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110 Revista Brasileira de Ensino de Fisica vol. 15, ns (1 a 4), 1993 O Conceito de Massa. I. Introdugao Histérica (The concept of mass. |. Historical introduction) Jorge Anténio Valadares Uniwersdade Abterta, 1000 Lisboa, Portugal Recebido para publicagio em 20 de Jancito de 1993; Accito para publicacio em 30 de Agosto de 1993 Resumo. Recorremos, neste primeiro artigo, a uns apontamentos da histéria da evolugio das idéias relativistas para tentar mostrar como a idéia de massa relativista é muito menos consistente do ponto de vista histérico do que se podera julgar, Vimos como 0 conceito de massa dependente da velocidade apareceu antes de Einstein interligado com outros conceitos hoje inaceitaveis, como seja, por exemplo, o de os corpos serem deformiveis dinamicamente por locidades. Vimos como Einstein sé introduziu o conceito de massa dependente da velocidade por razées que julgamosserem apenas histéricas, 44 que nio mais explorou esse conceito, e veio mais tarde a renegéclo. Num segundo artigo apresentaremos outro tipo de argumentos a favor da eliminagio da massa relati outras concepgies mal fundamentadas do dominio relativista. agio de forgas quando se mover a altas ¥ Abstract In this first paper, we appeal to some notes on the history of the evolution of relativistic ideas attempting to show that, from the historical point of view, the idea of relativistic mass is much less consistent than one could expect. We see that the concept of velocity dependent mass appeared, before Einstein, associated to other concepts which today are unacceptable. such as that bodies are dinamically deformed when they move at high speeds. We see that Einstein introduced the concept of velocity dependent mass due to reasons that we consider just historical, since he did not explore this concept anymore, and later on he renegated it In a second paper we will present another kind of argument in favor of the suppression of the concept of relativistic mass, as well as of other conceptions badly grounded in the relativistic domain, I. Introdugio histérica ceituais, no segundo artigo, advoga-se a abolicao do conceito histérico de massa relativista ¢ das idéias de Este & 0 primeito de dois artigos acerca do conceito. _‘° * Massa se converte em energia ¢ vice-versa, de massa. Pretende-se, com eles, alertar os professo- y r eee - 1.1, Evolugio do conceito antes de Einstein res para a necessidade de alterar algumas concepgoes tradicionais acerca do conceito de massa, defendendo a idéin de que apenas a massa em repouso deve ser considerai como medida da inércia, Distinguese a ‘massa prépria como um caso particular da massa em Fepouso com o estatuto de prop dade das particulas, © também se procura clarificar o significado de massa de um sistema. Partindo de consideragées histéricas, no primeiro artigo, ¢ através de novos significados con- Desde a antiguidade que a palavra massa representa vulgarmente um pedago de um material, preferencial- mente na forma de pasta. Isaac Newton atribuiu & pala- ‘ra massa o significado de quantidade de matéria (New- ton, 1990, p.1) definindo a massa de um corpo pelo pro- duto do seu volume pela densidade da substancia que © constitu. Esta definigio de massa constitui um ciclo vi Jorge Anténio Valadares Ja que a densidade ¢ ela prépria definida a partir da massa. Embora Newton tenha estabelecido de modo claro 0 conceito di sua massa, foi Leonhard Euler quem primero definiu wércia de um corpo e associado este operacionalmente a massa, como medida da inércia de um corpo, através do quociente da forga que nele atua pela aceleragao resultante: m = F/a! (Baierlein, 1991, p. 172). No quadro conceitual da Mecanica newtoniana, esta massa inercial de um corpo nada tem que ver com a sua massa gravitacional. A primeira destas duas gran deeas quantifica a inéreia do corpo, isto ¢, a oposigao que ele oferece & mudanga da velocidade por agio das forgas. Da segunda grandeza depende proporcional- mente a forga exercida pelo campo gravitacional no corpo. A primeira mede-se por um proceso divi namico, indo uma forga aplicada ao corpo pela