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ocontririo de Durkheim e Weber, Marx nunca foi um socidlogo de profissio. Toda sua obra foi construida tendo em vista oferecer aos operirios, explorados pelo sistema capitalista, um entendimento das leis de funcionamento deste sistema, S6 assim, julgava Marx, seria possivel construir um novo tipo de sociedade: a sociedade socialista ou comunista ‘No entanto, para realizar esta tarefa, Marx se dedicou a fazer um estudo profundo e cuidadoso da vida social. Deste modo, sua obra exerceu uma importincia decisiva para o desenvolvimento da sociologia, que incorporou boa parte de suas teses para o entendimento da sociedade moderna. Com Marx, a sociologia vai assumir uma vocagio critica, voltada para o desmascaramento ea superacio da formagio social capitalista. Interpretara obra de Marx é sempre uma tarefa dificil Afinal, 0 seu pensamento era dinimico e jamais foi sistematizado pelo autor, permanecendo, inclusive, inacabado. Além disso, a maioria das “codificagdes” do pensamento de Marx acabaram se tornando dogiaticas, apresentando-se como verdades absolutas, bem distantes do espirito e da intengio de sua obra Sabendo destes riscos, nfo temas a pretensio de propor aqui mais uma “interpretacio correta” da obra de Karl Marx. Nosso objetivo sera oferecer ao leitor uma compreensio dos elementos basicos de sex pensamento ¢, principalmente, sua imporvincia para historia da sociologia, 145 I_VIDA E OBRAS Karl Heinrich Marx nasceu em Trier, no dia 05 de maio de 1818. Nesta cidade ele também realizou seus primeiros estudos. Em 1835, 0 jovem Marx vai estudar direito em Bonn e em 1836 transfere-se para Berlim. Nesta cidade, parte para o estudo da filosofia, aproximando-se do pensamento de Hegel. Em 1841, defendeu sua tese de doutorado na cidade de Tena “Todavia, a perseguiglo do governo alemio aos criticos de Hegel (chamados de esquerda hegeliana), bem como sua amizade com o filésofo Bruno Bauer, impedem-no de seguir a carreira como professor universitario. Por isso, em 1842, Marx torna-se editor do jornal Gazeta Renana, da cidade de Colénia. O contato com 05 problemas sociais exerce uma grande influéncia na vida de Marx, provocando também violentas criticas por parte do autor, o que acaba resultando no fecha: mento do jomnal. Marx decide-se ent4o mudar para Paris, para continuar seus estudos criticos. Antes de partir, elese casa com Jenny von Westphalen, com quem teria seis filhos: (lenny, Laura, Edgar, Guido, Francisca ¢ Eleanor), Marx permaneceu em Paris de 1843 até 0 inicio de 1845. Nesta cidade, além de tomar contato com os grupos socialistas franceses, ajudoua fundar a Revista “Anais Franco-Alemies”, editada uma tinica vez. Foi nesta cidade, em 1844, que Marx comecou sua amizade com Friedrich Engels (1820-1895), que tinha publicado uum artigo nesta revista. Emfins de 1844, Marx foi expulso de Paris e mudow- se para Bruxelas, onde comega a envolver-se com as atividades politicas do movimento dos trabalhadores Em Bruxelas, participa da fundagio da Liga dos Comunistas, da qual redige o “Manifesto do Partido Comunista”, em 1848. Em junho do mesmo ano, acompanha as insurreigSes de Paris; e em 1849, 146 Sosilagin Cikssicn participa da revolucio alemi, tendo fundado na cidade de Colénia, o jornal “Nova Gazeta Renana”. Como fracasso da revolucio alema, Marx parte para © exilio, chegando 2 Londres no ano de 1850. Na Inglaterra, ele interrompe suas atividades politicas, iniciando, na Biblioteca Publica da cidade, um profundo estudo sobre o modo de producio capitalista, cujo maior resultado é a obra O Capital (1867). Em 1864, ele re- inicia suas atividades politicas com a fundacio da J internacional (1864-1872), que se propunha a ser um 6rgé0 articulador do movimento comunista em nivel internacional, Por causa da divergéncia com os anar- quuistas, a I Internacinal é dissolvida em 1872. Marx falece em Londres, no dia 14 de marco de 1883, um ano depois da morve de sua mulher. Além de uma vigorosa anilise critica do sistema capitalista, Marx foi um exemplo de pensador que soube unificar sua teoria com a prética, Toda sua vida e sua obra foram marcadas por um pensamento voltado para a dlasse operdria e a construgio de um novo tipo de sociedade: a sociedade socialista As principais obras de Marx, algumas escritas a quatro mos com seu companheiro Friedrich Engels (assinaladas em itdlico), sio as seguintes: 1841: Diferenca entre as filosofias da navureza de Demécrito e Epicuro (tese de doutorado); 1843: Critica da filosofia do direito de. Hegel (manuserios) 1884: A questo judaica (Anais Franco- Alemies) Introducio & exitica da filosofia do Gireito de Hegel (Anais) Manuscritos econémico-filoséficos 147 Jain, Weber Mven 1845: Teses sobre Feuerbach A sagrada familia 1846: A iddeologiaalema 1847: Miséria da Filosofia 1848: Manifesto do partido comuunista 1850: A luta de classes na Franca 1852: © dezoito brumirio de Luis Bonaparve 1857-1858: Grundrisse (ou “Esbogo” de uma critica da economia politica) 1859: Contribuigio 4 critica da economia politica 1864: Manifesto de langamento da 1* Internacional 1865: Salério, prego elucro 1867: O Capital (livro 1) 1871: A guerra civil na Franca 1875: Critica ao programa de Gotha Marx produziu uma -vasta obra e trata de assuntos to variados como filosofia, politica, histéria, religiio e economia. F por isso que tentar uma sistematizacio de seu contetido é tarefa bastante complexa. No entanto, de acordo com a interpretagio de um estudioso marxista, Louis Althusser (1918-1991), é possivel perceber que Marx forma suas convicgées basicas entre os anos de 1845-1846 (Bruxelas), principalmente na obraa“Ideologia Alema”, na qual o proprio autor declara ter rompido definitivamente com as premissas da filosofia neo-hegeliana de Feuerbach. Para Althusser, portantto, o pensamento de Marx se move dentro de duas fases: 148, Saciolegia Cin JOVEM MARX ~~ Ideologia Alem MARK MADURO. Mars filésofo (1848) ‘Marx economista Un dos grandes méritos do pensamento de Mars foi ter dialogado com as principais correntes tedricas do seutempo. Ao comentar sua propria obra, ele reconhece sua divida para com trés fontes basicas: 1 Filosofia alem’. Marx, que era doutor em filosofia, comegou suas aniSlises tedricas fazendo parte de em grupo de pensadores alemies chamados de esquerda hegeliana, do qual faziam parte 0s filsofos David Strauss (1808-1874), Bruno Bauer (1809-1872), Arnold Ruge (1802, 1880), Moses Hess (1812-1875), Max Stirner (1806-1856) e ainda Ludwig Feuerbach (1804- 1872). Embora adotassem 0 método dialético de Georg Wilhelm Hegel (1770-1831), estes pensadores tinham uma atitude de critica dianze do pensamento deste autor, do qual exam estudiosos. A influéacia do pensamento hegeliano é, como logo vamos notar, uma das principais caracteristicas do pensamento de Marx, 2. Socialismo utépico. Embora ji tivesse algum conhecimento do socialismo, éna Franca que Marx vai ter um contato mais préximo comeste movimento ¢ seus inteleccuais, como Charles Fourier (1772-1837), Saint Simon (1760-1825) ¢ Pierre Joseph Proudhon (1809-1865). Marx chamaria este conjunto de pensadores de “socialistas utépicos”, pois, embora eles fizessem criticas 20 sistema capitalista, erraram a0 nfo fazer uma anilise profunda das leis de funcionamento do capitalismo ¢ nio reco 149 Darkhcim, Webore Mass nheceram a classe operiria como a tnica possibilidade de constragio do socialismo Diante deste socialismo utdpico, Marx pretende apresentar um socialism cientifico. 