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A Questdo Democratica na Area da Satide Documento apresentado pelo CEBES — Nacional no 1° impésio sobre Politica Nacional de Saiide na Camara Federal — outubro 1979 E praticamente consensual entre os especia- listas 0 diagndstico de que, a partir da década de 60 vem piorando gradativamente o nivel de vida da populacdo. Aumentaram significativa- mente a mortalidade infantil, as doencas end micas, as taxas de acidentes do trabalho, o nu- mero de doentes mentais, etc. Pioraram, igual mente, as condicdes de saneamento, a poluigo ambiental e os niveis nutricionais chegaram ao ponto de preocupar as autoridades, hoje um tanto pessimistas com relaco ao que chamam de “miseria absoluta“. Cresce a um so’ tempo a mobilizago popu: lar contra 0 desemprego, os baixos salérios e suas péssimas condigdes de vida. Cresce tan- bém, e mais especificamente, a irritacdio da po- pula¢éo contra as filas, a burocracia, a corrup- 80 € 0s custos da ma atencao medica que rece- bem. Crescem, finalmente, as reclamagdes e rei vindicagSes sindicais contra os convénios e con tratos com as empresas medicas Enquanto isto acontece, a medicina brasi- feira vive uma profunda crise . Exacerbam-se as criticas & sua qualidade . Questiona-se cada vez mais a sua eficdcia. Acusam-se os medicos de deslei xo e desnaturada avidez salarial .Os donos de hospitais ameacam feché-los porque seus lu ‘cr08 esto baixando. E neste conte xto que se situa a maior parte do material que vem sendo veiculado pelos meios de comunicagio de massa . Inuimeros ele. ments objetivos sustentam a parcial veracidade destas acusagdes. Entretanto, 0 que sd recen- temente esta vindo a luz, em forma ainda um tanto encoberta, so as reais causas das distor- Bes detectadas .’As raizes ultimas na anarquia instaurada na assistencia medica e da insolvén: cia sanitatia da populacdo: a mercantilizagao da medicina promovida em forma consciente e ace- lerada por uma politica governamental privati zante, concentradora e anti-popular . Politica que substitui a voz da populaggo pela sabedoria dos tecnocratas e pelas pressdes dos diversos setores empresariais; Politica de Satide que acompanha em seu tracado as linhas gerais de posicionamento sdcio-econdmico do governo: privatizante, empresarial € concentra dor da renda, marginalizando cerca de 70% da populacdo dos beneficios materiais e culturais do crescimento econdmico . Politica de Saude, ainda, que reduziu ao mihimo os gastos em sat de puiblica, privilegiando a assistencia medico: hospitalar curativa e de alta sofisticaco, ainda quando 0 quadro sanitatio do pais indique a enorme importéncia dos ‘velhos” problemas: esquitossomose, Chagas, malatia, desnutricao, altos thdices de mortalidade infantil, combina- dos com a emergéncia de novos padrdes de mor- talidade urbana (cancer, doencas cardiovascula- res, acidentes, violencias, etc ) . Politica de Sau de, enfim, que esquece as necessidades reais da populacdo e se norteia exclusivamente pelos in- teresses da minoria constituida e confirmada pelos donos das empresas medicas e gestores da induistria da salude em geral . Exemplo recente desta forma de politica elitista e anti-popular e a tentativada cria¢ao do cheque-consulta, cujo unico objetivo ¢ satisfa zer os interesses dos produtores de servicos ace nando & populacdo com a ilusio de um melhor acesso aos servicos de sauide . Face a esta politica de carater essencial- mente anti-democratico, a grande maioria dos profissionais de sauide encontra-se hoje colocada na trincheira de uma batalha inglria a tentar remediar os males de um planejamento ineficaz para uma populacdo carente e subnutrida, com técnicas as vezes to ou mais perigosas que as proprias doengas que deseja eliminar . Por outro lado, a populacdo marginalizada das decisdes sobre a politica de Satide da mes- ma forma que da maioria das decis6es sobre a vida nacional financia um sistema que muito pouco ou nada the oferece em troca . Frente a este quadro € dever da populacso " € dos profissionais de sade, nos locais de traba lho @ reunidos em torno de suas entidades re- presentativas, apresentar seu diagndstico da si- taco . Mais ainda, somando-se ao clima de de- bates que hoje caracteriza a conjuntura politica nacional, avangar e propor plataformas de luta que busquem reunir suas aspiracdes na linha de constitui¢do de uma medicina democrattica . E nesse sentido que o Centro Brasileiro de Estudos de Sauide vem apresentar sua contri- buigdo a este debate e a esta luta. — 0 diagndstico apresentado ja indica as gran- des linhas de uma proposta, limitando res- ponsabilidades e definindo os principais obs- taculos que se interpdem hoje, no Brasil, en- tre 0s ideais democraticos e as possibilidades de resposta e adequacao real do nosso Siste- ma de Satide aqueles ideais . Por uma Satide autenticamente democra~ tica entende-se: 1 — 0 reconhecimento do direito universal e inalienavel, comum a todos os homens, 4 Promogao ativa e permanente de condi Bes que viabilizem a preservago de sua saude. 