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A INTERPRETACAO HEIDEGGERIANA DA ALEGORIA DA CAVERNA DE PLATAO 1 —Introdugio Ao ler a obra de Heidegger ficase surpreendide a0 verificar os numeresos estudos dedicados aos fildsofos ante- Mores © boa parte desses tendo como tema os pensadores repos. Poder-seia ficar com a idein de que o grande fil6sofo alemao seria tam>ém um historiador da filosofia, Todavia, a leitura atenta das suas obras leva-nos a considerilo nio como um historiador que se preocupa apenas a destacar as doutrinas dos seus antecessores, mas sim a tomé-las como ponto de partida ou como oposicao para apresentar com mais nitidez 0 seu proprio pensamento—a filosofia heideg- geriana, Assim a Historia da Filosofia para Heidegger no € de forma alguma compartimento estanque e mera erudicéo, ‘mas sim algo de instrumental, recolha de materiais para a meditacdo filoséfiza. Mas como notam alguns dos seus ert ticos, nesses estudos, fala muito mais o pensamento heideg- geriano do que o dos fildsofos que ele estuda Considerando, todavia, que em boa parte essa opiniao la, parece que no pode deixar-se de Jevar em linha Aside andlesa A de APistéoles, para citarmos um fdsofo da Amligy Gris, que enbora passando or historlador da Flosfia, esta 05 seus antecsssres ct sta da a0 prin lori 10 REVISTA DA FACULDADE DE LETRAS —FILOSOFIA de conta as suas investigagoes. B é nessa direcga0 que decidimos apresentar uma das interpretagdes do platonismo que esté contida em «A doutrina de Plato sobre a Verdade» publicada em 19423. E um pequeno estudo em que Heidegger analisa a c‘lebre alegoria da caverna de Platio” Resumo da Alegoria Apreseatamos agora, resumidamente, a alegoria da caverna, que surge logo no inicio do livro VII da Repablica, para uma melhor compreensio da teoria de Heidegger‘ E Socrates, principal interlocutor do didlogo, que a expoe a Gliucon, Tmaginemos homens no fundo de uma caverna, agri: Ihoados pelas pernas e pelo pescoco, tendo como nica posiglio a imobilidade frente ao fundo da caverna, Ao longe, pelas suas costas, num ponto mais alto britha um fogo. Entre © fogo © os agrithoados um caminho, ao longo do qual se encontra um muro, E por esse caminho que passam homens transportando 8 objectos mais variados e alguns deles falando uns com 08 outros. Na parede da caverna para a qual estio virados os prisioneiros projectam-se as sombras dos objectos, chegam até eles as vozes dos caminbantes, B assim, no mundo dos agrilhoados a realidade sio as sombras por vezes acom- panhadas por sons. Eis a primeira fase da alegoria, ‘Mas se um dos companheiros se libertasse podendo moverso e olhar para a luz, «todos esses movimentos 0 © Seguimos a tendo francesa Lo doctrine de Paton sur ta sé fn Quenionss, I, Pars, 1968 © Repiiliea, VU, pgs. SHa-S1%. 4 As gantro fares em que est divide alegoria-no resume que se val seguir sio as apresenadas pelo proprio Heldepper; ob cit pigs 13-183, A ALEGORIA DA CAVERNA m fariam sofrer © a luminosidade impedilo-ia de olhar os objectos dos quais tinha visto constantemente as sombrasr. Podemos supor as dificuldades que ele sentiria a0 con- templar x0 objectos mais reais», ou seja, aqueles que des filam pela caverna e ao olhar para a propria fogueita. AA segunda fase, pois, consiste na passagem das grilhetas A liberdade, das sombras aos objectos, Passemos agora a terceira fase da alegoria, Forsa-se 0 entigo prisioneiro a sair da caverna para a superficie © a luz do dia Que sofrimento para cle o olhar para as coisas © suportar a luz do Sol! Momentineamente ficaria ego pelo esplendor da luz , pouco a pouce, contemplaria durante 0 dia as imagens reflectidas na agua e, de noite, as constelagdes © 0 firma- mento. E por fim conseguiria olhar para o proprio Sol, concluindo que € ele que produz as estagées, os anos que governa tudo no mundo visivel (© antigo agrilhoado trocaria a ciéncia assim obtida pelo conhecimento da caverna? Preferiria 0 mundo exterior ‘20 seu antigo subterrineo? As respostas as perguntas sio evidentes: preferia todos os sofrimentos a reviver antiga existencia. ‘A alegoria do termina com a conquista da ciéncia € da contemplacio dos objectos reais. Inicia-se agora @ quarta € iiltima fase ‘Se este homem descesse & caverna para junto dos antigos companhsiros, a passagem brusca da luz para a penumbra cegéloia e, quando falasse aos agrilhoados do que tinha visto, estes nfo o acreditariam, opinitio refor- gada pelo facto do setr antigo companheiro nao ter, neste momento, 0 seu olhar to acostumado & penumbra como o dos agrilhondos. E se pudessem deitarthe as mios «cles matéclo-iam cerlamenten © Repibeg, pi. 51%.

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