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A metamorfose do poder fitico em juridico, a primazia do elemento farual ja denotam indicios de abandono do contraste fundamental entre ser € dever-ser. A teoria do direito & luz do primado do dircito internacional & ‘quase uma ciéncia do “ser” normativo. Na mesma época do parecer, Kelsen s¢ ocupa com investigases sociol isticas no direito primitive (Almac Direito, 1936), discute o amor platSnico numa perspestiva a (Die Platonische Liebe, 1933) e comesa a introduzir nos estudos do tepertério emp, por exemploy a nogto de cualidae de precisadas na Teoria Pura de que o direivo somente podia ser objeo de estudo normativo Com efeito, na fase neo-kantiana da Teoria Pura do Direito, Kelsen comhecimento do objeto, afirmars seguindo a posicio ‘gnoseol6gica da escola nco-kantiana de Marburg, 0 mesmo objeto nio poder’ ser estudado por muitos métodos. Disto resulta ter a citacia do direito de adotar um método extritamente normativa, deixando de lado a verdade das ppretensbes emplricas (cf. Das Problem, p. 10). E provavel, assim, sero parecer ‘em estudo uma das mais precoces evidéncias do futuro abandono da razio transcendental por parte da Teoria Pura. De fato, somente na perspectiva do direito internacional ¢ possfvel encontrar uma regra de producio que eleve 0 ‘momento da facticidade a.um principio juridico. Af esti um exemplo de realismo jurfdico quando se parte do principio da efetividade - “principio universalmente reconhecido do direito internacional pelo qual, mesmo um governo, tendo originariamente ferido a ordem juridica, esta ruptura dando- se apenas na perspectiva do direito estaralisolado, pode-e tornar legitimo do ponto de vista do direito internacional, se adquirir no Estado permanente estabilidade ¢ contar com reconhecimento geral” (Das Probelm, ob. cit, p. 240). E deste ponto de vista, que nfo é bem o deste mundo codificado nas constituigdes nacionais, que Kelsen contempla 0 primado do direito 24 internacional chegando a resultados surpreendentemente realistas neste parecer. Se, para explicar a criagSo de um novo direito, se recorre 20 fato de lusSo vitoriosa, nfo seria 0 caso de abandonar o enfoque pu normativo, adotando-se a perspectiva realista da efetividade do di Faveria alguma representagio juridica para novo com 0 anterior, destronado por uma revolucio, sem que a expli ica tropece na realidade do poder efetivo? A recusa de inscrever 0 direito ividade defxa deter sentido quando, como neste admirivel trabalho, ito e o Estado sio encarados sob um ponto de vista eles estranho, ou A COMPETENCIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL ‘CONSTITUINTE DE 1933/34 (Um texto de Kelsen sobre o Brasil) HANS KELSEN* Respondo aos quesitos, no do ponto de vista politico ou de direito natural, mas exclusiva e unicamente do ponto de vista do direito positiva. ‘Deduzo as minhas conclusdes admitindo que para a situago e competéncia a Assembléia Nacional Constituinte nfo pode ser considerada outra norma de direito que o Regimento 22.621, de 7 de abril de 1933. * Quesito I (© Governo Provisério, por Decreto 22.621 de7 de abril de 1933, baixou ‘0 Regimento da Assembléia Nacional Constituinte 1, © Governo Provisério, que & governo de fato, originado de uma revolucio, tema o direito de impor um regimento 4 Assembiéia Nacional Constituinte? * Antigo Professor da Universidade de Vena, era Catdréico da Universidade de Colénis,quan- do se vu obrigade a deiar a Alemanka em virtde dos aconteximentospoltcor ocorridor nat cele pas 25 2. O fato de ter 0 Governo Provisbrio imposto um regimento & no poderd a dita Assembléia rejitaro regimento, adotando um que for por cla elaborado? Resposta 1, Nao existe diferenga essencial entre um governo de fato e um governo * em direito das gentes e menos ainda no dominio do direito conititucional. Admitindo que Governo Provisério a maisalia autoridade legislativa que sain diretamente da revolusao, sem dtivida daquele governo depende determinar a convocacao ¢ a competincia da Assembléia Nacional Constituinte. 