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Hebe Maria Mattos A face negra ctual e das lutas a a foi assinadz bolicionistas, e muitos f uns faziam parte da elite igiam, cia civil do pais “Fui ver pretos na cidade / que quisessem se alugar, / Falei com esta humildade / ~ Negros, querem rabathar? / Otharam-me de soslaio, / Eum deles, feio, cambaio, / Respondeu-me arfando o peito: /~ Negro, nao hd mais nao. / Nos tudo hoje é cidadao. / O branco que v4 pro eito.” (© Monitor Campista, 28/3/1888) \ vésperas da Abolisio, versos como esses, publicados no manicipio flumi- nense de Campos, em marco de 1888, torn fam-se comuns nos jornais das Cidades onde se concentravam os gihimos escravos Eles dio bem a medida do movimento de fugas em ‘massa que anteceéeu a Lei Aurea, assinada em 13 de aio. A poesia revela também que os cativos eram depreciativamente chamados de “negros’, embora cerca de 95% dos descendentes de al anos do pais ja fossem livres. Era regra de etiqueta silenciar sobre a cor dessas pessoas quando em situagao formal de igualdade. Esse racismo “a brasileira” tornou pouco nitido, para a posteridade, « importincia da popula- s40 afro-brasileira livre antes mesmo da Aboli¢io, além de nao realgar os esforgos dos titimas cativos na conquista de sua liberdade. Na titima década da escravidio, eles apelaram para fugas em massa por ‘quase toda a Regiio Sudeste, no meior movimento de desobediéncia civil de nossa histéria Desde a Independencia, os ideais do liberalisme politico, inscritos na Constituigao de 1824, passa~ ram a afirmar a igualdade de todos os cidadaos bra sileiros perante a lei. Apesar disso, a escravidio jé instituida ;i mantida legalmente no pais, em nome do direito de propriedade. Mas ao final do perioda colonial, pretos e pardos livres somavam praticamente 1/3 da populagao bra- sileira (complementads por 1/3 de eseravos e Li3 de brancos). FE muitos eram até mesmo pequenos se- nnhores de escravos ~ uma aspirasao generalizada en- tre a populagio livre, no periodo, independentemen- tedacot, Por outro lado, enfientavam pesidas resti- G0es leyais para 0 acesso a qualquer cargo pubblico na sociedade colonial. Em fungao disso, apesar do am- plo consenso em torno do “direito de propriedade” relativo aos escravos, foi exatamente a dimensio an- ticracista do liberalismo que mais mobilizou a parti- cipagio popular nas lutas politicas da época da Inde- pendéncia, exigindo “igualdade entre todas as cores” pelas ruas do Rio de Janeiro, Recife ou Salvador. s politicos e publicistas (escritor ow jornalista politico} que veiculavam este anti-racism liberal, co- mo oadvogado Antonio Rebougas (NH n. 11, p. 76), reconheciam 0 direito de propriedade sobre os es craves, mas Iutavam pelo predominio do talento para 0 acesso a cargos piiblicos e pela extingao do Uifico negreirs, Contayam paraisso comum aliado poderoso, a Inglaterra, que deide 1810 pressiona pela aboligao do tratico e depois condiciona reco nhecimento da Independéncia brasileira 8 repressio daquele “infame coméncio”, Além disso, defendiai politicas de incentivo a alforria através da autocom. pra, aliadas a garantia de plenos direitos de cidada- ina dos ex-escravos. No Brasil “nao ha mais que es- cravos ou cidadaos publicavam alguns jornais libe- tais como O cabrito e O mulato ou O homent de cor. Toda uma geracao intelectual de “homens de cor” formou-se a partir desse ideal. Alguns se destacaram nas guerras de independéncia, como Antonio Re- bougas e seus irmaos, Outros obtiveram reconheci- mento piblico na Corte, como oeditor Francisco de Paula Brito e seu ex-tipdigrafo, Machado de Assis. Ao buscarem a “igualdade entre todas as cores" num am- biente ainda escravista, esses descendentes de escra- vos metiam-s e,entretanto, num beco sem saida, pois a