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Joie Almino , pour OS DEMOCRATAS AUTORITARIOS Liberdades individuais, de associag&o politica e sindical na Constituinte de 1946 RETOMBADO 0300084281 VINA Capitulo 1 A CRITICA DO FASCISMO E DA DITADURA ‘A OPOSICAO AO DITADOR \ Lutar contra o fascismo internacional Desde 1942 0 Brasil estava em estado de guerra com a Alemanha, apesar de nfo haver ainda enviado tropas, o que s6 faz a partir de meados de 1943. A partir do momento em que o Brasil entra em std em condigdes ia de uma unido : uma unigo con- idéia da “unio nacional”, ou de “todos” em tomo do governo, em torno tra 0, fascismo internacional. Ainda em 42, (© embrido do que vem a ser a oposig&o liberal. Neste ano, realizam-se, por exemplo, pas- seatas estudantis antitotalitarias. A temética, neste momento, é, porém, ainda inteiramente voltada para o cenério internacional. Lutar contra o fascismo interno Na primeira metade de 1943, persiste a idéia ‘A linguagem liberal, por sua vez, se torna mais rica, na_m que se desenvolvem os trabalhos da Sociedade dos Amigos da América © em que, com a re desse ano, do VI Congresso da UNE, se fala jé em ata 10 internamente. Nao se falava, po- rém, claramente em ataq smo, posto que ai a idéia de “unio (OS DEMOCRATAS AUTORITARIOS 19 nacional” também prevalecia. O ataque se dirigia ao fascismo quinta- colunista ou integralista. Dois meses, porém, apés a entrada efetiva do Brasil na guerra, a linguagem liberal desenlaca uma ofensiva maior com © “Manifesto dos Mineiros”, de 4 de outubro de 1943. |. Lutar contra 0 Governo, contra a ditadura: © Manijesto dos Mineiros © Manifesto traga um paralelo entre a luta internacional contra 0 ¢ a politica interna do Br ‘Nagées Unidas, para que sejam restituidas 1 todos 0s povos, certamente néo pedimos demais, reclamando para nnés mesmos os direitos e as garantias que as caracterizam”. A problemética moralista do Manifesto A critica do manifesto ao regime instituido é principalmente mo- sive, vista como elemento que contribui para a prosperidade econdmica, i “em outros paises, assim como vinha seguidos sem 0 sactificio dos direit serem:peculiares a formas autoritérias de Governo”. documento re- conhece que ““o Brasil esta em fase de progresso material e tem sabido mobilizar muitas das suas riquezas naturais, aproveitando inteligente- mente as realizagdes do passado ¢ as eventualidades favoriveis do presente”. © aspecto moral ndo pode, diante da prosperidade materi ‘ém, ser reduzido a um segundo plano iluséria trangiilidade © a paz su- perficial que se obtém no banimento das atividades cfvicas potiem parecer propicias aos negécios ¢ a0 comércio, ao ganho, e a propria prospe- ridade, mas nunca benéficas ao aprimoramento € & dignidade dos povos”. 0s valores democraticos do Brasil so os valores cristios (0 Ma- nifesto fala da base “moral e crista” da democracia). Sio também os » ‘A DEMOCRACIA DO FUTURO Brasil pertence & cultura ocidental ¢ dela no se poderé Exatamente porque nosso destino esti de mancira indis a0 do Ocidente, nés sofremos a flutuagdo dos seus valores morais € espirituais” —+> Uma democratizacdo da economia ‘Se o Manifesto, de um lado, exalta a imp. morais” diante do “progresso mater tagio isolada, mas por movimentos de ago converget uma reforma democrética que, sem esquecer a liberdade espiritual, co- ligamos a renovacio espiritual do regime democrético. Quanto a sua renovagdo econdmica, toda a gente sabe 0 que significa. Sua culpa moral ¢ sua inferioridade — que ao préprio fascismo dé oportunidade de fazer valet um arremedo de idealismo — residem no dominio do dinheiro, que, |_ Brasileiros, no s6 das capitais, mas de todo o territ6 I". ~~ _B interessante observar, porém, que, apesar de o Manifesto tratar da questio da democratizagéo da economia e apesar de cobrir uma grande parte das chamadas ides do individuo” (mencionando a iberdade de pensamento, 0 de voto © 0 habeas-corpus), no se refere, em nomento algum, tbalhadores, a sindicalizagao, ao di- srsess des seseeTEEseeeeTETESEEOD OS DEMOCRATAS AUTORITARIOS a reito de organizagao auténoma dos sindicatos. Esta questo é, portanto, ignorada pelos liberais no principio da elaboragio de seu projeto demo- crético nos anos 40. Definigéo de democracia ‘A democracia encontra sua definigéo em sua base moral_erist ‘A base mo- ral do fascismo assenta sobre a separacdo entre governantes e governa- dos, ao passo que a base moral e crista da democracia reside na mitua © confiante aproximagio dos filhos de uma mesma pétria, na conse- lente reciprocidade na prética alternada do poder, ¢ na obediéncia por parte de todos, indistintamente”. © passado © Manifesto no usa uma linguagem de que esté pensando na cria- te nova para o Brasil, mas, ao contrétio, “retomar consciéncia de um patriménio -consciéncia de determinados Prinipios ‘tsa, por outto lado, que nfo esd anterior & Revolugdo de 1930: “Néo que desejamos voltar aos vicios das corganizagies € préticas A critica @ ditadura como concentracio do poder nas maos de um home Discorrendo sobre as préticas anteriores & Revolucio de 1930, as que, de posse do poder, como se suas prOprias prender, nomear e demi nhoar dedicagées pessoais, com que armavam e mantinham méquinas eleitorais, destinadas a corromper a expresso dos sufrégios populares 2 ‘A DEMOCRACIA DO FUTURO imento das nossas melhores vocagées poli- ticas. Condenamos, com firmeza, os eros, as corrupgées © os, abusos do regime transposto definitivamiente em outubro de 1930, Mas se um esses abusos, aquele que, antes de todos, deveria suscitar a Rev foi precisamente o da hipertrofia do Poder Executivo, manifestagao vica do poder pessoal, nunca suficientemente condenado no Impétio e, da chamada Repiblica Velha, caracterizado pela rema do Governo ¢ da politica nas maos de um jjoso de perpetuar-se mediante indicagio de um entre aqueles erros, os mais apontados entendiam com 0 traduzida em sufrdgio, e com a opressao de estados de sitio de duvidosa legitimidade e de excessiva duracio, € que, recusando-nos a volver a0 passado, impossfvel nos seria aceitar como definitiva qualquer ordem politica na qual, para evitar a defrau- dagio de sufrdgios, se fechassem as unas, para prevenir o estado de sitio ilegal, se fizesse legal a sua petpetuidade e, por derradeiro, para obstar & hipertrofia do Poder Executivo, fosse este transformado em poder constitucional realmente ‘inico”. ea impedir o livre dese —\ Ditadura como hipertrofia de um poder central diante dos Estados federados a “federagio” ¢ da “democracia” andam juntas em vérias pas- sagens do Manifesto, 0 que dé a entender que a luta pela democracia € vista também como uma Iuta dos Estados federados contra um Poder as restrigdes das liberdades piblicas e privadas” (grifo meu). As pa- (OS DEMOCRATAS AUTORITARIOS B favras da mensagem “foram buscar inspiragao no passado, porque nele Procuram assentar a constincia de sua regéncia politica os que, entre 16s, por uma errénea interpretagio da Hostéria, nele somente vislum- bram algumas nao contestadas vantagens da centralizagdo administrativa mntar para os males, de muito maior extensio, que thes s jobretudo para a sua fatal tendéncia a usurpagoes de sobert Manifesto esta transcrito no livro de Orlando Cavalcanti, Os Insurretos de 43, p. 33 a 44, Ver também Ca- rone, A Terceira Reptiblica, p. 76 a 81, € Mello Franco, A Campanha da UDN (1944-1945), p. 103 € segs.) ‘A OPOSIGAO DO DITADOR ‘Vargas responde a0 Manifesto dos Mineiros pouco tempo depois, quando da inauguragdo do novo prédio do Ministério das Finangas (ver parte do discurso reproduzido em Dulles, Vargas of Brazil, p. 252 ¢ 253). Percebendo a forga dos acontecimentos, no processo de abertura poli utiliza a linguagem da democracia, da liberdade, Apés referir-se a0 de que todos 0s esforcos devem ser ditigidos para vencer a guerra, Var- gas afirma yma atmosfera de paz e de ordem, com o méximo de garantias p: estrutura i inteiramente 0 desejo do povo”. , apenas um retoque, a na ideologia corporativista fonunciamentos de Vargas (ver A Nova Politica do Brasil) deixa bastante claro que a idéia que 0 ditador faz do Estado Novo é a de um regime que, embora sendo de & necessidade de “resolver alguma forma excepcional, melhor se is do povo brasleir “modernizar o Brasil”. Coerente com estas idéias, Vargas afirma, por exemplo, que, para as classes trabalhadoras organizadas, deve-se