve cair a pena que estabelece, nfo corre perigo de se deixar governar por motivos de amor ou de édio pessoal: imparcial, ou parece que esta indiferente. O Juiz, pelo contrério, que nao Pronuneia senfio em casos particulares, esta arriseado « pre- venir-se pré e contra, ou pelo menos a fazer-se suspeito; 0 que vai entender com a seguranca publica, Se deixamos aos Juizes uma liberdade ilimitada para dimi- nuir a pena, é tornar as fungdes do seu ministério muito embaragada e de muito trebalho: estario sempre entalados entre o médo de serem demasiadamente indulgentes ou rigorosos demais, Também pode acontecer que os Juizes, podendo diminuiv a pena i sua vontade, sejam menos eserupulosos na averigna da verdade do que se tivessem que senteneiar sbre uma lei que nio podiam alterar: uma leve probabilidade Ihes paree suficiente para justificar uma pena que podiam diminuir ad libitum, sem dar satisfacio a ninguém. Todavia, sendo a lei inflexivel, pode achar grandes incon- venientes na pritica pelas eireunstancias imprevistas, ou paz- ticulares, tanto da parte do crime como da pessoa do réu: por onde parece que se deve deixar & diserieio do Juiz uma tal ou qual liberdade, nfo para agravar a pena, mas para a diminuir nos easos que fazem presumir que um individno é 62 Jeremias Bencuam erigoso, ou mais responsivel do que outro: a mesma on ee, como j4 esti demonstrado, nem sempre 6 a tnestma pena real. Ha individuos que emt razio da sus educasén, dle relagses de familia, da representacéo, que tém no mundo, sentem (se me posso expliear assim) uma superficie maior na acio da pena. | Haverd cireunstineias em que seja preeiso mudar a mesma natireza da pena, ou porque o castigo que esti designado na lei se nfo pode aplicar, ow porque seria menos conveniente a vvtos respeitos; mas quando a pena for diferente da que esti expressa na lei, o Juiz deve deixar a escolha ao réu. Todas as eres que o Juiz exercitar éste poder disericional, quero dizer, todas as vezes que reduzir a pena abaixo do minimum fixado pela lei, deve ser obrigado @ declarar 0 motivo, Quanto a prinefpios, tenho dito o que basta: desenvolver as particularidades que sio prépriss desta matéria pertence ‘a0 Cédigo Penal e as instrucdes que 0 Legislador deve mandar aos tribunais. LIVRO SEGUNDO Das penas corporais CAPITULO 1 Das penas simplesmente aflitivas Dou éste nome as penas corporais que consistem prinei- palmente na dor fisica imediata, para as distinguir de outras penas corporais, enjo fim ¢ produzir conseqiiéneias perma nentes (1). Estas penas podem ser suscetiveis de uma variedade infi- nita, porque nao hé parte do corpo que se nfo possa molestar ¢ fazer doer, e bem poucas coisas existem na natureza, que néo possam servir de instrumento para excitar esta dor; mas ainda quando fosse possivel fazer uma exata enumeragdo de semelhantes penas, seria um trabalho escusado, A mais natural, de que se usa quase em toda a parte, 6 fustigar 0 corpo — agoitar o réu eom um instrumento flexivel 6 0 castigo o mais ordinario: a maior ou menor flexibilidade do instrumento produz diversas penas, que conservam 0 mesmo nome genérico, a-pesar-de serem os seus efeitos diversos. Hi na Itélia, especialmente em Napoles, um suplicio muito vulgar para castigar ladrdes, a que chamam strappata, ¢ que entre n6s se chama polé. Consiste em guindar um homem da terra até uma eerta altura por meio de um cabrestante, » (Q)Afiico neste sentido 6 contorme Afictative “(din Cicero ‘nas suas “Tasca rs lating, de que so deriva. yest agritude’ cum "ezations 64 Jerewtas BeNvHas deixé-lo cuir de paneada; mas em vo, que nfio toque na terra: toda a forea do corpo neste balango vem a quebrar nos bragos, que ordindriamente ficam desconjuntados: assiste sempre um cirurgido ao suplicio, para consertar logo os ossos do pade- cente, que fieam deslocados. Em Inglaterra havia dois suplfcios, que estio em desuso, e que no dia de hoje nem mesmo tém Ingar entre os soldados: © primeiro consistia em suspender o criminoso, de sorte que todo 0 péso do corpo carregava sobre a ponta de uma langa: 0 segundo era o cavalo de paw, on de ferro: era um pedago estreito de tébua ou de ferro, em que 0 miserdvel era obrigado a montar, e, para Ihe dobrar 0 tormento, amarravam-lhe pesos nas pernas, Outra pena, que ainda existe nos antigos estatutos da lei inglesa e que jé se ndo pratica, consistia em baldear o pade- cente por muitas vezes sucessivas em agua fria: é 0 que se chama em inglés ducking. Nao havia dor aguda: 0 incémodo fisico provinha em parte do frio, em parte da falta de respi- ragio, que sotria o miserfvel nestes mergulhos. Esta pena que. por um lado, fazia rir 0 Povo, era 0 castigo que muitas vezes se dava a estas regateiras de mé lingua que, pelos seus gritos descompostos incomodam a vizinhanga: communis rizatriz: era bom tempo. 0 Povo, que sempre se aferra 20s costumes antigos, ainda hoje exercita esta espécie de justiga, quando em grande aglomerac&o, como nas feiras, apanha algum ratoneiro em flagrante delito. A légica dos antigos tribunais era fértil na invengdo das penas: felo dos trates, que se devam ao réu, para descobrir a verdade; haviam tormentos para estender, torcer, e deslocar cada uma das partes do corpo: a tortura dos dedos polegares consistia em os apertar com fortes cordéis: estiravam o pade- cente sdbre uma tébua e, depois de Ihe cunharem as pernas a poder de marteladas (era o que prdpriamente se chamava tortura), cingiam-no de cordas, que arrochavam, com maior ou menor violéneia, conforme queriam apertar ou afrouxar o tormento. ‘A sufocacio por meio d’égua (drenching) era déste modo: ensopava um pano branco ¢ 0 metian pela boca e nariz do padeeente de sorte que a cada respirago engulia uma grande Trorta pas Penas Leaais 65 poreao'd’égua, e assim continuava o tormento, até verem no estémago uma altura sensivel. Na famosa transagio de Amboi os Holandeses se serviram déste género de tormento contra os prisioneiros Ingleses. Ponhamos siléneio a uma semelhante enumeragio tio desagradavel: 0 que hi de comum entre todas as penas aflitivas do género agudo, é a dor orgdniea; mas dife- rem muito em dois pontos essenciais — nos graus da sna inter sidade — e nas conseqiiéneias mais ou menos graves que rest tam desta mesma intensidade. Estas conseqiiéneias podem-se reduzir a trés principais: 1) a continuagdo da pena orginica depois do tempo da exe- cugio; 2) 08 diferentes males fisicos de outro género, que dai podem nascer; 32) a ignominia, maior ou menor, que sempre acompanha 0 suplicio. Na eseolha destas penas torlas estas consideragies sio da maior importineia, Seria bem inttil admitir uma grande variedade no Céaigo Penal. A que esté mais em uso, a flagelacio, por isso mesmo que se Ihe podem dar todos os graus de intensidade i medida do crime, poderia bastar por si s6, se a analogia em certas casos nao reclamasse por outra espécie de castigo. A nfo ser esta razio, multiplicar os instrumentos de dor tem o perige de fazer as leis odiosas, sem tirar dai algum proveito. A Imperatriz Maria Teresa, entre as mais obras que em preendeu para melhorar as leis, mandou fazer um resumo de todos os tormentos e suplicios, de que se tem usado no mundo era um enorme volume em folio, em que no sdmente se via a deserigao e estampa de todas as méquinas, mas até se fazix uma exata mengio de todas as manipulagies do executor de alta justiga. Déstes livros mui poncos se venderam porque 0 Principe de Kaunitz, que era nesse tempo o primeiro Ministro. os mandou suprimir. Lembrou-se, e com razio, que semelhanie obra néio podia deixar de inspirar uma espéeie de horror contra as leis; muito especialmente A vista das miquinas, em que se punham os réus a tormento. Poueo depois semelhantes penas foram abolidas em todos os dominios da Austria: 6 provavel que um efeito de tanto bem para a humanidade procedesse da publieagao do livro. 66 Jeremias BentHam Seria para desejar que houvesse um individuo pratico que se ocupasse em examinar 0s efeitos mais ou menos perigosos que podem resultar de castigos violentos, como, por exemplo, das contusdes, que se fazem na polé, nos agoites, ete. Na ‘Turquia costumam-se dar as pancadas na sola dos pés: seré isto melhor, ou peor nas suas conseqiiéneias? 1 o que no posso dizer: pode ser que os Tureos tivessem em vista um sentimento de péjo, para néio quererem expor aos olhos do Povo as partes superiores do corpo humano. Se esta pena fosse moderada, de sorte que nfo houvesse mais do que a dor enquanto dura o castigo, ou pouco depois, j4 nao seria exemplar para os espec- tadores, nem bastantemente efieaz para intimidar o réu: em se the tirando a vergonha, bem poueo vinha a ficar: enquanto é preciso reparar que a maior parte dos malfeitores, que mere- com semelhante castigo, sio homens que tém perdido a vergonha, Em Inglaterra hé uma desigualdade infinita ua exeeuedo déste castigo: serem os agoites mais rijos, ou menos fortes, est no arbitrio do executor da justica que, pelo sen interésse, destréi a intengio do Juiz, fazendo da indulgéncia, que vende, um vergonhoso coméreio: de sorte que o réu vem a ser punido, néio & proporedo do seu crime, mas da sua fortuna. O mais perverso, 0 que mais tem furtado, uma ver que saiba sonegar 0 furtos, pode langar uma sopa de mel a éste novo cérber enquanto o desgragado, que restitufu até ao tltimo real, atura © rigor da lei em toda a sua exagio. Seria possivel emendar éste abuso? nfo acho dificuldade na invengéo de uma maquina cilfindriea, que pusesse em movimento corpos eldstieos, como juncos, ou barbas de baleia, que fustigassem com a mesma fora, e dessem tantos golpes, quantos determinassem o Juiz da sentenga: por éste modo j4 a exeeucdo do castigo nfo vinha a ser arbitraria, Um oficial piblico, que tivesse cardter, estaria presente; ¢ no caso de o réu ter mais companheiros no crime, podiam haver outras tantas miquinas que fizessem 0 mesmy: um semelhante espeticulo, representado ao mesmo tempe, eausaria um terror mais considerivel, sem acrescentar eoisa nenhuma 4 pena real. Trorts’ Das Penas Leoars 67 SECCAO I Exame das penas simplesmente aflitivas Examinar a pena consiste em a saber comprar sucessiva- mente com todas as qualidades de que temos falado, e que s%0 ‘de sumo interésse na sua execugéo, para sabermos as qualidades que tem e as que Ihe faltam; e se as primeiras sio mais impor- tantes que as segundas, quero dizer, mais jeitosas para conseguir 0 fim que se deseja. Lembre-se 0 Leitor do que temos dito, sem reeeio de o tornar a repetir, que o merecimento da pena deve ser avaliado pelas qualidades seguintes: certeza na sua natureza igual- dade em si mesma — ser divisivel ou suscetivel de mais ou de anenos — ser comensurdvel com as ontras penas — aniloga ao delito — exemplar — econdmiea — poder-se reparar — servir para atalhar o mal — ter uma certa tendéncia para o melhora. mento moral — poder-se converter em proveito da parte lesada — simples ¢ clara na sua denominacio — e que finalmente nao seja odiosa no piiblico. ‘Mostrar que certa pena earece de uma ou de muitas destas qualidades, nio é motivo para se néo admitir: as qualidades nem todas tém o mesmo valor, nem se podem achar reiinidas seniio por acaso. 12 As penas simplesmente aflitivas nfo sofrem objegio alguma quanto a certeca: a sensibilidade humana, sdbre a qual as ditas penas fazem impressio, 6 um atributo universal da natureza humana: mas consideradas pelo lado do sofrimento seriam muito desiguais e muito dessemelhantes, se fossem as mesmas para ambos os sexos; as mesmas para todas as idades da vida; para o homem mogo e robusto, que para um sujeito atenuado da enfermidade e dos anos: daqui vem a necessidade de se dar ao Juiz uma tal on qual liberdade para se moldar as cireunstineias, quando sio manifestas. 2° Estas penas sio mui divisiveis, muito varidveis na sua graduagio; podem-se mitigar e agravar, como quisermos; esta qualidade Ihes pertence na sua maior perfeigio. Mas deve- mos reparar que as penas aflitivas andam sempre acompa- 68 Jerewias Benrwax uhadas de outra, que tem uma natureza diferente, em razio dos sentimentos de honra, que tem mais, ou menos valia entre as nagdes civilizadas: falo da vergonha pibliea, insepardvel de qualquer pena simplesmente aflitiva (1). Esta vergonha nio eresce, nem diminue na razio da intensidade da pena organiea ; porque hé certos casos em que a mais leve pena pode ser a’ mais infamante. Esta diferenca depende principalmente da condigéo do eriminoso; e, por esta razio, entre as nagdes da Europa nao hé pena alguma desta classe que se possa reputar como leve para um homem bem criado; quero dizer, para uma pessoa que figura no mundo, ainda que néo seja titular. Por se nao atender a esta cireunstancia, é que houve em Inglaterra um grande deseontentamento contra uma lei do Parlamento, publicada no tempo de Jorge III. (The Doy-act era o sen titulo): queriam acautelar 0 furto de cies; ¢ pare isso impuseram, entre outras, a pena dos agoites: mas quem nGio vé que nesta espécie de roubo ha uma cireunstancia, que faz menos incompativel com o carter de um homem, que tevs eriagio e até desculpavel? ‘Tirar um criado a seu amo no verdadeiramente um roubo; porque os criados sio livres para servir a quem quiserem; ¢ esta diferenca é essencial: quem me pode obrigar a sair da casa em que estou, enquanto en a nao quiser largar? pode muitas vezes nao haver culpa a-pesar-das aparéncias. © mesmo se pode dizer, por exemplo, a respeito déstes animais domésticos: 0 cio é susectivel de vontade ¢ de afeicdes sociais (2), de sorte que pode deixar o dono e seguir uum estranho, sem que @ste ponha da sua parte um maior esfOrgo para o chamar. A mesma falta de atengio é, na Riissia, o vicio dominante de toda a lei penal. Nos reinados que precederam ao govérno de Catarina TI, nem o sexo, nem a distingao da pessoa do réu podiam isentar-se dos agoites e do knut: todos sabem que Pedro I mandava dar o castigo, das criancas até As senhoras mam've simples, nfo porque o ssjam mum sentido abies; m ‘com outras pens. mais enganam muito pela was analogia: ¢ yorgue arvemendam a5 scien do home, fac atrbuivihes tan yiincpio da mesma uatarecy He nde Scio Que se passa dentro déler; mas 0 que vi, Tota a exptcio fan o ‘azo individuo desta metmn,eapécle, inruém Then descobria jev's aculdade do. formarem Wdciastbetratan’ on veustorer, absihan, 0 ‘letonte poderto ter muito jus; mos nfo: thes iavelo’a fortuna. Trorta. pas Puxas Leaars 69 da primeira nobreza, Os costumes se tm domesticado a pouco e ponco. Os Soberanos comegaram a respeitar as classes supe- riores da sociedade; as leis ainda sio as mesmas, porén hi menos barbaridade na sua aplicagio. A Polinia ainda nfo hi muitos anos conservava a sun rusticidade primeira. O mordomo-mor tinha a liberdade de castigar as damas d’honor de uma Princesa a vista de toda a famflia real. Os homens bem criados, que pela sua desgraca eram obrigados a servir em casa dos grandes, levavam bengn- Jadas e eram fustigados com uma vara: daqui podemos formar idéia da brutalidade com que eram tratadas as classes inferiores. Nao hé coisa que mais prove o abatimento a que esta reduzido o Povo Chinés, do que a facilidade que tém os man- darins emo mandar agoitar: e 0 mal é que a Policia pode fazer o mesmo aos mandarins da primeira classe, ¢ aos Prin- pes de sengue, mandando-lhes dar com uma cana da India, eomo a qualquer homem ordinério. 