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JOHN RAWLS Oo LIBERALISMO POLITICO "Anno oe ite senuereMas © 1995 Calabi Univer ro as phe apn desi Ts Ve (© cermo libra no tem nos Estados Unidos 2 mesma acepszo que Ihe €aesibuida entre nés e na Europa. Os conservadores norte-ameti~ ‘anos entendem-no como sindnimo de socialists © que tampouco faz en sentido no Brasil. © socialismo ocidencal, embora acaleneasse a ilu ead slo da saciedade sem classes ¢lutass pela estatizagio da economia, ‘atv Ges Mendes sempre se ateve aos limites impostes pelo sistema democritico ee eice presencativo (ao contrério do soialismo oriental, que sderiu a cota Mie Gama Aro Titarismo e passou a et conhecido como comunismo, juscamente pa- Ss 12 alo confundi-lo com o socilismo). Nos Estados Unidos, nunca, eat hhouve movimento expressive em favor da criagdo de qualquer espé- Moc Anan cie de Estado empresitio, A coreente force (liberal, em grande medi ee deo sete 4s identificada com o Partido Democrat) caracteriza-se pela adogio Suma sb de mecanismos oficiais destinades a promover a elevacio dos padrGes Feit ii de enda da minoria que nio consegucfaz8-lo através do mercado pereatat (Naw Deal de Roosevelt; Big Sicety de Lyndon Johnson ec.) Assim Impreno nas fis da sendo, ela mais se asemelha 8 socal-democracia eutopéia, ainda que rica Pals Aer «sta $6 ¢ tenha ofiializado no Congeesso de Godsberg (novembro Been Ade 1959), do Partido Social-Democrata Alemio, que rompe com © _marxismo ¢ renuncia a socedade sem classes, se bem que sem abdi- cat de uma cerca igualdade de reatadss (0 compromisso dos liberis € 20 om aigualdae de oportunidad) O ira amveicano pode, pois, ee eee ‘ser qualificado de social-democrata. Os liberais estadunidenses sio escent ea — chamados de mers o nro dispondo de geandein- on 0 CEP O10 7S Past Aa Ahuncia no Pardo Republicano.Tampouco paderim ser identifi 01 36.00 0.1 27-46 cador com os conservadores, ques tab muito stuantes, mas Sut etenowcieente Se culivam faa pep A digressia precedente vem a propésico deste livro que se deno- mina Libations pli. Seu autor € um auttatico lideral, na acepgio acima caracterizada,sendo portanto legitimo caracterizé-o como s0- cial-democraa, Jolin Rawls (nascido em 1921), professorem Harvacd, sleangou grande nomeada com a publicagio, em 1971, do livro Uma tuoria da justia. Naquela oporcunidade, avangou a hipstese de que a justiga dia tespeto a0 conjunto da vida humana, eno apenas a um de seus segmencos. Deveria repousar num principio igualitiio as- sim formulado: “codes o valores sociis — liberdade e oportunid de, progtesos e riquezas eas bases do respeito asi mesmo — dever distribuir-se igualmence,a menos que uma disribuigio desigual de ‘qusisquere de todos eses bens seja vantajosa pars todos". Rawls pre- ‘ende, assim, ter chegado i apreensio de um principio bisico ("A jus- tiga 6 primeira vieeude das instieuigBes sociais, como a verdade 0 € de todos os sistemas de pensamento"), a partir do qual seria possivel reorganizar a vida socal. (© igualicarismo de Rawls veio dar novo alento 20s social-demo- rata (tera) americans. Como, em 1965, as familias considera das pobres compusessem 17,3% da populagio, o nivel mais alto da histria americana, a celeuma provaceda pelo fato levou o presidente «em exercicio (Lyndon Johnson) a lancar novos programas de assstén cia, em decorténcia do que os dispéndios correspondentes rapida~ ‘mente alcangarum moncantes da ordem de US$ 400 bilhies anuais. corre que iniciativa ndo reuleou na redusio daquele contingen- {e, Ao conteito disso, emergiu ofendmeno das familias com um Ga cochefe (basicamente mes soleiras),cujs ilhosiriam sucessivamen: teengrossar a fileiras de drogados e delinglentes.O igualicarismo entra em decliio eo clamor pela reforma dese siseema ganhs fora (conseguiv, como sabemos, introduzr diversas mudanga, inclusive ‘com o apoio dos chamados new democrats, corrente com crescente in fluéncia no Partido Democrata que, de uma certa forma, aproxima- vaste da insscénciarepublicana em prol da revitalizagio dos valores ‘adicionais da sociedade americana). Reivindica-se a paternidade responsivel, que os programas de asistencia social fica