3. Economia politica. Em seu periodo na Inglaterra, Marx realizou um profundo elongo estudo da ciéncia econédmica, para mostrar as leis de funcionamento do modo de producio capitalista e apontar as possibilidades de sua superacio. Neste estudo, ele aproveitou a contribuigio de varios economistas ingleses, principalmente de Adam Smith (1723-1790) e de David Ricardo (1772-1823), que lhe tinham apontado o trabalho como o elemento chave para se entender o sistema econdmico. Il MATERIALISMO HISTORICO- DIALETICO Como ja enfatizamos no inicio de nossa expo- siglo, Marx estava longe de ser um socidlogo de profissio. Na verdade, seus estudos nasceram da pritica e das necessidades politicas do movimento socialista, Foram os estudiosos das ciéncias sociais e 08 préprios pensadores marxistas que adaptaram a teoria de Marx as necessidades vedricas da sociologia. ‘A vasta obra de Marx forneceu, para estes estudiosos, preciosos elementos para repensar os fundamentos epistemolégicos e os procedimentos metodoldgicos desea ciéncia No decorrer do texto vamos demonstrar como a teoria filosdfica de Marx - chamada de materialismo dialético ~ rrouxe novos pressupostos filoséficos para asociologia e como sua teoria de andlise da sociedade ~ chamada de materialismo hisvarico = trowxe para esta ciéncia um novo método de estudo para a vida social. E por esta razio que podemos falar hoje de uma “teoria sociolégica marxista”. 2.1 Materialismo dialético Para entender o pensamento filoséfico de Marx vamos dar trés passos. Em primeiro lugar, precisamos entender a influéncia de Hegel ¢ de Feuerbach sobre © pensamento de Marx. No segundo momento, vamos perceber como o autor supera a teoria destes dois pensadores e constréi sua propria forma de enterider a realidade, Finalmente, no terceiro mo- mento, vamos mostrar como a teoria filoséfica de Marx ~ chamada posteriormente de materialismo dialético ~ influenciou na reformulagio dos pres supostos epistemoldgicos da sociologia. a) A influéneia de Hegel A principal influéncia que Hegel deixou no pensamento de Marx é 0 uso do método dialético. A nogio de “dialética” possui uma longa histéria no pensamento filosofico. Esta histéria comeca com Heraclito, pasando por Platio, Kant e outros pensadores, até chegar a Hegel, que vai sistematizar © método dialético no seu sentido modemo. Mare, que era um membro da esquerda hegeliana, vai adotar © método dialético, mas conservars uma atitude critica diante do mesmo, como ele proprio declara nesta 151 uckhlin, Weer Mars passagem famosa, escrita jd no final de sua vida (Pésficio da 2* edigio do Capital, de 1873): Meu método dialézico, por sen findamento, difere do método hegeliano, sendo a ele inteiramente posto (.). Em Hegel, a dialética esté de cabeca para baixo [grifo nosso}. E necessério pé-la de cabeca para cima, ajim de descobrir a substancia racional dentro do incsblucro mistico” (1994, p.16) Nesta passagem, Marx deixa bem claro que permanecefiel dialética enquanto método, mas que vai adotar uma atitude diferente quanto a0 seu conteiido[ou seu fundamento}. E por isso que Marx afirma que em Hegel “a dialéica est4 de cabeca para baixo”! A diferenca entre a dialética de Hegel e a de Marx, portanto, diz respeito ao seu contetido. Assim, temos Em Hegel: idealismo dialético Em Marx: materialismo dialético Por isso, nosso entendimento acerca da “dialética” tem de necessariamente comecar com Hegel, pois a dialévica hegeliana foi o ponto de pactida das reflexSes, de Marx. ‘A intengio de Hegel, ao apresentar seu método dialético, era entender a histéria como “movimento”. Isto era necessirio porque, até entio, 0 método predo- minante na filosofia era 0 mérodo metafisico. Ao contrario da dialética, para a metafisica, a realidade possti uma esséacia que a define. Embora as coisas se modifiquem, explicam os fildsofos metafisicos, a “esséncia” das coisas permanece amesma. A diferenca bisica entre 0 método metafisico ¢ 0 método dialético, portanto, & a seguinte: 152 Sovioiagia Classen metodo metafisico: a esséncia das coisas nao se modifica método dialético: a realidade é um movimento constante No entanto, se a realidade é um “devir continuo” {ouseja, uma constante transformagio), resta explicar guala razio ou a aasa que gera o movimento constante. E neste momento que a nocio de “dialética” serh fundamental para Hegel. Para este fildsofo, as coisas esto em continua transformacio porque todo ser é intrinsecamente contraditdrio, ou seja, sua existéncia ja contém em si sua propria negacio. Hegel vai chamar esta iddia de principio da contradicio. Para Hegel, 0 principio de que todos os seres sio contraditérios € uma lei que governa toda a realidade. E 0 fato de que todo ser é contraditério que explica a causa do movimento ou do devir continuo. Vamos aprofundar esta idéia, recorrendo a um exemplo. Como vocé ja deve ter percebido, a palavra “dialética” é muito préxima da palavra “didlogo”. Como vocé também ja sabe, no didlogo, o pensamento se forma Porque existe uma continua troca de afirmacdes. Ou seja, a acio reciproca (ou contradigio) de uma idéia coma outra, gera o movimento (ou o pensamento). O exemple do didlogo nos ajuda a esclarecer duas coisas. Em primeiro lugar, ele nos mostra a idéia de movimento, de devir ou ainda de transformacio. Ao tocarmos idéias com outras pessoas, nossos pensa- mentos vio se alterando e as idéias de nosso interlocutor também, De pensamento em pen- samento, ou de idéia em idéia, 0 que temos no didlogo movimento constante. Em segundo lugar, fica facil perceber que este movimento de idéias é causado pela oposi¢éo ou contradicio das idéias entre si. Se nio 153 houvesse um confronto de idéias, certamente no terlamos o movimento. A oposi¢io ou contradicio de idéias € que gera o movimento. Sio justamente estes dois aspectos que formam a esséncia da dialética em Hegel. Segundo o autor, (i) a realidade é uma continua transformacio (ii) cuja causa ou razio € 0 principio da contradi¢io, ou seja, 0 fato de que todos 05 seres so contraditérios. Todavia, ésempre bom esclarecer mais um detathe Na dialética hegeliana, todo ser é contraditério em si mesmo, ou seja, contém em si sua propria negacio. ‘Voltando a0 exemplo do didiogo, isto significa dizer que, a0 afirmmar uma idéia, eu jé estou me opondo a outra, que passa aser aantitese da primeira. Entre elas nfo ha uma relacio de exterioridade, como se a antitese fosse uma idéia arbitraria de um interlocutor vindo de fora. Eo prdprio fato de enunciar uma tese que gera a antitese ea necessidade de superd-la, ou seja, a sintese. Nao se trata apenas da relacdo de um ser sobre outro. Cada ser, em si mesmo, é contraditério. E por isso que cada ser, ou qualquer ente do mundo real, afirma Hegel, é governado pela lei da contradigio. Toda contzadicio, por sua vez, gera a necessidade de ser superada pela sintese (que é chamada, por isso mesmo, de unidade dos contririos). Para mostrar como tudo est subbmetido Alei do mo- vimento e da contradigio, os estudiosos de Hegel afirmam que se pode demonstrar que todo sex, qualquer que seja, passa por trés momentos fundamentals, que sio: tese: momento da afirmagio; antitese: momento da negacio; sintese: momento da negacio da negacio. Comesta metéfora, afirmam eles, é possivel perceber que todo ser passa por transformacSes, que sio 154 Socologin Cie geradas pela oposicio, expressa nas palavras “tese — antitese ~ sintese”. Cada sintese transforma-se em uma nova tese, € assim o movimento continua: ‘Tese + Antieese —r Sintese/"Tese —+ Antitese —> Sintese/Tese Entretanto, para o pensamento de Hegel, nio era apenas cada ser em particular que estava submetido 3 evolucio dialética. Pelo contrario, para este filésofo, toda « realidade, (ou seja, tudo aquilo que existe em seu conjunto) evolui dialeticamente e faz parte de um movimento constante. Para Hegel, portanto, tudo é histéria: toda a realidade é modificacio e movimento gerados pela contradicSo. Foi para explicar a evolugio histérica que Hegel construiu sua filosofia, chamada de “idealismo dialévico”. Acontece que, seguindo a tradicao de outros