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FEMINIZAGAO DO ENVELHECIMENTO POPULACIONAL: EXPECTATIVAS E REALIDADES DE MULHERES IDOSAS QUANTO AO SUPORTE FAMILIAR" ‘Marcos Roberto do Nascrmento™ LinTRODUGAO Nao incomum nos dias de hoje ter que ajudar, em nosso prédio ou em nossa rus, um(a} idoso(a) a subir as escadas, carregar uma sacola e, no dia-a-dia da cidade, ajudar a atravessar a rua ou ceder 0 nosso lugar no bance de énibus Nao é sem frequéncia também que se tem ouvide no radio ou assistido pola televisdo, lido em jornais e revistas sobre o aumente na proporcdo de idosos(as} na populagdo brasileira e, por efeito disso, o mercado propde seus pradutos e servigos que vao desde planos de satide & vantagens em shoppings e programas culturais direcionado ao puiblico de mais idade. Nao hé duvidas, Sociedace ¢ Estado estao diante do envelhecimento de populacdo brasileira e os clhares se vollam para esse fenémeno demogritico que tem efeitos diretos sobre as vérias dimonsdes da sociedadia: mercado de trabalho, satide, familia, habilacdo, ete, Sobressaem neste proceso de envelhecimenta duas questées sensiveis que deveriam ser cbservadas na elaboragdo de politicas pablicas volladas para a opulagao idosa, A primeira diz respeito as transformagdes na famtiia, marcadas pela queda acentuada da feoundidede, tendo como resultado a diminuigao do tamanhe da familia, 2, em cera medida, a entrada da mulher para o mercado de trabalho. Esta transtormagdo implica em alteragées na funcao tradicional da familia de suporte e apoio & pesca idosa, soja por causa de numero menor de membros na familia para cuidar das pessoas idosas, seja por causa do menor tempo da muther, tradicional cuidadora dos dependentes da familia, para assurit o cuidado dos parentes idosos. A segunda questée € a feminizacgo do envalhacimento Populacional. A razdo de sexo entre a pooulagdo idosa vem dimninuindo consideravelmente no Brasil, e com bastante intensidade em Belo Horizonte, cconfigurando uma populagdo idosa majoritariamente feminina. Esta é uma questo sensive!, uma vez que as mutherss idosas, em sua maicria, tiveram uma trajetéria de vida marcada pela pouca escolarizaeao, baixa insorgao no mercado de trabalho formal, baixa qualificacdo profissional, € um ambiente sécio-cullural marcado pela * Este trabatho 6 parte do estudo sobre Género @ Envathecimento om Hato Henzonte, tema de Uissaracao de mestrado, catendca no Departamento de Demagiatia Codepiar, da Facudade te (Ciencias EconémicasiUFMG o orentada pela professora Paula Miranca-Ribore, ‘Agradego ao professor Roberto Rodrigues Nascimerto pelos comentarios © sugectées bastante eleva, ‘Cientista Social e Mestre om Demogeatia, it forte ideologia de género que prescreve um papel subalterno de mulher na sociedade @ diferenciado na familia. Os homens idosos, om sua maioria, estio casados e desfrutam da companhia da esposa, seja ela idosa ou cam menos idade. A mulher idosa viiva, solteira ou separada, vive a maior parte de sua vethice sozinha ou vive dentro do mesmo esquema de fungdes © responsabilidades no interior da familia, cuidande da casa, de netos, dos fllnos, etc, Ambas as questées so marcadas pelas relagdes de género, seus conflitos @ tensées no contexto social brasileiro. A Demografia tem uma dupla responsabilidade diante do processo de envelnecimento brasileiro, Primeiro, 0 de fazer um diagnéstica desse processo, apontando suas causas @ suas tendéncias. Segundo, apontar 0 perfil dosses idosos nos domictiios e as caracteristicas da estrutura familar na qual esse grupo populacional esta inserido. E a partir desse diagnéstico © dasse perfit que as politicas piblicas em relagio & populagao idosa devem ser pensadas, elaboradas € implementadas. No sentidc de contribuir para 0 debate sobra 0 enveihecimento populacional, tendo em vista estas duas dimensées do problema - estrutura familiar ‘em transformacdo @ feminizagdo do envelhecimento -, fizemos um estudo qualitative, utiizando entrovistas, sobre as expectativas das mulheres idosas quanto a0 suporte familiar, em grupos de terceita idade de duas regiGes administrativas de Belo Horizonte, onde buscamos relacionar as quesiées de género & estutura familiar na qual essas mulheres estao inseridas. Buscamos salientar como a realidade vivida e esperada, no contexto dos arranjos familiares os domictlios, esta intrinsecamento relacionada & visac de mundo de uma geragéo determinada de mulheres. Na Segdo seguinte iremos fazer uma discussio sobre o envelhecimento opulacional. O conceito demogrifica, a tendncia de envethecimento no Brasil © uma descrigao sucinta do envelhecimento em Belo Horizonte, Caracterizaremos também 9 proceso de feminizacao do envelhecimento populacional & descreveremos a condicéo da mulher idosa na estrutura familiar, Na Segao Ill apresentaremos as bases de nossa argumentacac sobre género e envelhecimento, associando as transformacées na farnilia ao culdado com @ pessoa idosa. Na Segao IV destacaremos 0s procedimentos metodolégicos usados para coletar os daclos e caracterizar 0 universo de pesquisa, Em seguida, na Segao V, faremos a andlise das entrevistas. E, por fim, apresentaremos algumas consideracdes finals. 