dar prioridade em procurar uma representanco nacional. Estaria aqui ex- presso 0 desejo de criagdo de um partido operirio? Nada provével que intengio do ditador. Sua idéia mais consoante com “n6s deveremos ajustar a nossa \ ‘A DEMOCRACIA DO FUTURO realidade, a linguagem do corporativismo *, posto que 6 interessante observar q reacionéria, Estas posigdes do ditador 5 mento, ¢ de procurar legitim: frases de Vargas em que este afirma como a que atravessamos, com tantos im que foi constituido. Marcondes Filho acrescenta, na linha da ideologia fascista do produtivismo, que a Carta de 37, com grande vantagem so- juz a idéia de um corpo harmonioso, no seio do qual nfo conflitos sociais; de uma sociedade orgtnica, em que os , através de suas categorias profissionsis, no Estado, (OS DEMOCRATAS AUTORITARIOS 25 econémica”. ‘Marcondes Filho menci dente © cita Vargas, 20 urgente, 6 vencer a independéncia politica, “Devemos, sem dévida,” diz 0 Ministro do Trabalho, no pasado, e reler documentos que nos legaram os, universal e as vésperas de um novo € influéncia nenhuma nacionalidade po- os problemas da nossa vida econdmica Jdade do solo e ae instinto de procria- to © problema social dormitava nas senzalas. fa honra dos nossos maiores, € que os ver- quele tempo patriarcal, abandonando o Im- ignorado ciclo histérico, deré sonegar-se. Naquela vividos hé mais de um século, justamente personalidade ‘o mundo atravessa a maior leo, a maior crise econdmica, depois de agora que, no dizer d crise militar depois d pais, nem a necessidade de se resolverem os problemas materiais do povo e da nagio brasileira. Afirma Marcondes Filho: “Os que assim~ sacrificavam prerrogativas do povo e cancelavam destinos, © apesar disso, ainda agora persistem em retomar aos ideais de que viveram, ¢ em que nacionalismo do Presi-" | 3 lace 26 ‘A DEMOCRACIA DO FUTURO falharam, nfo conseguem carta de crédito para se dirigir ao homem da ua, oferecendo direitos que sempre Ihe recusaram, nem para abrir ca- minho aos mogos de corpo ¢ de espirito, cujos lugares se apressam em ccupar. Os que, jé depois da Rerum Novarum, resistiram as transfor- ‘magées sociais reclamadas por indoméveis imperativos da justica ¢ da solidariedade humana, ¢ ainda hoje afirmam que a organizagdo das lasses entre n6s se afasta da espontaneidade histérica — como se fosse a hist6ria que engendrasse o acontecimento — continuam impermedveis a evolugio do pais, © sem ascendéncia para preconizar movimentos pi- blicos de uma ao convergente, que promete ignorar o Direito Social, que a todos abrange, ¢ 0 problema econémico, de que todos dependem, habitantes, garantiu um salério mfnimo a todos os trabalha- "grou as classes no convivio da nacdo, resolveu o problema tro da ordem © do espirito compreensivo da gente brasi «, estabelecendo as bases da autonomia econémica do pais, fundo dadeiramente a autonomia politica, porque esta, sem aquela, serd sem- pre fragilidade ou ficcio”. Marcondes Filho responde, A idéia contida no Mani- is autonomia aos Es- ado do separatismo, ue nfo favorece a sobrevivéncia, mas o desmembramento; repete a absurda doutrina que enfraqueceu o pais durante a primeira Repiblica, retendendo sustentar que 0 todo se fortalece com a independéncia das partes”, Esto aqui os embrides da ideologia que vai marcar todo 0 pe- riodo, na medida em que, como jé foi mencionado, 0 Partido Comu- nista_apontava para a idéia da unio nacional em tomo do governo; fem que os liberais falavam de democracia, conseguindo detalhar todos (8 aspectos dessa democracia formal, mas nfo se referiam ainda & orga- nizago da classe operéria; © em que os governantes comecavam a utilizar a linguagem da democracia sem, porém, esquecer os aspectos OS DEMOCRATAS AUTORITARIOS a corporativistas do Estado Novo, que subordinavam a classe operéria a tutela do Estado. TENDENCIAS LIBERAL-SOCIALISTAS oe © didlogo politico, no primeiro semestre de 1944, segue o padrao’ 54 esbogado em 1943, com os liberais, de um Iado, manifestando seus ataques ao regime, ¢ com Vargas, de outro, reiterando sua intengéo de democratizar o pais (ver, por exemplo, discurso pronunciado em abril de 1944, in A Nova Politica... Apenas um elemento novo é digno de nota: as postulagdes do movimento estudantil aprofundavam a critica liberal. O discurso do , em margo de 1944, funde as cores do na- ,, numa linguagem ant cano que tio poderosa cont nias totalitérias, e a0 grande ‘no data de hoje, mas sempre americana ¢ que nada mais visam seno.a manutencéo de tiranias oli- Rrquicas em outros paises, sob a sua dependéncia, para assegurar seu Democracia ¢ na- predominio na economia ¢ na politica continent cionalismo consequente, em um pais como 0 uma s6 ideologia” (Carone, 4 Terceird..., p. dos mineiros, ¢ como que respondendo & contraofensiva de Vargas, 0 seu ponto de vista com relagio ldo, nés no somos saudosistas. trabalhadores” (p. 86). Em 1944, alguns viam em maior profundidade © proceso de democratizagfo a 2 ‘A DEMOCRACIA DO FUTURO Germinal Feij6 integra depois a Uniéio Democrética Socialista, a Esquerda Democratica e 0 Partido Socialista Brasileiro, entidades, sem divida, sobretudo a primeira ¢ a Gitima, fortemente preocupadas com as questdes centrais para o funcionamento da democracia, tais como a da organizaco da classe operéria. O que € preciso frisar, entretanto, é que estas organizagdes nfo tiveram suporte popular ¢ no estiveram no centro das discusses que marcaram o periodo 44-46, Sua expresso po- litica era limitada e tiveram pouca influéncia nos debates da Constituinte. A Esquerda Democritica, criada no Rio de Janeiro em 1945, estava, na realidade, ligada ao partido que encarnava o liberalismo ¢ que fora cria- do nos primeiros meses do ano — a Unido Democrética Nacional. Seu programa politico compreende uma mesclagem de idéias nem sem- pre compativeis (cf. Carone, A Terceira..., p. 433). A Unido Demo- crética Socialista € formada em 1945 por uma ala de um movimento ~ que atuara clandestinamente contra a ditadura na Faculdade de Direito revelava a sua crenca, presente também em outros se brasileira, de que 0 caminho da democracia esté n: apenas a Esquerda Democrética conseguiria eleger representantes para 1 Constituinte (dois deputados) ¢, mesmo assim, nio através de legenda propria, mas sob a legenda da Uniéo Democratica Nacional. Capitulo IL 0S APOL{TICOS DA POLITICA MILITARES PARA MANTER O REGIME E NOVAS BASES PARA TRANSFORMA-LO No segundo semestre de 1944, com a queda de Oswaldo Aranha fem 24 de agosto, quando justamente ia ser reempossado na vice-presi- déncia da Sociedade dos Amigos da América, aumentaram os ataques a0 regime. O proprio General Gées, um dos artifices do Estado Novo, que estava no Uruguai, e ficara ievitado com os acontecimentos, com- provava que os militares do Sul queriam efetivamente a democratizagio sm 1.9 de novembro, No do mesmo més, Vargas fez um pronunciamento ao invés de colocar de democratizagfo do pais, preterit falar de aspectos da ética do pensamento que prevalecia ent colocada no fato de que o Estado Novo pe ", a industrializagdo e a descoberta do petréleo, tendo corres- pondido ‘a um dos periodos mais significativos da Histéria do Brasil x ‘A DEMOCRACIA DO FUTURO linguagem vai ter que ser, pouco a pouco, redefinida, na medida em que estas se ‘nunciamento acidentes. de estabelece pa (Dulles, p. 256). Em fases sucessivas, 0 ditador tando firmar novas aliancas. A contra-ofensiva liberal, por sua vez, continua: em dezembro de 44 0 ex-tenente Juarez Tévora ¢ Virgilio de Mello Franco articulam, ‘com a mesma ténica de outros pronunciamentos liberais liza-se o Primeiro Congresso Brasileiro de Escritores. beral cresce na imprensa em fevereiro (ver, por exer] Correio da Manha de 1.° de fevereiro de 1935). cedida por José Américo a Carlos Lacerda, deste jornal, em 22 de fevereiro, pressiona os acontecimentos, embora se inscreva jé, de fato, nna abertura relativa do regime, que se formaliza com o Ato Adicional de 28 de fevereiro, quando, em face da ofensiva liberal, o ditador re- si @ condugio do processo de abertura democritica. 