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Direito e Moral: Normas Juridicas e Normas Morais 31.1 Regras morais e regras juridicas: o circuito do dever-ser As regis juridieas no esto isoladas na constituigao do espaco do dever-ser social, Existem muitos discursos fundantes de praticas determinadoras de compor- tamento, podendo-se citar a religio como dispersora de mods de ace (corretas bons, adequados, virtuosos...), a moral como constutiva de um grupo de velores predominantes para um grupo ou para uma sociedade (e suas derivagSes, como, por exemplo, a moral dos justos, a moral dos vencedores, a moral do “morro”, a inoral da prisdo...), as regras do agir no trabalho constitutiyas de ordem e impere: tivos de efiedcia e organizacdo funcional (sem que necessariamente sejam regras juridico-trabalhistas), entre os quais aparece o dliscurse juridico-normativo, Ora, norma juridica é mais uma das possiveis formas de constituigao de mecanismos ubjetivagao dos individuos, pertencendo a ordem das regras imperativas, po- liricamente determinadas, objetivamente apresentadas, das quais, sob nenhuma excusa (salvo as previstas em lef), se pode deixar de cumprir. Assim, o grande grupamento da deontologia, o estudo das regras de dever sex, coloca a experiéneia moral ao lado da experiéncia religiosa ¢ da experiéncia juridico-politica. Pode-se mesmo estudar a autonomia do Direito err face das owtras expe- riéncias, o que se fard a seguir, mas nao se poderd fazé-lo sem consicerar a impor- tancia de vislumbrar que a matéria da qual se constitui toda’a experiéncia juridica advém do caudal das influéncias das demais regras de dever-ser, Diga-se, de prince pio, que o Direito ¢ forma, e que esta forma se epropria das experién sais da so. w DIREITO E MORAL: NORMAS yUniDICAS = NORMAS sociedade (inclufdas as morais dos grupos, as reflexes religiosas, os imperatives politicos, as ideologias reinantes etc.) para coloci-las sob uma forma, que passa a determinar esta substineia ou este conteiido como juridicamente determinado e vinculante, Uma sociedade hipécrita em seus valores tende a ter um Direito que resguarda sua hipocrisia (moral hipécrita). Uma sociedade demecritica, livre, madiura politicamente, cticamente responsivel, tence a conceber os seus direitos a partir destes valore: A pergunta “de onde parte o Direito?” pode-se responder fazendo-se pensar no fluxo das agdes desde o individuo, que produz conceitos e padrdes éticos € os envia A sociedade, até a sociedade, que também produz padrdes ¢ conceitos mo- raise 0s envia (ou inculca) por meio de seus mecanismos generalizantes (pressao social, instituigdes, tradigées, mitos, meios de comunicacdo, discurso hegemOnico, procedimentos, exigéncins, regras) & conseiéncis do individuo. E desta imteragao, com base no equilibrio destas duas forcas, que se pode extrair 0 esteio das preo- cupagies que fundam a formacao do ciclo de retroalimentagao entre © universo dos valores sociais € 0 universo dos valores juridico-normativos. 21.2 Moral e Direito face a face © tema da relagio’entre Diréito e Moral, normstmente, é tratado de forma que se indique # experiéncia moral e a norma moral como anteriores, sobretudo tendo-se em vista o cronolégico surgimento das regras de direito relativamente As regras da moral. Costuma-se também afirmar que a norms ‘moral é interior, prescindindo de qualquer fendmeno exterior, como geralmente s6i ocorrer com 0 fendmeno juridico. orma moral ndo é cogente, pois ‘o pode dispor do poder punitivo de uma autoridade publica para fazer valer seus mandamentos, recorrendo-se, normalmente, a sangoes ferenciadas das juridicas (consciéncia; rejeigéo social; vergonha...), E, por fim, se afirma que a ‘norma moral nao é sancionada