32 O merecimento das penas simplesmente aflitivas esté principalmente em serem exemplares: tudo 0 que sofre 0 riivel da execugio, pode ser visto pelo pablico; e na classe de espectadores, que assistem a esta cena, entra uma grande parte daqueles para quem uma tal impressio ¢ particular- mente da maior utilidade. Aqui temos o que se oferece de mais notével a respeito destas penas: quanto as outras quali- Gades, no eneerram coisa especial; tendem mais para assustar do que para reformar os homens; a exeegfio de uma espéeie particular de penas aflitivas, a que chamam dieta correcional, que, sendo bem manejada, pode ter uma grande eficdcia sobre a moral: mas como tem ume ligagio natural com a pena da cadeia, reservo as minhas reflexes para quando tratar desta matéria, CAPITULO I Das penas aflitivas complexas Entendo por estas palavras as peuas corporais eujo efeito consiste principalmente em conseqiiéncias remotas, que duran © permanecem depois do ato penal: nao as podemos considerar 70 Jerewias BentHam 86 debaixo de um ponto; porque encerram espécies mui dife- rentes umas das outras na sua natureza e na sua gravidade. As conseqiiéncias permanentes de uma pena aflitiva podem ser a alteracio, a destruic&o, a suspensio das propriedades de uma parte do corpo. As propriedades do corpo sio as suas qualidades visiveis, ou as suas faculdades: as qualidades visi- Yeis siio a cor e a figura: as faculdades sio os mesmos érgios ou as fungdes especificas dos érgios. Daqui naseem trés espé cies distintas de penas. As primeiras, que transtornam o exterior da pessoa e a3 suas qualidades visiveis — as segundas, que entendem com 0 uso das faculdades orginicas sem destruir 0 orgio em mesmo — as terceiras que mutilam o orgio e o inhabilitam para sempre (1). SECCAO I Das penas que transtornam o exterior da pessou Honve uma idéia engenhosa no primeiro Legislador que inventou penas, para assim dizer, externas e por muito temps visiveis; penas que, sem destrnir nenhum érgio, sem mutila- Ho, muitas yezes sem mais dor fisiea do que a necessiria abso- Tutamente para a operacio, entendendo simente com o exterior da pessoa e fazendo o sen aspecto menos agradavel, tiravam seu principal valor de serem sinais do crime. As qualidades visiveis de um objeto sfo a cdr e a figura; logo, ha dois modos de 0 poder alterar: 1.°) mudando-the a eér:2.°) desfigurando-o © primeiro pode ser de passagem, on permanente: 0 de passagem faz-se por meio de sncos vegetais, ou diferentes Uiquidos da classe mineral. Nao sei que algnma naeio tenha usado déste meio como castigo; entretanto parece-me praticdvel e de muita utilidade, como precanedo contra a fuga do réu enquanto cumpre a pena do seu crime. O permanente consiste em furar a pele por meio do fogo com um punhado de eee oe dad caer, Moan an st, see, rate ase es coc primeiras desfignracte; eo. fazom impotent, Teorta‘pas Penas Lecars 71 ferrinhos de ponta, A maneira de agulhas, enchendo os bura- gninhos de pés, que vao largando a eér: éste meio é 0 melhor e menos sensivel : os antigos Pictos usavam déle para se enfeita- rem e muitas nagées barbaras ainda hoje se pintam e ferram no corpo com o mesmo fim. As leis, muitas vezes, mandam apliear ao réu um ferro em brasa, cuja extremidade tem a figura que se quer deixar impressa ua epiderme. Na Inglaterra esté em uso em muitos crimes: 0 mesmo tém feito algumas nagées da Europa: nio sei o tempo que pode durar a marea até se desvanecer de todo: © que se observa nas queimaduras feitas por acaso, & que muitas vezes no deixam mais do que uma cicatriz na super- ficie, uma alteragio pouco sensivel na cdr e no tecido da pele. Se queremos imprimir uma nédoa em sinal de castigo, deve ser visivel nas mios ou no rosto, mas se o fim da pena é ssmente para se conhecer 0 réu no caso de reeair no mesmo crime, entio seré melhor assinalar o réu em uma parte do corpo que nao ande tio descoberia: 6 ponpar-Ihe 0 tormento da infamia sem dkbilitar a forea do motivo. 2° A desfiguracdo também pode ser ou de passagem ou permanente; e pode verificar-se ou na pessoa ou no seu modo de trajar; ainda que no segundo caso nio é propriamente desfigurar, mas produz o mesmo efeito por uma associagio natural das idéias. Podem entrar aqui os vestidos, que ineul- cam tristeza, A Inqnisigfo para fazer as suas vitimas medo- mhas e assombrar 0 Povo usava de carochas, em que mandava pintar labaredas, deménios e diversos emblemas dos tormentos da ontra vida. Rapar os eabelos da cabeca era uma pena de que se useva noutro tempo: era uma parte da peniténeia, que se dava as mulheres adiilteras, segundo as antigas leis de Franca, Os nobres Chineses fazem gala de trazerem 2s unhas compridas: neste caso, ter as unhas cortadas podia ser uma desfiguracéo penal. O mesmo se podia fazer aos camponeses da Riissia e Judeus, mandando-lhes cortar os eabelos da barba. Os meios permanentes sfo inais limitados, os tinieos de que se tem usado e que ainda hoje vogem em algumas nagées, sio feitos do pescogo para cima, sem destruir os sentidos: em Inglaterra jé nio fazia estranheza mandar eortar o nariz pelos 2 Jerewias Bextraa dois ¢ cortar as orelhas: a primeira pena j4 esté em desuso; mas da segunda ainda se uson algumas veres no séeulo passado. Quem quiser, pode ver nas obras de Pope e dos Escritores désse tempo, até que ponto a malignidade satiriea se compra: nas alusdes de semelhante eastigo, que tinha recaido sébre 0 autor de um libelo. Na Riissia era mui freqiiente decepar os narizes, cercear os labios, cortar orelhas sem distinglio de sexo, nem de estado; € tudo isto acompanhado do knut e degrédo: mas & preciso salier que no meio de tantas barbaridades, a pena de morte era mni rara, SECCAO IT Das penas que consistem em inhabilitar qualquer érgéo do corpo Inhabilitar um Grgio é Suspender on destrair o seu uso, sem destruir 0 érgio, Nao temos necessidade de fazer uma perfeita enumeragéo dos nossos Srgios, nem de todos os meios com que podemos sus- pender ou destruir as suas fancdes. J4 temos visto que seria intitil reeorrer a uma grande variedade de penas aflitivas, até mesmo pelos inconvenientes que se poderiam segnir: a querer mos seguir a lei de Talido, 0 catalogo das penas possiveis seria ‘© mesmo que 0 de todos 0 erimes possfveis neste género, 1. Orgio da vista. — Suspende-se o seu uso por meio Quimica, aplicando certos ingredientes ou da Mecdniea tapando 0s olos com uma venda: porle-se destrnir a vista por meids igualmente quimicos ou mecinicos. Nenhuma legislagio da Europa tem usado desta pena: empregou-se antigamente ei Constantinopla, no tempo dos Imperadores Gregos; verdade que menos a titulo de castigo do que na razio de mei politica pera fazer um Principe ineapaz de reinar: 0 modo por que © cegavam, era correr-lhe pelos olhos uma lamina de metal em brasa, 2 Orgio do ouvido. — Podemos destruir a faculdade de ouvir, destruindo o timpano: podemos fazer um homem surdo eorta ‘pas Prwas Leoars por algum tempo, enchendo-lhe o onvido de era. Como peun legal no eonhego exemplo. 3. Orgio da fala, — A mordaca tem sido empregada as ‘mais das vezes como meio de precaucdo, raras vezes como wn castigo imposto pela justiga, O General de Lally foi mandado ao suplicio com mordaga na boca; e esta precaugio odiosa talvez que no concorresse pouco para indispor a opinido gers! contra os Juizes, quando se rehabilitou a sua meméria. Algumas ‘vezes se tem usado desta pena nos cdreeres ¢ entre os soldados. Tem uma grande qualidade a seu favor, a analogia, quando 0 crime consiste no abuso da faculdade de falar. Também s» podem apertar 0s queixos, ete 4. Pés ¢ mdos, — Decepam-se as maos e mandam-se jarre- tar as pernas, se queremos destruir para sempre 0 seu uso: 0 modo é bem fécil. As algemas sio anéis de ferro que apertam os pulsos e que ficam presos por uma lingueta de ferro ou por numa cadeia, Semelhante inven&o embaraca completamente wm certo nfimero de movimentos e até se pode empregar de maneira que 0 réu se nio possa mover, Ferros aos pét. — Sio anéis passados por ambas as pernes, unidos da mesma sorte por uma eadeia ou barra de ferro, segundo o maior ou menor eastigo que se pretende aplicar: deitam-se muitas vezes ao réu algemas e grilhdes ao mesmo tempo, e geralmente se usa déstes dois meios, ou na razio de pena, ou, quase sempre, para que o miserdvel se nilo possi escoar € fugir da prisio. A golitha 6 uma tabua pregada perpendicularmente sdbre um eixo que anda A roda; e esta tébua tem buracos, em que 0 padecente é obrigado a meter a cabega e as miios; e assim fica exposto aos olhos do Povo: digo aos olhos, por ser esta & intengdo do Legislador; mas quase sempre é vitima dos ultra- jes do Povo mitido e nesse caso a pena imnda de natureza, sendo ‘mais, ou menos severa, segundo o eapricho desta multidio de algozes. 0 desgragado coberto de lama, com 0 rosto pisado todo cheio de sangue, os dentes quebrados, com os olhos inchados fe quase sem lume, nao tem uma si feigdo por onde 0 conbecain. ‘A Policia, pelo menos na Inglaterra, presenceia tudo isto sent i4 Jeremras Benruam estorvar a desordem e talvez que o nao possa fazer. Bastari: uma simples grade de ferro, contanto que fosse mitida, para evitar pelo menos os golpes mais perigosos. © carcan, instrumento de pena, que esteve em uso em muitas nagoes e que hoje mesmo é mui vulgar na China, é uma espéeie de golilha portitil: 0 miseravel, amarrado a um cepo, € obrigado a suportar mais, ou menos tempo, sem refrigério, 0 péso dos ferros, que Ihe carregam sdbre as costas e que prendem numa coleira de ferro (1). SECCAO IIT Das mutilagoes Entendo por mutilagéo cortar inteiramente uma parte externa do corpo, dotada de um movimento distinto, on de uma fungiio espeeifiea, que se pode perder sem perder a vida: 08 olhos, a Hingua, as mios, ete, estiio neste caso, Quanto a cereear o nariz e as orelhas, nfo Ihe podems chamar mutilagdo, porque nao é por estas duas partes, que se cortam, que 0s dois sentidos do olfato e do onvir exercitam 0 seu poder: 6 verdade que Ihes servem de resguardo e compos- tnra; mas nao formam a sua esséncia; e faz diferenga ou privar totalmente de érgao ou destruir as partes, que lhe servem de reparo: 6 uma desfiguracio e nada mais: semelhante perda ainda se pode compor de alguma sorte por meio do artificio. nf fazendum. J manele urate apad ‘non quidem im: poenam, sed in custodiam. Servis @ ‘uibus minist ‘Siothatary cw” neces. esatinabatur us" peneriy slebent” Bomint tn’ pornam trans ‘pracputium instrementum cuders, quod vecabent fibulan. Td dum mancbat tin! peltan impediebat. Une od moron inmat Marta, ui im atts, tom Delayea eet misero fibula, verpus erat Aque terum. Menophis penem tam grandis fibulaventi ‘Ue sit Coniaedie omnibus une satis ©) Quanto 20 Cimto de Venus, de que tomoe uma excelente invectiva de ‘é uma" invengdo birbara, dg que ¢ maior alo heres honeadas & farerthen’ ver” qua perdida a 7 ‘mulher honesta obriga a uma expécle de venertcto evrespeito; que Pode mandar seu maride ao cabo do mundo, 2 gléria, © morte, Sonde ein quer. Mie. Thoms e'o imertal Fenelon, tom ito Guanto se pote die 2° Gite reapeta Tuorta vas Prnas Leears 15 ‘Todos sabem que a mutilagéo, noutro tempo, era fre- qiiente na maior parte das leis por que o mundo era governado: nfio ha uma s6 espéeie que se nfo tenha pratieado em Ingla- terra até quase nos nossos dias : a pena de morte podia comutar- se em mutilacdo, segundo a lei geral. Por um Estatuto de Henriqne VIII todo 0 que feria alguém de caso pensado, dentro do paco, ficava sem a mio direita: ha outra lei do tempo de Isabel, em que a exportacio de uma ovelha era casti- gada pela amputac&o da mio esquerda: estas leis poueo a pouco foram caindo em desuso, ¢ hoje podemos reputar a mutilagio como estranha de fato no Cédigo Penal de Gra-Bretanha, Exame das penas ajlitivas complexas As penas simplesmente aflitivas sio muito féceis de avaliar, porque as suas conseqiiéneias penais sio todas do mesmo géuero; 0 seu efeito é imediato: todas as mais oferecem gran- dissimas dificuldades na sua avaliagio, porque as suas conse- qiiéneias penais séo mui diversas, mais ou menos certas, mais ‘ou menos semelhantes. As penas simplesmente aflitivas conse- guem 0 seu efeito; todas as mais tém incerteza; e quanto as conseqiiéneias penais sio mais remotas, tanto mais escapam aos que tém menos esperteza e menos reflexio. iguremos um efreulo ¢ fechemos nele todo o mal que traz consigo uma pena simplesmente aflitiva: 6 0 que se no pode fazer nas outras penas; porque a circunferéneia do mal nem é Vimitada, nem 6 possivel que o seja. O mal é geral, vago e universal, que se nfio pode determinar precisamente. Quando os efeitos das penas sio vagos, custa mais a escolher; porque os males de uma podem ser os da outra, e como de modos tnuito diferentes de castigar podem resultar as mesmas conse- qiiéneias penas nao hé senio probabilidades e uma presungio de que desta ou daquela pena poder sortir uma conseqiiéncia penal maior do que doutra. Independente do sofrimento orginico, as penas que enten- dem com 0 exterior da pessoa produzem dois efeitos desairosos: no fisico podem fazer o réu objeto desagradavel; no moral objeto de desprézo: em duas palavras, fica mal afigurado e Jerewiss Bentiax perde a estimagéo dos homens. Uma destas penas, que tem mais efeito no moral que no fisico, é assinalar a pele com uma letra, que nfo faz mais do que mudar a cdr, mas que vem a ser uma