192 U. CONTEXTO DEMOGRAFICO 1L1. 0 Envelhecimento Populacional Do ponto de vista sécio-culturel o conceit de velhice apresenta suas nuangas e complexidade. A velhice 6 uma fase cronolégica que, nas sociedades modemas acidentais, esté socialmente associada oom o fato de as possoas deixarem de ser economicamente produtivas (ver Vera, 1993; Vazquez, 1893; Morsira, 1997), ou com a perda das capacidades fisica ou mental, Do ponto de vista demogréfico uma populago dada envelhece quando sua idade média ‘aumenta ao mesmo tempo que sua estrutura otéria passa a apresentar alteragdes na base, diminuindo a proporgao de populagdo jovem, de 0-14 anos, 2 no cume, aumentando a proporcae de populacdo considerada idosa (Carvalho e Andrade, 1999) Apesar das diferentes vises culturais, cientiicas e técnicas sobre a idade limite onde comoga ou termina « terceira idade ou, mais genericamente, quando se comega a ser idoso (ver Fundagéio Joao Finheito, 1993), neste artigo considerar- se-4 idosofa) a pessoa com mais de 65 anos de idade’. Contudo, em estudos dessa natureza, esse tipo de delimitagao arbitréria da idade da pessoa Idosa tende a no levar om consideracao diferengas substantivas fo interior da populagao idosa. Diferengas situadas no nivel de satide dos idosos; diferencas na razdo de sexo (mais mutheres do que homens); diferencas de grupos de idade dentro da prapria populagao idosa; distintos niveis de instrucao; diferentes situagdes de poder aquisttivo; diferencas espacials, isto @, diferengas interespaciais que se referem ao elemento sécio-cutural na localizagéo e caracterizagao da populagde idosa, ete. (ver Vera, 1993; Peixolo, 1995). Dentro desta perspectiva, destacam-se as diferengas relacionadas ao génera. © processo de envelhecimento da populagao brasilsira se tomou 0 fenémeno demografica mais evidente deste final de século ja a partir da segunda metade da década de 1980. Entre os demégratos, no caso desse fenémeno * Sagundo a Lei no, 8.842, que disobe solve a Politica Nacional do ldoso @ eria a Consolno Nacional do Idose, idoso ¢ a pessoa maior de 60 anos ce idade, (An. 2. “Consicerarse 0 ideso, para lodos os oloios desta Le, a pessoa malor de sessenta anas de idade,’) Neo obslarte asta Gefnigao pera efeto de inclusdo das pessoas em programas © agdes covorrertes das. Prescrigdes dessa La hé rufa corfusdo e indefinigdes ao considerar @ idede mite para Btreticios © diretes na ordam formal, Por exemplo, © Bonolicio de Presiagao Contiwvado & fconcedido @ pessoes Klosas com 67 anos e mals, a Wade minima para se aposenter é de 6S ‘anos @ 4, tambdm, gomente abs 65 anos que a pessoa idosa excrce o crete de no pagar polo tiso do tansporte patlica coletve, Nesse sertide, nfo 60 aula lovande em carta o arincipie que Insttul © cilevendal erie paises em desenvolvimento © desenvoWidas, coms prescreve a Crganizagac cas Nugies Unidas, para a qual, nos primeios, a tercera idade comega aos 60 ‘anos e. nos segundce,a parr dos 65 anoe de fdade (t. Furxlagao Seade, 1990) 199 domogratico, nao hé muita controvérsia, para nae dizer nenhuma, quanto a sua corigem ou s variéveis que, associadas, desencadearam esse fendmeno, Todos os ppalses passardo por esse processo um dia, uns demoraréo mais tempo, outros menos € varios jd estao lidando com as consequéncias do envelhecimento de sua Populagio - como aumento da incidéncia e prevaléncia de doengas erénico- degeneratives, alteracao da taxa de dependéncia demogréfica, aumento dos gastos do Estado com seguridade social, aumento da longevidade e conseqiente perenizectio dos gastos da Previdéncia Social -, sobretudo os paises mais industriaizados (Chesnais, 1980). 1.2. 0 Envelhecimento no Brasil @ em Belo Horizonte © envelhecimento populacional brasileiro tem duas caracteristicas marcantes: ser répida e recente, Estas duas caracteristicas indicam que o pais ter ‘que s8 preparar para essa novidades, tante do ponto de vista institucional quanto do ponto de vista societal Para so tor nogao dessa rapidez, segundo Moreira (1997), ern 1960 a pronorgéo de populagdo acima de 65 anos, no Brasil, era de 2,7%, passando para 4,8% om 1991, Em némeros absolutos a populagéo idasa passou de 1.786.533 para 7.085.847, no mesmo periodo. A proporgao de populagae abeixo de 15 anos, por sua vez, caiu de 43,2%, em 1960, para 34,7%6, em 1981. Segundo este mesma autor, 0 indice de idasos’, neste period, passou de 6,2 para 13.9. Porém, paises desenvoivides como EUA e@ Italia, segundo projecdes, apresentaric um envelhecimenio bem mais lento do qué 0 do Brasil. A variagao do indice de idosos desses paises, entre 1950 e 2050, & bastante inferior 20 do Brasil (© quo s2 observa para o Brasil como um todo é que a tendéncia de envelhecimento populacional sera marcada por uma maior intensidade. Segundo projecdes de Moreira (1997), a intensidade do envelnecimento da populacao brasileira continuard ao fongo das proximas décadas, alé que, em 2050, 0 total de idoses no Grasil sora de 98.284.470, representand 18.4% da populagao total, superando, assim, a populagao Jovem, 35.862.997, quo representaré 17.2% da populagao total, Enfim, a populagao idosa, no Brasil, em 2050, sera, aproximadamente, cinco veres maior