nem promulgada, pois estas sao as caracteristicas de normas estatais que sé regulamentam dentro de um procedimento formal. complexe e rigido, com o qual se dé publicidade aos mandamentos juridicos. No entanto, os atitores que crunciam essas notas diferenciais entre ambos o§ grupos de normas, de um lado, as juridis de outro lado, as morais, reconhecem a fali- bilidade que os afeta. A isso tudo se acresea ainda a necessidade de seguranca juridica para 0 Direito, stor que pre riacdo de outras necessidades internas ao sistema juridico, sue neabain por torné-lo fendmeno peculiar: eriagao de autoridades; diviso de Cf Ferraz.Jinior, Intradusio 20 eststo do direto: técnica, decisio, dominscio, 1994, p.326-329 competéncias; imposicao de formas juridicas; procedimentalizacao dos atos: dis. cciminagao taxativa de fatos, crimes, direitos, deveres e outras. Os esforgos de diferenciar Direito moral no devem ser maiores que os de demonstrar suas imbricacdes, O Direito pode caminhar em consonanciacom os di tames morais de uma sociedade, assim como andar em dissondnda com os mestnos. Na primeira hipétese, esté-se diante de um Direito moral, e, na segunda hipotese, esti-se diante de um Direito imoral, Essas expressdes bem retratain a pertinéncia ou impertinéncia do Direito com relagdo as aspiracdes morais da sociedade2 O curioso ¢ dizer que o Direito imoral, apesar de contrariar sentidos larentes axiplogicamente ns Sociedade, ainda assim é um Direito exigivel, que obriga, que deve ser cumprido, que submete a sancées pelo nao cumprimento de seus man- damentos, ou seja, que pode ser realizado, Em outras palavras, o Dircito imoral € 10 vilido quanto o Direito moral, Este, no entanto, ¢ mais desejével, pois em sua base de formacio se encontra 0 consentimento popular, ou sea, 0 conjunta de batizas morais de uma sociedade, refietindo anseios e valores ¢ dos de modo expressivo e coletivo, Se, porém, se pode dizer que o Direito imoral ¢ valido, tanto quanto o Direito moral, sua caracteristica principal esta no fato de ser um fendmeno desprovido de sentido, ¢ esse fato faz presumir que o Direito se exerce como mero instrumento de poder ¢ autoridade, destituido de legitimidade, de algo que o enobreca coma idade prudencial, e 130 como atividade baseada na forca. Por sua vez, o Diteity moral, além de valido, tem algo a mais, que o corrobora como pratica social, ow ia, possul sentido, encontrando reforgo de manutencéo, durabilidade, constanca © obediéncia no consentimento popular. A concluséo nao € outra senda a de que © Direiro instrumentaliza a justica, e ¢ carente de seu sentido? Abordando-se ainda mais de perto as caracteristicas da moral ¢ do Direito, Pode-se dizer que 0 Direito possui como caracteristicas: a heteronomia: a coer. cbilidade;* a bilaterslidade.> © Direito é atributivo da conduta humana, Hete- dida em diretto rsanas, mientras que la Moa obre-e! hombre en ¢ am as notas essenciais do Direit. idicas formulam-se da comunidade para o individuo, ¢ ntrério, porque o descumprimento de comandos juridicos pode ter como aplicagao de sangées, e mesmo o exer 0 ndo juridico sob a que 0 Estad ral demanda do sujeito uma atitude (solidariedade), seu estado de intengAo € seu convencimento interiores devem estar direcionados no 9 sentido vetorial das agdes exteriores que realiza (intencdo solidaria, enao ira)? E-certo que a norma ética se constitui, na mesma medida da norma juridica, de um comando de ordenagao e orientagdo da conduta humana (dever se critério para averiguagae da acao conforme ou desconforme, notar esse diferencial.