2 ~0 reconhecimento do cardter scicio-econd- mico global destas condigdes: emprego, sa latio, nutri¢a0, saneamento, habitaglo e preservacdo de niveis ambientais aceita- veis. 3-0 reconhecimento da responsabilidade parcial porém intransferivel das aces me: dicas propriamente ditas, individuais e co- letivas, na promoco ativa da satide da po- Pulacdo. 4 —0 reconhecimento, finalmente, do cardter social deste Direito e tanto da responsabi- lidade que cabe a coletividade e ao Estado em sua representagao, pela efetiva imple- mentacdo e resguardo das condicées supra mencionadas.. Por isso so necessatias medidas que 1 — obstaculizem os efeitos mais nocivos das leis de mercado na area de Satide, ou seja, detenham 0 empresariamento da medicina. 2 — transformem os atos medicos lucrativos, ‘em um bem social gratuito a disposicso de toda populacdo. 3. — criem um Sistema Unico de Saude . 4 — atribuam ao Estado a responsabilidade to: tal pela administragdo deste Sistema . 5 —deleguem ao Sistema Unico de Saude a tarefa de planificar e executar uma politi a nacional de saude; que inclua: a pesqui- sa basica, a formacdo de recursos huma nos, a atengao medica individual e coleti- va, curativa e preventiva, 0 controle am- biental, 0 saneamento e a nutrigso mihi- ma a sobrevivencia de uma populacdo higida. estabelegam mecanismos eficazes de finan- ciamento do sistema, que nao sejam basea- dos em novos gravames fiscais sobre a maioria da populaco, nem em novos im: postos especificos para a sauide .O finan- ciamento do Sistema Unico deverd ser ba- seado numa maior partipaego proporcio. nal do setor satide nos orcamentos federal, estaduais e municipais, bem como no au. mentodaarrecadacdodecorrente de uma ak teraco fundamental no atual cardter re- gressivo do sistema tributario . organizem este Sistema de forma descen- tralizada, articulando sua organiza¢o com a estrutura politico-administrativa do pars em seus niveis federal, estadual e munici pal, estabelecendo unidades basicas, coin- cidentes ou néo com os municipios, cons- tituidas por aglomeraces de populacdo que eventualmente reuniriam mais de um municipio ou desdobrariam outros de maior densidade populacional . Esta des- centralizaggo tem por fim viabilizar uma autehtica participaco democratica da po- pulacdo nos diferentes niveis e instdhcias do sistema, propondo e controlando as. ages planificadas de suas organizagdes e partidos politicos representados nos go: vernos, e assembleiase instancias prdprias do Sistema Unico de Saude. Esta descentralizacdo visa por um lado maior eficacia, permitindo uma maior vi- sualizacdo, planificagdo e alocacdo dos re ‘cursos segundo as necessidades locais. Mas visa sobretudo ampliar e agilizar uma au- téhtica participa¢do popular a todos os nniveis e etapas na politica de sauide . Este, talvez 0 ponto fundamental desta propos- ta, negador de uma solucdo meramente adi trativa ou “estatizante ”.Trata-se de canal reivindicagbes e proposic&es dos beneficidrios, transformando-os em voz voto em todas as instancias. Evita-se, tambem, com isto, uma participa- io do tipo centralizador tio cara a0 espifito corporativista e to apta as manipulapdes coop- tativas de um estado fortemente centralizado e autoritario como tem sido tradicionalmente o Estado Brasileiro. 9 — Estabelecam um estatuto de convivencia entre a pratica assalariada vinculada ao Sistema Unico de Sauide e a autentica pra- tica de consultdrios particulares que tem tradicao na Medicina brasileira . 10 — Definam uma estrategia especitica de controle sobre a producdo e distribuigao de medicamentos, assim como de producao e/ou importago e consumo de equipamentos médicos. Que esta estratégia tenha presente as fades reais, majoritérias e regionalizadas da populacao, reduzindo ao minimo os gastos € a sofisticaco desnecesséria. Estas opcBes politicas conduzem a uma Proposta de transformacdo profunda no atual sistema de sauide cujas medidas iniciais sejam: | — Criar o Sistema Unico de Saude (SUS) M1 — Outorgar ao Ministerio da Saude, a dire: a0 do SUS com a tarefa de planificar e implantar em conjunto com os governos estaduais e municipais, a Politica Nacional de Saude. 