do que a populagaa idosa observada em 1991 (Moreira, 1997: 85) * indies de tdosae Pre * 100, onde Pes @ a populagéo de 6S anos eats @ 4°56 a Pe populagéo mencr de 75 arcs (Shryock e Siegel 1980). Segundo estes autores, uma populagso 0m um indice de oss abalxo de 15% pods ser corsiderada uma populagao joven; eve 18 © 50% uma populaga intermedia e actma ge 30% uma populacac idesa fp. 133), 194 Nao ha dividas, pois, que o envelhecimento populacional do Brasil domandar respostes objetivas tanto ro nivel institucional quanto societal, Resta saber como os agentes dessas esferas de organizacao social € politica estdo se preparando para enfrentar as consequéncias deste processo, Observando a tendéncia de aumento relative da populagao idosa em Belo Horizonte, o quo so vé é que este municipio segue a mesma tendéncia do Brasil coma um todo (Tabela 1}, porém com um ritmo relativamente mals acelerado! TABELA1 Populagdo menor de 15 e maior de 65 anos, participacao relativa ¢ indice de Idosos, Brasil e Belo Horizonte - 1970 1996, ros | 0-14 % oe | | tom | ume Biel oo ema [wet | Eso.800] a aaa ae = “980 [assi1 319-39, 4775387 [49 [139001 27 | 40.5 est | s0.sie ag [347 | 70as.ad7_[ a8 [146 025-«75| 139 3986 ag naa? | ai, 5.406.220 | 5.4 ~—[isrars 201) 170 Bela Horzants Tress — ae 32 943 eee pe 4980 _| 500.006 |"—~33,r 1 108 34 [rma ion 1esi | eooza7 [2.9 2 332 46 | 200420 | 194 1096 | 549.475, 8.3 [116 056 55} eae |e Fonte: Elaborato com base ros dados de IBGE - Censes Demogiéfcos, 1970, 1980 ¢ 1991, & CContagem da Populaga, 1986. Atendéncia ¢ de um aumento progressive do tamanho da populagao idosa @ diminuigac do tamanho da populagée joven, Em Belo Horizonte, no periods de 1970 a 1996, houve uma redugao no percentual de populagdo abaixo de 18 anos, passando de 36,6% em 1970 para 26,3% em 1998. Jé 0 aumento no percentual da populagao idesa fol mais Intenso. No mesmo periodo, subiu de 2.8%, para aproximadamente 5,5%. Como pode ser visto na Tabela 1, 0 indice de idosos indica um envelhecimento em franco proceso: em 1996, o indice de idoso estava fem torne de 21, quatro pontos maior que o indice relative 20 Brasil. Contudo, @ andlise demugrifica dese processo nao deve referirse apenas as projegdes ce populagio, da razio de dependéncia, da esperanga de * Esta sitarenca pode ser expicada pela diforanta dindmica demonrética nesses dois niveis, Os dados para o Brasil referen a média das teniénclas am 1000 0 teil, Balo Horizonte, por seu {umo, apresenta uma cindmice prépria, na qual a migiagao tem papel importarte, 195, vida, das taxas de crescimento da populagéo idosa, mas, também, as transformagées da estrutura tamiliar, no que tange a dinamica das variéveis fecundidade e nupeialidade, no sentido de avaliar 0 impacto dessas transformacées no cuidado e atendimente ao(a) idosofa). Com uma perspect'va dessa natureza abre-se caminho para entender e analisar, do ponta de vista socio-demografico, as condigdes nas quals as mulheres idosas estdo @ eslardo vivendo na familia, num contexto de ferinizagao do envelhecimento pepulacional. 13, A femintzagao do envelhecimento populacional ¢ a condiga idosa na familia da mulher A feminizacéo da terceira idade & um processo ovidente para todos os demégratos que tratamn das alteracées na estrutura otaria do Brasil (Berqué, 1996; Moreira, 1997; Saad, 1998; Carvalho e Andrade, 1999), Em 1985, segundo dados de Moreira (1987), dos 7,7 milhdes de idosos, S5% eram mulheres. O que se espera para 2060 6 uma proporcao de 584% de mulheres do total do 98,8 mines ds pessous idosas. Nao obstante esta evidéncia demogratica, nao se tam tratado o tema com 4nfase maior nas questées de género propriamente dilas. Nesse sentida, quando se analisam as respostas ao processo de envelhecimento, no nivel das comunidades, esta questéo se destaca porque a muther néo apenas envelhece, como também, tradicionalmente, ela 6 tida como a responsével pelo culdado dos parentes idosos, do marido idoso, no nivel da familia, ou dos(as) idosos(as) carentes e dependentes, no nivel da comunidade. Belo Horizonte, par sua vez, aprosenta uma consideravel diferenga populacional entre os sexos*. Esta tendéncia de feminizagao da populagdo idosa ‘corre principalmente em fungée do diferencial de mortalidade por sexo, o que feta o ritmo de crescimento das populagdes masculina e feminina (Berqud, 1996). Em Belo Horizonte, os dados dos Censos Demogratficos de 1970, 1980, 1991 e da Contagem da Populagdo de 1996, indicam que ha um aumento no percentuat de mulheres idosas om relacdo ao de homens (Tabela 2), Assim, a razao de sexo, ao longo dos referidas perlodos, tem diminuido sistematicamente. * Nao entraramas neste trabalho no mérte da discussio scbre as causas da redueio da razao de ‘sexo 99 Bato Hewlzante 196 TABELA2 Distribuigao relativa, segundo sexo, e razao de sexo de pessoas com 165 anos e mals - Bolo Horizonte, 1970, 1980, 1991 © 1996 z __ a exe 1970) 1880, T3997 1336, ‘Maher 59.8% 30.9% we 62.3% Homem 402% 397% ‘37, 327%. Fazio 9 Saxo ere. 5 07 ea Fonte; Elaborado com hase noe dados do IBGE - Censcs Domogratices, 1970, 1980 @ 1991, € ‘Conlagem Populaciona, 1906. ‘Come cizem Carvalho e Andrade (1999), “el processo de