0 lece a liberade de imprensa, cria formalmente uma nova a qual passaria a ter papel um Parlamento e estabelece um rocedimento realizagio das eleigdes, tanto parlamentares quanto do Poder Executivo, O Ato é duramente criticado pela oposicdo liberal, para a qual estas reformas, que se realizam no quadro da Constituigao autoritéria em vigor, nada mais representam que uma manobra conti- nuista do ditador. Explicando-se em pronunciamento a imprensa, Vargas Procura assumir a postura antifascista e mostrar que, na realidade, 0 Estado Novo nasce como uma rea¢do a0 fascismo e dele difere. Re- Tembra os acontecimentos de 1938, quando teve de reagir as investidas internas do integralismo. Descreve 0 nazi Por um partido oficial e por um poder vida espiritual ¢ econdmica do individuo até o ponto de repuc ligifo e ter preconceito de raca. Nada disso, explica Vargas, tem ocor- Fido no regime brasileito. “Somente porque”, diz Vargas, “nos afasta- mos de uma formulagao cléssica do Governo representativo, nés fomos chamados de totalitérios” (Dulles, p. 259). A defesa ideol6gica que (OS DEMOCRATAS AUTORITARIOS a Vargas faz do Estado Novo era a prova de que, apesar de sua lingua gem democritica recente, acreditava na manutencio de, pelo menos, parte da méquina montada pelo regime. UM BRIGADEIRO E EX-TENENTE PARA LEGITIMAR A OPOSICAO Diz um dos principais signatérios do Manifesto dos Mineiros, Vir- gilio de Mello Franco, A Campanha da UDN, que “do Manifesto Mineiro partiram todas as tentativas de articulagdo com os diferentes niicleos de resisténcia, Circularam os primeiros jornais clan- destinos. O préprio Manifesto teve a sua divulgacéo proibida, mas suscitando outros projetos, como 0 de um Em tomo do grupo que assinou 0 Manifesto dos Mineiros “os varios grupos democréticos, liberais ¢ mesmo socialistas que se opuse- ram a ditadura, reunindo-se em tomo da candidatura do Brigadeiro Eduardo Gomes, formaram a UDN, Unio Democritica Nacional” (Ma- ranhio, Sindicatos e Democratizagdo, p. 27). ccupando suas fungdes na ativa, veio a integrar a oposigéo liberal. Ser- vindo em Recife, Juracy freqiientava a casa do Brigadeiro Eduardo Gomes, ex-“"Tenenté”, e seu comanheiro da Revolugio de 1930. (Silva, Porque depuseram Vargas, p. 114 115). Conforme assinala Hélio Silva, “a candidatura Eduardo Go ‘giv, naturalmente, da neces- sidade que sentiram as forgas de of ‘a Vargas de se aglutinarem fem torno de quem trouxes . 114). poucos dias antes de 0 préprio Go- com a concessio da entrevista do liberal José Américo de Almeida ao jornal Correio da Manhd, em 22 de feve- reiro de 1945. Diz Virgilio de Mello Franco, um dos que subscreveram © Manifesto dos Mineiros ¢ um dos fundadores da Uniéo Democrética “Embora alguns vespertinos pavlistas, burlando a censura, ublicassem esse nobre documento da inteligéncia brasileira (refere-se 32 ‘A DEMOCRACIA DO FUTURO ‘20 Manifesto dos Min rensa do Rio ndo pode divulgé-lo. Mas a linguagem dos ia diariamente em coragem ¢ deci- Foi quando... jo Correio da Manha... liam a en- tos a0 pleito frustrado pelo golpe de 6 Sr. José Américo de Almeida, ante- divulgava 0 nome do candidato irevelado. Era 0 Brigadeiro Eduardo Gomes”. (p. 14 ¢ 15). Falava-se, portanto, da candidatura presidencial antes de 0 Governo convocar as eleigdes presidenciais, o que ¢, final- mente, feito alguns dias depois, com a promulgagio do Ato Adicional de 28 de fevereiro, que fixa as eleigdes para 2 de dezembro de 1945. Posiges dispares ¢ uma concordancia: acabar com a ditadura ‘A Unido Democrética Nacional, nesta época, ainda era uma agre- miagio dispar de pessoas que estavam descontentes com 0 Governo ‘uma pos- me estabelecido, contando, para tanto, com 0 apoio de pelo menos parte das Forgas Armadas. “Cabe notar que inicialmente a UDN possuia uma maioria de inte- lectuais progressistas, chegando mesmo a contar, nas primeiras articula- ges, com a presenga de comunistas de Sio Paulo... Nas primeiras reunides encontravam-se homens como... 0 fundador do PCB, Astro- gildo Pereira e... 0 proprio nome ‘Unido Democrética Nacional’ (foi) sugerido por Caio Prado Jr., depois deputado pelo PCB” (Maranhéo, p. 27). “ntretanto, com 0 tempo acorreram 2 UDN muitos elementos da velha oligarquia latifundiéria, além de membros do empresariado ¢ da alta finanga, que logo Ihe ganharam a diregao” (Maranhéo, p. 27 ¢ 28; ver também Benevides, p. 38 ¢ segs.). Esta visio parece ser confirmada pelo industrial Marcos Gasparian, para quem Eduardo Gomes, candi- dato da UDN, om 0 apoio de grupos de homens de negécios, nas cidades principais, inclusive no Nordeste, bem como de alguns pro- (Gasparian, O Industrial, p. 48). Prietérios de tei VARGAS E O GENERAL DOS OLIGARCAS E DOS GOVERNADORES No novo ambiente de di tea, a posigéo da ditadura fica cada vez mais delicada. © Ministro da Guerra de Vargas, General Dutra, diz, em suas anotagées pessoais (in Trigueiro do Vale, O Gene- ral Dutra e a redemocratidacdo 56), que, consultado pelo Presidente no dia 4 de marco sobre os acontecimentos no pais, adver- tira-the de que “o ambiente” era “desfavorivel a0 seu Governo, de oligérquicos e da alta fi alta burocracia dos gabi 62, foram responséveis, sob 0 comando da pela organizagéo do Partido Social De- tido, que incorporou os velhos ‘curras’ eleitorais do sertio e as corruptas méquinas de favoritismo de que o funcionalismo piblico estava repleto” (Maranhio, p. 28). Conta Benedicto Valladares (Tempos Idos e Vividos, p. 235), entio interventor em Minas Gerais, apareceu em seu apartamento no més de marco o General Dutra muito preocupado, dizendo nao saber para onde o Presidente queria levar 0 pais. A resposta de Valladares ilustra bem 0 sentimento que tinham os membros do Partido Social Demoerético de que, para que pudesse ser mantida a confianga no Go- verno € a0 mesmo tempo para se poder enfrentar o lancamento da candidatura militar dos liberais, s6 haveria a saida de apresentar como I, 56 vejo uma solugéo: 0 lan- gamento do seu nome pelo nosso Partido”. Nao foi sem hesitagdes que Vargas se convenceu, em 14 de marco, de que esta era a ‘nica saida politica que se Ihe apresentava no momento. © préprio Dutra, comen- tando os acontecimentos em suas anotagdes pessoais (in Trigueiro do Vale, p. 59), mostra como desde o inicio estava claro que era amb{gua a atitude de Vargas quanto ao langamento de sua candidatura: “‘Senti- yF u ‘A DEMOCRACIA DO FUTURO mos”, diz Dutra sobre a decisio de Vargas de lancar sua candidatura, “que fez com algum constrangimento, até mesmo com azedume’ Além das oligarquias e dos ocupantes de cargos sob nomeagéo poder estava associado ao Estado Novo, o lancamento da candi do General Dutra parece ter sido bem recebido também entre os triais, a julgar por depoimentos do industrial Marcos Gasparian, quem o PSD é um “partido das classes produtoras” (p. 48): “foi lan- ada a candidatura do Ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra, que foi bem recebida nfo s6 pelo Exército, como também pela classe diri- gente © industrial” (p. 41). ex um néo-politico, de preferéncia um engenheiro. (Dulles, Como 0 PCB nio tinha formacdo eleitoral,” diz Ricardo 172), antigo membro do PC: , por cima da Iuta de classes, politico ¢ menos ainda co- © que portanto prirasse sobre atmosfera de rivalidade © Patria, © proletariado organizado a ajudard’ Paulo, 27 de abril de 1945, in Maranhéo, p. 37). A orientagéo de Prestes tomou de surpresa a maior parte dos co- ‘munistas, principalmente de So Paulo, que desejava apoiar a candida- tura de Eduardo Gomes (Maranhdo, p. 37; Di . 