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E assim sou, ftil e sensvel, capaz de impulsos violentos e absorventes, maus e bons, nobres e vis,

mas nunca de um sentimento que subsista, nunca de uma emoo que continue, e entre para a
substncia da alma. Tudo em mim a tendncia para ser a seguir outra coisa: uma impacincia da
alma consigo mesma, como com uma criana inoportuna; um desassossego sempre crescente e
sempre igual. Tudo me interessa e nada me prende. Atendo a tudo sonhando sempre; fixo os
mnimos gestos faciais de com quem falo, recolho as entoaes milimtricas dos seus dizeres
expressos; mas ao ouvi-lo, no o escuto, estou pensando noutra coisa, e o que menos colhi da
conversa foi a noo do que nela se disse, da minha parte ou da parte de com quem falei. Assim,
muitas vezes, repito a algum o que j lhe repeti, pergunto-lhe de novo aquilo a que ele j me
respondeu; mas posso descrever, em quatro palavras fotogrficas, o semblante muscular com que ele
disse o que me no lembra, ou a inclinao de ouvir com os olhos com que recebeu a narrativa que
me no recordava ter-lhe feito. Sou dois, e ambos tm a distncia irmos siameses que no esto
pegados.

Tudo isto sonho e fantasmagoria, e pouco vale que o sonho seja lanamentos como prosa de bom
porte. Que serve sonhar com princesas, mais que sonhar com a porta da entrada do escritrio? Tudo que
sabemos uma impresso nossa, e tudo que somos uma impresso alheia, melodrama de ns, que,
sentindo-nos, nos constitumos nossos prprios espectadores ativos, nossos deuses por licena da
Cmara.

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