envejecimiento ‘¢5 principaimente feminine, hecho que no dabe relegarse al considerar las demandas de la Tercere Edad” (p. 13.5). Berqué (1992), por sua vez, considera que questéic da velhice 6 uma questéo fominina” Tratar do envelhecimento populacional, pertanto, implica em tralé-to numa perspectiva de género, Nao se trata, pois, a partir desse enfoque de género, de destacar apenas a maior proporgéo de mulheres idosas em rele¢éo de homens idasos sendo evidenciar que a vothico é uma experiéncia colstiva, diferente para mulheres € homens (Oebert, 1994). E esta diterenga est4 expressa de uma maneira bastante concreta na inserglio, por sexo, nos tipos de arranjos familiares, bem coma na realidade conjugal de homens e mulheres na vethice. Dentro desta perspeciiva, 6 possivel ver que na uma diferenga retevante entre homens @ mulheres idosos no contexto da familia de arranjos familiares nos domicilios (Figura 1}, em Belo Horizonte, 0 que pode ser fatcr de limitagao ou no fa sociabilidade? ferinina na terceira idadc* * Consideramos aqui seciablidade toda forma de relagao sot_| =e nae leva em consideragao os Sentimentos relalvos a fafa (ver Aries, 1978 0 Bars, 1981) ° Evidentemonte que ndo sto apenas os tijcs de aranjas familares que tina au nde a soclebidade da mulher Itosa Falores tals como renda, escolaridade e aivitade proissoral influenciamn nesta questa 197 FIGURA1 Proporgao de pessoas com 65 anos e mals por tipo de arranjo tamillar no domicillo - Bolo Horizonte, 1991 ott bh chataeensoe ca Stiacy se mcnaes Fonte: Elaborodo com base nos dadas do IBGE - Censos Demografices, 1201 198 Como pode ser visto na Figura 1, apenas 5% dos homens idesos moram em domicilios unipessoais’, contre 15% das mulheres idosas. Em 1991, 587% dos homens idasos viviam em familias do tipo nuclear, cujes arranjos predeminantes eram do tipo chele © cénjuge (22%) ou chole, cénjuge e flhas(as) (34%), contra apenas 36% das mutheres idosas. Neste caso 0 arranjo preponderante era 0 de chefe e fthos(as) soiteirosfas) (14%), onde nao ha a figura do cdnjuge, seguido dos arranjos chefe e cénjuge (10%), chefe, céniuge @ flhos(as) (9%). Obsorva-se, também, tanto para as familias de tipo nuclear © estencida, que a maioria dos homens idosos esto inseridos em arranjes familiares no domicilio que t&m a presenca do cBnjuge, 77% do total. No caso das mulheres idosas esta proporgdo € de 36%. Fstes dados refletem, por um lado, que as mulheres idosas vivem, em sua maioria, sem um companheiro ac longo da velbice, 20 contrario dos homens (Berqué, 1986). 8, por cutfo, que pare as rsulheres Idosas morar sozinha ou compartithar 0 domiclio com filhos(as) ou outros parentes séo as alternativas mais provaveis para as mulheres nesta fase do ciclo de vida, Entre os tipos Ge arranjos, 11% de mulheres vivem em arranjas do tipo chete, filbas(es} outros parentes @ 10% em arranjos de tipo chefe 2 outros parentes, os quais corespondem a familias estendidas sem o cénjuge, contra 4% © 2%, respectivamente, no caso dos homens. ‘Toda essa descrigio do tipo de arranies familiares no domicilio, no qual homens e mulheres idasas estdo inseridos, & para sugerie que, dentro de uma certa perspectiva, os arranjos familiares no domictio podem influenciar 2s possibilidades e limitagées de sociablidade de mulheres @ homens nesta fase do ciclo de vida, No caso especifico desse estudo, observar-se-4 que a maicria das mulheres idosas que freqlientam grupos de convivéncia, como uma forma especifica de sociabilidade, é de mulheres vitwas, morando cor fithos(as) ou sozinhas, Assim, & auséncia do companheiro possibilteu a busca de cutras formas de saciabilidade. Em relagao & populagdo Idosa por estado conjugal percebe-se ave 0 porcentual de mulheres vidvas € muito malor do que o de homens. Em Ccontrapartida 6 porcantuat de homens casados é muito maior do que o de mulheres casadas. Estes extremos tém oxplicagées de duas natureza: uma demogréfica que diz respeito a sobramorialidade mascuiina e outra sécio-cutural que esta relacionada ao que € socialmante aveltével e coletivamente desejdvel que o omem quando vidvo ou separado procure recomper sua vida conjugal com mulheres mais jovens, No caso das mulheres vivas ou separadas o que se espera 6 que elas ee dediquem a familia @ a0 culdado des filhos. Assim, do ponto de vista demogrtico - na medida em que hd um desequilibrio numérico entre os sexos a partir do qual o homer tem maicr facilidade para se casar novamente - ¢ do ponto * Domicilios com apenas um merador, que pode, eventualmente, ter um empregado domestica, 199 de vista sécio-cultural, mediado pela presse meral, a mulher tem suas oportunidades de recasamento Iimitadas, sobretudo na terceira idade (ver Beraué, 1986). |A Tabela 3, refiete 0 peso desse duplo determinismo. Em 1991 a propergdio de mulheres vidvas era de 52,5%, enquanto que a de homens era 12,5%, Neste mesmo ano 26,3% de mulheres estavam casadas contra 78% dos homens, © ‘otal de mulheres sozinhas (vidvas, solteiras e separadas), neste ano, era de 70,8% contra 20% de homens nesta mesma condigéo. TABELA3. Percentual da populagéo com 65 anos # mals por estado conjugal, Belo Horizonte, 1981, segundo sexe - cea Estado Civil Tuer Homem Fora Em uniae 26,5 73,0 46.2 Solfeira(o} 13.8 5.0. 