filésofos alemfes, Hegel achava que no inicio da historia tudo era essencialmente espirito, ou, pensa- mento. O pensamento, que Hegel chamava também de “Espirito Absoluta” ou “Idéia”, era a elemento fundante das coisas. Porém, como surgiu a matéria? De acordo com Hegel, seguindo a lei da con- tradicio, o pensamento aliena-se (ai de si mesmo) ¢ tomna-se o seu contrasio: a matéria. Temos assim, a segunda fase da histéria. Finalmente, no terceiro momento da histéria, a matéria supera a negacio do espirito ¢ tornase “cultura”, que ¢ justamente uma sintese, ou seja, a superacio das contradigdes entre 0 pensamento e a matéria, Portanto, em Hegel, a histdria é 0 movimento do espirito (ou idéia) que sai desi mesmo ¢ retorna a si mesmo. Porisso, sua teoria échamada de “idealismo dialético”. Podemos resumnir a teoria de Hegel da seguinte forma: 135 Dray Weber ¢ Marx IDEALISMODIALETICO TESE Kdfiaem si _| A realidade & pensamento ANTITESE |_Taia fora de si | A realidade tornase maténia ‘A realidade é pensamento fe matéria SINTESE Para terminar, vale lembrar que Hegel concebia a histéria como a “tomada de consciéncia” que a Idéia ou o Espirito Absoluto realiza de si mesmo. Esta historia de auto-consciéncia do Espirito € descrita por Hegel em uma de suas mais famosas obras: A Fenomenologia do Espirito, escrita em 1807. Marx, embora nao rejeitasse o método dialético, afirmava que tudo isto estava de cabega para baixo. F necessario separar o que em Hegel era “invélucro mistico” de sua “substincia racional”. Para Marx, isso se resolveria alterando 0 fundamento do método dialético. No lugar do “pensamento”, dizia Marx, era necessixio colocar como fundamento a “materia”. Afinal, em Hegel: oprocesso depensamento ~ queele transforma em sujeito auaOnomo sobonomedeidiincocrtador dared eo real apenas suamanifestagio externa” Para nim, ao contrério, 0 ideal ndo é mais do que 0 material transposto para a cabeca do ser bumano e por ela interpretado” (1994, p. 17). h) A infludncia de Fouerhach Como vimos, no inicio de sua carreira, Marx fazia parte de um grupo de autores conhecidos como 156, Sorclogia Clavie a ae eee “esquerda hegeliana” que buscavam estudar 0 pensamento de Hegel de uma forma critica. O principal expoente da esquerda hegeliana até aquele momento era a filésofo alemio Ludwig Feuerbach (1804-1872) cuja principal obra chamava-se “A esséncia do cristianismo”. De Feuerbach, Mar vai herdar especialmente a categoria de “alienaco” como vamos perceber a seguir. © principal objetivo da teoria filoséfica de Feuerbach era criticar o aspecto religioso da filosofis hegeliana. Para este autor, a religiio representa uma forma de alienacio do homem. Por isso, Feuerbach vai buscar substicuir o idealismo de Hegel por urna Postura materialista. Mas, afinal, por que a religiio aliena o homem? Segundo Feuerbach, o segredo da teologia esté na antropologia. Em outros termos, 0 que este autor queria dizer € que nio foi Deus quem criow o homem. Na verdade, foi o homem quem inveatou Deus. Além disso, 0 homem no é a imagem e semelhanga de Deus. Pelo contririo. Deus € que é a imagem e semelhanca do homem. Como esta mudanea fo: acontecer? Quem € que colocou Deus no lugar do homem? Quem foi que inverteu as coisas? Por que 0 mundo esta de cabeca para baixo? De acordo com a explicagio de Feuerbach, a religiio € uma projecio dos desejos do homem. A idéia de que Deus é um ser perfeito e absoluto. foi inventada pelo homem porque representa tudo aquilo que 0 homem gostaria de ser. Deus nada mais é do que o homem perfeito, um “super-homem”. Deus, portanto, éa propria esséncia humana. Mas, em ves de reconhecer que a esséncia est nele mesmo, o homem a coloca fora dele, em um ser espiritual gue ele mesmo projetou. Alienacio, portanto, & justamente quando o homem nio percebe as coisas 1s: Dusk, Wabere Mars como elas sio, © homem esti alienado quando nio percebe a si mesmo, no reconhece a sua prépria esséacia. ‘A idéia ou conceito de alienacio vai exercer uma enorme influéncia na obra de Marx. Ele também achava que o homem estava alienado. $6 que para 0 tebrico do socialismo a causa da alienacdo nao era a religiio. Segundo Marx, Feuerbach percebeu o problema mas errou o alvo. Para ele, a verdadeira causa da alienagio do homem 60 capitalismo. Apesar de reconhecer 0 mérito de Feuerbach, Manx buscou apontar os limites da teoria deste autor como voce mesmo pode conferir consultando as famosas onze “Teses sobre Feuerbach” nas quais aparecem as principais criticas de Marx a ele. Mas, apesar de romper com Feuerbach, ja destacainos que Marx sempre concordou com a idéia da alienacio. Isto vai aparecer claramente na obra mais importante do jovem Marx, os “Manuscrites. econdmico-filosdficos de 1844”, chamada também por-muiros-estudiosos de “Manuscritos de Paris”. Esta obra s6 velo a ser conhecida pelo publico em 1932 e trouxe uma grande controvérsia entre os estudiosos do marsismo. Neste texto, nosso autor apresenta a idéia de que o capitalismo alienao homem de sua propria esséncia, que €0 trabalho. Em outros termos, o fundamento do capitalismo, que é a propriedade privada, provoca a separagio do homem. de seu proprio ser ou de sua propria natureza. De acordo com as idéias contidas neste texto, @ propriedade privada provoca quatro tipos de alienagio humana: alienagio do homem do produto do seu proprio trabalho: aquilo que 0 trabalhador produz no capitalismo no pertence a ele 158 Pertence ao proprietatio capitalista, ao dono dos meios de producio. Portanto, 0 homem aliena, ou seja, perde o controle daquilo que ele mesmo produz, quer dizer, do objeto de trabalho. alienacdo do homem no ato da produgao: na economia capitalista, o trabalhador também nio controla a atividade de produzir. Esta capacidade é vendida por ele 20 capitalista. Portanto, no processo de produ- 40, 0 trabalhador tambem aliena sua ativi- dade. Ela nao the pertence é controlada por outra pessoa. alienacio do homem de sua prépria espécie. Comisto, Marx estava querendo ressaltar que © homem também se achava separado de seus semelhantes. alienagio do homem de sua prépria natureza humana: a principal conseqiiéncia da propriedade privada e do capitalismo é que © homem esti alienado de si mesino, ou seja, daquiilo que ele mesmo é. Isto acontece porque o trabalho ~ que £0 elemento que o diferencia das outras espécies - nio esté mais a seu servigo. As coisas inverteram:se. Sob a forma capitalista, 0 homem tornou-se escravo do trabalho. Os Manuscritos de Paris sio uma das obras mais polémicas de Marx. Segundo alguns estudiosos ela seria uma obra idealista e mevafisica pelo fato de Manx referirse a uma suposta “esséncia” humana. Para outros, o conceit de alienagio ¢ um dos aspectos 159 Darheio, Wa Maen centrais do pensamento de Marx e seré retomado em, sua fase madura através do conceito de “fetichismo da mercadosia”. Polémicas a parte, a influéncia de Feuerbach sobre © pensamento de Marx é fun- damental para entender este autor, como Engels - companheiro de Marx - deixa claro no texto que escreveu em 1886 intitulado “Ludwig Feuerbach eo fim da filosofia classica alema “. ©) Materialismo dialético de Marx © ponto de partida do pensamento de Marx uma critica radical de toda filosofia de sua época. Tanto 0 idealismo de Hegel, bem como os filésofos da esquerda hegeliana (especialmente o pensamento de Ludwig Feuerbach) sio superados por Mars, como ele deixa claro no texto “A Ideologia Alemi” de 1846: Quando na primavera de 1845, Priedrich Engels, veio se estabelecer também em Bruxelas, resolvemos trabalhar em conjunto, a fim de esclarecer 0 antagonismo existente entre a nossa maneira de ver ea concepgio ideoldgica da filasofia alemé tratavase, de fato, de wm ajuste de contas com a nossa consciéncia filosdfica anterior. Este projeto foi realizado soba forma de wma critica da filosofia pérhegeliana. (1978, p. 104). De acordo com Marx, o equivoco da esquerda hegeliana estava no fato de que “até am seus tltimos exforsos, a critica alema néo abandonon o terreno da Filosofia, Longe de ecaminar sens pressupostos gorais, todas ‘as suas questées brovaram de um sistema filossfico determinada, o sistema begeliano” (1993, p.23). 