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(© Sula Nera, Prank arn Malo, 1971 ‘Tel do erga: Bachan ar Mindget,VrngeuGeprashe it Heli ‘Bache, 19598, henge von etd Rech iio dete: Rows Metin Trade Wolfgang Leo Maar Prepare Revise: Ana Maia de Olives barhosa Proto gfe Katia Hale Diagromi Solange Canine Angelica Nakis (Capa Maria lana Paiva Dados Itenacionais de Cutalogao na Publicao (CIP) (Clman Braslers do Livro, SP Bras) ‘Adorno, Theodor W, 1903-1868, [Educagi e enuncpacio/ Theodor W. Adore ‘Trad Wolfgang Leo Maar — Ri de aio Par Tera, 1995 | Liberdide 2 Name 3 etapogi 4 Politica ‘eduagio{, Tilo esau) eppsro.s Ices para adlogo sistemstico 1. Educago e enaseipagio 370315 2Educago peice 370115 EDITORA PAZE TERRA. ua do Tinto, 177 1212010 — Sto Paulo ~ Tone ua Dias Ferra. 417 — Loja Parte 22381050 — Rio de Janeuor8) “Tels (aay asses ? 2000 Impress no Bal Printed in Bras INDICE Preficio, 7. A guisa de intodupto: Adorn ea expeitncia formating, 11 (© que significa elaborar o passado, 29 Afilosofia ¢ 0s professores, 51 Televisio e formagio, 75 ‘Tabus acerca do magistério, 97 Educacio apos Auschwitz, 119 Educagio — para qué?, 139 Aeeducacio contra abarbirie, 155 Educagdo e emancipaco, 169 Referéncias dos textos, 187 Cronologia, 159 ‘ou Hegel designaram como “alienagio", na experiéncia do nfio-eui no curro, ‘A situasio é paradoxal. Uma educacio sem individuos & copressiva, repressiva, Mas quando procuramos cultivar indivi duos da mesma maneira que cultivamos plantas que regamos com gua, entio isto tem algo de quimérico e de ideologico. ‘A tinica possibilidade que existe & tornar tudo isso consciente na educacio; por exemplo, para voltar mais uma vea 4 adap- tacio, colocar no lugar da mera adaptayio uma concessio transparente a si mesma onde isto & inevitivel, ¢ em qualquer hipétese confrontar a conscitncia desleixada, Bu diria que hoje o individuo s6 sobrevive enguanto micleo impulsionador da resisténcia ‘Becker ~~ Podemos concordar em que formamos as pes soas para a sua individualidade e ao mesmo tempo para sta fungio na sociedade? ‘Adorno — Do ponto de vista formal naturalmente isto & cevidente, Entcetanto acredito apenas que no mundo em que ‘nés vivemos esses dois objetivos no podem ser reunidos. A ‘déia de uma espécie de harmonia, tal como ainda viskumbra- da por Humboldt, entre 0 que funciona socialmente eo ho- mem formado em si mesmo, tornouse istealizivel Becker — Nio, Trata-se de resistira essastensbes, que si0, insohiveis tal como 0 & a relaglo entre teoria e pritica, que se ‘encontra no ponto central de nossa edueagio modema. ‘Adorno — Mas neste caso a educacdo também precisa tabalhar na direcio dessa ruptura, tornando consciente a propria ruprura em vez de procurar dissimuli-la e assumir algum ideal de totalidade ou tolice semelhante. 154 A EDUCAGAO CONTRA A BARBARIE ‘Adorno — A tese que gostaria de discutir & a de que des- barbarizar tornou-se a questio mais urgente da educagio hoje em dia, O problema que se impde nesta medida é saber se por meio da edhucagio pode-se transformar algo de decisivo em relagio & barbirie, Entendo por barbicie algo muito sim: ples, ow seja, que, estendo na civlizacio do mais alto desen- yolvimento tecnolégico, as pessoas se encontrem atrasadas, de um modo peculiarmente disforme em relagio a sua pro: pla civilizacio — e nfo apenas por no terem em sta arrasi- dora maioria experimentado a formaglo nos termos cortes: pondentes ao conceito de civilizagio, mas também por se encontrarem tomadas por uma agressividade primitiva, um 6dio primitivo ou, na terminologia culta, us impulso de des- ‘ruicio, que contribui para aumentar ainda mais o perigo de aque toda esta civilizagio venha a explodir, aliés uma tendén- ia imanente que a caracteriza. Considero tio urgente impe- dir