105 ‘Separada(a) a5, 205) 37, ‘Viavato) B25 12.5 are ‘Sem declaraqan, 28 10 2, Total 7100.9 700.0, 700.5 Fonte: Elavorado com base nos dacs do IBGE - Censos Demogficos, 1991. Enfim, quastao de género se coloca neste contexto por do's mativos, O primeito esté relacionado com o falo de as geragdes de mulheres idosas com as uals estamos trabalhando - mulheres nascidas até 1994 - terem aprosentado experiéncia de fecuncidade alta, mas parte dos filos e filhas dessas mulheres t@m experimentado fecundidade mais baixa (salvo es doterminagies ca fecundidade por classe social, escolatidade, renda, etc). Além disso, as mulheres idosas viveram numa época de repressio sexual @ insergao, quase exclusiva, na vida doméctica. © segundo, diz respelto as mulheres fruto dessas garagées, que exporimentaram as influéncias da liberagao sexual ¢ da entrada da mulher para 0 metcado de trabalho. Estas duas experiéncias socials, de geragées diferentes, implica em alternativas © formas diferenciadas de lidar com ofa) ideso(a) na familia, uma vez qua esta tem sofride mudancas substantivas, sobretudo no set tarmanho, Nesse sentido, discutir © envelhecimento populacional requer um olhar para tras, no caso das mulheres hoje idosas, para o presente, no caso das mulheres fruto dessa geragao, que esto enveihecendo, © para 0 futuro, quostionando qual o contexto em que essas mulheres estardo idosas. 200 WW QUESTOES TEORICAS: GENERO, ENVELHECIMENTO E CUIDADO DE MULHERES IDOSAS NA FAMILIA A abordagem de género 6 mais do que um clhar feminino sobre @ sociedade, Esta abordagem ¢ constivuida por um arcabougo testica e analitico rolacional, que define 0 mundo social como o resultado de procossos histéricos desenvolvidos em tomo da agao sexualizada dos sueitos socials, Isto 8, o universe social de relagdes entre individuos 6 resuitante da a¢ao diferencial de homens o mulheres em condig6es espaco-temporais bem defnidas. De acordo com Lagarde (1996), “el género es la categoria correspondiente al orden sociocultural configurado sobre la base de la sexvalidad: la sexualidad a su ver detinida y signficada histéricamente por el orden genérico."(p.28) Do ponto de vista do enveihecimento populacional, pode-se fazer um retrato do pasado da estritura de género de uma Sociedade a partir da situagdic sécio-cultural dos(as) icosos(as) de hoje, por um lado, e pintar um quadro do que 8¢ pode esperar dos pontos cristaizades € das rupturas dessa estrutura no futuro, por outro, tendo em vista as transformagdes que vém ocorrendo na sociedade brasileira. © que se quer dizer com isso é que o nimero de mulheres idosas, hole sozinhas ou dopendentes de parentes, alm do determinante demogratico preponderanta, que é a mortalidade aiferoncial entre sexos, ¢ ‘ruto, também, da organizagae social que prescreve o papel da mulher e do homem na familia e na socedade. Ais disso, dados censitérios indicam mudangas substantivas nas estruturas dos domicilios ¢ na condigao da rmulher na familia, Essas tendéncias, somadas 8s modificagdes no comportamento social e cullural de homens ¢ mulheres pés-revolugdo sexual no Brasil, indicam alteracdes nos padrées de estruturas familiares e na posigéo da mulher na sociedade. Tais mudangas no comportamento dos jovens-aduitos & adultos de hoje possivelmente determinargo enfoque a ser dado a terosira idade am futuro préximo, Dentro de uma perspectiva sécio-demogvatica, héi dois fendmenos que prescrevem a restruturacao da familia: a queda da fecundidace, na medida em que reduz o ndmero de membros da familia e aumenta a proporgao de familias nucleares (Goldani, 1985), ¢; a entrada da mulher para o mercado de trabalho, & implicagdo dessas mudangas para © cuidado € apoio ao idoso(a) na familia diz respeito, no primeira caso, ao nimero reduzido de parentes na familia, sobretudo no caso das geragées de idosos(as) das primeiras décadas do préximo século (Carvalho © Wong, 1985; Carvalho ¢ Andrade, 1999; Wong, 1999), 0 que reduz & rede de apoio farriliar a0 idoso, No segundo caso, diz respeito a mudanca do papel tradicional da mulher, que era de cuidadora dos dependentes da familia e agora atua cada vez mais no mercado de trabalho (Oliveira et al, 1997), reduzinda © tempo que antes era dedicado a tals fungdes. Soma-se a isso a valorizagao do individualismo como estilo de vida ¢ viséo de mundo nes sociedades modemas. 201 © enfoque que aqui se apresenta busca asscciar familia e género ac contexta de cuidades @ atendimento aos idosos nc nivel da estera social, porque anto a esirutura familiar tradicional quanto as rolagdes de género tém mudado, Resta saber qual o impacto dessas mudangas sobre 0 cuidado e atendimento aos idesos(as). A medida que a mulher assume cada vez mais uma vida profissional ativa no mercado de trabalho, as demandas sociais rudam em decorréncia da alleragdo de seu papol @ fungdo tracicionais de culdado des membros da familia, Yazaki ot al (1992) afiemam que: 2 esirutura farifar tom aproseniado signifcativas rudancas paulatinas, e concomitantemente o proceso de industratizagao e ‘modernize¢do tem modiiicado molto 0s papéis sociais tradicionals 2, inolusive, substituide, ainda que parcialmente, funcdes familiares. As mulheres que desempenhavam, entre outras, a fungao tradicional do euidado com os idosos - um dos trabathos Invisiveis' da mulher na familia.