atestagio de que o individuo cometen um crime, por que se fez desprezivel; € 0 efeito do desprézo é diminnir a estimagio; prinefpio de todos os offeios livres e graciosos, que os homens se costamam fazer miituamente, e como a natnreza Iumana seja dependente, quem nio vé que tudo © que tende 4 diminuir a benevoléncia dos outros a meu respeito deve encerrar em si infinitas privagdest (1) Quando éste sinal se imprime por causa de uma crime, 6 da sng esséneia dar-lhe um cardter que anuncie claramente a intenc&o do fato ¢ que se nfo possa confundir com as cieatrizes ¢ sinais que vém por acidente: donde se segue que é necessério marcar o réa com uma figura determinada: o sinal mais conveniente e 0 mais geral é a letra inicial do crime. Os Roma- nos imprimiar na_testa dos caluniadores a letra K (2). Em Inglaterra, pelo homieidio cometido em desafio, sio mareados os réus com a letra M (inicial de Manslaughter), € os ladroes com um 7 (da palavra Theft): ua Franga, os que eram sen- tenciados a galés eram assinalados com as trés letras @. A. L. Na Polénia havia o costume de acrescentar uma figura simbélica: a letra inicial do crime era metida na figura de uma forea, No Indostiio, entre os Gentés, eserevem nas ciea- trizes um poder de figuras simbélicas extravagantes. ‘HA um meio muito mais suave e que vem a dar no mesmo: obrigar o réu a trazer uma libré, que se diferencie dos mais. Em Hanau, na Alemanha, os forcados trazem para distingao (2) Stedman cite um fato_que em © que, tmos dito aibre at conaeghdacin ate ‘peaks. Um francés, Ait the, ehamade. Destraden, fque "nha. introduside ‘em Surinam a. ecifura do anil, ¢ ue por muitos anos Narracto de uma expediglo contra or Negros revoltadoe de Surinam, pelo Major ‘Stedman, cap. XVI. @) A ito sje nama ow Teorra pas Punas Leoars 77 uma manga preta em uma veste branea: é 0 modo de os apanbarem no caso de quererem fugir, e 6 um castigo demais, em razio da infimia. A marea, uma vez que nfo desfigure, nao inspira despréz sendo pela relacdo moral que tem com a pessoa mareada; mas sinal que desfigura até ao ponto de se niio poder encarar se uma ‘espécie de enjéo, até pode afastar do réu a benevolncia dos outros ainda sem relagdo aos costumes: é um prejuizo, mas que nem por isso deixa de existir; aliés no verfamos que se tem por uma desgraga ter 0 rosto cheio de costuras; ¢ 0 mais € que nao s6 perdem as mulheres, em que o defeito 6 mais notavel, mas acontece 0 mesmo aos homens; salvo se eousta que 0s golpes foram aparados na guerra; mas ainda mesmo assim, para que o respeito moral chegue & vencer a repugnancia fisica, € preciso Iutar; e neste combate entre a natureza e a benevoléneia, que procede da reflexio, nem sempre vem a triunfar a razio. As mutilagdes esto sujeitas a uma grande objecdo, que se tira da economia da pena, Se o seu efeito privar o individuo dos meios de ganhar a vida, e se éle nio tem do que possa manter-se, é necessirio ou deixé-lo morrer, ou que alguém Ihe dé o sustento. Se o deixam morrer, j4 nfo 6 a mesma pena ordenada pela lei; 6 a pena de morte: se 6 preciso dar-the de comer e vestir; ou hd de sair dos amigos ou de esmolis, ou & custa do pitblico; e em todos os casos padece 0 Estado. S6 estd considerago bastaria para rejeitar a aplica de semelhantes penas e delitos frediientes, como so, por exemplo, 0 contrabando e 0 roubo. Ha outra razio por que as mutilagdes se néo devem admi- tir; porque séo irreparéveis. Também se niio pode negar que so desiguais. Tivar a vista, ou decepar a mao de um piator, ‘ou de um homem, que vive dos seus escritos, néo é 0 mesmo que fazer outro tanto a quem nio sabe ler, nem eserever: entretanto é preciso confessar que na totalidade dos males incer- tos e desiguais, que resultam de uma tal pena, e que wus sentem mais do que outros, segundo a imaginacao mais ou menos viva, cada um sente o seu mal: esta desigualdade é que se nao pode ealeular com certeza, porque pende de cirsuns- tincias que se nfo podem prever: um homem que aborreee 0 ppd dacs ich: 78 Jeremias Bextuaw trabalho parece que néio deveria ter grande pena em Ihe corta- rem a mo: quantos se nfo tém aleijado de prop$sito, s6 para eseapar do servico militar? Estas penas sio mui varidveis, quando se consideram no todo; sempre hé onde escollier, tem graus de mais, e de menos; perder um dedo nao 6 0 mesmo que ficar sem dois, ou perder a mao toda: perder a mio é menos que ficar sem um braco; mas esta graduagao desaparece logo que se considera cada uma das penas separadamente. A mutilacio particular mandada por Iei nao 6 suscetivel de mais ou de menos para se estar ajeitando as diversas cireunstdneias do crime, ou da pessoa do réu; ¢ por isso que so varidveis, so desiguais: a mesma pena nomi- nal nao vem a ser a mesma pena real. Quanto ao exemplo, estas penas fazem mais impressio do que as penas simplesmente aflitivas, que se nfo estendem além do ato em que se aplica o castigo; enquanto das matilagées resultam conseqiiéncias permanentes, que sem despegar esti renovando aos olhos do Povo a idéia da lei e da sano da mesma Lei. Mas para isso é necessério que as desfiguracies mutilagées legais tenham um cardter particular, de sorte que se nfo confundam com os acidentes naturais, ou que podem sobrevir por uma desgraca: 6 preciso assinalar o criminoso ¢ salvar ao mesmo tempo o desgragado, Resta examinar estas penas debaixo de outro ponto de vista esseneial; falo da sua tendéncia para a reforma do réu, A infamia, quando sobe ao galarim, bem longe de servir para a emenda, obriga o homem, por assim dizer, a perseverar na carreira do crime: pois que a sua reputagdo esté perdida no conveito geral, é uma conseqiiéncia bem natural que nem ache confianga nem abrigo nos seus semelhantes. Como j4 nao tem de esperar, e pela mesma razio j4 nio tem que temer, 0 seu estado no pode ser peor. Se para se manter 6 preciso trabalhar, e nfo acha facilmente quem Ihe dé que fazer, pela descon- fianga e desprézo geral, langa mio do tinieo remédio, que vem @ ser: ou mendigar ou meter-se a roubar. Daqui devemos coneluir que as mutilagdes so penas que jamais se devem empregar, a nfo ser em crimes horriveis e no aso de prisio para toda a vida. Teorta pas Penas Legars 79 CAPITULO III Das penas restritivas. No poder 0 réu viver onde quiser Penas restritivas so as que constrangem o exereicio das faculdades do individno, embaragando o dito exercicio, ou para que o homem nao receba as impressies que Ihe seriam agradé- veis, on para que nao possa fazer o que deseja. — Tiram-lhe a liberdade de ter esta ou aquela satisfacio, e de poder pratiear certas agdes. Estas penas sio de dois modos, segundo os meios de que as leis se serve: morais e fisicas. As primeiras ocorrem quando © motivo oferecide ao individuo para o desviar de praticar uma ago, que Ihe agrada, nfo 6 mais do que o médo de ineorrer em uiua pena maior; porque esta, para ser efieaz, deve exceder & simples pena do homem se sujeitar ao conhecimento da lei. As penas restritivas sfio apliedveis a qualquer agio em geval; mas particularmente & faculdade que tem cada um de poder mudar de lugar: tudo o que restringe uma tal faculdade & encerrar o homem num certo espago de terra. ‘este género de pena, a terra relativamente ao réu est como vepartida em duas porgdes mui desiguais; uma que The é permitida, outra que lhe esta proibida, Se o lugar, a que esté Timitado, 6 wm espaco estreito, eereado de muros, e cujas portas se fecham a chave, 6 uma prisdo. Se 0 distrito donde nfo deve sair & nos dominios:do Estado, temos a pena chamada degrédo; se mandado para fora do reino, ¢ o que se chama expatriar. © trmo degrédo parece denotar que o delingitente é man- dado para fora do distrito em que faz a sua residéneia ordi- néria; mas 0 criminoso pode sofrer a pena na mesma terra em que vive, e até em sua mesma casa, a que podemos chamar quase pristio (menagem). Se a pena ¢ para nao ir, ou para nao poder entrar em certo lugar, semelhante proibigio nao tem nome préprio; poderemos chamar-lhe interdito local. A pena de nio poder o rén viver onde quiser é 0 género que encerra eines espécies diferentes: Pristo — quase pristo — degrido — interdito local — desnaturalizagio. DIREITO | IG - BIBLIOTECA, FACULDADE DE Da UFM {3s 80 Jereuras Bentuam CAPITULO IV Da prisiio Fi necessirio distinguir a simples prisio, da priséo que 6 aflitiva, ou penal. A primeira nio € pena, propriemente falando; é uma precaucéo necessiria: hé suspeitas de que certo individuo eometen um delito assaz grave para s¢ ex minar se Gle é eriminoso, ¢ receia-se ao mesmo passo que 4 néio fuja para eseapar As penas da lei: eis aqui um motivo para nos assegurarmos da sua pessoa. Em matéria de severidade, a simples prisio nfo deve ir além do seu fim: todo o rigor que exeede a seguranea para que o réu nio possa fugir, € um abuso. A priséo aflitiva, ou penal deve ser mais ou menos severa segundo a natureza do erime, e a eondigéo da pessoa sabre quem reeai a suspeita, Todos podem ser obrigados 20 trabalho ; mas com excecio, tendo sempre em vista a idade, a repre- sentac&o, 0 sexo, e as forgas dos individuos. As penas pari culares, que se podem aerescentar a prisio, e das quais fala- remos no capitulo seguinte, sio a dieta, estar 26, ¢ a privasto la luz, Se a prisio se faz para consteanger 0 réu, quanto for mais apertada, tanto melhor conseguiré o seu fim. Se a pena é prolongada, mas leve, ‘6 de recear que a pessoa que a sofre se vA acostumando insensivelmente a sofré-la, até que 34 por fim Ihe néo faca maior impress. & 0 que se observa fre- qiientemente nos homens que se prendem por dividas, Na maior parte das eadeias (de Inglaterra) ha tantos meios de poderem folgar os presos, que uma grande parte se acomoda ficilmente com o seu estado; e logo que as coisas tém chezade @ @ste ponto, a pristio quase que jd nfo serve de nada. Se quereis fazer a pena mais severa, fazei-a mais eurta: © meio de o fazer esté na soma total: em lugar de enfraquecer as sensagdes penosas espalhando-se sObre a longa duragio de uma prisio demorada, aumentais considerivelmente o seu efeito, reiinindo-as no curto espaco de uma prisio rigorosa: a mesma quantidade da pena por éste modo se fard mais sensivet ; Trokia pas Penas roars 81 e, além disto, os ineonvenientes para o futuro serio menos penosos. No longo espago de uma prisio enfadonha, as faculdades do individuo perdem o sen elatério, a sua indiis- tria esmorece, os seus negécios passam por mios alheias, todas as ocasides favordveis, que The podiam adiantar a fortuna, & que a sua liberdade Ihe podia ter deparado, ficam perdidas sem remédio. Todos estes males contingentes, e remotos, que de si nfo podem dar nm bom resultado, nem para o réu, nem para servir de exemplo, se podem poupar fazendo a pena severa em um mais pequeno espaco de tempo. Tal é a natureza do homem, que se o deixassem a si mesmo num estado, em que nio tivesse a liberdade de se mover de um para outro lugar, seria vitima bem depressa de infinitos males orginicos, que depois de um aturado sofrimento o levariam & morte sem remédio, A prisio, junta com a duragio, e desamparo, seria o mesmo que a pena Ultima: e pois que semelhante pena traz consigo uma infinita variedade de males, de que 0 miserdvel se nfo pode soltar, e que esto dependentes das providéneias que se tomam para os poder remediar, segue-se dai que, para se formar uma justa idéia da prisio, nio a devemos considerar simplesmente em si mesma; mas examiné-la nos seus modos ¢ nas suas conseqiiéucias e nés ‘veremos qne debaixo da mesma palavra se impem eastigos mui diferentes: debaixo de uma palavra, que nfo oferece ao espi- rito mais do que uma simples circunstaneia de estar ilimitado a nfio sair de um certo e determinado Ingar, a prisio pode eneerrar todos os males possfveis, desde os que procedem necessiriamente da pristo, até outros, que se levantam de rigor em rigor, ou para melhor dizer, de atrocidade em. atrocidade até A morte a mais ernel, sem intengio alguma da parte do Legislador, ainda que por sua negligéneia absoluta; negli- géncia tio f4cil de explicar, como dificil de se poder deseulpar. ‘Vamos classifiear debaixo de trés pontos principais as eireuns- tincias penais que resultam déste estado: 1.° Inconvenientes necessérios, os qne nascem do estado do preso, ¢ sio da esséncia da prisio. 2° Inconvenientes acessérios, que no sio de necessi- dade, mas que sio conseqiiéneias muito ordinarias. 3° Incon- venientes de abuso. 82 Jeremras Bentuam 1 Males negativos insepardveis da prisio 12 Privagdo dos prazeres, que dependem da vista de toda essa variedade de objetos que se acham nas eidades, ou de todas as cenas do eampo, que tanto divertem a imaginagéio do homem. 2° Privagdo dos exercieios agradaveis, que pedem ant grande espaco de terra para se poderem fazer; como andar a cavalo, ir & caga, dar passeios pelo campo, ete, 3° Privagdo de jornadas, que podem ser necessérias para 4 satide, como tomar banhos, ir As caldas, 4° Estar ausente de todos os divertimentos piiblicos, assembléias, espetdeulos, bailes, concertos de misiea, ete. 52 Estar ausente das sociedades particulares, com quem estévamos costumados a viver; perda dos prazeres domésticos, no caso de o preso ser casado, ter mulher, filhos, parentes présimos, 6° Ser obrigado a interromper tudo quanto é oeupagio, ou profissio, que pede mudanga de lugar, ou ajuntamento de muitas pessoas; ¢ em muitos easos privacio total dos meios de ganhar a vida. 72 Privagéo do exercieio de todas as fungées piiblieas, magistratura, Ingares de confianga, ou de honra, corporagies, cleigies, ete. 8° Perder as ocasiées acidentais de adiantar a minha fortuna, de ser Gtil aos meus, de me recomendar aos meus protetores, de ganhar amigos, de fazer render os meus bens, de obter um Ingar, de easar, e de casar os filhos, Ainda que todos estes males & primeira vista sejam pura- mente negativos, isto é, privacdes de prazer, é evidente que envolvem nas suas conseqiiéneias penas positivas, eomo debi- litar a satide e diferentes cansas de cair em probreza. Teorta pas Penas Leoais 83 2 Penas acessérias, que ordinériamente acompanham o estado do preso 1 Sujeicéo a um regime de alimento desagradavel: nao falo aqui de sofrimento oeasionado por uma dieta insuficiente; isso fiea para um artigo separado. 2° Falta dos meios convenientes para o descanso da noite: uma cama dura, ou de palha, ou sobre a terra nua; donde nasce um incdmodo universal, muitas vezes doencas agudas, se é que 0 preso nfo vem a morrer. 