2. A promulgagio do citado regimento nfo si “soberania” da Assembléia Nacional Constituinte. A concepgio da soberania, no verdadeiro sentido da palavra, de nenhum modo pode ser enquadrada no dominio do direito positivo. Nem mesmo o Estado como tal é soberano, pois acima dele se encontra o direito das gentes, que Ike confere direitos e obrigases. Ainda menos se pode dizer de qualquer érgio do Estado que sea soberano. Quando. Assembiia Nacional Constituinte, sei se ela possui as qualidades de um érgio origindrio e supremo, 2 quem cabe fazer as leis e cuja competéncia & ilimitada. Seria, entio, s6 0 caso de uma Assembléia Nacional Constivuinte que tivesse sido originada diretamente da revolusao. Mas isso nfo se da. A existincia legal ea competéncia da Assembléia Nacional Constituinte fundam-se no regimento de 7 de abril de 1933. Ela é uum érgio criado por um outro érgio e formouse pelo ceminko legal. Nio pode mox s0.a circunstincia de a Assembléia ter o nome de “Assembléia Nacional Constituinte". Deste nome no podem ser deduzidas quaisquer qualidades de direi 3. A Assembléia Nacional Constituinte nio possui outros direitos além dos que lhe foram outorgados pelo Regimento de 7 de abril de 1933. Por isso cla nio tem o direito de revogar o regimento e subst regimento obriga a Assembléia Nacional Constituinte no sentido em que Ihe regula afuncio e especialmente Ihe determina a competéncia, O regimento 216 éum elemento essencial da organizasio naquele tempo vigente. Em rclasio quela organizagio, a chamada Assembléia Nacional Consticuinte nfo tem 0 cardter de criadora da Constituigio, mas de executora da elaboragio da Constituigio. Ofendendo as disposigSes do regimento, ofenderi assim a ‘organizacio em vigor. Em dependéncia das circunstncias poderd valer isso como uma tentativa para, por meio da revolugao, tornar-se um. drgio sob todos os pontos de vista constituinte, isso ¢ origindrio e supremo eriador da Constituigio. Quesito IL he discutir ¢ votar cualqver ‘projeto de lei". A Nacional Constituinte deverd tratar unicamente das questdes dos atos do Governo Proviséri nfo representa nova ofensa & soberania 2. A eleigio do Presidente da Rep’ faz prejulgar a adogio obrigatéria, pela Assembléia Nacional Con do regime “republicano”, regime de novo imposto pelo Governo Ps ‘inte nem é soberana, no verdadeiro sentido da palavra, nem é érgio origindrio e supremo eriador da Constituicéo. 2. A disposicdo do Regimento de 7 de abril de 1933 que se refere & eleicio do Presidente da Republica significa igualmente a |i da competéncia da Assembléia Nacional Con 0s poderes para adotar s8 uma constituigo forma de estado, 0 teor da futura Constituigéo est Regimento de 7 de abril de 1933. jince em vista de que esta tem Quesito II O art. 14 do mesmo decreto, dispondo sobre a forma do compromisso a ser prestado pelos deputados 4 Assembléia Nacional Constituinte, contém © compromisso de observar a Constituigio “Federal” que for adotada. 1. A expressio Constituigio “Federal” nio faz prejulgar a adogio obrigatbria pela Assembliia do regime “federativo"? 2. A imposigio do regime federativo mio representa nova ofensa 4 soberania da Assembléia? Resposta 1.€2. 0 que foi dito respeito do quesito I, 2°, referee igualmente a0 cardter federativo da futura Constituigio. Aquele carter representa, do mesmo modo que a forma republicana do Estado, uma limitasio & atividade legislativa da Assembiéia Nacional Constituinte. Ultrapassar o limite significaria a quebra da organizasio em vigor. As disposigbes do Regimento de 7 de abril de 1933 que se referem 3 forma republicana do Estado ¢ 20 caréter fedecativo da futura Constituisio sio previstas, no diceta, mas indiretamente. £ um método j récnico que, apesir de ser muito duvidoso, é sempre possvele, infelizmente, representa, nio raro, 0 dar expressio & vontade legislativa. Quesito TV Um Governo Provisério, originaco de uma revolugio, que no tinha i “permanente”, tendo nfo tem por essa circunstincia transmitido a plenitude de seus poderes& dita Assembiéia, que se tornatd assim soberana? 21s. Resposta [As capacidades do poder de um governo originado de uma revolusio fo podem ser determinadss do poato de vista do dircito positivo pelos Epes le ete ce et ree vmade por meio revoluciondrio possi os paderes que quer possuir sob a condigao de que posse obter geralmente a obediéncia as suas prescrigbes. E 0 principio da efetividade ‘positive. A indicagio sobre as intencBes do movimento revolucionério nio é fundamento suficiente para que possa obrigar o governo a transmitir a totalidade dos seus poderes a uma Assembléia Nacional Constituinte por ele préprio criada. 219

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