160 Sociologia Citsien Se as bases do pensamento filoséfico sio ideoldgicas (falsas representagies), € as criticas a0 mesmo nfo conseguem romper sua dependéncia para com Hegel, Marx se lanca a0 desafio de colocar 0 pensamento humano em novas bases. Ao contririo de Hegel, dizia Marx, os pressupostos de seu pensamento “... sdo pressupostos reais de que nao se pode fazer absivacio a no ser na imaginagao. Sao individuos reais, sua agao e suas condighes materiais de vida, tanto aquelas ji encontradas, como as produ-zidas por sta propria acao” (idem, p.26) Quais seriam estes pressupostos? Deixemos que © proprio Marx nos explique (idem, p. 39-43): © primeiro pressuposto basico da historia é que os homens devem estar em condigdes de viver para fazer historia. A primeira realidade historica é a produgio da vida material © segundo pressuposto é que to logo a primeira necessidade é satisfeita, a ago de satisfazé-la eo instrumento j& adquirido para essa satisfacio criam novas necessidades. E essa producio de necessidades novas é o primeiro ato histérico. © terceiro pressuposto existente desde 0 inicio da evolugio histérica, é a de que os homens, que renovam diariamente sua propria vida, se poem a criar outros, 2 se reproduzirem - é a relacdo entre homem e mulher, pais e filhos ~ é a familia Segue-se um quarto pressuposto, de que um modo de producio ou um estégio industrial estd sempre ligado a um modo de cooperagio. A massa das forcas produtivas determina 0 estado social. Finalmente, somente depois de ter examinado os pontos anteriores, no quinto pressuposto & que se pode verificar, segundo Marx, “que o homem tem cons-ciéncia”. Para Marx, a consciéncia nasce da necessidade, da existéncia de intercimbio com outros homens. A consciéncia é desde o seu inicio, um produto social Estavam lancadas as bases para uma nova interpre- tagio da historia. Tratase de uma inversio completa “totalmente ao contrério do que ocorre na filosofiaalemé, que desce do céu z terra, agiti se ascende da terra ao céu® (idem, p.37). De fata, ao afirmar que a matéria deter- mina a consciéacia (ou o pensamento), Marx inverve comple-tamente o sistema hegeliano e funda o materialismo dialético. O ponto de parida do real, assim, ndo é mais o pensamento (idealismo dialético), mas a vida material (materialismo dialético). O pensamento de Marx poderia se resumido (em contraste com Hegel), desta forma: MATERIALISMO DIALETICO: |__Mavéria_(Natureza) ANTITESE Pensamento (Teabatho) sENTESE, | Sociedade (Hisedria) Marx, ao fazer a critica do método dialético de Hegel, tinha a intengio de aplicar este esquema a0 estudo da histéria. No entanto, com seu companheiro Friedrich Engels, 0 mécado dialético comegou a ser aplicado também no estudo da natureza. E por isso que Plekhanov (1856-1918), um. tedrico russo, vai. cunhar a expressio “materialismo dialético”, indicando o uso da dialética tanto para o estudo da narureza como para 0 entendimento da sociedade ©) Dialética ¢ epistemologia sociolégica Agora que jd compreendemos as diferengas entre 0 método dialético em Hegel e Marx, vamos refletir sobre a influéncia do mécodo dialético na sociologia marxista, Quais as contribuicdes que a nogio de dialé- tica em Marx trouxe para a construcio dos funda- mentos filoséficos desta ciéncia? Em que medida 0 método dialético permitiu a Marx entender asociedade? Destaquemos, pois, alguns elementos neste sentido. Em primeiro lugar, para entender a importincia do materialismo dialético na sociologia marxista, importante destacarmos a posigSo central que a interacio entre o homem e a natureza adquire nesta teoria. Para Marx, o elemento central para se entender 0 desenvolvimento da sociedade 0 TRABALHO: a aco do homem sobre a mavéria De acordo com 0 esquema dialético de Marx, é pelo trabalho que o homem supera sua condicio de Ser apenas natural e cria uma nova realidade: a socie- dade. Assim, se a matéria (mundo natural) representa a tese, temos que o trabalho representa a antivese da matéria, que uma vez modificada pelo homem geraa sociedade, que é a sintese. A sociedade é justamente 2 sintese do eterno processo dialético pelo qual o bomem atua sobre a natureza ¢ a transforma: O trabalho éum processo dequeparticipam ohomem ea naiureza, processoem qiuea ser lumano com sua propria cio, impulsiona, regulaecontrolasen interdimbio material coma natureza(..). Atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modificasiaa propria natureza. (1994, p. 202). A dialética do trabalho tem uma dupla importancia para a sociologia. O trabalho no s6 é uma condicio. 163 i, Weber Ma indispensivel da vida social, mas também é0 elemento determinante para a formacio do ser humano, seja como individuo, seja como ser social. Sem o trabalho nao haveria nem ser humano, nem relacdes sociais, nem sociedade e nem mesmo a histéria. Por tudo isso, code-se dizer que a categoria trabalho é 0 conceito rundante e decerminante de toda construgio tedrica marsista ; Um segundo aspecto importante do método dialético € que ele permitiu & teoria marxista repensar um dos principais dilemas enfrentados no campo da epistemologia sociolégica: a relacio entre individuo e sociedade. Na teoria marxista, a relag3o do homem com a sociedade nao é reduzida a um ou outro dos pélos, como faziam as teorias anteriores. Ou seja, ohomem, nio é fruto exclusivo da sociedade, nem esta resulta apenas da a¢do humana. Na perpectiva dialética, existe \S sama eterna relago entre individuo e sociedade, que faz ‘fcom que tanto a sociedade quanto o homem se modifiquem, desencadeando 0 proceso historico-social. ~ Marx, em frase que se tornou célebre, enuaciow esta YY idéia de uma forma muito feliz, 5 ©\Chomens fazem'a historia, mas nio a fazemi como a quetem. Eles.a-fazem. sob condicdes herdadas do “pasado” Nesta frase, Marx déixa muito claro peso, que a8‘éstruturas sociais exercem sobre os individuos, mas, dialeticamente, mostrou que os homens partem justamente destas mesmas estraturas para recrié-las pela sua propria agio. 2.2. Materialismo histérico y Em Marx, a historia nio 6 fruto do Espirito Absoluto, como em Hegel, mas é fruto do trabalho 164 Sonotogia Clisien ao.afirmar que!" os\ humano. Sio os homens, interagindo para satisfazer suas necessidades, que desencadeiam 0 processo histérico. E com base neste pressuposto geral que Marx se propés a estudar a sociedade, Para ele, estudo da sociedade comeca quando tomamos conscigncia de que “o modo de producto da vide material condiciona o desenvolvimento da vida social, politica e intelectual em geral” (1992, p. 82-83) Esta ¢ a tese fundamental de Marx e pode set considerada a base de seu método socioligico, Para Marx, 0 estudo da sociedade deve comesar sempre pela sua economia (vida material do homem), que éo elemento gue condiciona todo o desenvolvimento da vida social, E isto que Marx diz.no Preficio do livro “Contribuicdo 4 Critica da Economia Politica” (1859), que pode ser considerado um verdadeiro resumo de seu método sociolégico: O residleado geral a que cheguei e que, uma vez obtido, servi de guia para meus estudtos, pode formularse, vesumidamenteassim: na produgio social da propria existéncia, (economia), os homensentrarm en relaches determinadas, necessirias, independentesdesna vontade: estas relagdes de produgdocorrespondern am gran determinado de desenvolvimento de suas forgas produtivas materiais. O conjunto dessas relagées de Producto constitui a estratura econdmica da sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura juridicaepolitica ea qual comespondem formas sociais determiinadas deconsciéncia, [gritos nossa] Neste texto, Marx chama a dimensio econdmica da sociedade de “infra-estrucura”, ¢ afirma que a infra. estrutura € a “base” da sociedade, Sobre esta base. diz Mars, ¢ que esta constraida a estrutura politica ¢ aestrutura ideoldgica da sociedade, que sio chamadas 165 Weser eMors de “superestrutura”. O método de anilise sociolégica de Mars pode se apresentado desta forma: Superesctitura politiex Suiperesiritina ideologies rodutivas + relagdes de produgio Infre-Estrotura = forgas . fiz De acordo com a tese central de Marx, a infra- estrurura (economia) “condiciona” a superestrarura (vida politica e vida cultural da sociedade). Em outros termos, para explicar a sociedade precisamos partir da anilise de sua base material (economia) e perceber como ela condiciona a vida politica eideolégica da sociedade: INFRAESTRUTURA —> ~+ SUPERESTRUTURA Condiciona 2.2.1. Elementos que compSem a infra-estrutura Agora que j4 sabemos que a infra-estrutura corresponde 4 dimensio econdmica da sociedade, vamos entender melhor como Marx aborda as questdes referentes i economia. Para entender os elementos da infra-estrutura, vamos comentar ¢ acompanhar polémica de Max contra Joseph Proudhon, em carta que ele dirige a seu amigo Paul Annenkow. Para Marx, o elemento fundamental da economia €0 trabalho. O ser humano, para sobreviver, precisa produzir os bens necessérios para a satisfacio de suas necessidades. E através do trabalho que o homem transforma a natureza e reproduz sua existéncia, 166 Socios Chis © processo de trabalho, diz Marx, envolve duas dimensées principais: a relagio do homem com a natureza ¢ a relagio do homem com os outros homens, no proprio processo de trabalho. TRABALHO _Relagio homem x navureza A relagdo do homem com natureza, diz Marx, mediada pela matéria prima e pelos instrumentos de trabalho, que sio os meios auxiliares que 0 homem. desenvolve ¢ que o auxiliam no processo de produ- sao. O conjunte formado pela matéria prima e pelos maeios de produgio de uma sociedade é chamada por Mars de forgas produtivas. Logo, as forcas produti- vas da sociedade correspondem a tudo aquilo que é wtilizado pelo homem no proceso de produgio, desde uma simples enxada até as maquinas mais desenvolvidas. A importancia das forcas produtivas na historia pode ser percebida, ao analisarmos a seguinte passa- gem do texto de Marx (1989, p. 432): O que é.a sociedade, seja qual for a sua forma? ~ O produto da agao reciproca dos homens. Podem os homens escolher livremente esta ou aquela forma de sociedade? De modo algum (..,). No é preciso acrescentar que os homens nao excolher livremente as suas forcas produtivas ~ a base de toda a sua histéria,, pois toda forca produtiva € uma forca adquirida, o produto da atividade anterior, As forcas produtivas Sdo, portanto, 0 resultado da energia aplicada dos homens (..j. A conseqiténcia necessdvia: historia social dos homens nada mais équea historia do seu desenvolvimento individual, tenham ou néo consciéncia disso. 107 Darke Weber e Marx No entanto, afirma Max, a produgio (ou o processo de trabalho) nio é um fendmeno isolado. A producto é um fendmeno social, coletivo. Envolve, portanto, a relagaa do homem com o proprio homem. Por isso, no processo de trabalho, © homem cria também relagdes de produgao. As relacdes de producio sio as interagdes que os homens estabele- cem entre si nas atividades produtivas. Corresponde, de forma geral, A divisio do trabalho, seja dentro de uma atividade especifica, seja entre as diversas atividades em seu conjumto. Sobre o papel das relagdes de producio no processo histérico, Marx prossegue sua polé- mica com Proudhon, afirmando que (idem, p. 43 - 438) Assim, por falta de conbecimentos histéricos, 0 Sr. Proudbon nao percebex que os homens, ao desencolverem as suas forcas de produgao, isto é a0 viverem, desenvolvem certas velacées entre si, e que 0 modo de ser dessas relagées muda necessariamente com a mudanca e 0 crescimento dessas forcas de producao (..). O Sr. Proudhon entenden muito bem que os homens prodizem tecidos, linhos ¢ seda; era verdade, uma grande mérita ter enzendido tal bagatel O que, n0 entanto, o Sr Proudhon no entendeu é que os homens produzein também as relacses sociais de acordo com as suas forcas produtivas, em que produzem linho e tecido. Porzanto, os dois elementos fundamentais da infra- estrutura sdo as forcas produtivas ¢ as relagdes de produsio. © conjunto das forcas produtivas ¢ das relagdes de produgio é que forma a base econémica da sociedade. Toda sociedade, diz Marx, precisa organizar seu processo de trabalho. Logo, em 168 qualquer grupo humano podemos observar estas duas dimensdes. Resumindo, temos: Forgas produtivas + RelagSes de produgid No entanto, qual é a relacio entreas forcas produ- tivas e as relagdes de produgio? Para Marx, para se entender a vida de uma sociedade é preciso acompanhar a evolugio de suas forcas produtivas, pois sio clas que determinam o tipo de relacdes existentes. Portanto, sio as forcas produtivas da sociedade que condicionam o tipo de relagdes sociais que os homens estabelecem entre si. 22.2. Elementos que compoem a superestrutura Partindo da andlise das relacdes de produgio, Marx constatou quea sociedade se dividia em classes sociais, As classes sociais sf fruto das relacdes que os homens estabelecem no processo de producio. Elas surgem quando um grupo social se apropria das forcas de produgio e se vorna proprietario dos insin. mentos de trabalho. As classes sociais dividem a sociedade em dois grupos fundamentais: os proprie- tirios dos meios de producio e os ndo-proprietarios dos meios de producio. Ou, dito de outra forma, 60 fendmeno da propriedade privada que dé origem 3s classes sociais (os proprietérios ¢ 0s nio proprie- tarios). Sobre o tema das classes sociais, podemos apreciar a explicacio que o proprio Marx nos oferece em carta dinigida a J. Weydemeyer (1992, p. 99). No que a mim se refere, néo me cabe 0 mérito de hacer descoherto a existéncia das classes na sociedade 169 (Durkein, Webere Mex moderna nem a luta entre elas. Muito antes de mina, alguns historiadores burgueses jd haviam exposto 0 desenvolvimento histérico dessa Inca de classes alguns economistas burgueses a sua anatomia econdmica. O que ex trouxe de novo foi a demons- tragio de que: 1) a existéncia das classes 66 se liga a determinadas fases histéricas de desenvolvimento da producio; 2)a lta de classes conduz, necessariamente, 2 ditadura do proletariado; 3) esta mesma ditadura nao é por si mais do que a transicao para a aboligao de todas as classes sociais e para wina sociedade sem lasses (..) No entanto, para consolidar 0 seu dominio sobre 05 nio proprietarios, as classes dominantes precisam fazer uso da forga. E neste momento que surge 0 Estado. De modo geral, Marx afirma que o Estado um instrumento criado pelas classes dominantes para garantir seu dominio econdmico sobre as outras classes. As leis e as determinagées do Estado estio sempre voltadas para o interesse da classe dos pro- prietarios. Quando as leis e as normas do Estado falham, o poder estatal tem ainda o recurso da forca, principalmente das forcas armadas, que garantem os interesses das classes dominantes.Esta concepeio do Estado serd retomada depois pelo seu companheiro Friedrich Engels que, na obra “A origem da familia, da propriedade privada e do Estado” (1884) afirma que: O Estado nao épois, de modo algum, ume poder que se impés & sociedade de fora para dentro; tampouco é “a realidade da idéia moral", nem “a imagem ¢.a vealidade da razdo”, como afirma Hegel. E antes um produto da sociedade, quando esta chega a um determinado grat de desenvolvimento; éa