- esto agora ingressando no mercado de trabalho; a migragao © a urbanizagdo, por outro f2do, tém separado as jovens des membros mais velhas da familia, desestruturando @ rede de apoio preexisiente na composicéo famitar tradicional. Neste novo quadro, pode-se constatar que insttuigdes sociais (igrojas, nospitais, casas de repouso, etc) tendem @ acupar as fungées tradicionais da familia extensa em relagao aos idasos”(p. 14-15) Outro autor que levanta a questao dos efeltos das mudangas na estrutura familiar © 0 pape! da mulher na sociedade Saad (1998). Segundo este autor, alguns tatores fragilizam a rolagao idoso(a)-familia. Entre eles estao 2 redugéo do nomero de familias esterdidas e 0 aumento do nimero de familias nucleares: a redugdo de tempo disponivel da mulher para ctidar dos parentes idosos em fungéo 0 aumento de sua paricipagae no mercado de trabalho @; 0s altos niveis de migragao Urbano rural bem como @ migragdo interurbana. Nesta persoectiva, a transformagéo de papel da mulher na scciedade € fundamental para entender redugao de tamanho da familia, via queda da fecundidade e as implicagées para 0 cuidado da pessoa idosa na fama, bem como, tendo em vista a tendéncia cada vyez maior da feminizagio da populagso idosa, para configurar um conjunto de rnovas demandas ¢ pressées no futuro, quando essas mulheres envelhecorom. ‘As condigdes de cuidado e atendimento diretos a pessea idosa na familia tendem a ficar comprometidas om fungdo de trés processes sécio-demograficos © de comportamenta que esido ocorrendo de forma acelarada alualmente na sociedade brasileira: (1) a nuclearizagao da familia, a partir da qual a pessoa idosa perde o apoio tradicional da estrutura da familia estendida; (2) 0 surgimento de 202 ‘novos arranjos familiares decorrentes de tipos novos de uniées conjugais ¢ de tendéncia de aumento do nimero de sequndas e terceiras uniGes conjugais; @ (3) a entrada da mulher no mercade de trabalho, assumindo um novo estilo de vide, descolando-se de seu papel @ fungaio tradicionais. Ressalta-se que, somados a outros fatores de natureza social @ econdmica, os efeitos desse proceso, tal como apontamos acima, lord impacto maior sobre as geracées futuras de idasostas}. Entretanto, o que esta propaste neste texto & discutir sobre as oxpectativas das mulheres hoje idosas em relacdo ao apoic familiar. A seguir apresentaremos a metodologia de pesquisa que ulilizamos para interpretar e analisar esta questo, 4V, METODOLOGIA E COLETA DOS DADOS IV.4. 0 Universo da Pesquisa Com intuito de realizar um estudo sécio-demogrifico, uma pesquisa de natureza qualitativa, nestes moldes, se coloca como necesséria no sentido de analisar @, 20 mesmo tempo, formular hipsteses sobre o envelhecimento populacional a partir da experiancia concreta de pessoas idosas inseridas numa realidade especitica. E a partir dessa realidade buscar compreender uma realidade mais ampla © complexe (cf. Barros, 1981). Assim, foram realizadas entrevistas com mulheres*, acima de 65 anos de idade, que treqientam gripos da tercelra idade, fem duas ragiées administrativas, sociceconomicamente distintas, de Beto Horizonte. As regides escolhidas foram Noroesta e Centro-Sul, Esia escolha se dou fem fungao de suas demarcagdes sicioeconémicas no espaco urbano da cidada, isto 6, a regiéo Noroeste apresenta bairros onde moram pessoas, em sua maicria, de camadas socials populares, e a segunda apresonta balros de camadas socials média e médie-alta. Foram, porém, selecionados grupos de favelas neste contexto, ‘como veremos a seguir. (Os grupos foram sorteadios aleatoriamente a partir de duas listas de grupos de convivéncia, Uma lista fornecida pelo Programa da Tercaira dade, da Secretaria * 0 estuso ainda conta com as entrevstas de 3 homens, as quais nae faréo parte das andlses “sequintes, uma vez que o enfoque aqul proposte & © de andlise das expectativas das mulheres idasas, Cabe ressaliar aqui que 0s grupos de corvércia de baiwos © comunidades $40 freqieniacos, em sua mactia, eclusivamente por mulheres, ainda que o leque de atvicades no ‘grupo do sé restrinja e6 a mulheres idosas, Assim, sugermos que a menor paricjpayaa de Dommens nos grupes de convivénela se as er fungdo de t) os homens idosos terem outa rede Je seclabldade, fra do espaco da comunidade om fungSo de sua snsargao 70 munco do trabalho; 2) a maioria de homens idosos se enconira casada, retringindo-se & casa ou ainda a aividades de trabaths; 3} povea valerizagao de formas de assoclagae Gosea natire2a. 203 ‘Municipal de Desenvolvimento Social, © outta pela Associacdo Mineira da Amizade, fentidade ligads & igreja caldtica, Na regigo Noroeste foram selecicnados 3 grupos e ‘na regido Centro-Sul foram solecionades 4°, As entrovistas realizadas seguiram um roteito padrao que nos permitiu a formulacao de questées comuns a todas as entravistadas. O roteiro levou em consideracao 0s seguintes temas: 1) organizacéa @ aranjes tamiliares: como vivem e com cuem moram atualmente, como sdo