3° Falta de luz, ou porque nfo vé 0 sol de dia, on porque Tha nko consentem de noite. 4° Estar exeluido da sociedade cuja pena é mui enstosa de levar, quando 0 preso esti protbido, até de ver em certos dias os seus amigos, seus parentes, sua mulher, seus filhos. 5 Obrigacdo de estar de mistura com presos de todas as classes. 6° Nio se poder corresponder com as pessoas de fora: severidade intitil por via de regra, pois que tudo quanto escreve esté sujeito A inspecdo; e que s6 pode ser desculpavel, quando muito, nos easos de traicio ou rebelifo. 7° Ociosidade obrigada, por Ihe negarem todos os meios de espalhar a sua mégoa, como pineéis a um pintor, insten- mentos do seu ofieio a um relojoeiro, livros, ete, Tem chegado © rigor algumas vezes a ponto de privar os presos de tndo quanto é desafégo. Estas diferentes penas, que sio outros tantos males positives que se ajuntam iis penas necessfrias da simples prisio, podem ter sua utilidade numa prisio penal, e de correcio. Veremos em outra parte como isso se deve fazer: mas relativamente ao quinto inconveniente, o constrangimento de estar vivendo de portas a dentro com toda a casta de gente sempre é um mal, que se nao pode remediar, é verdade, enquanto se nao der outra forma ao sistema e construgio das eadeias, Passemos aos males puramente de abuso, aos que nio existem sendo pelo deseuido do Magistrado; mas que existirio sempre, enquanto se nfo criar um sistema de providéneias ou 84 JeREeMIas BENTHAM de meios de. prevengdo para cada um déstes males. Para éste fim é necessirio apresentar duas listas, uma dos abusos, e outra do modo de os poder prevenir. Males 1 Penas de séde e fome, Debili- tagio geral em todo o corpo. Morte. 2 Sensagées de frio em diversos graus de intensidade. Circula- do presa, Membros tolhidos. Morte. 3 Sensagio de calor. Abatimento de 'fércas habitual. Morte. 4 Sensagio de umidade. Febres e outras doengas, Morte. Meios de os prevenir 1 Alimento sufieiente. N. B. Nao basta uma regra geral para éste efeito; seria ociosa e fiitil. preciso uma série de regulamentos que determine as quantidades de pio, ou de outros alimentos, que se devem dar aos presos. 2 Vestidos suficientes segundo o lima e a estagio. Regulamen- tos precisos a éste respeito, Construgio de edificio dis- posto de modo que possa con- servar, sem perigo de incéndio, uma temperatura conveniente. 3 Modo de construir a cadeia, de sorte que possa reparar 0 ardor do sol e conservar 0 ar livre. 4 0 chao assoalhado, ou calgad ar fresco: e, no inverno, con- dutores, por onde entre o calor. | 1 Teoria pas Pewas Leaars 85 5 Mau cheiro, substéneias pi- tridas langadas a’ monte; um ar mefitieo, Debilidade habi- tual. Membros gangrenados. Febre das cadeias. Doencas contagiosas. Morte. 6 Tnedmodos que resultam dos ‘vermes. Doengas da pele. Falta -de sono, Debilidade. Morte. r Enfermidades diversas, 8 Sensagdes penosas por se ofender 0 pajo e a modéstia. 5 Construgio de um edificio em que possa entrar e sair o ar com facilidade, em que se nao demorem as imundicias, ‘Mndanga de roupa aos presos. Regulamentos de limpeza pre- cisos e estreitamente observa- dos. Uso fregiiente de vinagre e antiptitridos, apenas comeca a despontar 0 contégio. Pare- des caiadas. Separacho dos doentes. Assisténcia médica, 6 Aplieagdes quimicas para os destruir. Sistema de limpeza geral. Designasio de um homem, que se enearregue déste officio e que seja por éle responsével, 7 Enfermaria destinada aos doentes. Socorros medicinais. 8 Quartos para estarem separa- dos os presos nas horas do sono, pelo menos as pessoas de diferente sexo. Gabinetes se- parados para usos diferentes. 86 JEREMIAS 9 Alaridos em tumulto. Palavras indecentes. Discursos desho- nestos, 10 Penas que resultam da sangio religiosa por se no fazevem eertos deveres particulares, que ela presereve. BENtHAaw 9 Obrigacéo imposta aos Guar- das para castigarem os culpa dos. Regulamento pregado nas paredes da eadeia, 10 Nos paises protestantes wm Capeléo destinado para cele- brar o offeio divino, Nos paises catélicos um Sacerdote para dizer Missa, confessar, ete. (1) ‘As eadeias da india estio pedindo uma reforma; e os Ingleses dey 4 ter em vista um ponto de nio pequena monta. Os Indios so aeérrimos em eonservar as suas castas e em ne nio misturarem, nem ainda mesmo associarem os nobres com os homens ordindrios: é uma impureza entre éles, de que se nite Tavam facilmente, é uma espéeie de excomunhio a mais apertada due € possivel: perdem a sua estimagdo perdendo a sua casta, nem podem dai por diante comunicar-se com os seus, nem jbatecer em qualquer sociedade, Tenho ouvido dizer que os Ingleses se esqueceram desta contamina ideal quando pren- deram 0 Rajé Nuneomar, homem da primeira grandeza em Bengala por uma falsidade, pela qual foi sentenciado ¢ exe. cutado segundo as leis da Inglaterra, Se isto 6 assim, eis aqui tum homem que antes da sentenga j4 tinha sofrido uma pena {alver ‘maior do que veio a padecer pelo sen erime: pena irremissfvel no easo de se lhe nfo provar o delito. TeorIA pas Pewas Lecars 8 CAPITULO Vv Exame da pena de prisio 1.* A prisio é sumamente eficaz relativamente ao poder de fazer mal. O homem mais perigoso para a sociedade deixa de 0 ser enquanto esté preso: pode conservar todas as stas inclinagbes pernieiosas, mas no as pode praticar. 2* Quanto ao proveito, a prisio a pena menos pro- Veitosa: tem contra si a despesa que 6 necesséria para sustenta? os presos: aqui deve entrar o ‘inconveniente que resulta da privagio do trabalho, de que se tira luero por meio de indits. tria perda que se estende muitas vezes ainda além da pristo, pelo hébito de ociosidade, que os presos devem naturalmente contrair; ainda que esta objecio néio ocorra no plano, proposto no Cap. XII, de uma prisiio pandtica (*), 3° Quanto & iguatdade, esta pena & evidentemente mui defeituosa: basta, para convencermos disso, trazer aqui A lem. branga a enumeragio das privagdes de que ela se compde. esta desigualdade sobe 20 galarim, quando se compara wn homem de pouca satide com um homem robusto; um pai de familia com um vadio, que néo tem que perder; um homem Tico acostumado a todos os mimos e regalos da vida, com um désses miserdveis. Qual fica privado de todos os meios de subsisténeia, enquanto aquele poueo, ou nada sente a pena por éste lado. Se a prisio é por algum tempo, podemos con. sideré-la como uma espécie de multa, que faz parte da pena Se 0 individuo exereita um oficio que se néio pode interromper Sem um grande risco de ficar sem éle, a conseqiiticia pode ser fiear perdido para sempre. Fis aqui a razo, por que se faz neeessrio deixar alguma liberdade 20 Juiz para comutar a pena. A multa em dinheiro seria melhor que @ prisio; mas @ maior parte dos delingiientes néo pode pagar; logo, 6 preciso recorrer as penas simplesmente aflitivas: a espScie de infamin, que traz consigo a prisio, nao deveria servir de objecdo no ease de consentir o réu em semelhante comutagio; e éste consen, timento deveria ser uma condicio necessaria. (7) Que toda ela ee pots vigisy de um ponte central 38 Jenewias BeNtHas Entre as inemodos da prisio alguns sio Serliearaiente Jgnais: tirar a tinta e papel a um autor, que vive de eserever, eamicine cs meron de ou Astaire sustentar; 6 a respelto dos mais, esta pena é maior, ou menor, segundo a necessidade que tem o preso de se corresponder pata 0s seus negéeios, ou para o seu divertimento: uma privagio tio aspera para alguns, e que no faz impressfio na classe a mais numerosa, no deve entrar em qualidade de pena: para que havemos de impor maior castigo 0 homem instruido, que se tem cansado a aprender? Antes pelo contrério parece que o deveriamos poupar mais por isso mesmo: porque aumentando a sensibilidade & propor- gio da educagéo, o homem que tem cultivado 0 seu espirito, 0 homem de letras, sente mais a prisio do que o ignorante e grosseiro, Por fim, ainda que a pena de prisio seja desigual, ¢ preeiso saber que ela ¢ de natureza que o seu efeito se estende a todos: ninguém é insensfvel A privacdo da liberdade, ninguém interrompe todos os seus habitos, especialmente os habitos sociais, sem violéneia. 4° Divistvel. A pena de prisio tem esta qualidade num ponto eminente: pode durar mais, ou menos; assim como & muito suseetivel de ter mais, ou menos graus de severidade. 5° Exemplar. No sistema atual das eadeias, poueo exem- plo se tira da prisio. No panético, em que 0 Povo facilmente podia ver os presos, aumentaria @ sua utilidade, Entretanto, se nfio vemos 0s presos, vemos a cadeia: a vista 6 desta habitagio de sofrimento penetra a imaginagio e desperta um saiidavel terror. Os edificios destinados a éste fim deviam ter um cardter particular, que oferecesse & pri- meira vista a idéia de encerramento e de constrangimento; que tirasse ao réu toda a esperanga de poder fugir; e que obrigasse os espectadores a dizer: “Bis ali a habitagio do crime”. 6° Simplicidade de deserigdo. Debaixo desta relacio, nio hd mais que desejar: a pena esté ao aleance de todos os graus de inteligéncia e de todas as idades. O nao poder sair de um certo Ingar 6 um mal real, de que todo o mundo forma uma idéia, e de que todos tém mais, ou menos experiéueia: basta a palavra cadeia para nos trazer & imaginagdo todas a idéias penais que Ihe so préprias. Trorta pas Penas Leeats 89 Paremos aqui para desenvolver o merecimento particular de trés penas correcionais, que devem entrar na prisio aflitiva, mas s6 em certas circunstineias, e sempre por um tempo mui limitado: estas penas sio 0 estar $6, estar ds escuras, e a dieta, © merecimento consiste na tendéneia que tem para emendar as més inclinagbes do réu. Creio que néo necessito provar o que digo; mas ainda que todo o mundo convenha neste prinefpio, arece-me que até agora ninguém 0 tem explicado, nem que 98 motivos estejam postos em toda a clareza. Quem o quisesse negar, poderia alegar argumentos plausiveis; poderia dizer: — “Quem produz no réu essa aversio pelo erime, que tem come- Lido, a que se dit 0 nome de correc, niio é mais do que a pena que acaba de experimentar e que se representa no sen espirito juntamente com a idéia de sua falha, ou do seu erime; mas éste efeito & produzido pela severidade da pena, e nio pela sua natureza particular: o estar s6, a escuridio, a dieta na razio de males Ihe ferio odiosos os seus defeitos passados; mas a pena dos agoites, ou outro qualquer castigo corporal, podendo produzir uma pena mais aguda, hio de produzir igualmente una averso mais viva para ésses defeitos, que tem cometido: como podem ser mais préprias para emendar as penas menores, do que as penas severas?” Respondo que a emenda depende menos da grandeza da pena, do que da associagéo, que se forma entre a idéia da pena ¢ a idéia do crime: e quem pode negar que a éste respeito toda a vantagem esté da parte da prisio solitéria? AS penas agudas, como os agoites, enquanto se levam, nfo deixam lugar & reflexio; a dor atnal absorve toda a atengdo: se se pudesse misturar alguma emocio mental com as sensagées fisicas, seria, mais do que outra qualquer, a do’ ressentimento contra o acusador, executor, ou Juiz: mas logo que o tormento acabou, 0 padecente esté livre, faz toda a diligéneia por se esqnecer do castigo: e tudo que o cerea contribue para desviar de si as reflexies saiidéveis, de que depende a sua reforma. Enfim, passou a pena e esta idéia é acompanhada de um sen- timento vivo de alegria bem pouco favordvel & emenda. Mas num estado de solidéo, o homem entregue a si mesmo sente estes abalos impetuosos que nascem da sociedade, e que acendem 0 amor e o édio: nio tem esta variedade de 29 Jerewias Benruamx idéias que resultam da comunieag&o com seus semelhantes, da vista dos objetos exteriores, e que o trazem embebido ‘nos negcios do mundo e nos seus divertimentos. Pela privacio da luz diminue consideravelmente 0 mimero das impresses: a alma do preso esté como sumida em si mesma, numa eseuridio interior, que Ihe tira todo o apdio de suas paixdes e Ihe faz sentir vivamente a sna fraqueza. A abstinéneia que sempre deve guardar certas medidas, acaba de amortecer a fogosa atividade dos temperamentos fortes ¢ produz uma frouxidao que nao deixa de ser ‘itil na ordem moral. Com efeito, esta pena nao é assaz aguda para absorver inteiramente todo 0 seu espirito e tirar-lhe o poder da reflexio; pelo contririo, 0 que estd sem luz sente mais do que nunca a necessidade de chamar para seu alivio todas as idéias, que Ihe apresenta a situagio em que se acha; sendo a mais natural de todas estar-se lem- brando dos acontecimentos passados, dos maus conselhos das suas primeiras falhas, que.o levaram ao erime, de que sofre 0 castigo, crime, de enjos prazeres Ihe nao resta mais do que a Jembranca ¢ as fumestas eonseqiiéneias que deixaram em seu Ingar. Lembra-se igualmente désses dias de inocéneia e segu- ranga, de que estava gozando, e que se oferecem aos seus olhos com um esplendor ainda maior pelo contraste da sua miséria atual. Os seus pesares reeaem naturalmente s6bre os erros do seu procedimento; ¢ se tem mulher, filhos, parentes préximos, os sentimentos de afeicéo a seu respeito podem renascer de novo em seu coragio pelo remorso de todos os males que tem cansado & sua familia, Outra vantagem que se tira desta situagio é lembrar-se 0 homem da outra vida: nesta privacio total de divertimentos de impressdes externas, a Religiio vem tomar sébre o infeliz um novo império. Cortado da sua infelicidade e dos acontecimentos singulares, ou pouco naturais, que fizeram descobrir o seu crime. quanto mais combina, tanto mais julga sentir uma Pro- vidaneia que o tem levado por caminhos escondidos, e que fez abortar todas as suas cautelas: se 6 Deus que o eastiga, Deus 0 quer salvar; ¢ desde entéo entra em si mesmo, reeorda eom interésse suas promessas € ameagas; promessas, que abrem uma perspectiva de felicidade eterna ao seu arrependimento; ameagas, que jé parece realizarem-se para éle nessa regiéo de Teorta pas Prnas Leoais a trevas, em que se vé como engolfado. & preciso nfo ser homen, ter sido langado em outro molde, para que numa situagio tio triste possa deixar de ceder as solicitagdes da Religido. Bastam as trevas para dispor os homens a conceberem e sentitem (por assim dizer) a presenca dos seres invisiveis: seja 0 motivo qual for, 0 fato é certo, e ninguém pode