isto que eu reordenaria todos os outros objetivos educa- ionais por esta prioridade Becker — Quando formulamos a questio da barbirie de um modo tio amplo, entio, é evidente, é muito ficil angariar apoio, porque obviamente todos serio de imediato contrérios a barbitie. Mas se quisermos testar como a educagio pode interferir nesse fendmeno ou agir profilaticamente para eviti- Jo, patece-me necessirio caracterizar com mais precisio 0 que é a barbarie e de onde ela surge. Neste caso precisamos: indagar se uma pessoa em todos os sentidos compensada, ws temperada, esclarecida, livre de agressbes e, portanto, nfo motivada & capacidace da agressio, constitui em si um produ to almejével da sociedade. ‘Adorno — Eu comecaria dizendo algo terrivelmente sim- ples: que a tentativa de superar a barbirie é decisiva para a sobrevivéncia da humanidade, A obviedade a que o senhor se teferiu deixa de sé-lo quando observamos as concepsbes ed ‘cacionais vigentes, sobrerudo as existentes na Alemanha, em que sio importantes concepsdes como aquela pela qual as pessoas devam assumir compromissos, ou que tenham que se adaptar ao sistema dominante, ou que devam se orientar con- forine valores objetivamente vilidos ¢ dogmaticamente im- postos, Pela minha visio da situacio da educacio alema, © problema da desbarbarizagio nio foi colocado com a nitidez ea gravidade com que pretendo abordido aqui. Isto basta para colocar em discussio uma tal aparente obviedade. Becker - Talvez por um momento fosse necessisio no se restringir 4 Alemanha e perguntar se este problema nao se coloca de um modo semelhante no mundo inteito. Embora uma determinada forma da pedagogia de orientagio idealista seja tipicamente alem neste contexto, os perigos da barbari- zacio, mesmo que em roupagens diferentes, também se colo- ‘cam em outros paises. Se quisermos combater este fendmeno por meio da educacio, deverd ser decisivo remeté-lo a seus fatores psicol6gicos bisicos... ‘Adorno — N&o apenas aos psicologicos, mas também 03 objetivos, que se encontram nos préprios sistemas socials. Becker ~~ Eu concebo a psicologia também como um ator objetivo. ‘Adorno — Sim, porém entendo como sendo fatores ob: jetivos neste caso os momentos sociais que, independentemente da alma individual dos homens singulares, geram algo como a barbirie. [Neste momento estou mais inclinado a desenvolver es- sas questées na situagZo alema. Nao por pensar que no se- 156 jam igualmente agudas em outros Iugares, mas porque de ‘qualquer mode na Alemanha aconteceu a mais horrivel ex- plosio de barbirie de todos os tempos, e porque, afinal, co- rnhecemos a situagio alema melhor a partir de nossa propria cexperitncia viva. Becker — Havendo consciéncia de se tratar de um fend- ‘meno geral, pademos comesar a partir do exemplo alemao, E ‘como 0 senhor afirma com muita procedéncia, existem mut tos motivos para tanto, Na questo "O que é possivel & educa- lo?" sempre nos deffontamos com o problema de até que ponto uma vontade consciente introduz fatos na educagio que, por sua vez, pravocam indiretamente a barbaric. ‘Adorno — Mas também o contririo. Quando o proble- ma da barbirie é colocado com toda sua urgncia e agudeza nna educagio, ¢ justamente em instituigSes como a sua, que desempenha um papel-chave na estrutura educacional da Ale- manha hoje, entio me inclinaria a pensar que o simples fato de a questio da barbirie estar no centro da consciéncia provo: catia por si uma mudanca. Por outro lado, que existam ele- mentos de baxbisie, momentos repressivos ¢ opressivos no conceito de educagio e, precisamente, também no conceit dda educagio pretensamente culta, sto eu sou o iiltimo a ne- gar. Acredito que ~~ ¢ isto € Freud puro ~~ justamente esses momentos repressivas da cultura produzem e reprodwzem a