acabaram, por enfraquecer. Nesse contexto € que a obra Una vera da justia de 6 Rawls aruou no sentido de reagrupare fortalecer os liberals (scial- ‘ira para que eles concebam seu states comum € garantido de cidae dios iguais e cents conectar uma deverminada forma de encender 2 9 liberdade e a jgualdade com uma concepgio especifica de pessoa que penso ser afim as nogSes compartilhadas conviegSes esenciais im= plfcicas na culeura pablica de uma sociedad democritica’ ‘A obra de Rawls ensejou uma grande dscussio nos principals pat> ses do Ocidente,¢ no sé no mundo anglo-suxio. Neste, a douttina ‘moral sceta desde o inicio do culo XIX consiste em afirmar que, ‘ng busca da prépia elicidade (da maneita especifca como a enten- dem), o¢ individuos contribuirio para a conquista da flicidade ge- ral, Essa doutrina foi denominada de atlterimo, denominagio que cde modo algum expressa seu sentido principal. Na eradugio latina, 0 termo sil no expressa 0 que se tinha em mente ao empregéclo. Referiase, na verdade, iquelas ages efits, isto €, que se mostra vam adequadas & consecugio des objetivs visados. No fundo, tem= se afaidéia protestante de que o sucesso social seria um indicio de salvagio (a partir da premissa de que as acBes dos individuos deve ‘iam ter em vista erigir na terra uma obra digna da glia de Deus), E, se merece a aprovagio de Deus, sua aco € benéfica para codos ( “mio invisivel” de Adam Smith). ‘A experiéncia concreta revelou duas coisas: 1) 0 mercado, se cia condigdes apropriadas para o exerici da criatividade dos empreen- dedores — e portanto do progresso material —, também engendrs crises colossais como a de 1929; 2) eliminagio do mercado —co- ‘mo preconizado e em certa medida levado & pritia pelo socialismo democritico do Ocidente — leva i estagnacio (a Inglaterra do pés- ‘guerra é 0 exemple mais flagrant) [A social-sdemocracia (bem como aquilo que entre és tem sido de- rnominado de liberaismo social) busca um caminho que permit rméximo de liberdade ao mercado e, 20 mesmo cempo, o controle €a ingeréncia extatais naquele aspectos que sejam decsivos pars a esa= bilidade econdmica politica. Essa busca passe nataralmente pela aproximacio entre moral e politica, como deseja John Rawls. O su- cesso de Tony Blair deve-seem grande medida a seu empenho em re- cuperar a componente moral do socialismo originério. Contudo, se aplicado, o igualitarismo de Rawls produziria um grande dissenso, social, donde a sua virtual impossibiidade sistema democritico to epresentativo, i que dificilmente enconteatia sficience apoio para ser adotado, No fundo, 0 que estd em discussio € 0 seguinte: no processo de busca de uma posicio superadora das limitagBes do socialism, mas preservadora de seu legado (mora) imorredouro, deve a social-demo- ‘racia manterfidelidade 8 ignaldade de raltads? © trabalhismo in- lés jf respondeu negativamente a esa pergunca. O nosso voro é que «4 publicagio desta obea seminal de Joho Ravis leve os social-demo- ‘rata brasileirs a participaedesse émpolgante debate Brasilia, janeiro de 1999 Carls Henrique Cardin © LIBERALISMO PoLIiTtico Jon Rawis Para Anne, Le, Alle Liz SUMARIO Tncrodugio PARTE (© LIBERALISMO POLITICO” ELEMENTOS BASICOS ‘CONFERENCIA I~ IDEIAS FUNDAMENTAIS $1, Duas questdes fundamentais §2.A idéia de uma concepgio politica de justin 83. A idéia da sociedade como um sistema equiativo de cooperagio $4. A idéia da posigo original $5. A concepgto politica de pessoa $6. A idéia de sociedad bem-ordenada §7, Nem comunidade, nem associagio 8. Sobre o uso de concepgses abstraeas (CONFERENCIA Il AS CAPACIDADES DOS CIDADAOS SUA REPRESENTAGAO §1, 0 mzoivel eo racional §2. 0s limites do juizo $3. Doutrinas abrangentes erazoiveis $4. A condicio de publicdade: seus es niveis §5. Auconomia rcional: artifical, no politica 6. Autonomia plens: politica, nio éica a 46 3 38 6 2 8 84 a 92 98 102 no 116 1 §7. A bese da motivagio moral da pessoa §8. Psicologia moral: floséfica, alo psicoldgica ‘CONPERENCIA I © CONSTRUTIVISMO POLITICO 1. A idgia de uma concepgio conserutivisea §2. 