* Se 0 fo. uma: éncia do fato consideradc acteriza por uma série de idade, cons at conduta interior...) que # do Direito (eoerci 2 ronomia, atributivi que corfoboram a tes a intimidade do Direito com a ao puramente moral, nao exigiv nao pode ser motivo de acao judi indiferenca do Direito pe TOMIGos CONCEITUAIS ato (nao pagamento de divida decarrente de obrigagso natural) morak mente recrimindvel: o incesto no € considerado crime no sistema juridico repressive brasil inexistindo tipo penal especifico para a apenacio do agente. Nao obstante a indiferenca legal sobre o assunto, trata-se de um tipico comportamento moralmente condendvel; @ preocupscao constiucional com o principio da moralidade publica, ex- ressa no art. 37, da Constituicaa Federal, caput: "A administracao piblica direts ¢ indireta de qualquer dos Poderes da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municipios obedecerd acs principios de legalidade, impes- soalidade, moralidade, publicidade e eficiéncia...”. Aqui s¢ comprova a relevancia do principio moral para a prépria organizacao, mamutengao € credibilidade civica dos sexvicos péblicos. 0 que é moralimente recomend&- vel tornou-se juridicamente exigivel do funcionalismo pablico; coda a teoria do negécio juridico e dos tratos comerciais circula em tor- no da ideia de bo: tabelecendo iniimeras presuncées a ela eon cermentes (art. 164, C. Civil, 2002); i dos pais, do ponto de vista moral, pode acarretar poder familiar, conforme se verifica da leitura 0 civil (art. 1.638, C. Givil, 2002): Di ais de Direito, de poss(vel aplicabilidate em todos os ramos do Direito na falta de norma juridica especifica (art. 42 .LG.Givil), tém origem ética (a ninguém lesar — neminem laedere; dex a cada um o seu — suum cuique tribuere; viver honestamente — vivere); fica 0 juiz autorizado, juridica e formalmente, em caso aplicar os costumes como forma de solucdo de litigias ( Até mesmo do ponto dle vista histérico, pode- ar a intrinseca relacao do Direito com a moral, Isso porque, a principio, eram indistintas nas comunida- des primitivas as prdticas juridicas, as praticas religiosas e as praticas morais. A sacralidade, o espiritualismo ¢ o ritualismo das antigas praticas juridicas e de suas formulas denunciam essa intrinseca relacio. © que hé que se questionar agora é qual a relagio mantida entre Direito.e moral, visto que foram analisados os principais aspectos que caracterizam cada qual dos ramos normativos. £, nesse sentido, sé se pode afirmar que 0 Direito se alimenta da moral, tem seu surgimento a partir da moral, e convive com 4 mo- ral continuamente, enviando-lhe novos conceitos e normas, e recebendo novos ido do diveito, 1999, p. 67°70. AEITO E MORAL: NOR ceitos e normas. A moral é, ¢ deve sempre ser, o fim do Direito.! Com isso, pode-se chegar & conclusdo de que Direito sem moral, ou Direito contrdrio as aspiragdes morais de uma comunidade, é puro arbitrio, e nao Direito* Conclusdes ordem moral, por ser espontinea, informal e no coe da ordem juridiea. No entanto, ambas nfo se distanciam, mas se complementam na orientagao do comportamento humano. A axiologia ¢, portanto, capitulo de fundamental importancia para os estudos juridices, visto que dé eristaliz: terada ¢ universal por meio dos costumes diante do surgimento de « mativas juridicas Apesar dos esforgos teérico-didiiticos no sentido de diferenci no se pode perc na profunda imbricac3o entre o exercicio do juizo juridico e o exercicio do jufzo moral; pode-se até mesmo perceber esta inter-relacao no ato decisério do juiz, sempre sobrecarregado pelas inflexdes pessoais, costumei- ras, axioldgicas, context aso sub judice no seguinte: @ moral per 19,0 fi ¢ ouere, também fondamento da sua validade obrigat 7, p. 109). 2 Escd-se aqui.a concrariar frontalmente ds Teor seéneis um fendme r lo direito, 1976, p. 107)

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