confissio de que essa sociedade se enredou numa irremedidvel 170 Secclegia Clerion contradicéo com ela prépria e esta dividida por antagonismos irreconcilidveis que nio consegue conjurar. Mas para que esses antagonismos, essas lasses com: interesses econbmicos colidentes nao se devorem endo consumam asociedade numa lutaestéril, farse necessério umn poder colocado aparentemente por cima da sociedade, chamado a amortecer 0 chogue ¢ a manté-lo dentro dos limites da “ordem”. Este poder, nascido da sociedade, mas posto acima dela se distanciando cada vez mais, 60 Estado. Um segundo instrumento das classes proprietérias para garantir seu dominio econdmico é a forca das idéias, ou seja, a ideologia. Para Marx, as idéias da sociedade sio as idéias da classe dominante. Isto quer dizer que, quando uma classe se torna dominante (do ponto de vista econdmico ¢ politico), ela também consegue difundir a sua “visio de mundo” e os seus valores. As outras classes acabam adotando esta visio € ndo percebem que sio exploradas. A ideologia, Portanto, é um conjunto de falsas representacdes da realidade, que servem para legitimar e consolidar 0 poder das classes dominantes Segundo suas proprias palavras (1993, p. 72): As idéias da classe daminante so, em cada época, as idéias dominantes; isto & a classe que €a forca material dominante da sociedaded, ao mesmo tempo, sua forca spiritual dominante. A classe que tem 2 sua disposigao os meios de producdo material dispae, 20 mesmo tempo, dos meios de produgio espiritual, 0 que faz com qite a ela sejam submetidas, ao mesmo tempo e em media, as idétas daqueles aos quats falta os meios de producto espiritual, As ideas dominantes nada mais so do que a expressao ideal das relacées materiais dominantes, as relacées materiais ZL Prices, Wabere Mocs dominantes concebidas como idéias; portanto, a expresso das relagées que tornam uma classe a classe dominante; portanto, as idéias de sua dominagéo. Assim, 0 Estado e a Ideologia so, para Marx, os dois elementos da superestrutura. Mas, para entender © funcionamento do Estado e da ideologia é preciso “descer” até a infra-estrutura. Afinal, € 12 que que se forma a classe que vai controlar 9 poder politico ¢ 0 poder ideoldgico da sociedade. £ por esta razdo que a superestrucura é condicionada pela infra-estrutura Terminemos nossa exposi¢io, com um breve esquema: Soperestrucara = stado + Ieologia 2.2.3. A historia segundo Marx 4 Para Marx, a infra-estrutura ¢ a superestrutura constituem o que ele chama de mada de produce. Com esta teoria, Marx criou um novo jeito de interpretar ahistéria. Para o autor, as sociedades se transformam quando os homens alteram 0 modo de produzir. E por esta razio que a teoria socioldgica de Marx é chamada de “materialismo histdrico” Analisando a infra-estrutura da sociedade ao longo de histéria, Marx elaborou um esquema de evolucae da sociedade ocidental, mostrando como as modificagdes das forcas produtivas alteravam as relacdes de producto (classes sociais) ¢ também produzia novas classes dominantes ¢ novas formas de enxergar a realidade (ideclogias). De acordo com © esquema sugerido em suas obras (Ideologia Alea, 172 Grundrisse e Contribuigio 4 Critica da Economia Politica), estas seriam as etapas do desenvolvimento histérico ocidental: 1. Modo de produgio primitivo 2. Modo de produsio eseravista 3. Modo de producio asiético 4, Modo de produgio feudal 5. Modo de producio capitalista 6. Modo de produgio comunista Vejamos cada uma destas etapas histéricas com maiores detalhes. Nas sociedades primitivas, os homens esto unidos pata enfrentar os desafios da natureza, Os meios de Producio, as éreas de caca, assim como os produtos, sdo propriedades comuns, isto é, pertencem a toda a comunidade. No modo de producio primitivo, néo existe Estado: a organizacio do poder esta ligada aos chefes de familias (comunitszia) ¢ a forma de consciéncia predominante é a religiio. Esta forma de organizagio social durou centenas de milhares de anos. Um bom exemplo deste tipo de ordem social sdo as comunidades indigenas existentes no inicio da colonizacio brasileira. 1. Mode de producto primitive Ideologia Esado | Relagoes de Producto Propriedade eoletiva Ni Forgas Produtivas | Cultivo da terra/Caca/Colheita 173 Darien, Weber e Marx Como aumento da produgio agricola ea formacéo de excedentes econdmicos, comeca a se desenvolver © modo de produio escravista. As terras sio cultivadas com base na escravidio. Os escravos, de modo geral, sio prisioneiros de guerra. O modo de producio escravista ¢ a forma tipica dos grandes impérios do mundo ocidental, como a Grécia ea civilizacio roma- na. Coma divisio da sociedade em duas classes funda- mentais (senhores x escravos), surge também o poder politico (Estados Imperiais) para perpetuar esta forma de dominacio. A religiio passa a ter um papel ideoldgico: os deuses sio criados para tornar sagrada einquestionavel a dominagio ea exploragio de classe. 2. Mode de produgio escravista Iceologia | Religito do Es Esudo Impérios centralizados (Ex: Roma) Relagdes de Produgio | Senhores x Escravos Forgas Produtivas | Cultivo da terra com base na escravi © modo de produgio asidtico ¢a forma de organizagio social predominante no mundo oriental. Nestas sociedades, a propriedade da terra pertence a0 Estado. Logo, a sociedade esta dividida em duas classes fundamentais:os governantes (senhores) e os escravos. No modo de produgio asidtico existe um Estado fortemente centralizado, que controla tada a sociedade. E o que podemos perceber analisando os grandes impérios do mundo oriental, como 0 Egito, a Babildnia, a China ou mesmo as civilizagdes amerindias dos Astecas, Incas e Maias. Nestas civilizagdes, a presenga da religi3o é muito forte ¢ os governantes s40 considerados seres divinos. 174, Sorioldgin Cision 3. Modo de producto asidtico (Oriente) Ideologia | Religiao de Estado Estado Relagées de Producdo Escravos, Forgas Produtivas | Proptiedade estatal ¢ escravidio © modo de producto feudal se desenvolveu na Europa, até meados do século XV. Com a queda do império romano, a Europa se dividiu em diversos feudos ~ grandes extensdes de terra ~ cultivados pelos servos. A escravido desaparece, mas surge uma nova forma de relacio produtiva: senhores x servos. Apesar da sua liberdade pessoal, os servos passavam a vida trabalhando nas glebas de terra dos seus senhores Neste periodo, o Estado est enfraquecido e cada senhor feudal cuida da administra¢io politica de seu feudo. A unidade do mundo feudal & dada pelo catolicismo. A igreja apresenta o mundo social como uma vontade de Deus e divide a sociedade em trés camadas: nobreza, clero ¢ povo. Deste modo, a dominacio de classe era legitimada pela religiio. 4 Mode de prodicao feudal Relagérs de Prodiasio Forgas Produrivas Com a revolucio industrial, as forcas produtivas provocam uma gigantesca transformacio nas rela- sGes de produgio. Surgem novas classes sociais: a burguesia € 0 proletariado. No modo de produgio capitalista, a burguesia exerce diretamemte o poder através do Estado Parlamentar ¢ impée sua visio individualista do mundo através das artes, da ciéncia, da filosofia e até da religiio. 