0 construrvismo moral de Kane {3A jusiga como equidade enquanco visio construivista ‘$4. O papel das concepces de sociedadee pessoa $5. Ties concepyses de objerividade [§6, A objecividade independence da vio causal do conhecimento 157, Quando existem razdes objetivas, em termos politicos? 48. Oalcance do conserutivismo politico (© LIBERALISMO POLITICO: TRES IDEIAS CENTRAIS CCONFERENCIA IV - A IDEA DE UM CONSENSO SOBREPOSTO §1. Como 6 liberalismo politico € possvel? §2. Agquestio da estabilidade 43. Tits caracteriticas de um consenso sobreposto ‘$4. Um consenso sobreposto io € indiferente, nem cético §5. Lima concepcio politica no precisa ser abrangente 96, Passos para um consenso consticucional 7. Passos para um consenso sobreposto 8. Concepgio e doverinas: como se eelacionam entre si? 126 Bz 135 144 147 153 156 163 165 v2 180 186 190 196 200 205 au 216 CCONFERENCIA V- A PRIORIDADE DO JUSTO F AS IDEIAS DO BEM $1. Como uma concepsdo politics limita 8 concepgées do bem §2.O bem como racionalidede §3. Bens primétiose comparagies interpessouis 18 221 223 225 $4. Os bens prisirios enquanto necessidades dos cidadios 45. Concepts permissiveis do bem e vireudes poliicas $6. A justia como equidade ¢ justa em relagio as concepsdes do bem? §7. 0 bem da sociedade politica {98 A justice como equidade & completa CCONFERENCIA VI- A IDEIA DE RAZAO PUBLICA 1, As quest fans deo pablice $2. Raziopablicn eo ideal de cidadania democrvca 85, Raztes o-pblcas $4. O contetido da raziio piblica §5. A idéia de elementos constitucionais essenciais 6.0 supremo eribunal como exempla de rst pablica §7. As dificuldades aparentes da raziio publica $8. 0s limites du rao pilin PARTE IL ‘A ESTRUTURA INSTITUCIONAL CCONFERPNCIA VII - A ESTRUTURA BASICA COMO OBJETO $1.0 objeto primeica da justiga §2. Auunidade pela seqéncia apropriada {$5.0 libertrianismo no atsibui nenbum papel especial 3 estrutura bisica $4. A imporeincia da justiga bsica §5. Como a estrutuea bisica afta os individuos §6. O acordo inicial como hipotético nlo-histrico 87. Caractersticas especiais do acordoinicial {§8. A nacareza social das eelacBes humanas 9. A forma ideal da estrurura bisica §10, Resposca 3 critica de Hegel 234 238 243 249 256 262 265 269 272 277 281 201 298 309 34 318 321 324 328 331 334 338 CCONFERENCIA VII - AS LIBERDADES FUNDAMENTAIS SUA PRIORIDADE §1. 0 objetivo nical da justia como eqhidade §2 O staras especial das liberdades fundamentais 43. ConcepgBes de pessoa e cooperacio socal $4. A posicio original $5. A prioridade das liberdades, I: a segunda ‘capacidade moral $6. prioridade das liberdades, I: primeica capacidade moral 97. As liberdades fondamentas nZo io ‘mera formalidade §8. Um sistema plenamence adequado de liberdades fundamentais §9. Como as liberdades se encaixam num §10, A expresso politica livre SLL. A regea do perigo claro e presente §12. A manucengio do valor equitaivo das iberdades poicicas §13. As liberdades vinculadas a0 segundo §14. O papel de justia como eqhidade 348 353 359 365 370 380 387 391 397 405 414 a2 a7 turmooucko [As es primeiras conferéncias dest livo coincidem, em termes -erais, com aquelas que apresentei na Universidade de Colimbia em. abril de 1980 e foram publicadas, com revises consideraveis, no Journal of Philusphy, em setembro daquele ano, com o vieulo de“O ‘construtivismo kantiano na teoria moral", Ao longo dos dee anos se _guinees elas foram rescrtase passaram por nova revisfo. Acho que cstdo muito mais claras do que ances, 0 que ado significa que agora ‘estejam totalmente clas. Continuo chamando de conferéncas © que poderia ser chamado de capiculos, pois foi na qualidade de cones cias que eu as concebi tento preserva, talvez sem sucesso, um certo ‘estilo coloquial ‘Quando as conferéncas originais foram proferidas, plancjava pus blici-lasjuntamence com outraserés. Uma delas, "A estrutura bisi- «ca como objeto” (1978), jé fora proferida e publicada, enquanto as futras duas, “As lberdades fandamencais e sua prioidade” (1982) € ‘Unidade social e bens primros” (1982), estavam esboradas ou pré- xximas de sua conclusio, No encanto, quando essas ers outra confe- ‘ncias foram Finalmente apresencadas, vi que no tinham o tipo de Lunidade que eu queria, quer encre si, quer em relagio&serésanterio- tes'. Por iso esctevi mais er dssertagGes sobre oliberalismo poli 0%, como agora denomina 0 conjunto, comegando com "Uma con= cepgio politica, nio metafisica” (1985), grande parce da qual ests 1 Decor acon dt pina a nig age alert 2 Ese tern uta em “Oveppng Cones” Ofd ara of Lisl Sa 7 eve tern de 187) 2Sae Te Prey igh an Le of he Gen Phang and Pali ‘Af to cde 98, 271273. 