duvidar de semelhantes efeitos. (*) Quando a faculdade sensitiva esti sem aco, a imaginagéo trabalha e chega a produzir fantasmas: as pri- meiras superstigdes da infancia, o ter médo dos espiritos, a existéneia dos fantasmas devem & solidio o seu naseimento; ¢ aqui temos uma razio mui forte para se néo dever prolongar um estado que pode desordenar o eérebro e entranhar 0 homem numa melancolia incuravel: mas as primeiras impres- sdes sempre serio boas. Se um Ministro da Religiio, habil em se valer desta situacio favoravel, sabe entornar o balsamo das instrugdes religiosas sdbre o eriminoso humilhado e abatido, 0 seu triunfo vem a ser tanto mais seguro quanto neste estado de abandono se apresenta como 0 tinieo amigo do infeliz, como o seu veriladeirn benfeitor. Este eurso de disciplina, que por ste modo se compoe de solidao, de trevas e Je abstindncia, 6 um estado mui violento, como acabo dle dizer, para dever ser de uma longa duracdo:’a ser prolongado, nao poderia deixar de produzir a deméncia, a desesperacao, ou, 0 que é mais geral, uma estiipida apatia é éste o lugar de fixar o tempo da prisio, que deve variar segundo natureza dos crimes — 0 grau de perver- sidade, que deu a conhecer o réu, e os sinais do seu arrependi- mento. O que tenho dito basta para mostrar que semelhantes penas, uma vez sejam reiinidas, so um dos meios de reforma, contanto que sejam acompanhadas de rigor; ajudam-se mituamente umas ds cutras: e é preciso dizer, que o alimento reduaido ao simples necessério deve ser insipido para con- seguir o seu efeito penal: de outra sorte, num sujeito mogo robusto, o prazer de um apetite material poderia compensar todas as outras penas. ) Apparent dire facies, inimicngue Troja, imine magna sum Vers 92 Jeremias Bentuam ina reduzida por éste modo quanto A dura no incorria no perigo de ser impopular, antes conseguiria uma aprovacio geral pela semelhanca que tem com a disciplina doméstiea, e pelo seu fim correcional. Certamente que se nfo pode representar 0 soberano poder debaixo de wn carater mais respeitavel, nem mais proprio para ganhar os eoragies, que debaixo da imagem de um pai, que até mesmo quando castiga um filho mal comportado, tem sempre em vista a sua felicidade. O efeito, que produz a pena de prisio solitéria, nfo ¢ uma simples teoria: ha provas de fato, que se firmam na antoridade de testemunhas mui acreditadas. M. Howard (p. 182) falando das estreitas celas de Newgate, acrescenta estas palavras: “Tenho sido informado por testemunhas oculares, que os mes- mos eriminosos, que afetavam de arrogantes enquanto corria © proceso, e qne nao tinham dado mostras de sensibilidade ouvindo a sua sentenga de morte, estremeciam de horror, ¢ as lagrimas Ihes corriam dos olhos ao entrar nestes sombrios & solitirios ealabougos”, Mr. Hanway (p. 74) nos conta, pelo testemanho de wn ministro que tinha a inspegio das eadeias de Clerkenwell, que todos os presos, que estavam emparedados em quartos sepa- rados, davam dentro de poucos dias sinais extraordinérios. de estarem arrependidos. Passemos agora a examinar uma cir- cunstineia da pena de prisio aflitiva de uma natureza bem diferente: quero dizer, da mistura de todos os presos, on do ajuntamento de um grande nfimero déles metido no mesmo quarto. A pena, que resulta de tal modalidade de prisio, nao entra na intengio direta do Govérno: 6 um mal que, a-pesar-de se ter reconhecido, e de merecer uma desaprovacio geval, ainda existe em quase toda a parte. Creio que nao tem a seu favor mais do que a razio de economia. Sai muito mais barato ter todos os presos em uma sala, do que ter celas separadas para estarem sés ou divididos em turmas (1). Este ajuntamento, considerado como parte da pena, néo tem efeito penal sobre os presos mais desempenados, ¢ que apresentam maior perversidade: pelo contririo, é uma espécie (1) & peaciso convir que eats difealdade ers muito gran de uma inspetio central, antes do plano TrortA Das Prnas Leoars 93 de alivio para homens deste calibre; porque o préprio témulo da cadeia os nfio deixa pensar no seu estado; esto como ator. doados e fora de si mesmos. Logo o mal, que resulta, 6 tanto mais aspero quanto o preso tiver maior sensibilidade e for mais delicado. £ uma pena incerta, desigual, que nfo faz exemplo, que néo aproveita, que produz infinitos inedmodos, de que se nao pode formar uma justa idéia, pelo menos sem a ter expe- rimentado, Mas a objecdo decisiva contra éste modo de aglomerar os presos, 6 de estar em oposico direta com wm dos. prineipais fins da prisio: a reforma dos criminosos. Esta aglomeracio, Jonge de os emendar, tem uma especial tendéneia para os fazer ainda peores: o sen resultado ¢ apagar neles todo o sentimento ée honra, ou noutros termos, ¢ fazi-los insensiveis & forga da sangio moral. Bste desastroso resultado de uma aglomeragio confusa 6 mnito claro, para eseapar aos observadores ainda os mais superficiais. Os criminosos encerrados num espaco estreito 2 corrompem uns aos outros, Tal ¢ a expressiio eral. Repre- seutam-na debaixo de uma grande variedade de formas, ¢ ordinariamente a costumam enfeitar de muitas metAforas, A palavra corrupeao é, infelizmente, como quase todas as pala- Yras que entram no dicionério moral, menos propria para dar idéias preeisas, do que para exprimir um sentimento de desa- provagio: portanto, se quisermos sair do género declamatério, € necessirio averignar os males particulares, os habitos per- nieiosos que nascem desta promiscuidade: € éste 0 modo de podermos ter uma .idéia clara do que se pode chamar corrupeao, As conseqiiéncias pe: reduzir a trés prineipais Josas dste ajuntamento, se podem 1° Reforcarem os motives que abalangam 0 homem a cometer crimes. 2.° Enfraqnecerem as consideracdes que ten- dem a reprimir os delitos. 3. Habilitarem o preso na arte de 05 poder cometer. Bem se vé que tudo isto. diz respeito aos erimes enjos homes representam idéias precisas, definidas, ou que podem ser definidas; so males de um certo géuiero: os motivos sedutores © 08 motivos tutelares sio igualmente penas e prazeres: por 4 Jerewras Bextoaw ste modo todos os termos sdbre que roda o referido exame siv clavos, onde nao ha uma s6 metifora que possa escurecer as idias. I — Relativamente aos motivos que ineitam ao crime, basta falar aqui do mais geral, da sofreguiddo com que © homem se lanea a roubar os bens alheios; de que provém uma grande parte dos crimes, Na classe miserdvel, 0 produtor de um pequeno roubo excede o que pode ganhar um homem legitima- mente pelo seu jornal, para satisfazer aos seus prazeres, e estes prazeves so daqueles que nao custaim mui earos — um melhor alimento, bebidas fortes, andar bem vestido, bithetes de loteria, espetéculos e, para coroar a obra, mulheres perdidas. Bis aqui © fundo da conservagio entre os presos, e a fonte inexhaurivel de todas éssas fanfarrices da parte daqueles que, pela sua viveza ou fortuna, se tém feito eélebres; ajuntam a roda de si um cirenlo dessa gente baixa, que escuta s6fregamente com inveja ¢ admiracio as proezas do heréi: a imaginacio se inflama com tais histérias, que para semelhantes ouvintes {8m todo o mere- cimento e todo o encanto de uma novela, em que se admira a intriga, os lances arriseados, 0 valor, a gléria e as reeompensas; quanto a sociedade é mais numerosa, tanto os acontecimentos serfio mais variados: e que coisa mais natural e mais interes- sante do que entreterem-se semelhantes precos dos motivos que tdi sido cansa de se verem juntos? Il — Enquanto por éste modo todas as paixdes vieiosas se nutrem e ganham forgas, pela outra parte todas as conside- rages que tendem a sopear o crime sao combatidas perdendo o seu vigor. Estas cousideragdes pertencem a uma das trés sangGes: politiea — moral — religiosa. A sangao politica tira @ sua forca das penas da lei, e em particular da pena imposta a todos ésses eriminosos que se acham reiinidos na mesma cadeia; falo da pena que sofrem, ‘eu que esperam sofrer. Ora, 0 primeiro objeto de todos os séeios ¢ tratar as leis com desprézo, e afrontarem as suas ameagas. Cada um déles, por vaidade, afeta indiferenca para © castigo que experimenta, ou receia; disfarca o seu imal, eucarece o bem, e faz timbre, segundo a expressio vulgar, de mostrar boa cara, tendo man jogo. Por éste modo o mai destemido, 0 mais arrogante vem a ser 0 modélo dos outros: TroRTA pas Penas Leaars 95 afina pela sua sensibilidade a sensibilidade dos mais, que tm vergonha de se mostrarem menos valentes do que o seu com- panheiro. Ainda que nfo seja mais do que por simpatia, muitos déles trabalham por adocar a sorte dos outros que estio na mesma infelicidade, ¢ os consolam eom testemunhos de afeicio. Nem se diga que supor nesta gente tais sentimentos e darlhe Virtndes que mio podem ter: & um érro dizer que os homens so absolutamente bons, ou absolutamente maus, O erime, que sujeita os eriminosos Jei, bem Ihes pode deixar no coracio qualidades estimaveis: ainda podem conservar a compaixio: é © que nos mostra a experineia ; e por isso devemos ter euidado de no dizermos tanto mal do vieio, que degenera em ealinia, A sangdo moral ¢ fundada sObre os juizos do tribunal piiblic tira a sua forga das penas e prazeres que resultam da estimacio ou desprézo daqueles com quem vivemos mais habituados, Enquanto o homem se achar na sociedade geral, ainda que néio tenha uma probidade real, seré obrigado a contrafazer-se nas suas agies, e tera cuidado sébre si para se ndo fazer suspeito, ou muito desprezivel. Mas na cadeia jé nfo existe a sociedade geral; os que alf se acham tém interésses e prinefpios muito diferentes: 0s hébitos, as ages, que seriam nocivas no mundo, € por conseqiiéncia odiosas, deixam de ter éste caréter numa prisio, em que jé nfo fazem mal. O roubo nfo & odioso a homens que nada tém a perder, e que o consideram como um dos meios ordindrios de proveito, A probidade, virtude a que até seria ridienlo quererem aspirar, sera desprezada entre éles por um consentimento geral e téeito. Qualidades mistas, como a paciéncia, o éuimo, a habilidade, a atividade, a felicidade, geralmente ‘teis, mas eapazes de servirem igualmente ao vicio e A viride, serdo exaltadas entre éles em prejuizo da pro- bidade. Por éste modo um homem seré louvado — pela sua paciéneia; mas quando a empregar em andar espreitando 0 momento mais proprio para executar o crime — pelo animo, em acometer uma habilitagio paeffica, ou em resistir 4 justica la sua atividade, em perseguir um viajante — pela sna habilidade em saber enganar um benfeitor eompassivo — pela sua fidelidade, em no entregar nos interrogatérios os seus companheiros. His aqui as virtudes gabadas em uma tal habi ‘tuoGo: assim 6 que satisfazem a esta necessidade de estimag3o 96 Serewias Bextoay e aplauso a que todo o homem aspira uma ver que esteja em sociedade, e a que se néo resiste. ‘A probidade, que s6 pode merecer elogios entre Ales, niio & a probidade em que interessa o género humano, porque ¢ possivel observarem-se estreitamente as regras em relacio a uma sociedade particular de que se depende imediatamente ; enquanto essts mesmas regras se quebram sem eseriipulo em prejuizo da sociedade geral, com quem nio tem as mesmas relagdes de interésse. Os Arabes, que vivem do roubo, sto pontuais em matéria de inteireza com os homens da sua tribu: de sorte que a boa fé dos ladrdes veio a sex entre éles para assim dizer, um provérbio (1). A sangio religiosa consiste na apreensio das penas pro- nunciadas da parte de Deus, seja nesta vida, seja numa exis- téneia futura, Ora, como no Cristianismo os delitos condenados pelas leis humanas 0 sio igualmente pela sanco religiosa, tanto mais quanto ela se estende as ages ocultas, a dita sangio 6 um freio particularmente necessirio para esta classe de homens: a maior parte dos malfeitores, partieularmente os que ainda nio professaram, esquecem-se da Religifo, néo a des- troem; mas como as impressdes que receberam sio fracas Theis de apagar, nio é erivel que se conservem na cadeia, em que toda a f6rea da opiniao se encaminha contra as nagdes reli- giosas. Nio digo que num tal liceu se estabelecam controvérsias € disputas filoséficas sObre # idéia de um Deus, sdbre a verCade da Revelagio, sdbre a autenticidade dos testemunhos, que Ihe servem de base: nio é de esperar que ali se achem Maniquers, ‘Hobbistas, Spinosistas, professores dogmiticos de incredulidade = néo haveré disefpulos sutis de Boulanger, de Bayle e de Freret ; mas nem por isso os argumentos deixaram de produzir menos efeito por serem acomodados 4 eapacidade dos onvintes. Os (1) Nem 56, pods haver ects bea fé entre os malvados: quantos exemplo: fam ‘citar no mundo, quero. dince, no onrado,” ao mundo que’ se julga’ me to mais & que o fegns como outar de ua earvige Treonta pas Penas LeGars a motejos de um gracioso terlio bastante légiea para os seus camaradas: a sitira contra os Ministros da Religiéo seré una refutacio completa da mesma Religiio; e o que tiver desem- baraco para sustentar em vor alta que s6 as almas fracas & que se deixam intimidar pelas ameagas da outra vida, pode contar com a sensibilidade de um tal auditério. 3 — Enfim, esta associagio de criminosos Ihes oferece 0 meio mais seguro de se aperfeigoarem na ciéncia, na pratica ¢ em todo o mistério do crime. ‘A sua conversagio, como j4 temos dito, dirigida pela vaidade dos que falam, e pelo interésse dos que ouvem, versa particularmente sdbre suas proezas criminosas. Cada um pela sua parte se compraz em entrar nas cireunstineias mitidas dos meios engenhosos de que se valeu, dos enganos que fez e das imposturas com que tem conseguido os seus fins depravados: ali se comunicaram os segredos do oficio, os preparativos, os meios de disfarce, 0 modo por que se pode eseapar a justiga; em uma palavra, os estratagemas desta guerra anti-social. Se estas anedotas do crime incitam a curicsidade de todo 0 mundo, quanto nfo serio mais interessantes para aqueles cujas inclinagdes favorecem, e a quem descobrem os meios de as poderem satisfazer? por éte modo que se forma um dep6sito de experiéncia, para que todos se fintam: 0 que apenas conhecia um ramo desta indistria malfeitora, vem a ser um grande discipulo em todos os mais ramos, Nao é sem fundamento que vulgarmente se diz, que a cadeia é uma escola de perversidade com esta diferenca, que uma semethante escola desbanca e poe 6 risco acima de todas as outras; porque tem vigorosos motivos para fazer adiantar os discfpulos e uma grande eficdcia nos meios do ensino, Nas escolas, propriamente chamadas, 0 ma's ordinério estimulante 6 0 médo, que luta contra a inclinagio de enquanto nas escolas do vicio, o estimulante 6 2 esperanga, que se ajusta com as inelinagSes habituais: nas primeiras, a ciéneia 6 imicamente ensinada por um mestre mais ou menos habil; nas outras, cada um contribue para a instrugio de todos: na escola legitima, o diseipulo tem no sueto uma coisa mais de seu gésto que o trabalho do estudo; na eseola do erime, 0 ensino vicioso vem a ser 0 principal desafogo de um estado de tristeza, ¢ de constrangimento. 