5 Modo de produsa eapiealsta Ideologia Cultura burguesa Gindividualisme) Esado | Exado Parlamentar Relagées de Produgio Brguesia x proletariado Forgas Prochnivas Tndiseria No Prefacio da “Comtribuicio a Critica da Economia Politica”, Marx afirmou que “as relagées de produzo burguesas sao a tilrima forma antagbnica do proceso de prodrcao social (..). Com esta formagao social termina, (pois, aprébistéria da humanidade” (idem, p.83). Marx ‘achava que o capitalismo iria enfrentar uma grande crise e seria substituido pela sociedade comunista. Na sociedade comunista, o Estado seria abolido ¢, com, asupressio da propriedade privada, acabariaadivisio, da sociedade em classes sociais e 0 fendmeno da exploracio. Analisando as diversas etapas da vida social do ponto de vista dialético, podemos peceber que Manx percebe a histéria social como composta de trés momentos fundamentais: 176 Sociologia Cléesion jantirese — [shvrese Scciedades de classes Sociedade sem classes ‘Mode ds predugio Modode produgio |Comuaismo prmiive escravista Modo de procs asiitco + Modode produsio | foveal ~ Modo de produce | Apesar desta valiosa visio da histéria fornecida por Marx, ela nfo pode ser interpretada como um esquema rigido ¢ determinista, como se todas as sociedades tivessem que acravessar estas etapas evolutivas. A intencio fundamental de Marx era apontar as caracteristica sociais da Europa em momentos diferentes de sua histéria. Marx nio chegou a fazer um estudo aprofundado de cada um destes diferentes “modos de produco”. A maior parte de sua obra est4 voltada para 0 estudo do capitalismo. Na verdade, o que Ihe interessava era entender 0 surgimento do capitalismo e a possi- ilidade de sua superacio. Fsta sera a grande contr- buico que Marx procurou oferecer ao movimento operasio, constinuindo, assim, sua andlise da mo- demidade, Il. MODO DE PRODUCGAQ CAPITALISTA Marx, sem sombra de diivida, €0 grande analista da formagio, desenvolvimento e supressio do modo de produgio capitalista. O capitalismo é 0 tema da principal obra de Marx - O Capital - cujo primeiro livro foi publicado pelo préprio autor, enquanto os outros foram editados por Engels, a partir dos manuscritos de Marx. A obra esta dividida da seguinte forma: Livrol - O proceso de produedo do Capital (1867) . Livroll~ © processo de circulacdo do Capital (1885) Livrolll- O processo global deprodugio capitalista (1894) LivIV- Teorias da Mais-Valia (1905-1910), editada por Karl Kaursky No Capital, Marx desenvolve suas teses funda- mentais sobre © capitalismo, que sio: 19) O objetivo do sistema capitalista é 0 lucros 2°) Olucro é gerado pela exploraco (Mais Valia); 3°) Na base do capitalismo est um sistema de relacio de classes; 4°) No capitalismo, 0 homem se encontra alienado (fetichismo da mercadoria) A seguir, vamos desenvolver os principais conceitos formulados por Marx no Capital, e perceber de que forma o autor constréi sua interpretagio do capitalismo. 3.1, Mereadoria e dinheiro © elemento basico da economia capitalista, segundo Marx, é a mercadoria. Como 0 capitalismo 178 Sociologia Clisica é um sistema produtor de mercadorias, & preciso comegar a anilise deste modo de produgio pela Para explicagio das caracteristicas da mercadoria. Marx, a mercadoria tem um duplo caréter: Valor de uso Valor de troca [Valor de uso, | Bvstoede roca O valor de uso de uma mercadoria é 0 seu aspecto material, ou seja, sua capacidade para satisfazer uma necessidade humana. © valor de uso, portanto, tem a ver com 0 “contetido” da mercadoria Mas, além disso, cada mercadoria tem também o seu valor de troca. O valor de troca é a capacidade que cada mercadoria possui para ser trocada por outra mercadoria. Com a troca, comega a surgir um problema. Como vou saber quanto de trigo (mercadoria A) posso trocar por acticar (mercadoria B), por exemplo? Como medir a “grandeza” do seu valor? Adotando a teoria de David Ricardo (teoria do valor trabalho), Marx vai afirmar que o que determina a grandeza do valor é a quantidade de trabalho socialmente necesséria ou o tempo de trabalho socialmente necessirio para a produgio de um valorde uso. O valor de uma mercadoria, portanto, vem do trabalho. Marx explica ainda que “tempo de trabalho socialmente necessério éo tempo de trabalho requerido para producir sesam valorde uso qualepter, nas condigéesde procbigi socialmente normais, existentes, e com 0 gran social médio de destreza e intensidade do trabalho” (1994, p 56). 179 Durkin, Websr e Marx No entanto, para serem trocadas entre si, as mercadorias precisam da intezmediagio de uma outra mercadoria: 0 dinheiro. Em vista disso, continua Marx, “importa realizar o que jamais tentou fazer a economia burguesa, isto é, elucidar a génese da forma dinheiro”. Esta é uma das partes mais complexas no estudo do Capital, assustando muitas vezes o leitor. Para entender a origem do valor, diz Marx, podemos apresentilo de trés formes: 4) Forma simples: uma mercadoria (x) pode ser ‘trocada por outra mercadoris (7) 2) Formatotal: uma mexcadosia (x) pode ser trocada por varias outras mercadorias (a, b, ¢, d, ef ete.) 9 Forma dinheiro: todas as mexcadorias (a,b, ¢, 4, ¢, f, etc.) podem ser tracadas por uma tinica miercadoria que serve de “equivalente geral” para todas as mercadorias. E neste momento que surge o dinheiro. A acio social de todas as outras mercadorias elege, portanto, uma mercadoria determinada para nela represen- tarem seus valores. O dinheiro, portanto, serve a dois propésitos: servir de meio de trocae de forma de valor (ou equivalente geral das mercadorias) No entanto, enfatiza Mars, o segredo desua teoria esta no fato de que ela demonstra que dinheiro é mercadoria, e mercadoria é trabalho. Quando o dinheiro perde sua relagio com o trabalho ¢ parece ganhar vida propria, Marx chama este fendmeno de “fetichismo de mercadoria”. O capital desvinculado do trabalho aliena o ser humano da produgio de sua existéncia social. A alienagio inverte o sentido das 180 clogs Cesc relagdes sociais: 0 homem (sujeito) se torna objeto, enquanto o objeto (mercadoria) se torna sujeito. Em outros termos, no capitalismo em vez de a produgio estar servico do homem, é o homem que se encontra dominado pela producio, como explica o Préprio Marx (1994, p. 81) Uma relagio social definida, estabelecida entre os homens, assume a forma famtasmagérica de uma relasdo entre coisas. Para encontrar um simile, temos de recorrer @ regido mebulosa da crenca, Ai, os produtos do cérebro humano parecem dotados de vida prOpria, figuras auténomas que mantém relacées entre sie com os seves humanos . E 0 que ocorre com os Produtos da mao humana, no mundo das mercadorias. Chamo a isto fetichismo, que estd sempre grudado aos produtos do trabalbo, quando sao gerados como mercadorias. 3.2. A explorago ea mais-valia Estabelecidos os elementos fundamentais da economia, quesio amercadoria (M) eo dinheiro (D), Marx passa analisar 0 processo de troca, ou processo de circulacao simples, que ele explica de acordo com esta formula: M ———-—— D ~—~-—-—— M © imporcante a assinalar nesta formula é 0 seu objetivo. A troca tem em vista a satisfacio de uma necessidade. Ela comeca com um valor de uso, que é vendido. Com o dinheiro adquire-se outro valor de 181 Durkhein, Weber eM uso. Neste processo, 0 dinheiro éum meio de troca, que serve para a aquisicio de uma mercadoria que vai para a esfera do consumo. Jaa circulagdo capitalista tem outra formula: D —+D Ao contririo da anterior, a circulagio capitalista tem outro objetivo: o lucro! A troca comeca com dinheiro (Capital) que termina tornando-se mais dinheiro. Este € 0 segredo do capitalismo. Seu objetivo nfo é a satisfago das mecessidades, mas a propria acumulagio. A acumulagéo, diz Mars, éa lei absoluta do modo de producio capitalista. Neste proceso, a mercadoria (valor de uso) € apenas um. meio da valorizagio do capital. © dinheiro entra na circulaso e depois volta a ele para tornar-se mais dinheiro Porém, se no proceso de circulacio, 0 capitalista empregou dinheiro ¢ obteve lucro, resta explicar 0 seguinte: de onde vem o lucro? A primeira vista, 0 lucro parece vir do aumento arbitrario do preco. Poxém, o que se ganha em uma troca, logo se perde na outra, Nao hé aumento na magnitude do valor. Portanto, nio é do aumento do preco que vem o tucro. Para Marx, 0 segredo acerca da origem do lucro estd no fato de que ela ocorre no processo de producto, e nio na troca (circulacio). Vejamos como. No primeiro ato da cizculacio, que é a compra de uma mercadoria (D — M), 0 capitalista interrompe a troca para transformar a mercadoria pelo trabalho. Como o trabalho cria valor, no segundo ato da troca (M—D), amercadoria pode ser vendida por um valor maior. Pelo processo de transformacio da merca~ dosia, o capitalista contrata um operizio e Ihe oferece 182 Sociologia Clon um salitio por uma determinada jornada de trabalho. De onde vem o lucro? Ora, vem do tempo de trabalho no pago ao tabalhador, que é chamado por Marx de Mais Valia. Vejamos este processo mais de perro, através de um exemplo: [19 Estigio compra [DM — Forgade eabalho} ——Macéria prima] CO capitalista compra 30kg de algod&o (Matéria prima) a 30 reais ¢ paga a seu operirio (Forga de trabalho) 3 reais. O total de Capital investido é de 33 reais 29) Estagio (producdo}: (...