aceleracio nele produzida. A segunda mede-se por um processo estat de pratos. ico através do equilfbrio de forcas numa balanga Na Mecanica newtoniana apareceram diversos con- ceitos de massa inercial, cada uma das quais corres- ponde a um aspecto diferente que tem que ver com a cia (Coudere, 1977, p.92) Assim, por exemplo, se a forga atua num corpo na diregio da velocidade, esta sé muda de valor, mas nio em diregao. A resisténcia a essa mudanga do valor da velocidade é medida pela chamada massa longitudinal, Se a forga atuar perpendicularmente a velocidade, apenas faz variar a diregio desta. A resisténcia a esta mudanga de diregao é medida pela massa transversal. Apareceram ainda outras massas na Fisica anterior Einstein, por exemplo a massa maupertuisiana, defi- nida por Henri Poincaré, a massa cinética, ete, mas 0 que € importante é que todas as medidas até hoje efe- tuadas, a baizas velocidades comparadas com a da luz, das diversas massas de um corpo, conduziram sempre @ igual valor.? O extraordinirio poder preditivo da Meciniea new- *Para garantir 0 méximo de homogencidade de notagio, nko ‘espeitaremos as letras que os diversos autores citados utilizar ara representar as varias grandezas fisicas. ?Botvos realizou: ‘com preciaio 10-* « Dicke atin- ‘iu a preciso de 10-1. i toniana e a sua clevada coeréncia interna conduziram conviegio da maioria dos fisicos do século pasado de que a referida Mecinica era edificio pratica- mente acabado ¢ imune a qualquer critica, Muito pou- cos se aperceberam das debilidades dos seus fundamen- tos. Um dos criticos mais perspicazes relativamente ‘aos fundamentos da Mecinica newtoniana foi o fisico © fildésofo neo-positivista austriaco Ernest Mach (1838- 1916). Criticando as concepges newtonianas de espago © tempo absolutos, viria a exercer uma enorme fluéncia no pensamento de Albert Einstein. Segundo Mach, todas as coisas do mundo dependem umas das outras. © espago © 0 tempo sio grandezas eminente- mente relativas © todas as massas estio relacionadas centre si desempenhando as aceleragées um papel fun- damental nessas relagées, Em 1904, Lorentz publicou a versio final e mais completa da sua Eletrodinamica dos corpos em movi- ‘mento onde considera o elétron como uma esfera carre- gada e deformivel. Com esta teoria, Lorentz pretendia interpretar os resultados contraditérios de diversas ex- periéncias no quadro conceitual da Fisica clissica onde se admite a existéncia do éter luminiferoe do referencial absoluto nele apoiado, com a conseqiiente existéncia do espaco ¢ tempo absolutos. Um dos resultados dessa teoria é que a massa longitudinal ¢ a massa transver- sal do elétron dependem da sua velo lade, sendo essas dependéncias traduzidas pelas expresses +0? /Re? Aft = v2 /c2)/? my =k €?/ Re? 1 f(t — v2 Je)? onde R representa o raio do elétron, ¢ a sua carga, a velocidade da luz no vacuo e & é uma constante numérica, Estas grandezas sio designadas por massas eletro- magnéticas dado que, na base da deducio das suas ex- presses, esti a teoria eletrodinamica de Lorentz, teoria essa que pressupde o elétron com uma estrutura e di- mensdes deforméveis por acco de forgas de interacio com o éter, Lorentz afirma que a massa de todas as particulas varia com a velocidade do mesmo modo que 112 Revista Brasileira de Ensino de Fisica vol. 15, n°s (1a 4), 1993 © elétron, “desde que se admita que as suas massas Iuenciadas por uma translacio no mesmo grau fem que o sao as massas eletromagnéticas dos elétrons” (1972, p.38). Nesse célebre artigo de 1904, Lorentz admite que, para além das massas transversal ¢ longitudinal depen- dentes da velocidade, "nio existe qualquer massa ver- dadeira ou material” (1972, p.30). Mas nio foi ele o pri- éia de dependéncia da massa eiro fisico a propor com a velocidade. Jai em 1903 Max Abraham tinha proposto uma outra teoria que previn dependéncias da massa com a velocidade diferentes da de Lorentz. Como para baixas velocidades as previsses de Lo- rentz ¢ Abraham sé diferiam na parcela de ordem (v/c)?, tornava-se experimentalmente dificil resolver 0 diferendo entre as duns teorias ( Ron, 1983, p. 48). E importante notarmos que em