98 Jeremias Bentuam Poderao dizer que a gente mal ensinada busea sempre os seus semelhantes; e que ou estejam presos, ou nfo, sempre hio de viver em més companhias, mas en respondo, primeiramente, que isto nem sempre acontece: 0 homem de vida airada, é verdade que busea antes a sociedade dos homens estragados, que dos homens de bem; mas tem mil ocasides de tratar com pessoas de probidade, que pelo menos The fazem lembrar das nogées de justica e virtnde, Nas conversagies as mais ordi- nérias sempre ouve o juizo, que se faz das agdes perversas: 6 testemunha do vilipéndio, com que todos encaram o homem de mau carater: ainda que nao assista na Igreja as ligbes de moral, nesses mesmos Ingares em que se embriaga nem sempre se tira ao homem justo o seu merecimento, No mundo hé uma ceria mistura de bem, e de mal, mas numa cadeia toda a sociedade é composta de individuos mais ou menos criminosos ; logo, ainda mesmo para o homem o mais aleivoso, a cadeia é uma habitagio a mais perigosa. Que sera para esta classe de ° presos que entram ali pela primeira vez? Cederao. talver & tentagio da indigéncia, foram engodados pelo mau exemplo; ainda estfio nesta idade flexfvel, em que 0 coracio nfo esti calejado: um eastigo a tempo poderia aproveitar. Se em vez de reformar os seus eostumes éle se fez mais vicioso; se de pequenas travessuras se meten em grandes roubos;- se tem chegado a acometer os passageiros pelas estradas, se tem feito morte — devemos lancar a culpa as liedes que tem recebido na cadeia. CAPITULO VI Da Carceragem Outro abuso que existe em muitos pafses, especialmente em Inglaterra, so as despesas que faz o réa antes da soltura, espesas que, nao tendo relagio com a priséo, vém a ser um abuso manifesto. Aste mal tem a mesma data dos rudimentos barbaros da nossa Jurisprudéneia, quando o magistrado néo tinha mais idéias do interésse piiblieo do que os Povos que viviam de andar a corso: naqueles tempos de desordem uni- versal, uma das principais rendas do Govérno consistia em TeoRIA DAs Penas Leraars 99 confiseacdes; e bastava o mais leve pretéxto para cobrir a avareza com a mascara da justica, O abuso pretende eseapar debaixo de um equivoco —o qual, a meu ver, néo é mais do que um sareasmo. “Pois que vos tenho dado uma casa, diz 0 careereiro, tenho o direito de exigir a paga”. Sim, tendes direito se a casa é de minha escolha por um ato voluntaério — a eir- cunstaneia que falta neste easo faz toda a diferenca entre uma ico legitime e wm verdadeiro insulto, que se néio pode Mas dirfo que o carcereiro deve ser pago, como outro qualquer que esta servindo 0 piblico: e neste caso, quem melhor the deve pagar do que o sujeito que o obrigou a tra- balhar? Quem Ihe deve pagar? Vés — eu — outro qualquer, contanto que nao seja o preso. 1 contra toda a razio que uma pessoa sofra todos os gastos de um estabelecimento que é de utilidade para todos. Sim, (torno a dizer) vés — eu, outro qualquer, devemos pagar antes do que o preso; porqne cada um de nés tira maior beneffeio de se castigarem os erimes do que tira o mesmo rén, Isto seria sempre uma verdade, ainda quando © miserével no estivesse obrigado a ontras despesas. Mas 0 argumento que se segue, ainda vem dar maior péso 4 minha opiniio, Suponhamos vinte presos, dezenove certamente se meteram a roubar, por se acharem endividados, e na impossi- bilidade de poderem satistazer aos seus eredores; donde resulta uma certeza positiva de que ésses dezenove em comparagio de vinte nao podem pagar os gastos da prisio (1). Mas tal é a fOrca do costume e dos prejuizos, que os Tuizes da primeira orem ¢ os Magistrados dos distritos particulares nfo tém deixado de dar a éste abuso a sua aprovagio e 0 seu apdio: um s6 que fosse resoluto para nao consentir neste vexame, e que soltasse o preso sem consentir que pagasse carce- ragem, é verdade que deixava o carcereiro sem salirio, mas teria desbaratado o sistema opressivo e a despesa recairia sbbre @ inheire, 0. Sheriff fats na adel quando um distrito (hundred) devia uma soma ae ‘Primelro morador desce distrto. a0 acaso, ‘8.0 ‘Delon gutror: date 100 Jeremias Bentwax 0 piiblico ; é 0 que se deveria ter feito desde que se estabeleceram as cadeias (1). Os que pretendem defender 0 abuso, poderdo dizer que é uma parte da pena que se impde ao Réu: mas eu respondo que 6 falso; porque na maior parte das cadeias todos pagam sem distingdo, inocentes e culpados. O carcereiro exige os seus direitos logo na entrada, ainda quando se néo sabe se 0 preso est ligado ao crime: mas ainda nfo disse tudo: mesmo es que tém provado a sua inocéneia, nio podem sair sem pagar; sendo a reparagdo que lhe fazem as leis pelo ter incomodado, pagarem multa por serem absolvidos. Um preso 6 acusado de ter feito um homieidio e por fim absolvido: assim mesmo ha de exibir, a titulo de livramento, uma soma igual a0 que pode ganhar um jornaleiro pelo espago de trés meses; soma que muitos homens desta classe nunea puderam ajuntar em toda a vida. Mas nao éste s6 0 caso em que na lei de Inglaterra os cargos ptiblieos, em lugar de pesarem sdbre a parte mais forte, earregam sdbre o miserdvel: as custas que pagam partes em uma causa judicial ainda antes de se conhecer qual 6 0 opressor, € qual 0 oprimido, esto uo mesmo caso. CAPITULO VIL Plano geral sobre as cadeias Deve haver trés géneros de cadeias diferentes, segundo 6s seus respectivos graus de severidade. O primeiro, para os devedores que nfo podem pagar, no caso de se provar que foram imprudentes ou gastaram mais do que podiam; segundo, para os malfeitores condenados A prisio por algum tempo; o terceiro, para os que devem estar presos por toda a vida, (2) Hotes direitos, estos emolumentos dos cavoersitos| ‘as custas do" processo, a que 0 Juiz podo condeaar @ Tu. Jo thm mada com Trorta’ pas Puyas Leoars 101 1 Quanto aos devedores, devem ser cousiderados como falidos, sujeitos, debaixo de penas rigorosas, 4 obrigacio de darem pelo conhecimento de todos os seus bens. A pena de prisio, orde- nada como uma providéncia de rotina, de um rigor bem supér- fluo: seria necessirio reservé-la sé para os casos em que se provasse que a desgraga Ihe veio por sua culpa, ficando-lhe salvo 0 direito de se defenderem pelo exame do sen comporta- mento. Esta mesma cadeia pode servir para todos aqueles que no tempo em que dura o processo devem estar debaixo da mio da justiga, antes que ela deeida do seu destino. Esta prisio nao mais do que uma prevengéo, enjo fim é segurar o réu para ‘© que pode acontecer, nem se deve estender a mais: nada de rigor, nem aparente, nem real. 2 A segunda espécie de prisio, a dos malfeitores condenados por nm tempo limitado, tem por fim a eorregio eo exemplo; © por isso é necessirio que a pena real ¢ a pena aparente con- servem igualdade: 0 preso deve ser obrigado a trabslhar. Quando estiver para acabar o tempo, uma semana antes, ou no tiltimo més, deve-se-lhe dar menos de comer por modo de peniténeia — solidio, trevas, pio de ligrimas deve servir- the de lembranga para no tornar a eair: convém que a ‘iltima impressio seja triste e amargurada: também nfo seré mau que tragam wm sinal exterior de infamia, mas sinal que se possa tirar, isto é, excelente para dois fins — para exemplo, como um acrescentamento do castigo aparente — e para seguranca, porque a fugida do rén se torna mais difieultosa. 3 A tereeiva espécie de pristio, a dos malfeitores condenados a cla por toda a vida, 6 destinada imicamente para servir de exemplo; pois que os réus desta classe néo devem voltar para a sociedade. Estes devem trazer um sinal indelével de infimia: 102 Jeremias Benruam i a sua condi¢do real deve ser mitigada, quanto o permite & natureza do sen crime: o que for de uma extragiio menos baixa poderé escolher o offeio em que se quer ocupar: 0 que tiver 0 seu oficio sera cbrigado a trabalhar para o seu sustento; mas 6 preciso dar-the uma parte no ganbo de sua indistria. HA na Europa muitas cadeias em que os miseréveis presos vivem & eusta dos figis; mas isto o que prova é 0 desmazélo do Govérno: entregar os presos as esmolas do piiblico é entregi-los & morte, se as esmolas nfo chegam: o Estado deve dar 0 necessirio, nem mais, nem menos: 0 deficit 6 espantoso; o supérfluo é nocivo, Em Ihes dando o necessirio, podero receber o dinheiro que Thes derem; mas é preciso ter enidado para que o néo estragnem em bombocados ¢ bebidas espirituosas: 0 primeiro esta restituir © que tem ronbado. A éste respeito reina uma grande desor- dem em todas as cadeias:. 0 roubo com violéncia é um dos crimes ordinérios; mas quanto o réu é mais criminoso, isto 6, quanto é maior a porcéo que roubou; tanto mais & larga vive na cadeia; os seus furtos vém a ser a sua recompensa. 1 raro achar-se nas mios do réu tudo quanto roubou, a maior parte est depositada em casa de um companheiro, ou da préprie mulher ou da amiga, para o esperdicar em destemperos, ou para gastar com advogados que o ajudem a atravessar 0 curso ordi- nario do proceso. Quando estes bens mal ganhados jé nao puderem servir para o vicio, o preso estaré inclinado a res- tituir: 0 constrangimento imposto as inelinagdes desordenadas seré favoravel aos movimentos escondidos da coneiéncia. ‘Tndo o que se achon ao réu no ato da priséo, ou o tenha consigo, ou em depésito, deve ser imediatamente entregue a0 inspetor da cadeia e inventariado; e para se evitarem desca- minhos, que sio mui freqiientes, seré bom que sejam arreca- dados com 0 sélo do Ministro, entregando-se ao preso uma c6pia do inventério. Poderio dizer que dar aos presos um tratamento igual ear matéria de comida é uma pena desproporeionada: os que esto afeitos a passar bem, sio mais eastigados do que os miseriveis habituados & peniria. Por uma parte permitir a homens presos THorIA pas PENnas Lecais 103 por crimes de ladroeira a liberdade de poderem gastar em azepipes 0 produto do seu crime é conceder-lhes um bem & custa daqueles que tém lesado; donde se tira que o tratamento nao deve ser 0 mesmo. Com semelhante casta de gente nao deve haver contemplagio a éste respeito, antes que éles tenham restituido a seu dono o que roubaram : quanto porém aos outros, que estio pagando por outros crimes, poderio gastar & pro- poredo das suas posses. A restituigio exige uma precaugio de mais: 0 prazo por um roubo pode ter cometido mais crimes do mesmo génevo, € neste caso é preciso fazer conta com os outros; € s6 depois de satisfazer a todos 6 que se Ihe pode conceder a liberdade de gastar os seus bens como quiser. ‘Tornemos aos diferentes géneros de eadleias, B preciso que a dita diferenca esteja manifesta por um modo tio claro, que se nfo possam equivocar — na sua aparéneia exterior — no tratamento interior, — e na sua denominacio, ‘As paredes da primeira devem ser caiadas; as da segunda de uma cdr sombria ; ¢ as da terceira pintadas de negro. Esta iiltima deve apresentar diversos emblemas do crime: uma serpente, uma fuinha, um tigre, que representam um instinto malfazejo, oferecidos na entrada da prisio negra, tém uma alusio conveniente, Na casa dos orates de Inglaterra esto duas estétuas : da loucura e da melancolia. 0 Pateo deveria inspirar horror; poderiam dependurar-se ali dois grandes paingis: num déles deveria estar assentado um Juiz no sen tribunal, com o livro da lei, pronunciando a sentenga de um criminoso; no outro, poderia pintar-se o Anjo, que ha de tocar a trombeta no dia do juizo: no interior, dois esqueletos pendurados ao lado de uma porta de ferro fariam uma impres- séo mui viva; parecia a medonha habitacio da morte. Todo ayuele que na sua moeidade visitasse a cadeia uma s6 ver, teria sempre esculpida na meméria esta idéia. Bem sei que os ‘lésofos da moda eostumam zombar de tudo 0 que so emble- mas; admiram na Poesia o mesmo que desprezam na realidade-; 104 JeREMIAs BENTIAM mas 6 mais facil motejar do que alegar razées sélidas contra a experiéneia (*). A diversidade de nomes é necessiria; 6 respeitar a huma- nidade; 6 a Justica a respeito dos que esto presos por dividas, ¢ daqueles que estéo pronuneiados, mas nfo esto sentenciados, a quem devemos poupar a apreensio de se verem de mistura com os malvados pela cireunstincia da palavra cadeia ainda quando nio existisse ésse sentimento brioso, deveriamos traba- thar pelo fazer valer; mas éle existe, e os homens mais esti- mndveis séo os que sentem mais esta palavra injuriosa. A diferenga do lugar e do nome, é também um dos meios de agravar parte da pena, que se refere ao exemplo, objeto da maior importincia, (Portanto) : A primeira cadeia se chamaré simplesmente casa de segu- ranca, ou custédia, A segunda case de corregao. A tereeira priso escura, © primeiro déstes nomes nao denota crime, nem defeito — © segundo supée crime; mas logo trax A imaginagio a idéia “favoravel de emenda — O terceiro inspira terror. Na casa de corregio teremos dois fins: infamar o eri @ poupar o eriminoso, pois como deve entrar outra vez ua sociedade, nie 0 devemos assinalar com uma ignominia inde- (2). Sobre a importineia dow sinais yara ferlr tmaginueko, « sbbre 9 nto ‘que déies tem “feito 0 Clero. Romano ao’ exomplo da" autiga, Homa, @ imoval a Passarem de Rossen no seu Emilio. Depretando a linguagem doe singin, que fala ima fe a palavra furidor. to, Ferdemos » male enérsien de todas aa linguas’ » impressio wre fracu: falamiot melhor ao coragde pelos altos do que. pelor Hoje tudo @ forca, intertsse; os aniigorfaslam’ muito. mais ‘pela elas afegses da “aia, “porgke “ate despretava, a nguapem dow face da terra era livro em que te Todhedos, -drvores, montes de. pera, consagradas. por imprimind‘reapeto ‘ee! nomgns barbie, rata Yotan dt Ure fberto| sem ‘cesaar a’ todos ov ‘clhos. 