2 incluide na primeira confeténcia, seguida por “A idéia de um consen- s0 sobreposto” (Oserlapping Consensus) (1987), “A prioridade do justo € as idéias do bern” (1988) €“O dominio do politico” (1989). As tes ‘leimas, consideravelmente refeitas e combinadas, juntamente com, "A idéa da tanto pablice", que aparece aqui pela primeira ver, cons- ticuem as erés conferénciasfinais deste liveo. [As seis primeias conferéncias esto celacionadas da seguince ma- ‘cits: as els primeiras apresentam o puno de fundo filos6tic do l= berslismo politico em termos de rardo pritica, principalmente os 881, 3, 7,8 da Conferéncia I todos os da Conferénca Il, enquan- to a5 eds lkimas discutem mais detalhadamenteviris de suas pin~ cipaisidéias, como, por exemplo, a idéia de um consenso sobrepos- to, idéia da prioridade do diteita e sua relagio com as idias do bem, 4 idgia da ranio pablica. As conferéncias tm agora aunidade te- sndcica desejada, canco ence si quanco com o espiitoe teor de Una teria da justia’ dia do liberalismo politico. (Os abjetivos de Um tra da ui foram esbogados em seu pre- fico (§§2-3). Ali, comeco observando que, durante grande parte do periodo moderno da filosofie moral, a visio sistemitica predominan- te no mundo de ings inglesa sempee foi alguma forma de uit rismo, Isto se deve, entre outeas cosas, 20 Faro de ess visio er sido repeesentada por uma longa linhagem de escritores brilhantes, de Hume e Adam Smith a Edgeworth e Sidgwick, que construfram um, cedificio intelectual realmente impressionance no que diz cespeito 8 amplitude e profundidade. Em geral as objecSes de seus crticos foram limitadas, Observaram dificuldades com o principio de utili- dade e salientaram disceepncias sériase evidences entre suas imp cagBese nosas convicgSes moras comuns, Mas cteio que esses citcos, ‘ao conseguiram elaborar uma concep¢i0 moral vidve esistemética que pudesse contrapor-se de fato a ese edificio, O resultado foi que nos vimos muitas vezesforgados a zee uma opgzo encre o utiitaris- ‘mo e oineuicionismo racional e, provavelmente, a escolher uma va- riance do principio de uilidade resereae limitada por objegbes in- tuicionietas aparentemente ab. 5. Thy Ja Cabge Mas: Haar Univer Pros, 171). 22 (Os objerivos de Tara (ainda parafaseando seu precio) cram ge peralizarelevar a uma ordem superior de abseragZo a doutrina tradi- ional do conceato socal. Eu queria mostrar que essa doutrina tinh, como responder As objegBes mais Gbvias que, em geral, forum conside- ‘das fata para ela, Espero claborar com mais clatea as principas c= racterstcas estruturas dessa concepsdo —a que chamei de “justia ‘como eqiidade'— edesenvolvé-La como uma outa visio sisteméti cde jusiga, superior ao utltarismo. Julguei que essa oura concepsio, cea, entre as concepgies moraistradicionais, a que mais se apeoximava de nosas convicgées refleidas de justiga,consctuindo a base mais apropriada para as insticuiges de uma sciedade democriica. (Or objets dessa confeéncias sio bem diferentes. Observe que, ‘em meu resumo dos objecivos de Teri a tadigio do contrato social parece como parte da flcsofia moral ¢nio se fax distingio alguma ‘ee Filosofia morale politica. Em Teoria, uma doutrina moral da mente politica de justiga. O conteaste encre doutrinas filosficas € -morais abrangenees concepgBes limitadas ao dominio do politico no é de grande relevincia. No entanto, esas diseincBese ids afins slo fundamentais nas conferéncias aqui apeesentadas [Na verdade, pode parecer que 0 objetivo e 0 teor dessas conte ‘acias indica uma grande mudanca em relacio aos de Tria. Ceeta- justica de alcance geral ado se discingue de uma conce ‘mente, como jd ressltei,existem diferengas importantes. Mas, para entender a nacureza ea exten desis diferencas, é preciso vé-las como fatores decorrences da tentativa de exclarecer um grave proble- ‘ma interno, proprio da justiga