barbarie nas pessoas submetidas a essa cultura. Becker — Por outro lado, poderiamos dizer que se exage: rarmos a énfise & desbarbarizacdo, entio contribuimos para evitar a mudanga da sociedade. Ajudamos eventualmente também 4 evitar um desenvolvimento em disegio a “novas fronteiras”, como se diz na América, Servimos, por assim di zee, A realizagio do lema “A calma ¢ a obrigacio primordial da cidadania’; e penso que o decisivo estaria em determinar 0 contetido preciso da desbarbarizagio em face de muitas exi- ‘gencias ingénuas de tolerincia ¢ de calma. Estou convencido, ‘que isto ndo significa para o senhor um desenvolvimento hos- 17 tila mudangas, Mas seria decisivo determinar com preciso o aque a desbarbarizagio deva er neste context, Adorno — Concordo inteiramente com o senhor quanto 4 que o que imagino ser a desbarbarizacio nia se encontra no plano de um elogio & moderacio, uma restrigio das aft Bes fortes, e nem mesmo nos termes da eliminacio da agres 0, Neste contexto parece-me permanecer totalmente proce dente a proposicio de Strindberg: “Coma eu poderia amar 0 bbem, se ndo odiasse o mal” De resto, 0 conhecimento psicoldgico defendido como teoria justamente por Freud, com cujas reflexBes acerca des- sas questes ambos nos revelamos impressionados, encontra- se em concordancia também com a possbilidade de sublimar de tal modo os chamados instintos de agressio, acerca dos quis inclusive ele manifestou concepgées bastante diferentes durante sua vida, de maneira que justamente eles conduzam a tendéncias produtivas. Portanto, creio que na luta contra a Darbarie ou em su eliminagdo existe um momento de revolta que poderia ele proprio ser designado como bizbazo, se parts: semos de um conceto formal de humanidade, Mas ja que to- los nés nos encontramos no contexto de culpabilidade do proprio sistema, ninguém estaré inteiramente livre de tacos de barbarie, e mido dependerd de orientar esses trasos contra © prineipio da barbacie, em vez de permitr seu curso em dire Goa despraca, Becker — Gostaia de colocar uma questio muito preci Sa tecentemente um politico afirmou que os disnirbios de rua em Bremen por causa dos aumentos tarifisios dos trans- Portes seriam uma comprovacio da faléncia da formasio pols ‘a, pois a juventude se manifestou por meio de formas bixbaras ‘onita tmma posigfo publica, acerca de cua justeza poderia haver virias visdes, mas que nao podena ser respondida mediante 0 ue seriam confessadamente intervensBes bizbars, ‘Adorno ~ Considero esta afirmativa citada pelo senhor como sendo uma forma condenavel de demagogis. Se existe 8 i i r algo que as manifestages dos secundaristas de Bremen de- ‘monstra, entio é precisamente a conclusio de que a educa- ‘0 politica nfo foi tio intl como sempre se afirma; isto &, que essas pessoas no permitiram que lhes fosse retirada a ‘espontaneidade, quie néo se converteram em obedientes ins- ‘trumentos da ordem vigente. A forma de que a ameacadora barbirie se reveste atualmente & a de, em nome da autorida: de, em nome de poderes estabelecidos, praticarem-se precisa- mente atos que anunciam, conforme sua propria configura- fo, « deformidade, o impulso desteutivo e a essincia mutilada da maioria das pessoas. Becker — Contudo precisamos tentar imaginar a pers: pectiva em que se situam os jovens, Onde adquirem os crité- ios para decidir o que é birbaro? Freqientemente se distin- gue hoje em dia entre a violéncia contra os homens ¢ a violencia contra as coisas. Distingue-se entre a violéncia que & praticada, ¢ aquela que € apenas ameaca; fala-se de auséncia de violéncia em ages em si mesmas proibidas, Por assim di- ‘er, desenvolve-se uma graduagio da auséncia efetiva e da au- séncia aparente de violéncia, e a partir deste padrio a questo dda barbirie passa a ser avaliada