263). Duas caracteristicas estavam, assim, presentes no comportamento de Prestes: 0 rango do pensamento tenentista ¢ tecnocritico, ao imagi- a (OS DEMOCRATAS AUTORITARIOS 8 ibilidade de neutralismo politico e preferir como candidato um © a expresso de uma opinido que néo contava com o apoio das bases do Partido, ou pelo menos da maioria dos seus mem- bros. O PC passaré, nos meses que se seguiram, a apoiar Vargas em toda a sua linha politica, se bem que se desvinculando do PSD que tiara, uma vez que passa a defendé-lo diretamente, contra os interesses do PSD e de Dutra, através da idéia de uma “Constituinte com Vargas”. Capitulo IIT EM NOME DO POVO FUTURO A FUTURA DEMOCRACIA. CONCEDIDA PELO ESTADO HARMONIOSO Pouco mais de duas semanas apés 0 langamento de sua candidatura, ou seja, no dia 4 de abril, o General Dutra faz um pronunciamento (transcrito em Carone, A Terceira..., p. 123 a 132), em que a pro- posta democritica, liberal de um lado, nao consegue esconder, de outro, 1 ideologia que predominou no Estado Novo. Seu liberalismo transparece na aceitacéo do princfpio da livre ma- nifestagio do pensamento, principio que vem, como, aliés, na tradicfo do préprio fiberalismo, associado & sua prépria limit principio inaliendvel da civilizagéo contemporinea a livre manifestaglo do pen- samento, em todas as suas formas, escrita e oral, dentro das normas cultas e legais da responsabitidade, bem como 0 direito de reunido, agre- miagio, ¢ locomogo” (grifo meu). Suas demais propostas, porém, principalmente as que se referem 0s problemas sociais néo conseguem disfarcar os rangos do pensa- ‘mento autoritério ou corporativista. Quanto a classe operéiria, diz o seguinte: “O mundo moderno esté pehetrado da idéia social, ¢ a conceituacéo do trabalho como fator de fraternidade humada alterou substancialmente, na América, a idéia da luta de classes. © esforgo da unificagio econémica das classes deve, entre nés, proceder, porém, nfo s6 das condigSes do nosso quadro de (OS DEMOCRATAS AUTORITARIOS 3” Produgio, como das fontes espirituais a que se acha vinculada a civi- ai 108, portanto, sem perder de vista o tracado dos firma: “Sadde, educaglo, adiantamento cultural, nivel de vida senst- decente, amparo a familia, & invalidez, & velhice, garantia efetiva nos campos, sadia consciéncia profissional, pela dirimicao ideol6gico que predominava no passagens. Fala que 0 mundo mo- social, utilizando os postulados do ta a fraternidade humana como jogo nfo é deixar que se apli- com que as classes possam fissional fosse “sadia”. O que esté que 0 principio do mercado; nio se opor livremente umas as desenvolver procedimentos unicamente no corporativismo, mas d ‘bém, a uma aproximacéo de nivel econdmico destas classes. Eo que tem a religiéo a ver com esta idéia? Que dizem estas fontes espirituais estes ensinamentos cristios de que fala 0 candidato? & fécil imagi- nnar-se que, no pensamento de Dutra, estas fontes estejam a apontar para a fraternidade cristi © para uma certa tendéncia de , também no pensamento de Dutra, ios que the foram transmitidos inte- ‘gram certamente um pensamento ideol6gico antiesquerdista que serve de antidoto a0 “veneno comunista” ¢ portanto, para estabelecer os li- mites necessérios a idéia da “unificagéo econdmica”. Dutra termina seu 38 ‘A DEMOCRACIA DO FUTURO discurso afirmando: “Asseguro, com a mais fundada persuago, que seria desconhecer a evolucdo do nosso povo, negar-lhe os requisites para volver & prética de um regime pelo qual se tem batido com tanto denodo, ¢ supondo que o restabelecimento da vida democrética do pais, centregue A prépria deliberagdo da vontade nacional, possa sofrer abalos irreparéveis pelo fato de duas candidaturas marcharem paralelas até 0 veredito das umas. (...) Diversos dessa minha convicgao ¢ confian- §, no sero certamente, 0 pensai € a atuacdo prestigiosa do meu valoroso e ilustre camarada Brigadeiro Eduardo Gomes, educado, como eu, no espirito e na moral de soldado, que tudo vé para a Pétria e pela Pétria”. Dutra vé, portanto, a sociedade de cima. Dizer que “seria desconhecer a evolugio do nosso povo negar-the 0 regime democrético” € afirmar que alguém (0 Estado) négara o regi- me democritico a0 povo, nfo era evoluido, As conclus uum Iado 0 Estado deve deix iva) de que se poderia supor que o restabelecimento da democritica, que deixar 0 pais entregue & propria deliberacdo da como possibilidade longinqua, mas che- ga me los”, embora nfo “irreparéveis”. A de- mocracia de que fala néo €, portanto, a democracia do pensamento liberal. Sua “democracia” € concedida 20 povo pelo Estado, como Prova do reconhecimento pelo Estado da evolugo do povo, ¢ pode vir a sofrer abalos com a existéncia de candidatos ¢ eleigdes ¢ com 0 fato de o pais ficar entregue A vontade da deliberacio nacional (embo- ra esses abalos ndo sejam irrepardveis). Dutra defenders, entretanto, em termos préticos, a adogio de me- didas liberalizamtes. Ainda no discurso do dia 4 de abril anuncia que 0 Governo esté preparando a “concessio da anistia” e em 17 de abril (OS DEMOCRATAS AUTORITARIOS 33 ym grande sensaglo, uma carta sua enderecada Soares, reconhecendo, nos te legal do Partido Comu a imprensa divul a0 Comandante pleno direito de exis osigo presentemente, em favor do comunismo. julgo fit a qualquer homem com responsabi nacional: reconheco-Ihe 0 pleno direito de se organize, que viva como qualquer out ralmente a sua supremacia, tes, influir na vida administr “Este 0 ponto de - quanto 0s comunistas mantiverem, entre nés, a linha de conduta que hoje assumem, de renunciar aos processos violentos ¢ de acatamento is autoridades constituidas” (in Trigueiro do Vale, p. 71 ¢ 72). © programa do PSD Publicado em 10 de maio de 1945, 0 programa do PSD, por sua ‘vez, esté profundamente marcado por pressupostos autoritérios © esta- ide da imprensa como drgio de interesse coletivo. Além disso, ismo esté presente, na medida em que se refere & manu- tengo do Conselho de Economia como érgéo consultivo eleito com igualdade de representagio entre empregadores ¢ empregados, de acor- do com os vérios ramos da produgio nacional; em que se refere & efe- +. 421 a 432), da paz social (Carone, A Terceira.. A LEI, O INDIVIDUO E A, SOCIEDADE CONTRA O DITADOR Nove dias apés a consttuigio oficial da UDN, em 16°de abril de 1945, Eduardo Gomes faz um pronunciamento. - is conereta que consegue dar & i oo SeceeUSURSESUSUSRUSUSSESUSUSSSSESESSSSESEOSSSE SERIE SESUS COSTES ESEOCSSESEOESSE CORE SUOCSSESEOSSSESEOSSOESOOSS SSCS SSS S SCC S SSO C CSS COSCO SS «0 ‘A DEMOCRACIA DO FUTURO seu governo”, que 10s no comeco da campanha pela reconquista das nossas liberdades” ou “pela restituigdo do Brasil ao gozo das liber- dades que the foram usurpadas”, propondo que “como dos érgios do Governo, 0 nico que sobreviveu ao golpe de 37 & a Justica, entregue Sua Exceléncia (Getilio Vargas) a esta a misso de convocar o pats Sem apresentar, em momento algum, idéias concretas sob 0 pro- jeto de democratizacao, apela indiretamente para os militares: “Até onde vai a responsabilidade das Forgas Armadas na continuagéo de Governo extinto por forca da propria Carta com que procurou le- se?” (Carone, p. 122) Naquele que foi considerado 0 discurso inicial da campanha, em de junho de 1945, transcrito no seu livro A Campanha de Liber- tacdo (p. 9 a 26), Eduardo Gomes explica melhor as suas idéias sobre a democ Neste discurso, fixa como um dos objetivos de sua campanha a luta contra @ desordem da ditadura: “A Ditadura € a desordem apa- rentemente organizada. A desordem em todo 0 aparelho estatal, ferido de ilegitimidade; a desordem financeira, pela auséncia de fiscalizagio, pela clandestinidade das medidas, pela imposicfo discricioniria de tri- butos, pelo abuso da faculdade emissora, pela fécil ¢ irrestrita aplicagao dos dinheiros pablicos; a desordem econdmica, pelo aniquilamento das dito, pela instabilidade, quilibrio dos valores, pel ‘oraz ¢ incontentével, a desordem administrativa, pelo aumento € com- plexidade de uma, burocracia, que ja ndo serve aos seus fins, senso a0 intuito de abranger ¢ dominar o maior nimero possvel de individuos € submeté-los, desse modo, & autoridade direta dos opressores; e, s0- bretudo, a desordem moral, a profunda e ansiada desordem dos espi- ritos, a que se nega a expresso dos mais elementares desejos, e que © procura moldar, como matéria plistica, ao tipo uniforme dos apiticos, dos indiferentes, dos resignados, das tristes unidades humanas de uma insensivel méquina social”. (0S DEMOCRATAS AUTORITARIOS “ ‘Uma parte do discurso se refere & questiio da recuperagao da li- berdade, que estari da solugéo dos demais problemas, que so econdmicos méximo problema, que se nos depara, & ‘68 outros, complexos ¢ relevantes, que dizem respeito & ordem ¢co- némica e a justica social, como f6rmulas de evolugéo para consagrar © princfpio igualitério, A liberdade, a que me refiro, € a que resulta do da pessoa humana; conceme, antes do mais, & Sem essa autonomia e sem a proscrigo da vio- poder ou di da democracia. nnéo se interrompa 0 espontineo processo do desenvolvimento social. A fungio das Constituintes consiste, pfincipalmente, na ordenagio dos poderes © na definicao dos direitos ¢ garantias dos individuos”. ‘Como 0 Manifesto dos Mineiros de 1943, 0 discurso do Briga- go em relagdo aos problemas sociais, ponsabilidade que deve ter 0 Estado n: , ¢ se fundamentando no pensamento da I © Brigadeito: “Nao pode o Estado, como 6 corrent relages entre 0 capo talons que Ihe 10sa, que ‘certa categoria de bens hé de reservar-se levam consigo um tal poder econémico que néo € pos- sivel conferi-lo aos particulares, sem dano para 0 Estado’. Séo esses ‘08 acentos da mais alta sabedoria crista”. 