Tinguagem racial permanecia, na pratica, como ele- nossa ‘bdo sa id "Chest he ctl oA fen mento de desconfianga, hierarquia ou subordinagao. Embora alguns intelectuais se afirmassem como “pardos” ou como “homens de cor” em seus jornaise discursos, levantes populares no Nordeste foram fei- tos sob a alegagao de que o simples registro de cate- gorias raciais para efeito de recenseamento poderia ser usaclo para escravizar a “gente de cor". resulta- do desses embates, bem claro a partir de 1840, foi o silencio sobre as cores da populagio livee nos do- cuumentos oficiais e nas relagdes sociais. Para os libe- rais radicais da geragao da Independéncia, a cor nao deveria importar, mas a dificuldade de se falar dela tornava evidente que a vitéria permanecia limitada, i que nao se conseguis dissociar “o homem de cor” da meméria da escravidao de seus antepassados. Enquanto as lutas politicas da geragio da Inde- pendéncia convergiam para resultados conservado- tes, crescia o mimero de escravos alricanos. E quan- do a marinha inglesa passou, na década de 1840, a atacar 05 navios negreitos em aguas territoriais bre ‘Antes dasesinarra do Lei Auien (ao lad), 2 dlescendentes de seravos era ine Agus cannegsiram ascendersocialente como 2 fara abasiada de musts de Lencis, na Bahia, fotopafada por sola be 1870 (pagina anterior) charge de Angelo Agostini representa as fugasem massa sue avropaaram os itimos Enguanto no Parlamentos0 se resobe. 0s pretinhos raspam-se com ta 3 igen. Os laradores no padem seguro! sriuidade da prod 18 Ade sileiras,o apoio ao trifico clandestino assumiuentio ares de “causa nacional” A estimativa € que um mi- Thao de escravos entrou no Brasil durante os vinte anos de comércio j ilegal ~ depois da aprovagio, em 1831, da primeira lel de extingao do trafico. Os es- cravos africanos estavam, portanto, em todos os cantos da vida econdmica e social, ¢ representavam até 90% das populagdes das fazendas de café que se expandiam nas provincias do Vale do Paratba (Rio de Janeiro, Minas Gerais e Sio Paulo). Paralelamente 0 crescimento do acesso alfortia na segunda e ter- ceira geragio de escravizados — pagas, na maioria dos casos, pelos préprios exeravos com peciilios ob- tidos com a autorizagao do senhor - 0 intenso tré- fico clandestino de africanos nos anos 1830 © 1840 ira formar a base da tiltima geragao de cativos. ‘As fazendas repletas de escravos, o endividamento de alguns fazendeiros com 0 comércio negreiro, 0 isolamento politico brasileiro no panorama interna- cional, diante da pressao inglesa, e 0 temor gerado por repetidas rebelides de escravos afticanos na Bahia, como a famosa Revolta dos Malés, em 1835, tornaram iminente a decisio politica de por um fim a0 comércio ilegal de escravos, finalmente tomada em 1850, Contra o voto das provincias do Vile do Paraiba, onde se expandia a plantation cafecica, prin- cipal produto de exportagio, uma nova lei de extin- «40 do tréfico foi aprovada, em quatro de setembro de 1850 (Lei Eusébio de Queirés). A prisio exemplar de alguns eminentes fazendeiros a dura repressao aos capities das embarcagdes convenceram a maioria dos grandes senhores que dessa vez era para vale, Essasrestrigdes provocaram, nas décadas de 50 e 60 do século XIX, 0 aumento do prego dos uma concentra¢ao social da propriedade de cativos: 0s pequenos senhores vendiam para os grandes, as cida- des para o campo, ¢ 0 Nordeste para o Sudeste, Resta~ ram poucos ¢ rices senhores concentradas nas dreas de exportagio, especialmente no Sudeste, Os escravos nascidos no Brasil, comercial interno estabeleciam com rapidez aliangas €reivindi cages antes inacessiveis aos africanos, E quando per ados nesse novo tréfico maneciam nas regides em que haviam nascid, ten HA Fibra oe eames conn Bnaone inka mann Heng Topandin de Bedi ¢ Sn oe te ells Fle Go oases i ees my S Uomage th Bay mb 4 De mbre 4d AERA diam a ampliar a pressio pela alforria. As aspiragdes da ikima geragao de cativos se fizeram assim presen- tes no dia-a-dia das cidades, das fazendas, e dos tribu- nais ~ com reclamagoes sobre o direito de peciilio e agies juridicas questionando as escravizagaes ilegais. ‘Ao mesmo tempo, o fim da Guerra de Secessio nos Estados Unidos, em 1865, acentuava o isolamen to brasileiro em termos internacio- nais. O impacto do recrutamento de | libertos na Guerra do Paraguai (1864- 1870) sobre uma opinio puiblica ¢ dda ver menos ligada aos interesses es- cravistas contribuiu para que o gove no decidisse empreender reformas {que acelerassem o fim da escravidao. Nao foi pequena, porém, a batalha parlamentar da Lei do Ventre Livre, aprovada em 1871, que dava liberda- de para as criangas nascidas de mae escrava a partir ‘daquela data, mas que previa indenizagao.aos senho- res pela criagdo delas até os oito anos, Essa indeniza- cdo podia ser paga em servigos das proprias ctiangas, prestados até os 21 anos, ou em dinheiro, pelo Es- tado. Os diltimos senhores perceberam entao que nio nasceriam mais escravos no Brasil ‘Com a aprovagao da lei, as reivindicagdes dos ca tivos nascidos no Brasil passaram a estar, de certa forma, reguladas pelo Estado monarquico, Alem da liberdade do ventre, alei de 1871 reconhecia o ditei- to do escravo ao pecilio proprio ¢ a compra de sua liberdade através de prego arbitrado pela justiga, E instituia também uma matricula geral. Até entio, nenhum documento legil atestava a condigio livre ou cati le uma pes- soa. Ou seja, um cidadio “de cor” podia ser confundido com um es- cravo ¢ sujeito a priticas ilegais de escravizagio. A matricula seria ainda aa base para as alforrias mediante in- denizagio do Estado aos senhores, ‘com recursos de um fundo de eman- cipagde, também criado pela lei de 1871. Na pratica, 0 fundo libertou poucos e a maioria des senhores optou por usufruit os servigos das criancas nascidas juridicamente li- vres até 0s 21 anos, como a lei hes permitia. Apesar disso, © impacto simbético da liberdade do ventre {foi tremendo, para senhores ¢ escravos. A partir de 1879, © movimento abolicionista to- maria definitivo impulso nos centros urbanos ¢ a 19 ts Para saber mai CHALHOUR sidney ies da tienda a ist das sicatas da sserandso a Crt Sao Pai Companhia das tees, 19, CONRAD, Robert Os scratua 00 Br 18501888, Ro de lanere: Giles Braslea, 1978 MACHADO. Mara Helena O plan ee nia. Os movineneas seis ra da Abuido Rio de anc: Fara ca UERIEDUST, SILVA, Eduaedo As Paul: Compara das Levas, 2008 diplomade concedido a Pea I politics das cub arecadavam fund pare compra de de 18 ‘Revista thasrada, de Junho de 1885 cra uma erie a0 projeto de ki que beara ot ‘scavos com mats de acorrentados pra a Sepultura, umavver ‘que os senhore «Ge rabatho como indenizacio Homens de luta ‘André Rebougas (1838-1898) » Filho do conselheio ‘Antonio Perera Reboucas, politico e advozado mulaco,e de Carolina Pinto Rebougas, rasceu na Bahia, mudou-se para a Corte, estudou na Escola Militar, formou-se ‘engenheio. Em vista aos EUA nos anos 1870 revokou- se com a segregacio racial mais tarde aderiu a Sociedade Brasileira contra a Fscravidio e & Confe- deracio Abolicionista. Monarauista, exilou-se junto com a fama imperial ern 1889. José do Patrocinio (1854-1905) Filho do padre e dono de cecravos jo Carlos Monecroe de sua escrva Justina do Espirito Santo, nasceuem Carnpos dos Goytacazes, no Rio de janeiro, Farmactutco, optou pelo joralsmo atuando ‘em peviécosaboliconistas come a Gazeta de Noticias a Gazeta da Tarde, Com André Reboucaslangou, er 1883, © Manifesto da Confederagto Abolconista 0 lado de oa-

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