como eqlidade. Elas decorrem, em ‘ues palaveas, do fato de a descrigio de estabilidade, na Parte IIL e Tira, ndo ser cerente com a vislo em sua totaidade. A elimina- iio desss incoeténcia, creio,responde pelasdiferencas entre quela obra ea presente, De resto, as conferéncias aqui apresentadas acaram substancialmente a mesma esteutura ereor de Teri’ 4 Evdemeann,¢pcin aig msl deo fe eves ual gl ‘oresum eo cone epg come ead ram spasm Une de ‘ee. Rigscs ee soto, tir eee a mina aca 23 © serave problema a que me referi — € preciso que eu explique — diz respeito a idéia pouco realist de “sociedade bern-ordenada”, tl como aparece em Terie. Uma caracterfstcaessencial de uma so- ‘ma concepclo politica eazoével de justiga € possivel. O liberalismo politico comege por levar a serio profundidade absolueadesse con. Aieo lacente eieeconciisvel. Sobre a relacio entteo iberaismo politico ea filosofia moral do petiode moderna, enquanto a filosofia moral ea, claro es, profun- damente afetada pela sicuacio religiosa no incerior da qual se desen= volveu depois da Reforma, os principaisescricores do século XVIII ssperavam estabelecer uma base de conhecimento moral independen- te da aucoridade ecesicicae acessivel A pessoa comum, razoivel conscienciosa. Feito iso, quiseram desenvolver todo o leque de con- ceitas € pri ‘pos com base nos quaisestabeleceriam 05 requisicos ‘da vida moral, Com ess finalidade, estudaram as questdes bisicas da epistemologiae da psicologia moral, eis como: (O conhecimento ou a nogio de como devemos agir seria dado di- cecamente & alguns apenas, a uns poucos(o cleo, digames), ou 2 c- da pessoa normalmenterazoivel ¢conscienciosa? ‘A ordem moral exigids de n6s deriva de uma fonte externa, de ‘uma ordem de valores existence no intelecto de Deus, por exemplo, ‘ou surge, de algum modo, da pris nacureza humana (tanto da ra- io quanto do sentimento, ou de uma ur com of requisitos de nossa vida em comum na sociedade? Finalmente, devemos cer persuadidos ou levades a aos convencer de nossos deveres e obrigacdes por uma morivacio externa, pelas san Bes divinas, por exemple, ou peas sang¥es estas? Ou somos cons dos de tal forma que temas em nossa naturees motivos sufcien- Fo de ambos), juntamente a4 ‘es para nos levar a agir como devemos, sem a necessdade de amea- ase indugées externas"? “Todas essas questées surgitam primo na ecologia. Entre os au cores que geralmence eseudames, Hume e Kant, cada qual 3 sua ma- rei, escolhe a segunda alternativa como espostaa cada uma dessas crs questées. Acreditam que a ondem moral surge de algum modo 4 prdpria natureza humana, como eazio ou como sencimento, das condigies de nossa vida em sociedade. Acreditam também que saber fou cer consciéncia de como agir é dado diretamente a coda pessoa que Sj notmalmence razoivel e conscencioss.E, por fim, areditam que somos constieuidos de tal modo que temios em nossa nacureza moti vos suficientes pura ns levar a agie como devemos, em a necesida- de de sanges externas, ow pelo menos nio sob forma de eecompen: 55 e punigSes impostas por Deus ou pelo Estado. Na verdade, canto Hume quanto Kane encontram-se 0 mais longe possvel da visio se- _gundo a qual somente uns poucos tém discernimento moral ¢codas 4s pessoas, ou a maioria delas, devem ser obrigadas a fazer 0 que é ‘certo por meio dessa sangbes™. Nesse sentido, suas idéias fem par- {e daquilo a que chamo de liberalismo abrangente, em contraposigio a iberaismo politica, ‘Oliberalisma politico aio € um liberalism abrangente, Nio ado- ‘ca uma posigdo geal sobte as trés questbes acim; deina que sejam espondidas 3 sua prdpria maneita plas diferentes vies abrangen- tes. Contudo, no que diz respeico a uma concepto politica de just: (4 num regime democritico consticucional, 0 liberalismo politico Aefende caregoricamence a segunda alternativaem cada umadas ques- es propostas. Nesse caso fundamental, defender esss alteroativas faz parte do constrativismo politic (IM). Os problemas geris de f 15. si pein cnet de acct Scheid Mr Phy fn lng Kone A At. i (Cambedge Combes Uniey Pree Aiverios ent de Schaewiod, ete es, em partic, “Natal Lam, Sheps, and (he Mea ot Eta oft yf a 92191 299-508 cei an kat, Mn