qualquer das teo- rins que referimos que previam a dependéncia da massa com a velocidade, as grandezas massa ¢ energia eram absolutamente distintas. Foi Poincaré, numa comunicagio de 1900 intitulada A teoria de Lorentz ¢ 0 principio da reagéo, quem pela primeira ver caracterizou a energia como “um fluido impregnado de inércia " (Jammer, 1961, p.175). Tendo em conta a relagio maxwelliana entre a quantidade de movimento ¢ a energin de uma pequena porgio de luz p=E/e © definindo newtonianamente a quantidade de movi- mento dessa porgio por p = me, Poincaré coneluiu que a referida porgio de luz deveria possuir a massa inercial E/c? (Okun, 1989, p33). Que poderemos inferir deste periodo histérico pre relativista de que acabamos de dar um pequeno esbogo relativo apenas & parte que aqui nos interessa? Em primeiro lugar que na Fisica clissica surgiram varias massas todas elas procurando traduzit a inércia dos corpos. Em segundo lugar que a idéia da existéncia de massa inercial variivel com a velocidade surgi antes de Einstein, no quadro conceitual da Mecanica clissica © com base em teorias que referiam alteracies estrutu- rais dos corpos. E, finalmente, que a legendaria formula E=me que Okun considera “um elemento de cultura de mas- sas” (1989, p. 35), também foi introduzida antes de Binst n com um significado limitativo, e nio com o tein viria a atribuir-Ihe significado que mais tarde a que nos referiremos na secgio seguinte. 1.2. Evolugio das idéias cinsteinianas sobre a massa na TRR Em 1905, Einstein publicou nos Annalen der Physik fitulado Zur Elek- alguns artigos notaveis, Um deles, i trodinamik bewegter Korper (Sobre a Eletrodinamica dos corpos em movimento), contém um corpo tesrico conhecido como teoria da relatividade restrita (TRR) ¢ que veio resolver, de modo brilhante e revolucionatio, 0 conflito conceitual entre o principio da relatividade, as rigorosas equacdes de Maxvel ¢ as férmulas de trans- formagio de Galileu, conflito esse que constituia um das grandes dificuldades com que se debatia a Fisica clissica. Dizemos de modo brilhante porque, baseada em dois pressupostos apenas, essa teoria veio explicar de maneira simples os resultados de experiéncias “rebel- des” no que se refere & Fisica newtoniana (tais como as cexperiéncias de Michelson- Morley e de Fizeau) e pre- ver um grande nimero de resultados que, de entio para 4, foram sendo sobejamente confirmados. E de modo revolucionirio porque envolven uma reformulagio dos pilares da Mecinica, esse maravilhoso edificio que nos finais do século pasado parecia praticamente definitive mas que afinal estava bem longe disso... artigo de Einstein sobre a TRR comega com uma introdugio onde Einstein formula os dois célebres pos- tulados com base nos quais const a saber: i toda a sua teoria, © 0 principio da relatividade, segundo o qual as lei da Fisica sio as mesmas em todos os referenciais de inércia; © 0 principio da constancia da velocidade da luz, se- gundo o qual a velocidade da luz no vacuo tem 0 mesmo valor em todos os referenciais inerciais. Jorge Anténio Valadares Seguem-se duas partes, a parte cinemdtica ¢ a parle eletrodindmica. A iiltima segio da segunda parte intitula-se dinamica do elétron (lentamente acele- rado). Nesta tiltima segio, a determinada altura, Bins- tein “procura, cedendo a concepeses habituais (0 sub- linhado é nosso), a massa longitudinal ¢ a massa trans- versal do elétron”. Que querera dizer Einstein com “ce- der a concepgées habituais”? Julgamos que Einstein ce- deu, de fato, a concepgies histéricas, que tém que ver com a polémica entre teorias rivais (a de Lorentz © a de Abraham) que referiam mais que uma massa iner- cial, dependente da velocidade, com expressdes diferen- tes para essa dependéncia. Mas Einstein parece nio estar muito convencido da verdadeira fundamentagio cientifica dessas formulas de definigéo j4 que, nunca mais, nesses famosos artigos, ele se refere a elas ou de- las tira qualquer conseqiiéncia (por exemplo, acerca da natureza limite da velocidade da luz, como tantas ve- zes se vé fazer) e, mais tarde, viria mesmno a renegi-las, conforme veremos. As formulas que Einstein deduziu