0" poco do jurnmento, (de que fala a Eseritura) 0 poco do que viv ‘que 2,0 anoao earvalho Ge Mambre, tais rom os moniumentos grosselrvs, nas austin, da sontivade don contratoe: mings ‘ srubar monumentos to sagrados: om. fe sbonagto estas testemuanas mudas do "que ei, Trastholo e Tarquin, deitande sbalxo fapando.a boca ‘do valido com osu sinete, vigor das" papoulas: Alesands fstavam’ melhor lo que so fizessem longus discurses. Dario, metido entre os Citas com 0 seu exérelto, recebe da parte do Hei birbaro uma ave, uma ri, um Tato, © inco flechas: o Hrbaizader entregs 0 seu presence, ¢ se rotita sem dizer pala ‘mas Dario 0 tem pereebido; deizs 9 campo dos’ Citas de corrida, eat {ase ‘guerra noutra parte, Se quereis fazer respetiar a raz4o, dakihe um vertigo, TroRIA Das PreNas Leoais 105 lével, nem fazé-lo ineapaz de se aprésentar aos outros homens. Com.o mesmo meio podemos conseguir ambos os fins. O réa, neste caso, pode ser obrigado a trazer méseara, ou seja 0 que for, que, tapando-lhe uma parte das feigses para os que vém visitar os presos, aumente a impressio que deve fazer aos outros. Esta miscara misteriosa ¢ um alivio para quem a trar eo modo de agravar a pena aos olhios dos espectadores. CAPITULO VIIT Outr: espécies da pena de nao poder o réu viyer onde quiser — Quase prisio — Degrédo — Desnaturalizacio Quando 0 individuo néio pode sair do distrito da sua residéneia ordinéria, temos uma quase prisdo. Degrédo & quando é obrigado a stir para fora da sua vesidéncia ordindria, e desterrado para um certo distrito, que pertenee aos dominios do Estado, Desnaturalizar o réu é faz6-lo sair dos dominios do Reino, para onde no pode tornar. Todas estas trés penas, ou podent ser por um certo tempo determinado, on so para sempre (1). O degrédo e a desnaturalizacio so apenas deseonheeidos em Inglaterra: e 0 destérro para uma colénia (como nés vere- mos) éde uma natureza inteiramente diversa, A condigio dos individuos que podem gozar da imunidade de uma prisio, corresponde, 6 verdade, a idéia da pena que temos em vista, mas no é pena ordenada por lei. A pena legal & a prisio. O preso, uma vex que se ajuste com o carcereito, que fica responsével por éle, pode andar livremente por um certo espago ao redor da cadeia, donde se nao pode afastar (2). ‘Também ha distritos privilegiados, em que ninguém pode ser preso por dividas: é uma espécie de eneérro quase volun- tario, um reftigio para os que no podem pagar. (1) Interdito tocat entra naturalmente nesta enpécle de pena: mas como se limita ordiniriamente a ‘priver -o-réu. do alguns ‘prazerss, falaremos “dale ‘teando ‘ratarmos das penas ‘simplosmente. restritivad! (2) Bm Inglaterra hé seis cadcias com esta imunidade: duas em Londres, the Fit, © © Banco do Rel: duas ho Condado de Carmarthen, uma em Corauadl, ‘outrann ‘Neweaste s0bre.o Tyan, 106 Jeremias Benruam Nao era raro na Franga obrigar um individuo a viver nas sues terras, ou num lugar que Ihe designavam, Esta pena s6 era imposta a pessoas nobres ¢ era mais a expresso de um ressentimentto pessoal da parte do Soberano, do que uma pena regular imposta segundo as leis ordinérias da justiga: eva quase sempre em que vinha a parar um ministro desgracado: algumas vezes um Parlamento inteiro era degradado por nio ter querido registar wma lei: 6 verdade que o fim no era pre- cisamente a imposiedo da pena; mas desviar por éste modo os individuos que podiam sustentar a intriga; vindo a ser, por éte modo, um rasgo de autoridade, a falar propriamente, um sinal de médo e de fraqueza. A pena de expatriar o réu pode ser definida, ou indefinida — indefinida, quando o réu pode escolher o lugar para onde quer ir — definida, quando The proibido o poder habitar em algum distrito particular, A primeira vista parece que éste segundo modo ¢ impraticivel, pois ninguém tem poder sobre um individuo depois de o deitar para fora da patria, porque j4 nfo esté debaixo da jurisdigio das leis; mas, de fato, ha muitos casos em que o Estado conserva sdbre éle um poder suficiente, e meios de o castigar se néo exeenta 0 mandado. 1.° Quando a dita pena nio é para sempre 2° Quando deixa no pafs, donde sai, propriedades existentes, ou futuras; 8.° Quando 2 Nagao estranha, de que é excluido por sentenca, esta de miios dadas com o Govérno para manter a sua execucho, Qnanto ao mais, a expatriagio definida s6 pode dar-se em cireunstincias mui partienlares: geralmente, quando se di éste castigo a0 malfeitor & para o Estado se deseartar déle; ¢ neste caso vi para onde quiser (*). Os ineémodos que resultam do degrédo ¢ desnaturalizagio, so da mesma natureza que os que resultam da pena de simples priséo; ¢ a maior parte num grau inferior. Entretanto, esta pena é tio suscetivel de diferenga, seja pela natureza dos luga- res, seja pela extensio do distrito que se tem assinado ao réu, ©) Nacio Portayuess, imitande um Deus de Pat, quando diste or seus’ Diseipulos vide também vos quereis if? S, Jota, Cap. 6, ve TEoRIA DAs Penas Lecars 107 seja pelas circunstineias do mesmo réu, que é quase impossivel estabelecer regra eerta para todos os casos. No degrédo, a faculdade de gozar dos bens da naturesa ¢ das artes, ver 0s amigos, ser-Ihes prestvel, adiantar a fortuna, pode fazer maior ou menor impressio. A liberdade de exereer empregos ptiblicos, de viajar para beneficio da satide, ou por divertimento, pode reduzir-se a nada, A faculdade de continuar © réu os seus negécios, quero dizer, 0 seu modo de vida, tem seus altos e baixos; ¢ até pode haver officio, ou manejo, que seja ineompativel com a pena. Os incdmodos do degrédo sio tio diferentes na quantidade e na qualidade, segundo as pessoas, que se nfio pode fazer uma proposi¢o geralmente verdadeira sébre a natureza desta pena, Os males, que pela maior parte Ihe andam anexos, se reduzem aos seguintes: Separacio dos amigos, parentes ¢ concidadios. Privagdo dos objetos de gésto, divertimento ¢ afeicio a que © réa estava acostumado — néo poder gozar das exeeléncias naturais do seu pais — dos espetéeulos — do prazer que as artes costumam oferecer, Perda das esperancas de se adiantar na carreira em que se achava — nfo poder entrar nas promogées militares — nos empregos piiblicos. Perdas no que diz respeito & sua fortuna, desarranjo nos seus negécios, seja no coméreio, seja em profissées Iucrativas. ‘Um mestre, que se tinha exereitado em um certo ramo de manu- faturas, que é préprio do seu pafs, expoe-se a morrer de fome porque noutra parte jé nao tem que fazer. Um letrado versa- dssimo nas leis da sua pAtria, no degrédo, em um pais estranho, tem quase perdido o seu trabalho: um eclesifstico fiea sem exereicio em toda a parte em que se nio admite a Religifio do seu pais. Uma das calamidades que sofre o homem expatriado, 6 ser obrigado a viver entre os povos que ignoram a sua lingua. Rste inconveniente difere muito ua razdo dos individuos, e relativamente as nagdes: para um Francés 6 quase nada; por- que a sua lingua se acha no dia de hoje quase universal entre as nagées da Europa: um Alemio expatriado ainda pode viver entre outros povos Alemies: um Inglés acha a sua lingua na America: um Sueco, um Dinamarqués, um Russo, esto muito mal a éste respeito, Nao falamos das classes superiores: uma 308 Jeremias Bextmax parte da sua educacdo consiste em se aplicarem as linguas estrangeiras; 0 povo em toda a parte mal entende 2 sua Ingua. ee Tudo sio dificuldades, quando falta éste primeiro meio de comunicagdes: ainda quando se chega a aprender os rudi- mentos da lingua para exprimir as necessidades da vida, raras vezes se chega a perfeigio, que 6 necessiria, para sustentar uma conversa: & bem triste fazer na sociedade o papel de mudo; além de estar o homem impossibilitado de entrar em negécio, em que poderia auferir vantage pecunifria. Outra cireunstineia da pena 6 a diferenga de usos e cos- tumes em que se encerram todos os partieulares da vida: objetos fisicos, alimento, habitacio, maneira de trajar, gostos habi- tuais, divertimento, modo de exprimir as idéias, e tado o que perience a Govérno e a uma Religiéo diferente. ste ‘ltimo objeto tem uma grande influéneia sobre as simpatias e anti- paties das pessoas. Os Povos da Europa parecem-se muito nos costumes, principalmente entre as classes superiores: mas wm Indio expatriado seria bem infeliz. ‘Também deve lembrar a diferenca do clima: é verdade que © rén pode mudar para melhor; mas a maior parte dos homens, por efeito de um longo habit, no se dio bem em um pais estranho; ¢ 0 que eu vejo é que a maior parte das pessoas expatriadas atribuem a esta causa a sua falta de satide De todas estas penas nfo hi porém uma s6 que seja absoluia e certa: podem variar infinitamente, e até pode acontecer na balanga dos efeitos em lugar de serem para mal, servirem para bem (1). Exame da pena que consiste em 0 réu néio poder viver onde quiser 19 Relativamente & Economia, estas penas valem mais do que a prisio (falo da prisio no sistema atual, de que se nao Gy den prs, te tn thn enim pane seid Semstte rt sts tae ne Se et sae eases Se Et ores sie op aca Ds “Ts East, tenis Mate bs Soca a he ee cater SRR ig, St ae TeoRIA pas Penas Leeais 109 ‘oma avaliagdo média, 0 seu valor para o Estado 6 negativo: um homem livre trabalha mais do que pode consumir, é de util dade; porque a nio ser assim, nfo haveria o supérfluo, que constitue a riqueza: um homem expatriado (debaixo desta idéia), mem 6 de perda, nem de ganho: 0 seu valor para o Estado 6 zero, 2° Em matéria de igualdade, as trés penas, de que temos falado, so quase igualmente defeituosas — e 0 degrédo para fora dos dominios do reino ainda mais do que as duas. Ser Timitado a viver em um recinto estreito, é uma pena-com pouea diferenga certa para todos, ainda que tenham variedade segundo 65 individuos. Ser limitado a uma provincia, a um distrito fora da sua residéneia ordinéria, é um castigo mui severo para um fabricante — muito pequeno para um trabalhador, e para muitos nem seré castigo. Ser expatriado 6 mais penoso, mas todas estas penas sio muito incertas e muito desiguais: em certos casos absolutamente nulas — em outros casos excessivas. Todas pendem de suposiedes, que nem sempre se realizam (1) * Estas penas sio muito divisiveis quanto & sua dura- céo: mas em relagéo aos diferentes inedmodos, que trazem consigo, sfo tais que o Juiz ax no pode mitigar, nem fixar a quantidade pelas cireunsténcias do crime. Que um réu seja expatriado e que @ste eastigo o prive de todos os meios de ganhar a vida, nfo esté na mio do Juiz remediar o seu mal; ea sentenga por éste modo pode incluir uma pena acidental de indigéneia e de morte. 4° Quanto ao exemplo, a desnaturalizagéo 6 samamente defeituosa: 0 que tem de exemplar é a sua deserigéo: os Ora- dores e Poetas a pintam com sombras medonhas, e The ajuntam uma espécie de terror nominal; mas eomo o seu cariter essen- cial é subtrair 0 réu aos olhos dos seus compatriotas, que exemn- plo podem @les receber do seu castigo? O degrédo para o Reino ainda deixa o delinqiiente & vista de uma parte dos seus (1), eélebre o ato daquele Vencsiano, aue, condo degr®ado pars a Tika de Cindlda, cometeu tan or eine iaperddr fend a ido! Bead ad Para tornar aver oe imuros da tun pitra, © despise’ pela ‘tins Sage ote bale dot seus amigos. Comeqou n_ ler inteigenca. com a Principe ‘devout nagdo contra o Beta, aa certeua de que yor fate crime vevia vale «Vente Pata’ all ser jurtigado,” Gus tormenta, nko’ contin este ert fe Tata gerat s6bre G vaciedade, ¢ cortume da Italie Moore, 110 Jerewias Bextoaw coneidadios; mas 0 mal no primeiro caso nfo é aparente; nio se vd o sinal do castigo; nem se vé outra coisa mais do que infortinios acidentais. 5° Quanto & sua tendéncia para a emenda moral, estas trés espécies diferem muito entre si. ‘A. quase prisio pode ser nociva: deixai o réu no lugar do seu domicilio ordindrio ; se éle esté habituado a freqiientar mas companhias, continuaré no mesmo: néo digo que seja melhor ‘a cadeia, onde é obrigado a viver com gente depravada; mas perigo ainda existe, ¢ 6 bem natural que se abalance a éle por sua vontade. H provavel que o degrédo The fosse ‘itil neste caso; sus- penderia a carreira de suas relagées perigosas ¢ daria outra Gireco a seus maus hébitos; por isso que havia um intervalo, ‘gue nao era senhor das suas ages, por ser vigiado: leva tempo achar cfimplices, que se. arremessem a entrar com outro 10 mesmo crime; ¢ entretanto “hao risco de ser descoberto: quanto mais que, por isso mesmo que 0 réu pelo degrédo se yé no meio de uma sociedade estranha, 6 do seu interdsse ganhar as vontades por um bom comportamento. Os admiré- Veis efeitos que resultam déste meio, so tio claros por si mesmos, que os vemos praticar no govérno doméstico. ‘A expatriagéo 6 mais eficaz para a emenda do que o sim- ples degrédo. Se o réu esté ainda na flor dos anos, em que fécil contrair novos hébitos, se no perdeu o amor & sua reputagio, o tiré-lo de seu pais Ihe pode vir a ser tio dtl, quanto o vai langar em uma sociedade em que nfo tem contra si a opinido dos seus; por éste modo fiea aliviado do péso de ser testemunha da sua deshonra. Mas supondo que leva consigo ‘as suas disposigdes vieiosas, j4 nfio pode ter a mesma faeilidade para as executar; especialmente se ignora a lingua da nacho estranha: as leis que néo conheee, 0 manejo da justiga, com @ qual nfo est familiarizado, tudo isto Ihe deve fazer médo: 0 caréter de estrangeiro, que o expe mais ficilmente a fazer-se suspeitoso, o obriga a ser mais reeatado; nem os roubos ¢ aqui sigdes fraudulentas Ihe ficam tio féceis. Todas estas reflexies © podem determinar a abragar o trabalho, como tinico remédio que Ihe resta. — BORIA DAs PENas Luears aw Segue-se déste exame que sfio bem poucos os casos em que seja conveniente o extermfnio para fora do Reino, Ha certos crimes politicos de uma natureza assaz duvidosa, em que esta pena se pode empregar como meio de romper as relagies de un levantado e de o apartar para sempre da cena das intrigas e partidos, que alteram a paz da sociedade: mas ainda neste ‘caso seré bom nao Ihe cortar inteiramente a esperanca de voltar para o sen pais, logo que pelo seu comportamento dé sinais de arrependido. ‘Todas estas reflexdes escaparam a Becaria: parece que 0 seu fim era aplicar esta pena universalmente a todos os aelitos (1). CAPITULO IX Das penas simplesmente restritivas Depois de termos falado das penas que restringem a liber- dade que tem o homem de poder habitar onde quiser, digamos alguma coisa sobre as penas que restringem as diversas ocupa- gdes em que o homem se pode empregar por escola. Chamo i ente restritivos as que consistem numa proibigto de isto on aquilo, B preciso, primeiro que tudo, nao perder de vista a dis- tinedo, que expliquei no primeiro Capitulo, entre restringir € punir. 