supridas suas necessidades econémicas, sociais © aletivas; 2) como sao e como se realizam as atividades de rolina: © que pensa sobre a familia, 9) quals as expectativas quanto a morar em asilos eas representagoes em toro dessa instituige; em que circunstancia poderia ocorrer um asilamento; 4) quais so as principals atividades oe lazer e com que freqdéncia elas sée realizadas; quals S40 as atividades no grupo; © que motivou a paricipecdo no grupo e quais os projetos nesta fase do ciclo de vida, As sonhoras entrevistadas foram selecionadas respeitando a ordem interna do grupo. Assim, considerando o limite minimo de idade - 65 anos - procuramos respellar @ dindmica dos grupos, seus horéiios e atividades - mesmo porque era uma condigdo das coordenadoras dos grupos -, bem como o interesse das participantes do grupo. Todas as mulheres foram entrevistadas no local de reuniio dos grupos entre os dias 1°. de setembro e 5 de novembro de 1.999. 1V.2. 0 Perfil das Mulheres Entrevistacias Este estudo é compaste por 20 mulheres idesas, com idades que variam entre 65 a 92 anos de idade, as quais freqiientam grupos de terce'ra idade om bairros onde tém rosidéncia cu em bairtos préximos (ver Tabela 4). Poucas eram ‘as muleres que necessitavam de qualquer conduedo para se deslocarem até o grupo. ° a selagae de 4 grupos na tepléo Centre-Sul cearrou por que ne primeira sortie 2 grupos de favela foram sortzados. Para aviar um deeeqUcioro, nesta Fogido, Ge nival sécloseconémico das nirevistadas, por excesso de entrevisias na favela, cplamis por reelzar P enrevsias apenas fem cada grupo de favela, Entre 0s autos grupos foram redlizadas 4 enlravslas, sendo que uma ‘das enttevistas fei descarada por Inconsisténcia das infommagoes. Nesle caso espacifion 2 ‘encevistada parecia estar confusa, 204 TABELAG Peril esquematizado das mutheres selecionadas nos grupos rs saver [ ssamocnt T wwcon, TSI | igmom | one | cam ee =a * Todos 08 nomes sao fictcios ¢ os nomes dos bales e dos grupos foram omitidoa pam preservar 2 identidade das pessoas que foram entrewsiadas, “* Valotos em Reais, Nem todos 0s vatores si0 exates em fungéo da entrevistada no saver de {ato @ valor exato ou naa querer diz6 Do total das mulheres ontrevistadas 11 so vitvas, sendo § ha mais de 20 fanop, 4 este casadas, 9 separadas € 2 sio solsias Das entievistadas, 5 ‘moravar sozinhas, 10 com filhos, has © netos © 4 com seus matidos e fihos & apenas uma com a inmé, Em sua majoria essas senhoras no trabalharam formalmente enquanto casadas. Quat'o das entrevistadas confinuarary trabalhando depois de casadas. Assim, a maloria pensionista’”. Algumas das mulheres que recebem pensdo ainda tém ajuda financeira de fihos{as), seja através de compra da alimentagio e remédios, pagamonto de plano de sada, financiamento do lazer, lc. Em relagio a escolaridade dessas mulheres, 7 nunca freqtantaram escola e 6 tinham até a 4 série. Estas infomacSes refletom a baixa escolaridade das mulheres entrevistadas, Baixos também sao os rendimentos, individual @ familiar, a meioria das mulheres entrevistadas, Apenas trés tinham renda individual de ri "Nao quer dizer que as mulheres persionislas nunca tenham trabalhado enquante easadas, Palo ‘onto, mutes deizs vabanaram camo faxineras, cosiureras, salgattires. vendedores, eto aludande na rend familia. 205 reais ou mais, Trés nao tinham nenhuma renda - estas ainda eram casadas. Onze entravistadas receblam até 300 reais por més. Em fungdo de estado civil e des tipos de arranjos familiares que predominam entre 2s mulheres idosas, a renda familiar tarnbém 6 baixa na maiona dos casos. A maioria dessas mulheres ters sua origem em cidades do interior do Estado, Apenas duas nasceran na capital. Observou-se que a média de idade das idosas que freqientam 08 grupos esté em tore de 70 anos. Cabe saliontar que eram idesas com total (em sua ‘maioria) ou relafiva autonomia fisica 6 mental E a partir dessas caracteristicas que iremos discutir a questao da expectativa das mulheres idosas quanto ao suporte familiar. A seguir faremos a andlise das entrevistas, V. ANALISE DAS ENTREVISTAS No contexte do envelhecimento populacional a familia, seja nuclear, estendida ou composta, continua sendo locus de assisténcia © alendimento as pessoas idosas. Mais do que isso, na auséncia ou ainda incipiente ado do Estado, a familia € @ instituigéo que mais absorve as demandas da pessoa idosa na sociedade brasileira (Prata e Yazaki, 1992). Alguns autores chamam a atengiio para a real netureza da integragdo da pessoa idosa na familia. E um fato de natureza cultural ou um fato de natureza econdmica (Yazaki et. al., 1992; Flamos et. al, 1992) Ramos (1987, citado por Ramos et. al., 1992) sugere que o convivio de Idosos em domictiios mulligeracionais (pais - com ou sem cénjuge - com filhos e elos) é mais um tpo de estratégia de sobrevivéncia do que propriamente uma ‘opcao afetiva e cultural. A politica de agao para atender a populagéo idosa no Brasil, a Politica Nacional do Idoso, todavia, aposta na dimensao cultural da organizagao © composigao tradicionais da familia, no sentido de atender © prestar assisténcia a pessoa idosa. No discurso de alguns elaboradores de politicas