por muitas pessoas, Se enten- do bem, @ barbirie parece ter um outro sentido para o se- hor. A violencia pode ser um sintoma da barbarie, mas no precisa necessariamente sé-lo, Na realidade, 20 senhor inte: essa uma outra coisa, 0 que, na minha opiniio, ainda nko ficou claro. ‘Adorno — Bem, parece ser importante definic a bazbisie, por mais que me desagrade, Suspeito que a barbirie existe ‘em toda parte em que hi uma regressio violéncia fisica pri- miitiva, sem que haja uma vinculagio transparente com obje- ‘vos racionais na sociedade, onde exista portanto a identifica- fo com a erupgio da violencia fisica, Por outro lado, em circunstancias em que a violéncia conduz inclusive a situagbes ‘bem constrangedoras em contextos transparentes para a ge- 159 ragio de condigSes humanas mais dignas, a violéncia no pode sem mais nem menos ser condenada como barbie, Becker — O senor diria, se entendo bem, que, por ‘exemplo, nfo é barbarie a demonstragao de jovens ou adultos baseada em consideragées racionais, ainda que rompa os limi- tes da legalidade. Mas que é barbarie, por outro lado, a inter- vencio exagerada ¢ objetivamente desnecessiria da policia ‘numa situacio destas, Adorno — Certamente penso assim. Se examinarmos ‘mais de petto os acontecimentos que ocorrem atualmente na rebelido estudantil, entio descobriremos que de modo algum se trata neste caso de erupgies primitivas de violéncia, mas ‘em geral de modos de agir politicamente refletidas, Se neste caso esta reflexdo é correta ou equivocada, isto nfo precisa ser discutido agora, Mas nfo é verdade que se trata de uma conscincia deformada, imediatamente agressiva, Os aconte- cimentos sio entendidos, na pior das hipoteses, como estan- do a servigo da humanidade. Creio que, quando um time de fora que vence & ofendido e agredido num estidio, ow quan- do um grupo de presumiveis bons cidadios agride estudantes ainda que so mediante palavras, podemos apreender de um modo radical, a partir desses exemplos tio atuais, a diferenca entce o que ée 0 que nfo é barbirie, Becker —~ Entretanto, em minha opinifo as reflexdes por si so no garantem um parametro frente & existéncia da bar barie. Enquanto dirigente governamental, por exemplo, pos- so me dispor ao uso de armas nucleares em algum lugar da ‘Terra com base em consideragbes estritamente racionais, € este ato pode ser birbaro, apesar do procedimento abrangen- fe, controladissimo, estritamente racionalizado e nio subordi nado a emoydes gragas a utlizagio de computadates, As re- flexes e a racionalidade por si no constituem provas contra a barbie. Adorno — Mas eu nfl disse isto, Se me recordo — e sou uum pai de failia cuidadoso — me referi também em nossa 160 discussio a reflexdes sobre fins transparentes e humanos, € no a reflexes em abstrato. Pois, e nisto 0 senhor esta cober- to de razio, a reflexdio pode servir tanto a dominacio cega como a0 seu oposto, As reflexes precisam portanto ser transparentes em sua finalidade humana, f necessirio acres- centar estes considerandos Becker — Chegamos a uma questio muito dificil: como ‘educar jovens para que efetivamente apliquem essas reflexes. a objetivos humanos, ou seja, isto é factivel para os jovens? Eu diria que pode muito bem ser possivel, mas representa um rompimento com um conjunto de idéias que se tornaram ‘muito simpaticas. Por exemplo, uma proposisio bisica da pe- dagogia recorrente na Alemanha, a de que a competicio en- tre ctiangas deve ser prestigiada. Aparentemente aprende-se latim tao bem assim por causa da vontade de saber latim me- Ihor do que o colega na carteira 4 nossa direita ou A nossa esquerda, A competigio entre individuos e entre grupos, conscientemente promovida por muitos professores © em. ‘muitas escolas, € considerada no mundo inteiro e em