'No pensamento de Eduardo Gomes o “amparo do mais fraco” est, portanto, associado & estatizacdo. Mas néo apenas. Eduardo Go- mes defende a auséncia da interven¢ao do Estado, quando esta inter- 2 ‘A DEMOCRACIA DO FUTURO vengio vise a destruir it artidério da liberdade ‘tempo da intervencio legislagto especializada © ao expurgo dos dispositivos e aparethos fascistas, que nela se introduziram, apés o polpe de fm a intervengao do Estado deve ter em vista esti- molar as ini ividades pessoais, ¢ no destrulas. Deve ter em Gomes. A ditadura teria transformado 0 povo de suj . ebjeto do Governo. Para 0 Brigadeiro, 0 poder dem: eedera ao golpe de 1937 era, portanto, uma emanagio ovo brasileiro, que agora se revolta contra a ditadura im que interpreto o impressionante fendmeno da rebeliio do povo brasileiro contra a ditadura, que o transformou de sujeito do poder — o primeiro € 0 mais eminente dentre os detentores do poder politico — em sim- ples objeto do Governo, degi brio, espoliado nos seus bens Concluindo o seu discurso, Eduardo Gomes resume 0 seu pensa- mento ¢ exprime sua confianga na democracia que viré: “E nestes ter- ‘mos que confio no futuro. Conti ria do povo contra a opres- so. Confio no poder supremo das idéias, sobretudo quando amanhece ‘no mundo a oportunidade de por elas se sacrificarem individuos ¢ na- $6es, que prefeririam morrer a viver sem elas. Confio na conciliagéo da liberdade com a ordem. Confio nos processos evolutivos de justica social, para atenuar e mesmo suprimis igualdades econdmicas. Confio, sobretudo, no prestigio e na forca dos regimes legais, em que base e por limi sombra de cuja protecéo possam prosperar OS DEMOCRATAS AUTORITARIOS 4s iciativas, as indiistrias e 0s trabalhos, estendendo-se a todos os da paz, da liberdade e da seguranca”. © programa da UDN Em 17 de agosto de 1946, & lancado © programa da Unido De- mocrética Nacional. Fala de um processo de democratizagéo de fim const cial, refere-se as liberdades de pensamento, de reuniio, de a © de organizacéo partidéria e sindics reestruturagdo destinada a alcancar os obj Propostos, pela aco do Estado ¢ o desenvolvimento de todas as forsas criadoras da Nacfo; em que se refere & necessidade de se fortalecer a unidade politica na- cional e em-que defende, néo apenas que as indiistrias estratégicas fi- quem a cargo do Estado, mas que as indistrias leves, reputadas mais liteis, que puderem ter maior dese tease nacional, deverio ob s, além da redugio |, pela assisténcia técnica e 0 Tudo leva a crer, portanto, que, no momento da elaboracio do seu programa, o setor propriamente liberal do partido, liderado por Virgilio de Mello Franco, continuava ainda fortalecido. Esse setor per- derd, porém, cada vez mais influéncia para os setores mais conserva- dores, articulados por Octévio Mangabeira. ‘A novidade-do programa ¢ que ele avanca no detalhamento das posigSes relativas ao que os signatérios do Manifesto dos Mineiros chama- ram “democratizagio econdmica”, pelo menés se por esta se entenderem as medidas relativas & classe trabalhadora, tais como 0 reconhecimento do direito de greve ¢ a defesa da autonomia sindical, ¢ a realizagio de reformas econdmicas de sentido social no campo e nas empresas. Sobre este tiltimo ponto, 0 programa propée que se estudem formas de par- eS “ A DEMOCRACIA DO FUTURO ticipagio dos trabalhadores nos lucros das empresas e, em determina- dos casos, de parcelamento da terra, A DEMOCRACIA POSSIVEL COMO TATICA PARA UM FUTURO CERTO © programa de “Unio Nacional para a Democrcia e o Progres- Jutdvamos contra a democracia bur- mais reaciondrios e submissa 20 ca- pital estrangeiro colonizador, opressor, explorador e imperialista. Hoje, © problema € outro, a democracia burguesa volta-se para a esquerda, a classe operdria tem a possibilidade de aliar-se com a pequena bur- guesia do campo ¢ da cidade e com a parte democrata e progressista a burguesia nacional contra a minoria reacionéria e aquela parte igual- ‘mente reacionéria do capital estrangeiro colonizador”. estes mesmos povos que sob a direcdo do Partido Bolchevique de Lenin & do guia genial, o Marechal Stalin, sio hoje 0 esteio méximo das Na- ‘mo entramos realmente ‘numa nova época. ‘Termino 0 perfodo de guerra © comecou o periodo de desenvolvimento pacifico”. © programa propée, entre as “solugdes progressistas de nossos problemas”, “legislar sobre a propriedade da terra, em particular dos latifindios abandonados nas pr ante o dilema inexordvel de exploré-los por métodos modernos ou de suas terras distribuidas gratuita a camponesa sem terra que nestas queira viver, trabalhar © produzir para o mercado interno em expansio e cada ver mais livre, de que tanto necessita a nossa indistria”. “ae — (OS DEMOCRATAS AUTORITARIOS “6 Sobre © capital estrangeiro, o programa afirma que “num Parla- mento democrético ser possivel legislar contra 0 capital esrangeiro “eacionério”, mas “um dos colaboradores ms © da prosperidade dos povos mais atrasados”. “Protegeremos”, continua 0 programa numa linha estatista, “um Parlamento democrético a indtistria nacional ameagada pela concor- , entregando ao Estado 0 controle planificado de nos para a realizagio pratica de muita coisa que néo passou até hoje da letra da lei”. © programa, ente, se posiciona diante do problema econd- mico e da inflag a Unido Nacional € necesséria ainda para enfrentar de man ica e decisiva 0 grave problema da inflagdo que ameaga neste toda a nossa economia, além de gerar e ali- mentar o mal-estar popular habilmente explorado pelos agentes da de- sordem e provocadores fascistas. Aos partidos politicos, :As organiza ges sindicais, operirias e patronais, ao Governo, cabe enfrentar de ‘maneira unitéria e solidéria o grave problema”. A FUTURA DEMOCRACIA OUTORGADA PELO ESTADO PROTETOR (© Partido Social Democrético jé tinha existéncia legal como par- tido do governo, Vargas jé havia lancado a candidatura de Dutra € 0 PSD jf havia definido 0 15 de maio gio se fez n0 seio do Estado, sob orientagio do proprio Vargas ¢ de funcionérios do Ministério do Trabalho. 6 ‘A DEMOCRACIA DO FUTURO ‘Vargas abria, assim, uma nova frente politica, com a qual podia Teforcar 0 seu poder com o apoio das massas. © programa do PTB s6 foi lancado quatro meses apés a criagio do partido, ou seja, em 16 de setembro de 1945. que as propostas nele contidas sejam, em geral, € autoritério. Ao contrério, © autortarismo s6 tives “pacifica”, “legal” ¢ “ilegal”. A distingéo entre greve legal ¢ ilegal, na pritica, implicaria conceder a0 governo um oder discricionério para autorizar ou desautorizar os movimentos gre- vistas, segundo as conveniéncias. E 0 seguinte 0 texto do programa sobre 0 direito de greve: “defesa do direto de greve pacificae distingio centre greve legal e ilegal”. ‘Se quanto a outros pontos o autoritarismo e pat aparecem de forma igualmente clara, a heranga do sdo do Vargas que se pretende 0 defensor dos tral associada & sua atuacdo politica futura. No predmbi econhece-se que a legislagdo trabalhista “avancada” existente 1 foi conseguida gragas a Vargas ¢ afirma-se que a “massa trabalhadora” assumiu “uma posigéo de relev rando direta e ativamente com 8 poderes péblicos em diverso: (Catone, A Tercei 453). Getilio Vargas & eleito Presi tador € visto como dade de uma re- trabalhadores, de € de uma ago per- rismo, sob qualquer aspecto, nao “ considerando qualquer regime de fc humana. O programa usa, ademais, gem da ordem € do nacionalismo, a0 enaltecer o fato de que a trabalhadora assegurou ao pais um ambiente de ordem e de disciplina capaz de Ihe permitir conti , » p. 453). E acrescenta: “E essa posigio definida se justfica porque, se os trabalhadores tém in- i (OS DEMOCRATAS AUTORITARIOS ” teresses que se chocam com os da direita moderada e com os da extre- ma esquerda, se os trabalhadores, seplem 8 principios do privatvismo is cidaddos, pontos de intereses coinc- dentes ¢ que dizem respeito & coletividade geral” (p. 453). O progra- ‘ma pensa assim pelos trabalhadores uma ideologia pequeno-burguesa. Eles tém interesses que se chocam com os da extrema esquerda e man- tém-se dentro dos principios 8 da nossa formagio moral € proletariado © todos gindo todos os setores ou gestio do estado, que que nfo deve ficar condi- cionada & homologacio dos poderes Capitulo TV A CRITICA DA DESORDEM: 0 DITADOR DEMOCRATA E OS LIBERAIS AUTORITARIOS © DITADOR NA DEFESA DA NACAO B interessante observar que em abril Vargas & criticado pela opo- or negar 20 “povo passa a ser criticado também pelo fato de ndo ser suficientemente se- vero; de no controlar a classe operéria. A imprensa passa a sentir que o regime de Vargas esté fazendo incursées no terreno de Prestes € acusa 0 Ministro do Trabalho, Marcondes Filho, de encorajar greves. Actescenta que os aumentos dos salérios realizados por Vargas em 1943 ainda imbuido do Tham a desobediéncia, indisciptina ¢ subversio ¢ frisando que seu can- didato (Dutra) merecia confianca, Vargas se refere aos seus oposito- es como “reacionérios”. Da defensiva, passa 0 Governo a iniciativa, cont a aprovacdo do decreto eleitoral em 28 de maio e a assinatura do (OS DEMOCRATAS AUTORITARIOS 0 Decreto n.