Py 2, a grea Hae 35 losofia moral nfo sio da alga do liberalism politico, exceto quan do afetam a maneita pela qual a culeura de base e suas doutrinas brangentestendem 4 apoiar um regime coasticucional. O liberalis- ‘mo politico vé sua forma de ilsofia poicica come possuidora de um tema proprio, qual seja: como € possivelaexisténcia de uma soci dade jst live em condigies de profundo conflto doutrinsria, sem perspectiva de resolugio? Para manter a imparcialidade entre dou- trinas abrangente,o iberslismo politico aio discuteespecificamen- te-0s t6picos moras que dividem essus doutrinas. As vezes iss0 pa- rece apresentar dificuldades, as qua procuro resolver a medida que surgem, como em V8, por exemplo, Pode parecer que minha énfise na Reforma e a longa controvér- sia sobre a tolernca, entendidas como a origem do liberlismo, seia anacrnica em relasio aos problemas da vida politica contempori- ‘nea. Entre noss0s problemas mais bisicos encontram-se 0s de ra, ccnia e género, f possivel que tenham um cariter inteiramence dife- rente, que exija ptinefpis diferentes de justca, no discutidos pela Tori ‘Como observei antes, Uma tora da jusicapropés-se a apresentar ido que as con- cepgesteadicionais mais importantes e conbecidas. Tendo em vista ‘ssa finelidade, limirou-se — como as questSes que discure deixam, Claro —a uma série de problemas cisscos e ans que estiveram no ‘uma visio da justia politica e social mais savsf centro dos debates hiséricos relativos 3 escrutura moral e politica do Estado democetico moderna, Por isso tata dos fundamentos das li- berdades eeligiosase politicas biscas,e dos direios fundamentais ‘dos cidados na sociedade civil, incluindo aqui a liberdade de movi- ‘mento ea igualdade equitativa de oportunidades, o dieito& proprie~ dade pessoal eas gatantias asseguradas pelo império da lei A Tewia dliscute também a justiga das desigualdades econdmicase socias mu ima sociedade em que os cidadios sio considerados livres e iguais, ‘Mas ignora em grande parte a questio das reivindicagdes de demo- cracia na empress no local de trabalho, assim como a de justia en ‘tre os Estados (ou povos, como peefito dizer) e praticamente deixa cde mencionar a justia penal ea protecdo ao meio ambiente ou a pre 36 servacio da vida silvestre, Quteas questdes importantes sio omii- as, como, por exemplo, a justiga da ena familia, embora eu de fico supona que, de alguma forma, a familia € justa. O pressuposto sub jacente & que uma concepcio de jusige desenvolvida com o foco em tans poucos problemas clisicose de longa data hé de se coreta 0, pelo menos, apresentar dretrizes para a resolugio de outeas questes Esse & 0 raciocinio que fundamenta a focalizacio em uns poucos pro- blemas clisscos cenerise persistentes F clara que «concepgéo de jusiga 3 qual se chegs dessa mancira pode mostra se defeitusa so € que esté por cis de grande pare da crcica fica 3 Teoria, segundo a qual 0 tipo de hibealismo li e- presenta seria insinsecamente defetuoso po se bascr numa con- cepsoabstrata de pessoa e por evar de uma ida individualist, ‘io social, de nacoreza hamana ou porque empregata uma distin- fo implausivel ene pblio eo privado, o que aiposibilcaria de idar com os problemas de género fami. Acreito que geande pare dessasobjoes concep de pessoneideia de naturezs hu mana resultado fato de nose vee a iia da posi original como um acificio de representa come explico em I:4. Acredito tam- bem, embora nio procure demonsteé-lo nas conferéncias aqui pre~ sentes, que as supestas dificuldades em discutir problemas de géne- 0 familia podem ser superadas, Dessa forma, continuo achando que, se dispuseemos das concep= bese principios adequados as questieshisticas bésicas,essas con cepgSes e principies teri larga aplicacio 20s nossos pestis proble- ‘mas. A mesma jgualdade da Declaragio da Independéncia que Lincoln Jnvocou para condenar a escavidio pode ser invocada para condenat a desigualdade ea opressio das mulheres. Penso que é uma questio, de entender o que os principios anteriores requerem sob outta cit Ccunstinciase de insstr para que sejam postos em pritica pels ins Citwigdes existences. Por essa razio, a Tria concentroucse em certos problemas