so as seguintes (ver nota da p. 1) massa longitudin a =e Nestas férmulas, m é a massa do elétron “enquanto © movimento for lento” (Einstein, 1972 p.81). Note-se massa transversal = que a formula da massa transversal nem esta correta. Foi Planck que a apresentou corrigida em 1906 (Adler, 1987, p.742). Apés a apresentacio destas formulas, Einstein es- creveu: “E claro que se obteriam outros valores para ‘as massas se se empregassem outras definigdes para a forgae para a accleragio”. Neste trabalho original, logo a seguir & apresentagio das formulas das massas, Einstein calcula a energia cinétiea do elétron 13 e mostra que uma velocidade v = ¢ tornaria E, infini- tamente grande. No mesmo miimero dos Annalen der Phy: apresenta um outro importante artigo: "Ist eines Kérpers von seinem Energiegehalt abhiingig?” (A inércia de um corpo depende do seu conteiido |. Neste artigo Einstein considera um corpo energético’ em repouso num referencial inercial a emitir duas ondas luminosas transportando cada uma a energia £/2 em sentidos opostos. Dado que as emissdes sio simétricas, © corpo perde energia mas o seu momento conserva-se, permanecendo, pois, em repouso nesse referencial. Con- iderando depois a mesma emissio do ponto de vista de um outro referencial inercial que se move com veloci- dade v em relagao ao primeiro, Einstein acaba por atin- gir, com base no principio da relatividade, a expressio 1 te Bi28{ tei} onde Eco ¢ Ex: sio as energias cinéticas do corpo com respeito ao referencial em que a sua velocidade é v, respectivamente antes ¢ apés a emisso da energia lu- minosa E. E conelui pois, que a energia cinética do corpo, no referencial em que se move com a yelocidade v diminui em conseqiiéncia da emissio da energia lumi- nosa E, Desprezando quantidades de quarta ordem © ordens superiores a essa, obtém E conclui esse importante artigo escrevendo: “Se um corpo perder a energin E em forma de ra- diag, a sua massa sofre a diminuigao Efe? £ claro que nada importa ser ou nio direta a trans- formagio da energia saida do corpo em energin de radiagio, de modo que somos assim conduzidos is seguintes conclusdes gerais: _A massa de um corpo é _uma medida do seu contetido energético; se a energia sofrer uma variacio igual a E, a sua massa sofrerd, no mesmo sentido, uma variacéo igual a £/9.10° (note- se que no sistema de unidades CGS a velocidade da luz tem 0 valor 3.10!” cm/s). Nao esta fora do possivel que, em corpos de contetido energético altamente varidvel 14 Revista Brasileira de Ensino de Fisica vol. 15, ns (1 a 4), 1993 (por ex., 08 sais de ridio), se venha a encontrar uma Prova a que esta teoria se possa sujeitar, Se a teorin corresponder aos fatos, entio a radiagio é um veiculo de inércia entre os corpos emissores © 08 absorventes” (0s sublinhados © a referéncia ao sistema CGS nio cons- tam do texto que aqui se reproduz no qual Einstein usa ) Os aspectos que nos interessa aqui realgar sio os as letras L em vez de Ee k em vez de seguintes: 1, Einstein afirma que a massa inercial de um corpo varia nio porque varia a sua velocidade mas sin porque varia a energia que ele contém. 2. A relagio que ele estabelece & uma relapio entre @ variagdo da massa de um corpo num referencral em que esté em repouso, m, € @ vartagio do sew contetide de eneryia, isto 6, da energia que 0 corpo possui independentemente de ter energin cinética ow nio: Am = AEo/c? 3. Einstein relaciona a radiagéo com a inércia pelo, fato de a energia radiante, como qualquer energia fornecida (ou retirada) a um corpo, umentar (ou diminuir) a massa inercial dese corpo. Mas néo refereem parte alguma deste artigo gue a radiagdo tem inércia € muito menos que fem massa, Sabe- mos 0 que se passa quando um corpo emite calor para outro: a energia interna de um aumenta, a cenergia interna do outro diminui, mas o calor que transita nio é energia interna. Porque nio aceitar algo de anilogo quando um corpo emite luz para outro? A massa do corpo emissor diminui, a do corpo receptor aumenta, mas isso no obriga a que com massa a luz seja ener A demonstragio que Einstein apresentou para a equivaléncia entre a massa de um corpo eo seu