° 7666, de 22 de junho de 1945, que dispoe sobre os atos contrérios & ordem moral € econémica. ‘Trata-se de uma lei antitruste e de defesa da economia nacional, ‘As anotagbes pessoais ¢ a do- ihdes (Arquivo CPDOC) para do senhor Assis Cha- ime. Com a aprovaio da sileira nos anos 30 parecia estar sendo relegada a segundo plano ulti- ‘mamente, quando a contradigio bésica Liberalismo/Estado Novo havia ‘ocupado quase a totalidade do espago das discussdes politicas. Acenan- do com a bandeira ideolégica, querida & pequena burguesia, & burocra- cia, aos elementos saidos do tenentismo ¢ mesmo ao Partido Comunista, ‘Vargas forcava uma situagéo incdmoda para os liberais. OS LIBERAIS COM 0 POVO, EM NOME DO POVO dor que tem desprezo pel UDN, a lei antitruste nada mai de ingeréncia da ditadura sobre a livre atividade de determinadas em- presas, inclusive jornalisticas. 1 do primeiro semestre de 1945, a jaginava poder se utilizar da mobilizacéo popular para fazer sua oposigéo a0 governo Vargas. Até esta época tinham se realizado poucas manifestagées de rua. Pelo menos € esta a opinido de remédio? Insisto em re- obilizagio geral do das _manifestagdes sentindo agora que vérias classes da sociedade comegam a mobil — € oxalé se ‘mobilizem na altura em que é necessério —'o que se tem sentido até 1¢ © acanhamento de manifestar-se em piblico. Por urgit, no momento, uma manifestagio expressiva. Sou , Mas no é como catélico que digo; € como cidadao que aplaudo a atitude assumida pelo spo de So Paulo, convo- cando para a praca pablica um comicio © entusiasmo ¢ a {6 para arvorar a bandeira a que querem lutar por levé-la & vitéria” (in Mello Franco, A Campa- 303 © 304). © POVO COM 0 DITADOR, EM NOME DA DEMOCRACIA: AS NOVAS ALIANCAS POLITICAS DE VARGAS Com a campanha d creto-lei antitruste, Vargas do a data efetiva do Decreto. Segundo Dulles curado até mesmo fazer que a UDN partici ‘coalizdo, mas a oposicio se recusou. Nao chega a ser uma surpresa constatar essa’ tentativa de aproximacio de Vargas com a UDN neste posto que, a julgar pelas informagées de Dulles (p. 266), via procurado explorar com a UDN a possibilidade do lanca- mento de utz candidato tinico em substituigio as candidaturas Dutra € ais da UDN na imprensa contra 0 De- de um governo de (0S DEMOCRATAS AUTORITARIOS En Eduardo Gomes, que poderia ter recafdo sobre Cordeiro de Farias, Gées Monteiro, o Ministro da Aeronéutica Salgado Filho ou o Chefe tentativas de Vargas de composigéo com de Policia Joao Alberto. de fraqueza de Vargas dentro do estreito quadro polit do momento ¢ de sua fortaleza potencial em quadros mais amplos, que © ditador aceita 0 que rejeitara em outras ocasides: a alianca com o PCB. Algumas razées do PC para uma alianca com Vargas a procurar uma alianga com Vargas? 2? Por que ndo se aliar 8 UDN, que que 0 do PSD ale democr Constitui um depoimento interessante sobre esta questio uma dis- ccussdo que se realizaré mais tarde, na Constituinte, entre Prestes € Octavio Mangabeira: “O Sr. Otévio Mangabeira — V. Excia. sabe que as palavras tém sentidos diferentes, conforme as pessoas que as pronun “Digo — e V. Excia. hé de reconhecer — que sempre tive para com o Partido Comunista, a maior urbanidade, para nfo dizer a maior tolerdncia, ainda quando o meu Partido era desconsiderado, sendo agredido pelos comunist “Durante a campanha democrética que fizemos na praca piiblica, sem medir esforgos ou conseqiiéncias, enfrentando a ditadura, V. Excia. nos abandonou desprezando a causa democritica, para for- ue era precisamente a Reacdo (palmas). “O Sr. Carlos Prestes — Havia entre o Partido Comunista e a UDN algo que os separava, profundamente. O Partido Comunista era ra- dicalmente contrério a qualquer perturbagéo da ordem piblica. Di- Ziamos que no era por meio de golpes armados, pela substtuigio ‘brusca e violenta de homens no poder que teriamos a democra- tizagio no Brasil. Eramos contra os golpes, contra as tendéncias de Vossas Exceléncias. Era o que nos separava ¢ 1&0 po- jeixar de nos manifestar, porque tinhamos a certeza de que os golpes armados seriam contra a democracia, contra o proleta- riado, contra o nosso povo. Na noite de 29 para 30 de outubro, FP 2 ‘A DEMOCRACIA DO FUTURO quando o Sr. Brigadeiro Eduardo Gomes, junto com o General Dutra, comandava o golpe, do Quartel-general, nesta Capital... “© Sr. Otévio Mangabeira — Que nos libertou da ditadura.. . “0 Sr. Carlos Prestes — ... os tanques Ihadoras nao foram dirigidos contra o Sr. tra a sede do Partido Comunista. Foi o nosso Partido 0 tinico que sofreu violéncias naquela noite e nos dias que se seguiram. Foi um gpolpe democrético, Sr. Deputado, 0 que trouxe 0 governo do Senhor José Linhares? Modificou-se, por acaso, a ditadura em que vivia~ mos? Nao. A situacéo continuou a mesma. E o Sr. José Linhares mostrou a0 nosso povo que um magistrado, ou qualquer outra pessoa, quando governa ditatorialmente, procede sempre da mes- ma forma. O Sr. Presidente — Atengo! Esté com a palavra o Sr. Otévio Mangabeira. “O Sr. Otdvio Mangabeira — Nao fora o golpe de 29 de outubro, estariamos, até hoje nas garras da ditadura que V. Excia. apoiou (palmas). Esta a minha queixa. “© Sr. Carlos Prestes — Teriamos caminhado para a democracia, de qualquer mancira. O povo brasileiro a queria e a obteria. SO Sr. Otévio Mangabeira — O Brigadeiro Eduardo Gomes, uma expresso culminante do sentimento democratico no Brasil (pal- mas), foi taxado de reaciondrio pelos nobres representantes ¢o- munistas. “O Sr. Carlos Prestes — Perfeitamente. ‘© St. Otdvio Mangabeira — V. Excia. o diz e & uma blasfémia! “ Sr. Carlos Prestes — Comandou o golpe de 29 de outubro, 20 lado do General Dutra, Séo ambos iguais, to reacionérios um quanto outro. 0 Sr. Otdvio Mangabeira — Para libertar que aqui estejamos em Assembléia Constituin IV, p. 257 € 258). ditadura, para (Anais da AC., ‘Acrescento aqui algumas hipéteses sobre as razdes do PC para 2 referida alianga com Vargas. Em primeiro lugar, a alianga se coadu- nava com 0s ditames do i colaboragio € defendia 0 apoio a todo: contra 0 fascismo internacional. E si idéia da alianga, como veremos mais 1942, na mesma época em que o Partido comeca a falar em “unido nacional”. O PC agia como partido da ordem ¢ apoiou Vargas, assim -—- (OS DEMOCRATAS AUTORITARIOS 33 estatismo varguist ma de adesio dos co! f terminar em outubro” se devia também ‘em parte a um arranjo se- gundo 0 qual o PCB obteria sua legalidade em troca de um apoio a0 Ditador entéo em dificuldade” (Weffort, Origens..., p. 77). Confor- me assinala Weffort, da parte dos comunistas a idéia de uma alianca da forca, ele, a unio nacional seria possivel pela unio da “forga” com 0 “pres- tigio”. A reacio de Vargas Ainda é Weffort que diz que “Vargas deve ter relutado muito tem- po em aceitar estas masiifestagdes de boa vontade. .. pela simples razio de que isto inevitavelmente Ihe cortaria o trinsito entre as forgas con- servadoras, em especial as forcas armadas” (Wetfort, Origens..., P- 78). Conforme vimos, em julho, Vargas constata que todas as portas estio fechadas por estas “forcas conservadoras”, inclusive a UDN. E 96 nesta ocasio, portanto, que esté preparado para iniciar a alianga. O fato de 0 Vargas-cditador j6 estar com seu poder esgotado facilitou, por- tanto, a formagio da alianga. Nao estaria, porém, esta alianca jé esbo- gada no momento em que, em abril de 1945, 0 Governo decretou a anistia? Aparentemente, ndo. Se, nesta époce, Vargas jé esbogava sua A explicagdo do comportamento do PC em fungio da sua tradivéo peqwe- james do PC soviético, pontos salientados por Francisco ismo Populista no Brasil, in Estudos CEBRAP n° 4), los Estévéo Martins e Maria Erminia de Almeida (Modus in ‘Séo Paulo, 1974) ¢ por Luiz Werneck Vianna (Liberalismo |, Paz e Terra, 1976). 