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Resenha Zilda Mércia Gricoli lokoi* OBRA: “O BRASIL E A QUESTAO JUDAICA - IMIGRAGAO, DI- PLOMACIA E PRECONCEITO” (tradugao de Marisa Sanematsu). Editora Imago, Rio de Janeiro, 1995, p. 372. AUTOR: Jeffrey Lesser. O livro editado pela IMAGO, O Brasil e a Questéo Judaica - Imi- gracdo, Diplomacia e Preconceito, de Jeftey Lesser, € um importante estudo sobre as relagGes entre racismo € nacionalismo no Brasil. Destaca especialmente as tensdes existentes na busca da superagao da questo afri- cana € 0 reaparecimento da questio judaica. Os varios setores das elites dirigentes e as politicas imigrantistas, do final do século XIX e XX, pro- curaram ocultar o problema que reemergiu nos anos 30 deste século espe- cialmente no perfodo de Vargas. Questionando os autores que defendem a idéia de continuidade en- tre as polfticas inquisitoriais do século XVI e a exclusao no perfodo atual, © autor apresenta em seu trabalho argumentos importantes sobre o cientificismo racista dos grupos dirigentes brasileiros no final do século XIX, afirmando que, de fato, pouco se pode reconhecer dos elementos discriminadores do periodo colonial, na ago dos produtores de café, que para se desvencilharem da questo africana, buscaram os europeus, bran- cos genericamente, classificando-os como catdlicos ¢ naio-catélicos. O sentido dessa homogeneizagio dos europeus deve-se, de um lado, ao desinteresse dos cafeicultores sobre os problemas socioculturais dos estrangeiros, e, de outro, ao fato de entenderem que os grupos que se des- locavam para o pafs seriam uniformemente alocados em unidades agrico- las sendo pouco relevantes os costumes que portassem ao se deslocarem para a América. Aponta que na década de 1880 houve um esforgo em acomodar no Brasil os judeus russos expulsos pelo Czar Nicolau II, que pretendia impor a prética da religido ortodoxa russa em Moscou. O Comi- *Universidade de Sio Paulo. [Rectan dome [ Shae J 364 t@ organizado para organizar a transferéncia desses grupos acabou desis- tindo devido ao processo republicano ¢ & enfasé em sua natureza secular. O préprio representante do Comité, Osvald Boxer, morreu de febre ama- tela, desanimando definitivamente seus correligionarios. Entre 1890 e 1924, a Jewish Colonization Association ou ICA, criada pelo Bardo Maurice de Hirsch, de Gereuth, encarregou-se de transportar os judeus russos, poloneses ¢ da Bessarabia para a Argentina e para o Brasil, onde fundaram duas colénias agricolas na Rio Grande do Sul. A existéncia dessas colénias demonstrava a possibilidade dos judeus dedica- Tem-se a outras atividades distintas do comércio, das finangas e de domi- nio do capital das areas urbanas. Outra caracterfstica dos grupos ali insta- lados é que se integravam na vida brasileira, contrariando os que defen- diam hipéteses de seu desapego as regides ocupadas. Naquele perfodo, estimulava-se, na Europa, 0 sonho do “fazer a América”, permitindo 0 inicio de uma nova vida que nao poderia incluir uma volta para casa. Para Jefrey, os fluxos migratérios sofrem grande alteragéo com a Primeira Guerra Mundial, inicialmente por seu represamento, em seguida, devido ao desenvolvimento do que o autor chama de “movimentos nativistas”, que se erguiam por todo o hemisfério ocidental no pés-guerra. Como no Brasil nao houve definigGes de cotas para a entrada de imigran- tes, seu ntimero cresceu entre 1918 ¢ 1919, sendo em 1920 apontados 69.000 imigrantes desembarcados; entre 1924 ¢ 1934, chegaram mais de 93.000 pessoas do Leste europeu, das quais 30.000 eram judeus. As habi- lidades desses imigrantes em atividades financeiras ¢ urbanas ¢ as neces- sidades brasileiras desses trabalhadores fez com que a ascensio dos gru- pos judaicos fosse rapidamente notada. Ossucesso econédmico e 0 desenvolvimento do nacionalismo fez com que os judeus percebessem que 0 governo iniciava um proceso de aborda- gem negativa, dos judcus que nao possufam apoio diplomatico de seus paises de origem, tornando-se desse modo alvo facil para as atitudes anti- semitas que crescem em todo o mundo, ao longo da década de 1930. Ape- sar disso, Lesser afirma que nao houve oposigdo a entrada de judeus nesse periodo, nem houve mudanga em seu padrao. Encontrou, em documentages diplomaticas, queixas de posigdes pr6-semitas, que foram introduzidas no governo brasileiro com a nomea- gao de Osvaldo Aranha para a embaixada dos Estados Unidos. Canaden- ses, ingleses e norte-americanos preocupavam-se com a imigrago de ju- deus capitalistas para o Brasil, obrigando o governo, mesmo querendo re- ceber e recebendo essa imigrag&o cada vez maior com entusiasmo, a for- 365 mular leis cerceadoras € restritivas. Para o autor a existéncia das leis dis- criciondrias nao comprovam que elas tenham sido aplicadas contra os ju- deus no Brasil, questionando as teses defendidas por Anita Novinsky € Maria Luiza Tucci Carneiro, a respeito de posigGes intolerantes, fruto de uma historia lenta, cujas permanéncias nos remeteriam 2 reinstalagao da inquisigo no periodo varguista. No capftulo 1 o autor analisa a chegada dos imigrantes nas décadas de 1920/1930, exatamente o momento em que os individuos do Leste eu- ropeu e do Japao adentram ao pas, introduzindo clementos lingiifsticos e culturais até entio desconhecidos. No segundo capitulo, analisa o desenvolvimento do nacionalismo, do nativismo e das restrigdes impostas aos judeus como fatores importan- tes tanto da safda desses grupos da Poldnia, da Russia e da Alemanha, como de sua entrada no Brasil pela auséncia de legislagdes impeditivas. O terceiro capitulo trata da resposta do Brasil 4 questao judaica, especialmente a vinculagao no imagindrio das elites da intolerancia de Torquemada, defendendo sua aproximagao 4 Gaubinaut. No quarto capitulo, discute a polaridade Anti-semitismo ou Filo- semitismo, fazendo um belo debate historiografico que percorre a produ- ¢4o brasileira sobre o tema e detalhando elementos das miiltiplas fontes obtidas nos varios arquivos diplomaticos em que trabalhou. O quinto capitulo refere-se as posigdes do papa, de Gettilio Vargas ¢ dos refugiados de guerra que nunca vieram ao Brasil. No Epilogo, “Judeus Brasileiros e Brasileiros Judeus”, o autor de- bate a integragao da comunidade judaica no pafs e defende a idéia que sempre foi possivel aos judeus desenvolverem suas habilidades profissio- nais e sua cultura, j4 que nao se cristalizou um sentimento anti-semita no pais. O autor oferece em apéndice um conjunto documental sobre a popu- lag’o e a imigragao judaica para o Brasil de grande validade para os estu- diosos sobre o tema. As divergéncias com os trabalhos recentes sobre 0 tema estimulam 0 debate teérico e os acervos documentais utilizados mo- tivam novas pesquisas. 366

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