0 ofg-ao deve ter poder norma- tivo e exeeutivo, inclusive sobre 0 setor privado e empresarial, sendo controlado permantemente pela populacdo através de suas organizacGes representativas, via me- canismos claramente estabelecidos e insti- tucionalizados . II — Definir a Politica de Assistencia Medica, atualmente levada 2 cabo pelo INAMPS, entdo enquadrado e disciplinado pelo rgio diretor do SUS, mediante a sus- pensio imediata dos convehios e contra: tos de pagamento por unidades de servi- gos para a compra de atos meédicos a0 setor privado empresarial, substituindo- 0 por subsidlios globais; estabelecer me- canismos efetivos de controle destas uni- dades contratadas que impecam conse- quencias danosas como o aviltamento dos salarios dos profissionais e a diminui: 40 da qualidade do atendimento; con- trole a ser exercido em conjunto por um representante do Sistema Unico de Sat de com assento permanente na direcdo destas unidades.. Criar imediata, ainda que progressi- vamente, com os recursos antes dispendi- dos com os convehios e outros, uma rede nacional, devidamente regionalizada de ambulatdrios e postos de sauide proprios, voltados para a aplicagdo de medidas pre- ventivas, articuladas com assisténcia me: dica primatia, de casos de emergencia de acidentes do trabalho. Para‘ o funcio- namento destes postos, deverao ser utili- zados medicos funcionarios dos Sistemas Unico e, sobretudo, pessoal au iliar, cuja formacdio devera’ ser estimulada com veeméncia . V_— Defini¢do de uma politica para area rural adequada as reais necessidades de sua po- pulagdo, descondicionando a prestacdo de asistencia medica da satisfaco de inte: resses eleitorais de grupos partidarios . VI — Redefinir a atual politica do FAS para que passe a financiar a expansao da rede basica dos servicos de sauide . VII — Privilegiar as medidas de controle do meio ambiente, particularmente aquelas destinadas 4 reducéo de doencas endé micas, como Chagas, Esquistossomose, Malatia: ete VIII — Planejar a formacdo e distribuicéo de profissionais de sauide, definindo as prioridades para a formaro de pessoal do especializado e especializado. 1X — Definir uma politica de producdo e di tribuigdo de medicamentos e equipamen- tos médicos orientada pela simplificagéo @ eficacia tecnoldgica e dirigida & redu- da dependéncia ao capital estrang ro atraves de maior participago estatal na pesquisa, forma: Go de pesquisadores e desenvolvimento de tec- ologia nacional dirigida & produgo de maté- wv - rias-primas fundamentais & industr izacio de medicamentos essenciais; de modo similar a0 que originalmente propunha o proprio projeto ou Central de Medicamentos; © controle de remessas de lucros paraoex de dos medicamentos comercializados; © importago apenas daqueles equipamentos férmacos que tenham tido sua eficacia com- provada através da utilizacao por um periodo mihimo de 5 anos. conjunto destas reivindicagées conforma uma primeira etapa na formulacgo de uma Pla taforma de luta em pro! de uma auténtica de- mocratizago da Medicina e da Saude brasileira. Nao pretende ser executiva nem abranger detalhamentos administrativos de implementa- 80 . Nao ¢ seu objetivo. Define apenas as gran- des linhas que deverdo orientar, em nosso en- tender, as decis6es politicas fundamentais . Abrese a partir deste momento a um deba- te democratico, o mais amplo e fertil possivel, com todas as entidades e instituigdes interessa- das na solucdo da crise atual da Medic:na brasi- leira . Debate que aprofunde estes pontos indica- dos, levando & formulagio mais acabada de uma plataforma que agrupe e mobilize médicos e no medicos na luta contra a atual politica de governo para a satide e a favor de uma Medicina Democratica. O CEBES dentro da perspectiva da demo- cratiza¢io dos servicos de saude, entende tam- bem que devam ser atendidas as justas reivindi- caces dos movimentos sociais no setor no sen- tido de: 1. — Desvincular 0s consethos profissionais do Ministerio do Trabalho, a exemplo da ons. Estabelecer salatios justos que dignifi: quem a atividade profissional, a estabilida- de no emprego e melhores condic&es de trabalho. Ser coibido 0 uso do saber e autoridade quando usada para praticar ou acobertar atos de violencia figica ou moral contra a pessoa humana. Eliminar toda e qualquer discriminagao social, religiosa, politica e ideoldgica, na admissiio de profissionais para cargos pi blicos ou privados 5 = Modificar 0s atuais curriculos de formago de profissionais adaptando-os as _atuais necessidades soci saiide coletiva Regularizar a situaco de diferentes profis- sionais como por exemplo, assinando a carteira de trabalho para Residentes e re- gulamentoem todos osniveis a carreira de sanitaristas 7 Imediata readmissdo de professores, medi- cos, cientistas, etc, atingidos pelos atos excepcionais 8 — Recusar na sua totalidade o atual Projeto da CLT, unindo-se a uta de todos os tra- balhadores brasileiros.. 13

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