5 ‘A DEMOCRACIA DO FUTURO reocupaglo em buscar uma maior aproximacdo com a classe operdria ¢ com a pequena burguesia, de outro lado ainda estava tentando a re- ‘so com 0 PC. Além di concedida a partir de Na realida internacionais, quand. © quando 0 Governo preparava o restabelecimento de relagdes diplo- méticas com a Unido Soviética, como solicitado pelo Secretério de Es- tado Norte-americano Stettinius quando passou pelo Brasil em meados de fevereiro (Dulles, de que todas des- confiassem dos comunistas inclusive Vargas” (Weffort, Origens.... p. 79). A importancia das massas urbanas na alianca Para Vargas — O interesse no apoio do PC surgiu, portanto, na- quele momento em que Vargas nfo mé a minar suas tentativas de aproximagac nitivamente estavam fracassadas. $6 poder de ento, com os nova estratégia de Vargas néo esperava pela ‘Vinha pouco a pouco sendo implementeda. Como © Governo 6 criticado por se aproximar da classe operiria. Mas era chegado 0 momento em que a situagio se definia e em que a alianca com 0 PC, sem ter outros inconvenientes, poderia servir de reforgo a esta estratégia. Para 0 PC — Quanto a0 PC, jé apontei algumas das razdes que compuseram a conjuga¢do geral de interesses que estariam na base do seu apoio 20 Govemno. Mas este apoio te conjuntura interna, 0 Governo no assumisse, ainda que a nivel de- OS DEMOCRATAS AUTORITARIOS 58 Se a alianca, do ponto de vista do PC, poderia, de qualquer e ainda que a posigio do Governo fosse outra, ter ocorrido, ela fazia plenamente sentido numa perspectiva antiautoritéria, em raz4o da posicdo assumida por Vargas. © PC nfo teve que optar entre uma postura autoritéria que favorecesse dura e uma postura de “verdadei a. Apoiando o ditador, ele assumia claratério, uma postura antifas gas e também & Const ituinte com Vargas”. O Partido podia, sem hesitagées, levar adiante seu projeto politico de abertura ¢ ao mesmo tempo frisar 0 seu apoio a0 Presidente. Ainda que, seguindo as diretrizes fixadas em Moscou, 0 PC tivesse que apoiar qualquer Governo estabelecido, 0 fato é que, no ‘caso especifico de Vargas, 0 Partido estabelecia uma alianga néo com a ditadura, nfo com 0 Vargas do Estado Novo, mas com um opositor do Estado Novo, o Vargas que nascia do esfacelamento do seu pré= prio suporte politico; que, derrotado na composicio elitista, era acla- mado pelos trabalhadores ¢ pela ‘A aproximacao do PC com forma, adequada, do ponto de vis plicava uma aproximagio da esquerda com a massa operdtia jé em parte apropriada por Vargas (cf. Estévao Martins e M. E. de Almeida), Se é verdade, como afirma Weffort, que as diretrizes do PC interna- cional e a ideologia pequeno-burguesa do partido cegavam a percepcio real dos fatos pelo PC, de outro lado, 0 cego conseguia se guiar por uum caminho que parecia ser, naquelas circunstincias, o mais seguro. liberalismo do ditador € 0 corporativismo dos liberais Resta saber, porém, se a mobilizacdo popular que interessava a Vargas nao se fazia justamente no sentido fascista, dirigindo-se menos para: a democratizago do pais do que para o préprio reforgo da mé- quina corporativista do Estado. Aparentemente, ¢ a0 se conhecer realidade do pais a partir de 1946, poder-se-ia mesmo crer que a per- sisténcia da legislacdo corporativista apés constitucionalizago do pais em 1946 se deveria, em parte, & alianca desta esquerda operéria “cega” 36 ‘A DEMOCRACIA DO FUTURO com Vargas Erminia de to Wetfort quanto Carlos Estévao Martins e Maria foi uma opgio da Constituinte sob Dutra, e que contou com a oposi- do dos petebistas egressos do ‘queremismo’ e da esquerda operéria” (Vianna, p. 250 € 251). Para Wemeck Vianna, 20 associar-se com Vargas 0 PC no es- tava se associando a0 corporativismo do Estado Novo, mas sim a um democratizagao pelo resultado ne teresse pelo controle corporativo das classes subaltemnas, dado que ne- cessitava delas para articular seu plano de defesa politica. O liberalis- jado, que atua ‘em todas as organizagées trabalhistas do pais, desmascarou o caréter do golpe como antidemocrético, ¢ com toda razio, porque para os tra- balhadores, 0 29 de outubro foi muito pior que aquele breve period que 0 anteceeu” (Anais da A.C., Vol. X, apud Vianna, p. 251). (OS DEMOCRATAS AUTORITARIOS 3 A conjuntura do “golpe” 0 pensamento dos partides que irdo @ Constituinte © em seu comportamento. 1o Comunista a variante na- considerar suas origens peque- no-burguesas € seu pensamento ideol6gico, que remonta a década de 30; ter em conta 0 6 ele préprio um “tenente” ¢ se procurar uma tinica e simples causa, como a relagio classe proletéria—partido ou a conjuntura inter- nacional ou nacional. A rearticulacéo definida e a posto dos partidos vargustas — A quando estabelece sua ‘em uma nova seara polit que perdeu a sua batalha procura a partir de julho reé para mobilizar as massas. Vargas vai se afastando do deixando-o com 0 PSD e Dutra, que tem, portanto, moti tarde apoiar o golpe contra o ditador que ‘vimento queremista cresce no més di discurso do Embaixador Berle dos ara que Vargas possa aumenta “queremista”, que se unia em torno do slogan “queremos Ge- que em 3 de outubro realiza sua grande manifestagio. Se es- tava com 0 apoio do povo, precisava, porém, para vencer, de contar ‘com 0 apoio fortalecido daquelas elites que Ihe eram figis ¢ que talvez no se sentissem diretamente ameacadas, contrariamente aos industriais, ‘A DEMOCRACIA DO FUTURO io popular: a dos interventores. Assim, em 10 de outubro, ferventores, adiando as eleigdes estaduais para a mesma Epoca que a do Presidente, ou seja, para 2 de janeiro de 1946. Com 0 idente argentino dai a uma semana (dia 17), pelo qual Perén desti- {iuido do seu cargo volta ao poder nos bragos das massas urbanas, Var- gas eré no poder das massas ¢ 10 dias depois, no dia 27, vé planejado um grande comicio que se opie a realizacao de eleigées. Era a prova méxima de sua vit6ria na nova articulagio politica e a0 mesmo tempo © preniincio de sua detrota definitiva no campo da PTB e PSD: novos rumos na conjuntura do “golpe” — Tanto 0 PSD quanto o PTB, sendo partidos fundados por Vargas, nutrem-se, fem suas origens, de um pensamento ideolégico autoritério e do corpo- rativismo do Estado Novo, Entretanto, a conjuntura do segundo se- mestre de 1945 © a posicéo assumida por Vargas vao imprimir novas orientagdes, principalmente ao PTB, 0 que faz que PSD e PTB, embora partidos varguistas, néo se encontrem to préximos um do outro na Constituinte, Para compreender seus comportamentos na Constituinte é necessério no somente ct is sentes nos mesmos ¢ as icas que se encontram na base da formagio de cada um desses partidos, mas também levar em conta a histéria de suas atividades no curto mas crucial perfodo que vai do fim do primeiro semestre de 1945 a0 inicio de 1946. Suas diferencas correspondem, em certo sentido, & propria ambigilidade de Vargas, um Vargas produto das circunstincias, produto de uma conjuntura té0 am- bigua quanto ele mesmo, O PTB, além de ser um filho de Vargas, sofreu a influéncia da at ‘a do segundo semestre de 1945, quando 4 aprendizagem politica € conseqléncia do proprio fato de que seus artidérios, uma parte ndo negligencidvel das massas dos grandes cen- {ros urbanos, vieram as ruas expor suas reivindicagdes. Além di auséncia de controles sobre essa massa era necess liberal sobre alguns pontos, 0 que nio € 0 caso do PSD, por exceléncia © partido das articulagdes elitistas de Vargas. A contribuigdo contraditéria de Vargas ao processo Vargas é, de fato, a grande personagem da Cons zacio politica de 1946. Nao que ele tenha enunciado suas opinides pes- (OS DEMOCRATAS AUTORITARIOS 38 0 ou influenciado com 0 soais nos momentos decisivos do debate poli seu prestigio as deliberacdes. Mas sua presenca se fez sentir de forma ‘muito mais marcante, na medida em que ele foi a personagem contradi- influente na cena politica. A importincia desse aspecto con- traditério do seu comportamento politico, de sua facilidade de se adaptar conjuntura, da permanente transformagao de seu discurso desde 0 co- da década até o fim de 1945, consiste em permitir que o corpora- smo € o paternalismo estatal ndo sejam claramente identificados com a ditadura e que a negagio da ditadura nfo signifique a negacdo para- Iela do corporativismo € do paternalismo estatal. A este respeito, seria suficiente analisar as diferentes opiniGes emitidas na Constituinte sobre (08 pontos relatives & estrutura corporativista do Estado. COM OS MILITARES, EM NOME DO POVO (© apelo que os liberais da UDN faziam ao povo em junho para combater a ditadura convivia com 0 apelo aos militares, até que os acontecimentos do segundo semestre de 1945 fizeram com que a idgia do complé eclipsasse inteiramente 0 desejo de mobilizagio p Se 0 povo nfo vinha se aglomerar em torno da UDN para der- rubar a ditadura; se 0 povo preferia se mobilizar em torno do proprio ditador e dos grupos que apoiavam a “democratizagao com Vargas”, como o Partido Comunista e os “queremistas”, s6 cabia a UDN trans- formar a imagem do povo que viria as ruas para derrubar a ditadura na imagem do “antipovo” que veio & rua prejudicar os interesses do povo e, em nome desses interesses, apelar para os militares. 