contetido energético tem sido apelidada de falaciosa por diversos fisicos, John Stachel Roberto ‘Torretti mostram que tal nio é verdade (remetemos o leitor interessado nesta questo para o artigo destes dois fisicos referido na bi- bliografia) Em 1906, Einstein analisa a eélebre experiéncia con- ceitual do cilindro oco que emite um flash de luz de uma das suas extremidades € 0 absorve na outra. (tea) Considerando 0 momento = Efe, a teoria cletromagnética ja permitira conhecer 4 desde 0 século pasado, e tendo em conta a lei da con- servagio do momento do sistema total, ele chega facil- mente A seguinte conclusio: a extremidade que emite ‘a luz diminui de massa ¢ a extremidade que a absorve aumenta de massa sendo a medida de qualquer das va- ringdes dada por Am = AE/? cada vez que é transferida a energia luminosa AE. Em 1916, Einstein escreveu uma obra particular- mente desti ada a quem, “sem dominar © aparato ma- temitico da Fisien teériea, tem interesse na teoria do ponto de vista cientifico e filoséfico” (Finstein, 1916, prdlogo). No pardgrafo 15 da primeira parte dessa obra, dedicada teoria da relatividade restrita (a segunda fidade geral) sio parte diz respeito a teoria da rel apresentados os resultados gerais da teoria. E 14 que, apés uma consideragao acerca da importancia que a re- latividade teve para 0 conceito de massa, podemos ler ‘© seguinte: ”... se um corpo absorve a energia Eo, a sua massa inereial cresce de Eo/c?; a massa inercial de um corpo nao é uma constante mas sim varidvel segundo a modificagdo da sua energia. A massa iner- cial de um sistema de corpos deve ser encarada precisa- mente como uma medida da sua energia. O postulado da conservagdo da massa de um sistema coincide com 0 da conservagao da energia ¢ 6 € vélido na medida em que o sistema ndo absorve nem emite energia.” (p. 45). Em todo 0 estudo que faz acerca da massa, Einstein esta a considerar um sistema de coordenadas solidario com © corpo, conforme refere em notas de rodapé. ‘Torna-se pois evidente que Einstein nao esta a considerar ou- tra massa que no seja a massa em repouso (sem se- quer falar nesta designagio pois no se vislumbra ou- tra) © destaca-a bem da energia exterior aos corpos, Jorge Anténio Valadares associando-a sempre 4 energia neles contida. Realee- mos acima de tudo o fato de Einstein também nio se referir neste livro de indole didética & variagio da massa com a velocidade. Mas é na sua iiltima fase de vida que a posigio de Einstein acerea da massa se torna ainda mais explicita, Assim, por exemplo, numa carta a Lincoln Bamet de- clara 0 seguinte: “Nao é bom introduzit-se 0 conceito de massa, de um corpo em movimento para o qual nenhuma de- finigao clara pode ser dada. B melhor nao introduzir outro conceito de massa a nio ser o de massa em re- pouso m. Em vez de introduzir M é melhor mencionar ‘a expressio para o momento ¢ energia de um corpo em movimento” (Okun,1989,p.32 ¢ Adler, 1981, p.742).. Um dos mais notaveis livros que Einstein escreveu e que esgotou varias edigdes © imensas reimpressies intitula-se O Significado da Relatividade. edigio constitui, no dizer do Prof. M A sua io Silva, que a traduziu para a lingua portuguesa, “a derradeira men- sagem que Einstein dirigiu, ainda em pleno vigor da sua capacidade intelectual” (introdugio & edigio portu- guesa). Na p.57, é tratado o tema massa, numa segio intitulada Massa ¢ energia. Trabalhando no espaco de Minkowski, portanto a quatro dimensies, e num sis- tema de uni jades em que ¢ = 1, Einstein deduz as componentes do tensor momento-energia m em que 7 é a velocidade. E faz, a seguir, duas ob- servagies: = que estas componentes da quantidade de movi- mento coincidem com as da Meciinica clissica para velocidades pequenas quando comparadas com a da lug; = que considerando uma particula em repouso (v = 0) vernos que a energia Eo de um corpo em repouso é igual & sua massa. E prossegue: “Se tivéssemos escolhido o segundo 115 como a nossa unidade de tempo teriamos obtido Ey = me? Massa ¢ energia sao portanto essencialmente idénticas; clas sio apenas expresses diferentes da mesma entidade, A massa de um corpo nio é uma constante; varia