siste- ‘mas politicos bem diversos como um principio pedagogico particularmente saudivel. Sou inclinado a afirmar —- e me interessa saber sua opiniio a respeito ~~ que a competigao, ptincipalmente quando nao balizada em formas muito flex veis e que acabem rapidamente, representa em si um elemen: to de educagio para a barbirie ‘Adorno — Partitho inteiramente do ponto de vista se ‘gundo o qual a competicio é um principio no fundo contr rio a uma educagio humana, De resto, acredito também que ‘um ensino que se realiza em formas humanas de mancia al- guma ultima o fortalecimento do instinto de competicio. Quando muito ¢ possivel educar desta maneira esportstas, ‘thas nao pessoas desbarbarizadas. Em minha propria época «escolar, embro que nas chamadas humanidades a competigio nfo desempenhou papel algum. O importante era realizar aquilo que se tinha aprendido; por exemplo refletir acerca das 161 debildades do que a gente mesmo faz; ou as exigincias que colocamos para nés mesmos ou a objetivacio daquilo que imaginivamos; tabalhar no sentido de superar representacbes infantis e infantilsmos dos mais diferentes tipos Abstraindo brincadeiras que twanscorreram paralelamente, ‘em minha prépeia formagio no me lembro de que 0 chamado impulso agdnico tenha desempenhado aquele papel decisivo que Ihe ¢ atibuido. Na situagio escola, esta é una daguelas mitolo- ‘as que continuam lotanco nosso sistema educacional e que ne cessitam de uma andlse cienifica sia. Becker — Alegrarme muito o fato de o senhor ter frequen: tado uma escola que the foi tio agradivel, e alegrame a nossa concotdincia tio profunda acerca da recusa das idéias exagers+ das de competitvidade, Creio que tanto no seu tempo como hoje a massa dos professores continua considerando a competit- vidade como um instrumento central da educacio e um instru ‘mento para aumentar a eficiénca, Eis um aspecto em que pode ser feito algo de fundamental em relacio & desbarbariza¢io. ‘Adorno — Isto é, desacostumar as pessoas de se darem. cotoveladas. Cotoveladas constituem sem duivida uma expres sio da barbirie, No sistema educacional inglés —- por menos que nos agrade o momento de conformismo que ele encerra, © objetivo de se tornar brilhante, o que de fato néo é uma boa ‘maxima, ¢ que no fundo & hostil ao esprito— encontra-se na idéia de far play momentos de uma consideracio segundo 4 qual a motivagio desregrada da competitividade encetra algo de desumano, e nesta medida hi muito sentido em se apro- veitar do ideal formativo inglés 0 ceticismo frente ao saudivel desejo do sucesso. Becker —~ Eu até iria mais além, Creio que erramos em insistir demasiado nesta idéia ainda hoje no esporte, Numa sociedade gradualmente Herada dos esforgosfisicos, em que 4 atividade fisica assume uma importante funclo hidica e = pportiva na escola que & muito mais importante do que jamais ‘ocorrew na historia da humanidade, ela poderia provocar con 12 seqiéncias animicas equivocadas por meio da competicio. Neste sentido ereio que um ponto decisivo consiste também. fem diminuir o peso das formas muito primitivas e marcadas da competitividade na educagio fsica. ‘Adorno — Isto levaria a um predominio do aspecto lid ‘co no esporte frente ao chamado desempenho maximo. Con: sidero esta uma inflexio particularmente humana indusive neste Ambito dos exercicios fisicos, a qual, segundo penso, parece ser estrtamente contriria As concepgGes vigentes no mundo, Becker — Isto vale para todas as suas afirmagbes acerca da competislo, pois evidentemente poder-se-ia defender a tese de que 6 preciso se preparar pela competigio na escola para uma sociedade competitiva. Bem ao contrario, penso que © mais importante que a escola precisa fazer é dotar as pessoas de um modo de se relacionar com as coisas. B esta, relagio