34 se mencionou 0 apelo do candidato da UDN & Presidéncia, em seu primeiro discurso como can aos militares, no sentido de re- solverem 0 problema politico br Esta nao era uma atitude isola da no seio da UDN. Na realidade, os liberais, pouco confiantes na nova, estratégia de Vargas, que passara a usar a linguagem da democracia, buscavam com insisténcia junto aos militares uma solugdo de urgéncia para a crise institucional. Weffort cita passagem da entrevista concedida vio Mangabeira em junho de 1945 sobre a “Lei Malaia” (De- antitruste promulgado por Vargas), que constitui uma indica~ do clara dos rumos a serem seguidos pela UDN: “Penso que as forcas armadas estéo no dever de intervir na atual situagio brasileira. Vou \ © ‘A DEMOCRACIA DO FUTURO adiante: & seu dever intervir. A nado esté, nfo sé ameacada, mas gra- vemente ferida, sem defesa, e toda gente sabe ¢ reconhece que dadas as deficiéncias de nossa organizacao civil, sobretudo considerando que sofremos oito anos de uma ditadura tremenda, impde-se que as tinicas forgas que tém forga real para acudir em defesa da nacdo néo Ihes fal- ‘tem nesta hora” (Mello Franco, p. 305, apud Weffort, p. 74 € 75). Os jumentados a partir de setembro, conduzem final- caminho do golpe de 29 de outubro, que instala sriamente, o Presidente do Supremo Tribunal Federal, José Linhares, ligado & UDN. Nem contra 0 Estado Novo, nem contra a ditadura, ‘mas contra 0 ditador No segundo semestre de 1945, com as manobras ¢ medidas de democratizagio de Vargas e os comicios populares pré-Vargas, 0 idesrio politico da Uniéo Democrética Nacional perde muito de seu impacto e talvez seja esta uma das razdes pelas quais a mobilizagdo popular em torno deste partid desejada por Octavio Mangabeira em junho, nao péde se JA nfo ha mais censura, desde 28 de fevereiro, havendo, na pr dade de imprensa e livre manifes- tagdo de pensamento; fora concedida em 18 de abril existe, estando jé registrado combatido pela ditadura, ow seja, 0 Partido Comunista; o governo jé convocara desde 28 de feve- reito eleigdes livres para a escolha do Presidente da Repiblica, que Tar: membros. do Partido ‘Trabalhste Brasileiro, fundado por Vargas, (0S DEMOCRATAS AUTORITARIOS a ligados a0 Ministérié’ do Trabalho e com ingeréncia nos sindicatos, bem como os comunistas, que defendiam uma politica de “Unisio Nacio- nal” com o governo ¢ que achavam cada vez mais possivel a democra- tizagdo com Vargas. Diante da campanha que se desenvolvia nas ruas a favor de Getilio Vargas (movimento “‘queremista”) ¢ do esvaziamento do concentra inteiramente 0 seu discurso do segundé semestre de 1945 na oposi¢io ndo propriamente ao regime do Estado Novo (pois a melhor critica ao corporativismo era a que jf estava sendo feita pelos partidé- ditadura (pois Vargas jé fizera também sua critica & ditadura e fazia a defesa de eleiges livres ¢ do regime representativo), mas ao Ditador. O Estado Novo no golpe contra o ditador € 0 antipovo © discurso © a pritic ‘uma tradigao cujas orig ao regime de Vargas. desprender nos anos 40 e dentro dos mesmos limites de antes, algumas das amarras que seus préprios préconizadores, os liberais, haviam con- tribuido para fixar em 1936, E a posicéo assumida por estes liberais em 1945, quando aparentemente 0 povo comeca a circular livremente nas ruas, é simétrica a de 1936. Em 1936, com o fantasma da Intento- na Comunista perseguindo-os em seus pesadelos, eles tém medo de tum movimento de base — impossivel, aliés — ¢ defendem o reforgo ‘© poder ao Vargas de aparéncia democritica. ‘Apés uma das grandes manifestagdes dos “queremistas”, a Unido Democrética Nacional divulga nota em que diz que “o cardter subver- sivo, j do comfcio em si mesmo, jé dos pronunciamentos do ditador, nfo pode ser contestado. A nacdo é agredida e ameagada. As forgas civis e militares que se opdem ao continuismo so taxadas de ‘reacio- nérias’ pelo fundador do ‘Estado Novo" totalitério fascista O repre- sentante diplomético de um pais ligado a0 Brasil pela mais profunda ' @ ‘A DEMOCRACIA DO FUTURO amizade é objeto de remoques. (Refere-se A resposta de Vargas a Aiscurso feito pelo Embsixador americano.) Dir-se-ia que o ditador, 6 continuat, seja como for, ou a, se tal nio iré, vingar-se da nagio, usando dos iiltimos meses que acaso sind Ihe restem de governo, para sacrificar 0 pais, de modo a nao deixar seno destrogos como heranga ao seu sucessor” respondiam, com sua atitude, a uma preo- cupago que era também e sobretudo dos industriais, a julgar pelo testemunho do industrial Marcos Gasparian: [Em 1945, ceiniciaram-se novamente os discursos, as entrevistas fo da classe industrial voltou novamente & crise com Pe en 0 ps apa engi ae liberdade, comunistas infiltrados nos sindicatos operérios” (p. 40 ¢ 41 — grifo meu). beragto de, divers elementos nie Vargas era motivo de agita: g6es piiblicas, apoiadas pela esquerda que se manifestava pelo Gueremismo” (p. 42 — grifo meu). animavam mais 0 queremismo” (p. 44 € 45). Em 31 de outubro, 0 General José Pessoa, em entrevista a0 Correio da Manhd, explica as razies do golpe: “As Forgas Armadas do veram “depor o President politicas que o mesmo vinha em deliberacéo conjunta” resol io Vargas em face das manobras ido, todas tendentes & pertur- * (0S DEMOCRATAS AUTORITARIOS 6 bagdo da ordem ¢ a0 desassossego da familia brasileira” (Gaspa- rian, p. 47 — grifo meu). Foi principalmente contra este Vargas “ameacador” ¢ no exata- outubro de 1945, Este golpe de estado », a queda do ditador que, aos olhos dos era 0 Ministro da Guerra de Vargas ¢ que f nna sua deposigéo. A tal ponto o golpe de 29 de outubro ndo significou uma ruptura com o Estado Novo, que Virgilio de Mello Franco, membro da Unio Democrética Nacional ¢ signatério do Manifesto dos Mineiros, “um dos chefes udenistas que propugnaram pelo golpe de estado” (Weffort, p. ‘© atual governo ¢ a ditadura aparentemente deposta” (Mello Franco, ‘A oscilagdo do discurso da UDN em torno do sentido do 29 de outubro, acompanharé a visio que o Partido tem da eliminagio de ‘Vargas do cenério politico ou de sua permanéncia no poder, mesmo apés ser deposto: 0 29 de outubro seré visto por Octavio Mangabeira como uma ruptura, porque conseguiu afastar do Poder o ditador Getélio ‘Vargas; por outro lado, 0 29 de outubro seré entendido como uma data simbélica, nfo implicando uma ruptura no regime, por nfo ter o ‘A DEMOCRACIA DO FUTURO. conseguido afastar Vargas do poder, jé que este estaria indiretamente Presente no governo do Presidente Dutra, este mesmo que fora cleito com 0 apoio de Gettilio Virgilio de Mello Franco, ao falar fe entre o atual governo e a ditadura “que confianga pode merecer esse como esté fazendo, 0 jogo do ditador, em tudo quanto (Mello Franco, p. VIII). nio se devia questo da democracia, mas A questio nacional (Vianna, P. 252). Na realidade, Vargas tem razio. Nao por ter sido esta a partir dessa questéo, com a aprovacio da discusses que se seguiram, que se realizou a nova le Vargas, que, trazendo a0 censrio politico ativo fazia tremer aqueles que primeiro haviam proposto 1 abertura do regime, os liberais identificados com a burguesia, desejosos de realizar a democratizagao pelo “alto” e sem a participago popular. SEGUNDA PARTE A DEMOCRACIA ENTRE O PASSADO EO FUTURO

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