piblicas © administradores pdblicos 6 comum ouvir sobre a necessidade de reforgar os vinculos familiares ou reestruturar a familia para quo ola continue sendo, por um lado, a mantonedora da seguranga e da assisténcia aos seus membros dependentes e, por cutra, objeto de politicas sociais. Ressalta-se, entretanto, como ja foi mencionado em segao anterior, que & preciso ter em mente as dimensGes geracional e de género na claboragdo de politicas soviais em relagdo A populagao idosa. Parte dos domicilios multigeracionais se apresenta como um tipo de estratégia de sobrevivéncia para os seus membros (pessoas idosas @ ndo-idosas), mas hd uma outra parte que reflete 206 82 expectatvas afetivas © moral das pessoas idosas quanto ao que deveria ser sua vethice no interior da familia, Aliés, crasmo noe artanjos muligeracionais que Juneionam: como estratégia de sobrevivéncia, em sus fnalidace, hé um componente normative, A familia 6 0 local onde as mulheres idosas entrevistadas querem estar, ou pelo menos, ainda que morem sazinhas no domicilio, querem centar com a rede afetiva (as vezes econémica) de seus familiares. Para muitas das mulheres ontrovistadas a familia € tida como um valor @ um apoio necessério, sendo valorizado a unio, Senhora Lalz (65 anos): “An, familia & tudo na vida. Principalmente tem que #8 muita uniéo. Nao s0i, 6 um lago inarivel pra gante a familia, indissotivel, porque néo tendo familia 28 no fom nada. Porque 28 pode té muitos amigos, muitas amizades ‘mas na hora mesmo do apesta @ tudo, é com a familia que voce se encentra. Tudo que wocé precisa & com a familia. E nao é $6, por exemple, filho, noto, no. Parente, por exempla, tios, prinos, ‘cunhados, tudo eu acho familia. Bom demais da coma. E uma amizade olferente que a gonte tem.” Para outras, a familia é onde elas se realizam e encontram a sua utiidade, ainda que dentro de um continuum da fungdo ferinina na familia, sempre ligada & esfera doméstica, ‘no $6 porque a grande maioria nao teve uma vida profissional ativa, como também porque é neste munde intemo do lar, da tamiia e da casa que ‘a mulher esté ideologicamente vinculada” (Barros, 1981: 14). Assim, a nagao de familia como um vaior esta figada & prépria condigao da mulher na familia, Neste caso, a mulher idosa passa de mae a avé e sua Vineulada a dimensao das atividades da mulher na casa. P.:(.,) u gostaria que a senhora me falasse um pouquinho qual a importéncia da familia na vida da senhora, Senhora Dora (88 anos): E tudo para mim. Eu acompanha desde {da hora que nasce. Os netos todos eu ia pra matornidade, quem via 0 neném primoiro era eu. Eu ficava com a filha um més. (..) De todos que precis6, porque fave umas que nda pricisou, outras até tinham babé, mas eu acompanhei eles todos. Porque eu gosto, ndo $ porque eles queriam nao. Essa que mora comigo eu fala assim, 6 Sila eu acho que passaram taico em mim, ela diz assim: “mas a senhora também fez de tude, né? Fez de tudo por eles, agora ta recebende.” E 0 principal, né? a gente plantou, colnou. (..) Eu acho a minha familia maravilhosa em todos as santidos. 207 bod Senhora Liicia (72 anos): {..) 0 rapaz mora 1 em casa. Nés ‘somos assim, eu vou fo fald, uma familia mesmo. Vo os neto encontra té, saba? Eu sou vizinha de minha cunhada. Quando eu casei eu fui mora com eles, depcis compre! uma casa perto deta. 1Nés nunca brigamos. Nao tem briga, no tem palavrdo Id em casa, sabe? E uma fama (..) A minha vida 6 a familia mesmo. Minha distragdo, minha ategria. ‘Chega os nelo aquela... "Faz um biscotta frto, v6." Eu vé @ fago. *6 vd, tem tempo que a senhora néo faz amaniegado.” Eu vb taco pra ele. Fago aquele café facil, aquele lanche farto, sabe? Eu ‘gosto disso, Engragado, eu goste de cozinhd, E muito dif, né? Eu sinto assim prazé em fazé as colsa. Eu faco as coisa assim com tanto cerinho, A familia, neste sentido, expressa um valor & uma moralidade proprias da Gpoca que corresponde & socializagao dessas mulheres @ aos valores que faziam parte do momento no qual elas constituiram suas préprias famitias. Assim, as ‘expectativas em torno do cuidado na familia da mulher hoje idosa remetem a estes periodos. ‘Senhora Neide (74 anos): (.. Eu acho que no tem tugar methor ‘que @ casa da gente, né? Meu pai morreu com 96 anos, porém ele fo ficando esquecido, morrou mesmo de idacte, sabe? que ole era muito pobre, mas nds nunca quisemo. Teve uma vez que uma ora dew uma opindo, “ah, podia pO seu pai num asilo’, mas ou fale’ ndo, Enquanto tem os fihos, acho que ole... a gente tem obrigagao do oa carinho e olhd, né? ‘© que estas mulheres esperam ¢ que essa nogéo de raciprocidade se reproduza em telagéo a sous filhos. Esta ozo ndo apresenta aiferenqas significatives por condigéo sécio-econdmica entre as mulheres entrevistadas. Desde aquela que mora na favela aquela que mora num bairto nobre da cidade ‘estas nogoes representam a obrigagio dos fiihes @ 0 desejo delas de serem acolhidas na familia. Nao cbstante estas nogdes @ este sentimento de reciprocidade, @ rustragéo dessa expectativa toma a volhice ainda mais tragllizada, agugande & sencagdo de vazie @ abandono para muitas idosas

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