0 Cédigo Civil e 0 Cédigo de Policia esto cheios de leis restritivas, que de nenhuma sorte se podem chamar penas. Profbese, por exemplo, vender venenos, profbe-se ter as taver- nas abertas depois de uma certa hora da noite, profbe-se que ningném possa exercer a medicina ou defender eausas, sem passar por certas formalidades: todas estas proibigdes sie meios indiretos contra delitos on calamidades que se pretende evitar. ‘As penas restritivas, neste sentido, consistem na protbi¢do qne se faz a wma pessoa de gozar de um direito comum, ou de um dizeito de que estava gozando: se a proibigdo é sdbre coisas que rendem; se, por exemplo, se tira a um taverneiro a licenga (1) Fratado doe deltor ¢ dae peas, Cap. XVII. 112 Jeremtas Bentwax de yender 0 seu vinho, a um alquilador a Tieenga de alngar seges, tudo isto sio penas pecunidrias, penas muito desiguais, muito pouco econdmicas. Se um homem perde o seu modo de ganhar a vida, o que hé de fazer? Suponhamos que esté estabe- Jecido numa freguesia, e que tem mulher e filhos: é por uma contribuigio aos vizinhos, é castigar a freguesi Se das ocupagdes rendosas passamos fis que so de mero prazer, a Sua variedade é infinita; mas hd um ponto em que todas elas se ajustam, e que nos pode dispensar de as submeter a uma disenssio particular. Nao ha uma s6 de que o homem, ainda o mais habituado, se nfo possa dispensar, sem receber por isso uma pena tio forte que o legislador se possa fiar no castigo. { ‘Tal 6 o espirito humano em matéria de prazeres, que deixa sem maior desgésto um divertimento por outro: wm novo objeto ‘ceupa 0 Ingar do primeiro: 0 gosto vai se afeigoando e se ajeita a uma grande variedade de sitnacio: esta flexibilidade do espirito, esta aptidio para se amoldar as cireunstineias, pode variar muito de individu a individuo; mas ninguém pode de antemfo dizer ao certo, nem avaliar quanto tempo o habito antigo deverd conservar 0 seu império, a ponto de que a sua privaeiio venha a ser uma verdadeira pena. AAinda temos que dizer: Estas leis restritivas seriam de suma dificuldade na sua execugio: teriam necessidade de uma pena subsididria, cujo efeito seria muito ineerto. Profbe o jégo a um individuo, o desenho, o vinho, a miisica: seré preciso. Pagar a um inspetor que Ihe ande espiando os passos, para ver se observa o que Ihe mandam. Em uma palavra, as penas desta, natureza esto sujeitas a um dilema: ou a inelinagio da pessoa, sdbre quem recaem, é forte, ou fraca: se & forte, acharé meios de ilndir a lei; se é fraca, de que serve a lei? E aqui temos a razdo por que raras vezes se empregam estas penas. Sio muito incertas, muito faceis de iludir para servirem de sangdo a uma lei geral, 1 verdade que um Juiz que est a0 aleance de conheeer o cardter e as eireunstineias dos indivi- duos poderia servir-se nestas penas com mais exatidio ¢ até mesmo algumas vezes com proveito, Mas assim mesmo tem eontra si a objecgdo de serem pouco exemplares: a privagio, TeoRIA pAs Penas Leeais 113, que resulta delas, nfo é de natureza que se manifeste: morti- ficam em segrédo; ¢ por isso sio infiteis aos olhos do publico. Este género de penas 6 excelente no govérno doméstico: néo hé divertimento, de que um pai, on qualquer pedagogo se 0 possa servir, ou para premiar, permitindo-o; ou para cas- tigar, privando déle o filho ou 0 disefpulo. Contudo isto, ainda que o constrangimento, que nasee da proibigdo de uma coisa agradavel, nfo possa constituir s6 por si uma pena certa, hé casos particulares em que pode ser con- veniente, ajuntando-he outro castigo. A analogia pode fazer recomendavel wma tal medida: suponhamos que o sujeito esteve inquieto na épera: seré bom que nao torne a ela, senfio pasado um certo tempo. Entre as penas simplesmente restritivas hi uma de que se acham poueos exemplos, e que ainda néo tem nome: consiste em no poder estar na presenga de outra pessoa quando 0 ofensor 6 obrigado a retirar-se imediatamente de todo o lugar em que se pode encontrar com o ofendido: a simples presenga de um 6 0 sinal que deve fazer desaparecer 0 outro: suponha- mos que a parte lesada entra num baile, num eoneérto, num pargue de diversées, num passeio piblico: 0 sen agressor deve retirar-se no mesmo instante, Esta pena me parece a mais excelente que se podia inventar para castigar insultos pessoais, para envergonhar a caliinia; em uma palavra, a mais acomodada a todos os delitos, que tornam especialmente desagradavel a presenga do eriminoso, e 0 que o fazem objeto de mortificagio para o ofendido. & preciso advertir que nesta pena nfo entram os lugares que o réu é obrigado a freqiientar para exercer as suas ocupagées habituais, ou para desempenhar os seus deve- res: as Igrejas, os tribunais de justica, as pracas piiblicas, as assembléias politieas se oferecem logo como excegdes necessi- rias. Aparecem exemplos desta pena nas sentencas dos Parla- mentos de Franca: citarei simente uma, que foi dada contra um certo Aujay, por ter insultado uma senhora de bem: entre outras penas era obrigado a retirar-se de todos os lugares em que aparecesse a dita Senhora, ¢ a sair logo que a visse, sob pena de castigo corporal (1). (2) Geuses edtebres, Tomo IV., pig. 307, 14 Jeremias Bentuaw Acha-se igualmente na Intriga do Gabinete 0 relatério de uma querela contra Madame de Mont-bason, e a Princesa de Condé, em que a primeira tinha rompido em grandes deseom- posturas contra a segunda — a Rainha Ana d’Austria Ihe proibiu que se nfo demorasse um s6 instante em qualquer lugar de assembléia, em que se achasse a Princesa (1). As leis de Inglaterra nos oferecem alguns exemplos de restri¢io contra pessoas que se nfo consideram como delingiientes. Os Catélieos no podiam exereer o oficio de Letrado, nem a Medicina, Toda a pessoa que niio quer receber ox Sacramentos, segundo o rito da Igreja Anglieana, ¢ exclnida de todos os oficios piblicos: falo da lei, nfo falo de fato; porque no dia de hoje muitas pessoas de uma comunhio diversa tém empregos civis, ou militares, e os exercitam por meio de uma licenga que sio obrigados a tirar todos os anos: ¢ uma seguranga precdria no Gireito, mas que, estando firmada pelo uso o costume de wn séenlo, j4 nflo pode fazer inqnietacho, Semelhantes restrigdes nfo se estabeleceram como penas: siio precaugées, para que os individuos, que estéo aferrados a certas idéias, nfio ocupem sem distingao uns tantos empregos, quando ha receio de que possam abusar: pelo mesmo esta é a raziio politica que se costuma dar; mas a verdadeira causa evra a animosidade religiosa; eram atos de antipatia. Outro motivo est4 no interésse: a exelusio de uns é de mereé para os outros. Os que tém o diveito servem-se déle para encobrir suas paixdes, de sorte que as leis restritivas, estabelecidas pela aversio religiosa, conservam-se pela injustiga: a coueiéneia errnea comeca a perseguigio, 0 interésse do ganho e avareza sustenta © érro, ainda depois de ter acabado o primeiro motivo: ¢ justa- mente o caso de Irlanda, em que se conservam ainda leis restri- tivas contra os Catélicos a beneficio dos Protestantes: ¢ um milhdo de homens que exercitam um monopélio de autoridade e de Ingares de grande rendimento contra uma populacao quatro milhdes, Quando as leis perseguidoras vém a ser pri légios para os que perseguem, ¢ muito dificultoso abolir essas leis. A avareza tem um jeito particular para se encobrir muito tempo com a mascara da Religio. @) D’Anqueti, Tomo 111. TuortaA pas Penas Leaars us ‘Ainda que estas restrigées se nfo estabelegam eomo penas, ¢ que uma lei geral nfo deva escandalizar ninguém em par- tienlar, sempre ha neste caso uma excegio injuriosa para uma certa classe de pessoas; verdadeiramente injuriosa, por isso que as supde perigosas e mal intencionadas: é um alvo, a que 0 prejutzo piblico atira sempre e 0 Legislador, que promnncia estas inhabilidades, nfio fazendo muitas vezes mais de que acomodar-se contra sua vontade a um édio de passagem, o fax arraigar por éste modo, e o torna permanente. Sao restos de ‘uma doenga que foi universal, e que ainda depois de convalesear 0 doente, sempre fia com a pele toda em costura, que se nio pode tirar. CAPITULO X Penas ativas, ou trabalhos forgados As penas ativas consistem na obrigacio imposta ao réu de fazer uma coisa, ou muitas, para que tem repugnincia. Rste modo de punir é diferente de todos os mais por uma eirans- tancia notavel. O castigo néo é dado pelos outros; o réu é que se castiga a si mesmo: é preciso o concurso da sua yontade; mas 0 que determina esta vontade ¢ uma pena maior, com que o ameagam ; ¢ como se vé entalado, nfo tem mais que sujeitar-se a0 castigo (1). ‘Uma ocupagdo uma série de atos da mesma espécie, on qne tendem ao mesmo fim. Considerada em si mesma, oeupa- cio na sua primeira instineia pode ser penosa, agradavel, ou indiferente; mas, em continuando além de um certo tempo, enfada, e se fax aborrecida: isto é em tudo, sem exceciio; ¢ tanto as coisas no seu prinefpio dio maior prazer, enquanto se tornam mais penosas pela continuagio, ¢ ainda mais do que as que so naturalmente indiferentes (2). Para fazer agradavel a soma das suas ocupagées, todo o homem, por conseqiiéneia, deve ter a liberdade de poder mudar (2) Vojamse at penas subsidies, Cap. XV, (2) Comer vas & goralmeate falundo, ume ccupacto agradével: apanhar ‘eachon, pode ser indifereniey mas a primeira’ ex pessando uma, ou duae ‘horas, “uuportivel: a segunda, ainda depois de imuitas horas, pode ser indiferenta, ted lite false assim. 116 Jeremias BENTHAx de uma para outra muito a sen sabor: toda a ocupacio forgada constitue, por conseguinte, uma pena, As penas ativas podem abragar todos os trabalhos pos- siveis em raz&o desta regra; mas foi preciso escolher aqueles que podem fazer todos os réus, porque nio pendem senio de exerefeio das forgas musculares, ou de uma habilidade que facilmente se adquire, Escolheram-se também ésses trabalhos em razo da sua utilidade: beneficio colateral em adigho a0 que se espera da pena considerada como tal. Entre as ocupacdes penais uma das que estio mais em voga € 0 remar: éste exereivio nfo pede mais do que fora de bragos e andar acostumado. Hf certas embarcagdes maiores, que podem navegar ao largo, e que sio construfdas de sorte que seguem o rumo a poder de remos, ainda sem forga de vela. Bste trabalho 6 mais desagradavel em si, do que ser marinheiro, porque tem menos variedade. Os remadores, além de irem sentados, andam em ferros, por via de regra. Estas embar- cagées chamam-se galeras, e, os remadores, forgados das galés, Os Ingleses no usam déste castigo: onde tem mais uso 6 nas costas dos mares em que hé menos tormentas, como no Medi- terréneo, Adridtico, ete. Em muitos paises hé o costume de empregar os malfeitores em diferentes trabalhos pablicos: limpar os portos, ou as ruas das cidades; fazer estradas, fortificagses; cavar nas minas. © trabalho das minas é uma pena legal na Ritssia e na Hungria. As minas da Hungria sio de azougue: os maus efeitos déste metal sdbre as pessoas que lidam com éle, so 0 motivo de que a lei se vale para sacrificar os eriminosos. Magar o linho (*) é uma das ocupagSes mais ordinérias, em que se empregam os réus de ambos os sexos em Bridewels, na Inglaterra. A obrigagio de trabalhar pode ser indeterminada ou espeeifica: chamo indeterminada a que nao tem limitagio de tempo, nem tarefa certa, tanto na quantidade da obra, eomo na sua qualidade, que sujeita todas as faculdades do individuo a um superior que faz inteiramente seu tudo quanto pode render o trabalho alheio. Chamo espeeffica a obrigaedo limitada quanto ao tempo, quantidade, ou qualidade do trabalho, yO linho, depois de some se dia ab sly tiapee primase erescido, monda-to, arranoase, ripa-se have, aisedavse, finan, curate, teoese. | TeortA pas Penas Leaars uz quanto & natureza das penas subsididrias, a que o superior pode cbrigar o servo a trabalhar. Hé casos mistos, em que esta obrigagéo 6 indeterminada a certos respeitos, e especifiea a respeito de outros. Ha em Varsivia, se as coisas no tém mudado depois das ‘iltimas. revoluedes, uma prisio em que os delingiientes estao sujeites a trabalhos partienlares, determinados por Iei ou cos- tume. Entretanto, qualquer pessoa pode pedir 20 inspetor 0 arimero de press que sao necessérios para o seu trabalho, e que Ihe so concedidos por um certo tempo segundo 0 ajuste e preco que se estipula, dando cancio de os apresentar no fim do tempo. Sio ordinariamente empregados em trabalhos grosseiros, como cavar pocos, transportar terra; e enquanto assim andam servindo, sio guardados por um ou por muitos soldados. O mesmo uso se acha estabelecido na Rassia (1). Esta distinefo entre trabalho indeterminado e especifico, pode ilustrar-se com dois exemplos tirados das leis de Ingla- terra. Para o especffico temos os malfeitores condenados aos tra- balhos do Tamisa. A Ordenagio determina a espécie ce seme- Ihantes trabalhos, que t¢m por objeto facilitar a navegagHo do rio; e determina, além disso, a pena subsididria — os acoites. Para o trabalho indeterminado temos o degrédo para Botany- Bay, em que, havendo limitagio de tempo, é sem limites e sem restrigio, quanto A natureza dos trabalhos e penas subsididrias. As penas ativas nfo s6 obrigam o réu a fazer uma coisa, ou mmitas, para que tem repugnincia, mas podem proibi-lo de fazer o que éle deseja: estas duas partes da pena sio inse- paraveis. O simples valor do prazer. que perde 1m indévfdnn por uma oeupacio forgada, é igual & soma de todos os pra- zeres de que poteria gozar, se estivesse na sua liberdade. As penas ativas exigem que o individuo nfo possa sair de um certo Ingar, em que o trabalho se deve fazer: & necessirio que esteja ali, e nfo em outra parte. Nos trabalhos dos portos, das estradas, das fortifieagdes, hd uma quase prisio. Nas galés, nes minas, nas ocupagdes sedentérias, ajunta-se a pena de (0 Abade Camps, ingens, aque, carer § term ats uma ceria profandiiady pedira’ dost Wstes miserdvein {Sudo thee ado. algum.Ainheira pare beber, ict 9 empregaram sm embriagar uardas, ¢ fugizam. Vol 1, pig. 143. =

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