com as coisas é perrurbada quando a competicio & colocada no seu lugar. Nestes termos, creio que uma parte da ddesbarbarizagio possa ser alcancada mediante uma transfor magio da situagao escolar numa tematizagio da relagio com. as coisas, uma tematizagZo em que o fim da proclamagio de. ‘valores tem uma funglo, assim como também a multiplicida de da oferta de coisas, possibilitando 20 aluno uma selecio, ‘mais ampla e, nesta medida, uma melhor escolha de objetos,, fem vez da subordinagio a objetos determinados preestabele cidos, os inevitiveis cinones educacionais. ‘Adorno — ‘Talvez eu possa voltar mais uma vez a certas ‘questées fundamentais na tentativa de uma desbarbarizacio mediante a edueacio. Freud fundamentou de um modo es: sencialmente psicolégico a tendéncia & barbirie e, nesta me: dida, sem diivida acertou na explicago de uma série de mo- ‘mentos, mostrando, por exemplo, que pot intermédio da ccultura as pessoas continuamente experimentam facassos, desenvelvendo sentimentos de culpa subjacentes que acaba se traduzindo em agressio. Tudo isto é muito procedente, tem uma ampla divulgagio e poderia ser levado em conta pela 168 educagio na medida em que ela finalmente levar a sério as ‘onclusées apontadas por Freud, em vez de substitutlas pela pscudo-profindidade de conhecimentos de terceira mao. ‘Mas no momento refirome a uma outra questio. Penso ue, além desses fatores subjetivos, existe uma razio objetiva dda barbairie, que designacei bem simplesmente como a da fa- Jencia da cultura. A cultura, que conforme sua propria natu: teza promete tantas coisas, nfo cumpriu a sua promessa, Ela dividiu os homens, A divisio mais importante é aquela entre trabalho fisico e intelectual, Deste modo ela subtraiu aos ho- ‘mens a confianca em si e na prépria cultura. E como costuma acontecer nas coisas humanas, a conseqiiéncia disto foi que a raiva dos homens nio se dirigiu contra o nio-cumprimento da situagio pacifica que se encontra propriamente no concei- to de cultura. Em vez disto, a raiva se voltou contra a propria romessa ela mesma, expressando-se na forma fatal de que essa promessa ndo deveria existir. Bem, na medida em que tais nexos, como o da faléncia a cultura, a perpetuasio socialmente impositiva da barbirie € este mecanismo de deslocamento que ha pouco descrevi sio levados de um modo abrangente 4 consciéncia das pes- soas, seguramente néo se podera sem mais nem menos mu- dar esta situacio, porém sera possivel gerar um clima que & incomparavelmente mais favoravel a uma transformagio do que o clima vigente ainda hoje na educacio alem®. Esta ques- ‘Wo central para mim é decisiva; € a isto que me refiro com a fingio do esclarecimento, e de maneira nenhuma 4 conver- so de todos os homens em seres inofensivos e passivos. Ao contrério: esta passividade inofensiva consticui ela prépria, Provavelmente, apenas uma forma da barbirie, na medida em ue esté pronta para contemplar o horror e se omitir no mo- mento decisivo. Becker — Concordo inteiramente. Ainda mais quando eu temia nas suas exposigbes iniciais que a desbarbarizacio deveria comesar, por assim dizer, com uma diminuicdo da agres- 164 so. © senhor ja havia respondido com a citagZo de Strind- berg. Mas penso que precisamos nos proteger de equivocos, Certamente 0 senhor conhece as propostas um pouco sur- preendentes de Konrad Lorenz, que desenvolveu com suas exposiges acerca da agressio o ponto de vista de que, se qui- setimios preservar a paz mundial, serd necessério abrir novos campos as agressBes dos homens. E nessas consideragbes cabe, por exemplo, o campo esportivo hi pouco descrito pelo senhor ocupando o lugar da guerra a ser evitada, Acredito gue — por mais interessantes e estimulantes que sejam as observacées de Konrad Lorena acerca das agressbes