hise6ricos, na esperanca de formular uma série de concep (8es principiosafins erazodveis que possam ser aplicados tambéen 8 outtos casos bisicos 7 Para concluit, procurei moscrar nas observagSes acima que agora ‘entendo justiga como eqidade como uma forma de liberalismo po> Hicico, e procurei mostrar também por que mudancas se fizeram ne cesstias, Essas observagées enfatizam o sério problema interno que levou a tais mudangas. No entanto, nio pretendo dar uma explicas ‘io de como e pot que essas madancas foram feicas de fo, Na ade, nio creio que saibs por que tomei essa direcio especitica Qualquerhistéria que eu conte sera, provavelmente fcgio, apenas aguilo em que quero acreditar. ‘O primeico uso que fiz dessa idéias de concepto politice de jus- tiga ede consenso sobreposto foi equivocada e levou a abjegées que, inicialmenee, achei desnorteentes: como idéias simples como as de ‘uma concepgio politica de jusica e de um consenso sobreposto po- dem ter sido mal entendidas? Subestimeio grau de complexidade necessirio pars que Teri fosse coerentee considerei pontos pac os algumas pegs essenciais que falearam para uma formulaso con- vincente do liberalism politico. Denezeessas pegas que faltaram, 2s principais so 1) aidéia de justiga como equidade enquanto visio auto-susten- ‘ada, ea de um consenso sobrepasto como um componente de sua incerpreragio da estabilidade; 2) distingdo enere pluralismo simples e pluralismo razosvel, ia de uma doutrina abrangente razosvel; 3) uma interperagio mais completa do razovel edo racional en- tretecda na concepsio da consteutivismo politico (em conera~ posigio ao consteutivismo moral), de modo que fique claro o tembasamento dos prinefpios do diteio e da justiga na razio pritics. Com essas pegs no lugar, acredico que as partes obscurasestejam agora esclarecidas, Tenho muitos ageadecimentos a fazer, 2 maioria dleles indicados nas notas de rodapé ao longo de todo o Livro. Com aqueles com quem rive discusses instruivas sobre as pessausentes ‘mencionadas acima, pessoas com as quas aprendi muito, cenho uma divida especial acompanhada dai 38 ‘Ageadeso aT, M. Scanlon as numerosas discusses insteutivas, desde o comeso, sobre 0 construtivismo politico © o conserutivisme ‘em geral, motivo pelo qual ess visio, apresentada em Il, esté agora ‘mais compreensivel do que a anterior, esbocada em 1980; e também plas discusses sabre a dstingio entre o razosvel eo racional, ¢s0- bre a maneita de especificar orazodvel, rendo em vista os abjetivos de uma concepgio politica de justiga (IE 1-3). ‘A Ronald Dworkin e Thomas Nagel sou grato pelas muita dis- cussies enquunto partcipsvamos de conferéncias na Universidade de Nova York entre 1987 1991; , em eelago 3 idéia de justiga como, ‘eqiidade enquanco visio auto-sustentada (I:5), por uma conversa in- ‘comumence esclatecedora pot volta da meia-noite no bar deseeto do Hotel Santa Licia, em Népoles, em juno de 1988. ‘A Wilfied Hinsch, pela necessidade da idéia de uma douetina sbrangence ¢razoivel, em contraste com uma doutrina abrangente ‘impliiter (U3), e pla discusses insteutivas a esse respeito-em maio, « junho de 1988, {A Joshua Cohen, que enfatizou a importincia da discingio encre pluralismo razodvel epluralismo simples (1:62), pelas muias dis- ‘ussbesvaliosas sobre a idéia do razovel em 1989-90, codas sintet zadas em seu artigo de maio de 1990. {A Tyler Burge, por dus longas cartas no verio de 1991, em que ‘questionava ecriticeva uma versio anterior de IIL. Persuadiu-me de que eu no apenas ndo conseguita dar um sentido claro 3s formas pe- las quais canto o construtivisme moral de Kant quanto 0 meu cons truivismo politico explicam a autonarnia moral ou politica, mas que cexcedera também of limites de uma conce politica de justica a0 fazer o conttaste entre conscrutivisme politica e intuicionismo ta- ional. Na centativa de coreigir esss falhas graves, reescreviinteea- ‘mente 0s §§1, 2€5. ‘Como indicam essas datas, cheguei a uma compreensio clara do liberalism politico — a0 menos em minha opinigo — s6 nos dlti« ‘mos anos. Embora muitos dos enssios anteriores sparecam aqui com ‘© mesmo titulo ou um ctulo semelhance, e grande parce do mesmo 39 