com as variagdes da sua energia.” Importa realgar que Einstein: 19 - associa a massa ao contetido energético das particulas quando em repouso, escrevendo Ey = me? e nao £ = me"; 20 - refere mais uma ver a variagio de massa com a energia € nfo com a velocidade. Julgamos poder concluir que a idéia mais impor- tante e perene que Binstein estabeleceu acerca da massa é a de que esta grandeza constitui uma propri- ed é essencialmente idéntica a de do corpo que norgia que ele contém e que mede a sua inérci A idéia de que a massa depende da velocidade aparece em Einstein como um resquicio histérico de que mais tarde se libertou. ‘Se a massa de um corpo é uma propriedade do corpo que mede a sua inércia ¢ equivale a0 contetido de ener- gia que contém, podera ser outra que nao massa em repouso (ou, se preferirmos, a massa quando a velo dade é do dominio newtoniano)? Julgamos que no esforgar-nos-emos por fundamenti-lo de outro modo no artigo seguinte. Mas antes vamos referir, sucintamente, algumas idéias pés-relativistas de outros fisicos acerca da massa. Como tantas vezes tem sucedido na histéria da ciéncia, outros fisicos sio muito mais responsaveis que Einstein por determinadas ideias cinsteinianas. Entre estas conta-se a de que a massa aumenta com a vel dade. Em 1912, Tolman nao hesitou em adotar a definigio clissica de momento j= mi ao dominio relativista ¢, assim, foi conduzido a expresso m ie O mesmo fez Pauli em 1921, quando ainda era um bri- Ihante estudante de 21 anos de idade, com a agravante 116 Revista Brasileira de Ensino de Fisica vol. 15, ns (1 a 4), 1993 de este seu trabalho ter sido dos mais utilizados por muitos fisicos devido & reputagao do seu autor. Os grandes fisicos soviéticos Landau e Lifshite, a importante obra Teoria Classica dos Campos, aboliram completamente a nogio de massa relativista tio divul- gada em muitas obras desde sempre ¢, segundo Okun, teriam sido pionciros nessa sua atitude (1989, p.35) De entio para ci, muitas obras, principalmente as que fazem abordagens mais formais baseadas na geometria espicio-temporal, aboliram totalmente a massa relati- vista ou massa dependente da velocidade. E os mais recentes cursos que temos consultado, mesmo a niveis introdutérios, ou nio falam dela ow referem- apenas para a criticar, Os fisicos que mais poderiam trabalhar com a massa reli eles massa 6 Ad uma: wista nao o fazem. E caso para dizer-se que para @ massa em repouso ¢ mais nenhuma. Na opiniao de Baierlein, a decisio de escolher a de- finigdo de massa e, portanto, de adotar ou nio a massa relativista, & uma questo semantica (1989, p.172). Na opiniio de R. Resnick ¢ D. Halliday ¢ uma questao de ‘gosto (1985, p.98). Também A. French o considera uma questo de preferéncia (1988, p.25). Em nossa opiniio nfo & apenas uma questo de gosto ou semantica ainda que aceitemos que alguns bons livros, ¢ niio muito anti- gos, abordam a TRR explorando a massa relativista (a Ultima versio de Resnick ¢ Halliday de um livro que pu- blicaram sobre a Fisica relativista © a Fisica quintica, ¢ que indicamos em referéncia, é disso um bom exem- plo). A massa relativista &, quanto a nés, uma inter- pretacio inaceitavel, uma misconception, do conceito de massa, conforme tentaremos fundamentar por outra via no préximo artigo. Ageadecimentos Desejo manifestar desde ja a minha gratidao aos Professores Armando Rocha Trindade, Carlos Ficlhais, Helena Caldeira, Luis Silva e Teresa Gonsalves pelas criticas © sugesties a estes dois artigos que escrevi so- bre o conceit de massa. Bibliografia ©. Adler, Does mass really depend on velocity, dad? Am. J. Phys. 55 (8), August 1987. G. Aleaine, Sobre masa y energia, Revista Espaiiola de Fisica, 3, 1 1989. R. Baierlein, Teaching E = me?, The Physics Teacher, March 1991 A. Brotas, O essencial sobre a teoria da relatividade, INCM, Lisboa, 1988. P. Coudere, La relativité, Col. 16" ed., 1977, que sais-je?, P.U. P. Coudere, F. Perrin, a Relatividade, edigdes 70, Lis- boa, 1984. 1. Couny, Albert Einstein ¢ a relatividade, ed. Ulis- seia, Lisboa, 1965. A. Einstein, O- significado da relatividade, Ed. 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