entre 0 animais — a conclusio a que se chega nestes termos, ou seja, a recomendasio de agressbes de alivio, ¢ muito perigosa Adorno — Ele conclui assim por razes de darwinismo social. Também a mim ele parece extraordinariamente peri- 2050, porque implica de uma certa maneira reduzir os ho- mens a0 estado de seres naturals Becker — Nao creio que esta seja a opiniZo de Lorenz, Adorno — Nao, nfo é. Mas neste modo de pensar, como também no de Portman, seguramente existem certas ten- déncias desse tipo. Com a ediucacio contra a barbatie no fun- do nao pretendo nada além de que o tltimo adolescente do cam- po se envergonhe quando, por exemplo, agride um colega com rudeza ou se comporta de um modo brutal com uma mosa; quero que por meio do sistema educacional as pessoas comecem, a ser inteiramente tomaclas pela aversio A violéncia fisica. Becker —~ Quanto & aversio eu seria cuidadoso .. ‘Adorno — Entio pergunto se nio existem situagdes em que sem violencia nao é possivel, Eu diria que neste caso tra- tase de uma sutileza. Mas creio que antes de falarmos sobre as excegbes, sobre a dialética existente quando em certas cir- cunstincias a antibarbarie requer a barbitie, & preciso haver dlareza de que até hoje ainda nao despertou nas pessoas a vergo- nha acerca da rudeza existente no principio da cultura. E que somente quando formos exitosos no despertar desta vergonha, de 165 ‘maneita que qualquer pessoa se tore incapaz de tolerar br talidades dos outros, s6 entio sera possivel falar do resto, Becker — Bem, a palavra “vergonha” é muito mais do meu agrado, do que a palavra anterior, “aversio”. Existe uma literatura ampla a este respeito que — como é do seu conhe- cimento — conduz a luta contra a barbirie por meio de uma forma de descricio da barbarle que pode ser apreciada, E na aversio exagerada fiente 4 barbirie pode haver elementos andlogos, Nestes termos considero mais procedente a sua afismagao de que € preciso gerar uma vergonha. Além disto eu diria que a educacio (€ por isto o termo “esclarecimento” talvez ainda precise de esclarecimentos) nessas questdes deve- sia se dar com as criancas ainda bem pequenas. E necessirio que determinados desenvolvimentos ocorram num perfodo etirio — como disfamos hoje —~ da pré-escola, onde nfo se verificam apenas adequagSes sociais decisivas e definitivas, como sabemos hoje, mas também ocorrem adaptagbes decisi- vias das disposig6es animicas. F & preciso reconhecer com bas- tante franqueza que em primeiro lugar sabemos pouco acerca de todo este processo de socializacio, e também ainda temos pouco conhecimento cientificamente comprovado acerca de que agSes tém quis efeitos nesta idade. No fundo, 0 impor- tante é deixar as agressGes se expressarem nesta idade, mas a0 mesmo tempo iniciar a sua elaboracio. Mas é isto precisa- mente que coloca as dificuldades maiores a0 educador, dei- xando assim bem claro que no referente a esse problema a formacio de educadores encontra-se engatinhando, se é que chegou a tanto. Adorno — Como alguém que pensa psicologicamente, isto parece-me ser quase uma obviedade, Isto deve-se a que a perpemuagio da barbérie na educagio € mediada essencial- ‘mente pelo principio da autoridade, que se encontra nesta cultura ela prépria. A tolerdncia frente s agressbes, colocada com muita razio pelo senhor como pressuposto para que as aagressSes renunciem a seu carater birbaro, pressupde por sua 166 ‘vez a remincia a0 comportamento autoritirio € & formacio ‘de um superego rigoroso, estivel € 20 mesmo tempo exterio- rizado. Por isto a dissolucio de qualquer tipo de autoridade do esclarecida, principalmente na primeira infincia, consti- tui um dos pressupostos mais importantes para urna desbar- barizacio. Mas eu seria o tiltimo a minimizar essas quest6es, pois