contesido, foram codos consideravelmence ajustados para que, jun~ tos, expressem 0 que agora acedito set uma visio coerente. ‘Procurei agradecer « outta pessoas nas notas de rodapé. No en- canto, os agradecimentos que se seguem dizem eespeito a dividas que se estenderam por muito cempo e, por uma f22%0 ou outea, no pu dram ser devidamente econhecidas de outra maneir ‘Agradego a Burton Dreben, com quem discuti longamente 2s aquestées dessas conferéncia, discussdes que tiveram inicio no final, dos anos 70, quando a idéia de liberalism politico comegou a tomar forma em minba mente, Sew incenivo firme e sua severa critica tal- raidica me fizeram urn bem imenso. Minha dvds com ele € impos- sivel de pagae. ‘Ao falecido David Sachs, com quem diseuti desde 1946, quando ‘nos encontramos pela primeira vez, muita das questdes que 0cexto considera, principalmence as que dizem respeico&psicologia moral Em relaso aoe rdpicos deste livro, Sachs eeu tivemos longs discus ses, muito valiosas para mim, em Boston, ers vezes na década de 1980. Na primaverse no verio de 1982, discutimos virias das difi- culdades que encontramos nas conferencias que proferi em Colimbia fem 1980; no verZo de 1983, ele me ajudou a preparar uma versio consieravelmence melhorada de “A esteurura bisica como objeto”, assim como uma versio muito melhor do §6 de “As liberdades fun- séamentaise sua proridade”, que trata a idéia da sociedad como uma ‘unio social de unidessoiais, Espero usar ambasalgum dia. No verio de 1986, reelaboramos a conferéncia que havia proferido em Oxford rho més de mio ancesio, em homenagem a H. L.A. Hare. Essa ver~ ‘so melhorads foi publicada em fevereio de 1987 na Oxford Journal of Legal Sidie, grande parce dela reaparece aqui em IV. ‘A falecida Judith Shklar sou grato pelas iniimeras discusses ins ‘rucivas desde que nos conhecemos, hé erinca anos. Embora nunca tenhe sido seu aluno, aprendi com ela como um escudante aprende~ Fia,o que me fez melhor, Em relacio a este livro, ela me fo de gran de uxili, especialmente ao sponta dieecdes que deviam ser explo- radas;e sempre confei nla em questdes de interpreragio historia, 4 de imporcincia crucial em virias passagens do texto, Nossa ileima discussiogirou em eorno dessa quests. [A Sarpuel Scheffler, que, no outono de 1977, enviou-me um pe _queno artigo, “Independencia moral ea posigio original”, no qual afi haver ur sévioconflico entre a cerceira parte de meu artigo “A independéncia da eoria moral” (1975), que tratava da rlacio en: ‘re identidade pessoal ceoria mor ‘e meus argumentos contra © utiliaeismo em Teri. Lembro-me de que foi nesse momento (eu ‘estava de licenga naquele ano) que comecei a pensar sea visio da ‘Thora no peecisarie ser cottigida, ¢ em que medida. A decisio de explorar esse problema, ¢ndo um otro t6pico, acabou levando 3s confestncias de Colmbia de 1980, ¢ aos enssios posceriores que ea bboram a idéia do liberalism politico ‘A Erin Kelly, que nos tleimos dois anos leu os rascunhos do ori= inal, destacando a passagens nas quai o texto estava obscuro e su _gerindo esclerecimentos; propds-me formas segundo as quais argu ‘mento poderia ser reorganizado para le dar mais orga; €, a0 fazer perguntas levancar objegSes,levou-me a remodelar 0 texto inter Seria impossivel fazer uma lista de todas as tevisdes a que seus co- _mentitios me conduzirany; mas, 3s vezes,levaram a aleragBes im- porcantes, AS mais Fundamentais, procure: agradecer-lhe nas notas de rodapé. Ox méris deste trabalho, sejam quais forem, resuleam, ‘em boa medida de seus esfogos Finalmente, gostaria de agradecer As seguinces pessoas por seus ‘comentiriosescritos sobre o texto ‘A Dennis Thompson, que me enviou varias piginas de sugestoes cextremamente valioss, €quase todas levaram a correges ou revises do texto; indiquei os lcais onde algumas delas foram feitas nas n0- ts de rodapé, onde também cite seus comentieos. [A Frank Michelean, pelos muitos comentirios perspicazes que relucei em admiei, porque na poderia responder a els de forma ade- quads sem fazer, neste momento, mudangas substanciais ¢ de longo 15.0 de fei pubis dpi em hp Snd 3811999 397-05 4“

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