os pais com que temos de lidar sio, por sua vez, também produtos desta cultura ¢ sio to barbaros como 0 é esta cul: tura, O direito de puni¢io continua sabidamente a set, em terras alemas, um recurso sagrado, de que as pessoas dif: ‘mente abrem mio, tal como a pena de morte ¢ outros diposi tivos igualmente birbaros. Becker — Se concordamos acerca de como é decisiva a educacio na primeira infancia, entio provavelmente também concordamos em relagio a que a autoridade esclarecida, tal como 0 senhor a formula, nao representa uma substituigio da autoridade pelo esclarecimento, mas que neste ambito € jjustamente na primeira infincia precisa haver também mani festagdes de autoridade. ‘Adomo — Determinadas manifestagbes de autoridade, que assumem tum outro significado, na medida em que ja nd sho cegas, no se originam do principio da violéncia, mas sio conscientes, e, sobretudo, que tenham um momento de transparéncia inclusive para a propria crianga; quando 0s pais “dio uma palmada’” na crianga porque ela arranca as asas de ‘uma mosca, trata-se de um momento de autoridade que con: twibui para a desbarbarizagio, Becker — Isto estd inteiramente correto, Crefo gue con- cordamos quanto a que, nessa primeira infincia e no sentido da desbarbarizacio, a crianga nao pode ser nem submetida autoritariamente a violéncia, nem submetida & inseguranca total pelo fato de nao se oferecer a ela nenhuma orientacio. ‘Adorno —— Contudo, creio que justamente as criangas que sio anémicas no sentido das concepgdes vigentes dos adultos e também dos pedagogos, as chamadas plantas de es- 167 ‘tft, com as quais foi exitosajé precocemente como que uma sublimagio da agressio, serio também como adultos ou como adolescentes aqueles que sfo relativamente imunes em face das agressbes da barbirie. O importante & precisamente isto, Acredito ser importante para a educagio que se supere este tabu acerca da diferenciagio, da intelectualizagio, da es- piritualidade, que vigora em nome do menino sasdével ¢ da ‘menina espontinea, de modo que consigamos diferenciar e tomar tio delicadas as pessoas no processo educacional que las sintam aquela vergonha acerca de cuja amportincia ha viamos concotdado, 168 EDUCACAO E EMANCIPACAO Adorno — A exigéncia de emancipagio parece ser evi dente numa democracia, Para precisar a questo, gostaria de emeter 20 inicio do breve ensaio de Kant intitulado “Respos- 1a A pergunta: o que é esclarecimento2”. Ali ele define a me- noridade ou tutela ¢, deste modo, também a emancipasio, afirmando que este estado de menoridade & auto.inculpivel quando sua causa no & x falta de entendimento, mas 2 falta de decisio e de coragem de servir-se do entendimento sem a orientagio de outrem, "Esclarecimento &a saida dos homens de sua auto-inculpavel menoridade”, Bste programa de Kant, {gue mesmo com a maior mé vontade nio pode ser acusato de falta de clareza, parece me ainda hoje extraordinariamente tual, A democracia repousa na formacio da vontade de cada ‘um em particular, tal como ela se sintetiza na instituiglo das cleigdes representativas, Para evitar um resultado irracional & preciso pressupor a aptidio ¢ a coragem de cada um em se servir de seu proprio entendimento. Se abrirmos mio disto, todos os discursos quanto 4 grandeza de Kant tornam-se ‘mera retérica, exterioridade; como quando estamos na Ala- ‘meda da Vitéria e chamam a nossa atengio para o grande Principe Eletos, Quando se pretende levar a sério © conceito de umta tradigio intelectual alemi, & preciso comecar reagin- do energicamente a uma tl situacio. Becker — Parece-me ser possivel mostrar claramente a parti de toda a concepsio educacional até hoje existente na ‘Alemanha Federal que no fundo nfo somos educados para a 169

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