(P) 1 | | Transformagio do algodio em fio, através do trabalho produtivo. Em 6 horas, a jornada do trabalhador se divide ‘em duas partes. Em 3 horas cle fabrica o equivalente a scu | salirio ( reais), enas trés horas restantes ele produz a mais | valia @ reais) Trabalho necessirio aaa (} 3°) Estgio (vend): (M——~ + D] ue foram necessirios apenas 33 reais de “capital”. A mais valia, portanto, é de 3 zeais, obtidas do tempo de trabalno fo pago a0 trabathador. Anovamercadoria é vendida a um pregode 36 reais, sendo Ll A formula geral da acumulagio capitalista é a seguinte: [Gireulagio [ Producto | Circulacio i Dow comp) + D (ends) 183 Durkhcin, Weber e Marx Através de sua teoria, Marx demonstra que 0 lucro tem sua origem na exploracio do trabalhador pelo capitalista. E 0 operirio que gera a riqueza, mas 2 relagio de classes da sociedade faz com que o capitalista se aproprie da mais valia produzida pelo trabalhador. Eis todo segredo do sistema capitalista. (1994, p. 22): Comparando o processo de produzir valor com o de produzir mais valia, veremos que o segundo sé difere do primeiro por seprolongar aléin de wm certo ponto. O processo de produzir valor simplesmente dura até oponto em queo valor da forga de trabalho pago pelo capital ésubstituido por um equivalente, Ultrapassado este ponto, o processo de produzir valor torna-se processo de produzir mais valia (valor excedente). A categoria bisica da teoria econémica de Marx, portanto, é a categoria de Mais-Valia. Por isso, a0 longo da obra “O Capital” ele procura mostrar que existem duas formas principais pelas quais é possivel extrair o lucro: Mais Valia Absoluta: 0 lucro é obtido pelo aumento da jornada de trabalho, em outros termos, aumenta-se a quantidade de trabatho excedente em selacio ao tempo de trabalho necessario (que serve para pagar os salérios). Assim, os capitalistas sempre lutaram a0 longo da hist6ria para estender o dia de trabalho a 10, 12, 16 ou até 20 horas, on seja, até os limites da capacidade do operirio. Mais Valia Relativa: 0 lucro é obtido pelo aumento da produtividade. Neste proceso 0 capitalista nfo precisa aumentar o tempo de trabalho. Basta fazer o trabalho do opersrio render mais. Isto é conseguido especialmente através do aperfecoamento tecnoldgico, pelo qual o operirio, produz sempre mais, apesar de nao variar o tempo de trabalho. £ por esta razio que 0 capitalismo é tio dinamico. Ele esta sempre inovando e aperfeicoando o processo de producio para aumentar a produtividade e os lucros. Todavia, além de apontar os mecanismos ou leis de funcionamento do modo capitalista de producio, Marx também estava preocupado com as possibili- dades de superagio desta forma de sociedade. Por isso, no capitulo XXIV do livro Di de “O Capital”, ele apresenta sua famosa teoria da crise da sociedade capitalista no qual expde a vese da “tendéncia decrescente da taxa de lucro”. Segundo esta teoria, a principal contradi¢io intema do capitalismo & que ele produz uma enorme quantidade de bens ¢ produtos que nfo podem ser consumidos pelos trabalhadores que vio ficando cada vez mais probres medida que aumenta a exploracio. Este fendmeno Provoca ndo sé a queda na taxa de lucro, mas ptincipalmente, o colapso ou crise final do’ capi- talismo. © capitalismo entra entio em um periodo de estagnacio ¢ desemprego 0 que provoca convul- ses sociais ¢ a revolta dos trabalhadores. Todavia, a superacio do capitalismo nfo é apenas um processo gerado automaticamente pela crise econémica do capitalismo. Ele depende da conscién- cia de classe ¢ da organizacio politica dos traba- Thadores e de sua capacidade de realizar uma revolucio que exproprie o poder politico das classes burguesas Este ser o grande desafio do pensamento politico de Marx, IV. PROJETO POLITICO REVOLUCIONARIO Na 1t* tese sobre Feuerbach, Marx afirmou que “até hoje os filésofos se contentaram em contemplar a realidade, raas 0 que importa étransformé-la” Esta frase revela que o pensamento marxista tem uma vocacio, essencialmente politica, voltada para a uransformacio, da realidade (capitalismo) e a constructo de uma nova sociedade (0 socialismo ou comunismo) Ostrabalhos de Marx sobze a politica podem ser divididos em duas fases. Na primeira fase, Marx parte de uma critica das idéias contidas na obra de Hegel, especialmente em seu “Principios de Filosofia do Dircito”. Nesta obra, Hegel afirmava que o Estado eraa sintese das contradicoes entre a esfera da familia e da sociedade civil, ou seja, o Estado era a sintese dialética da sociedade. Marx vai inverter esta perspectiva, mostrando que o fundamento do Estado esté na sociedade civil (ou seja, nas contradigées de classe). Sio estes, justamente, os primeiros trabalhdos do ainda “jovem Marx”, como podemos ver abaixo: 1843: Critica da filosofia do direito de Hegel (manuscritos) > 1844: A questo judaica « 1844: Critica da filosofia do direito de Hegel: introdugio (Anais Franco-Alemies) Depois de romper definitivamente com as idéias de Hegel em sua “Ideologia Alema” (1846), Marx parte para o estudo da economia politica. Embora 0 estudo do Estado estivesse nos seus planos, ele jamais dedicou uma obra sistematica ao assunto. Na verdade, 05 textos nos quais o autor se pronuncia sobre o 186 Estado ¢ a politica foram escritos para analisar acontecimentos politicos de sua época e 6a partir deles que se pode deduzir uma “teoria marxiana” da politics. As principais obras deste segundo perlodo da obra de Marx sio: 1848: Manifesto do Partido Comunista: fala especialmente sobre a luta de classes e as caracteristicas do socialismo. » 1850: A Iuta de classes na Franga: analisa as insurreiges de junho de 1848 e destaca © papel politico do proletariado em ascengio. 1852: O dezoito brumdrio de Luis Bonaparte: neste texto Marx examina o golpe de Estado do sobrinho de Napoleio ¢ relagio de cada uma das classes (burguesia, camponeses e trabalha- dores) com's fatos politicos 1871: A guerra civil na Franca: andlise dos eros ¢ acertos da Comuna de Paris, primeira experiéncia de construgio de uma sociedade socialista 1875: Critica do programa de Gotha: comentarios criticos sobre os estatutos do recém fundado Partide Social Democrata da Alemanha. E justamente analisando estas obras que os estudiosos marxistas costuma apontar os principais elementos de uma teoria marxiana do Estado que seriam os seguintes: a Tuta de classes, 0 papel do Estado € a construgio do socialismo. 187 Duriteins, Weber e Marx 4.1. Luta de classes E no Manifesto do Partido Comunista (1848) que podemos encontrar as principais considerages te6ricas de Marx sobre a luta de classes. Nesta obra, Marx afirma que “a histéria de toda a sociedade até hoje éa bistdria de lutas de classes” (1996, p.66), Mas, se nas diversas épocas da historia, a sociedade sempre esteve dividida em classes sociais, “a nossa Soca, a dpoca da burguesia, caracteriza-se, entretanto, por ter simplificado os antagonismos de classe. A sociedade vai se dividindo cada vez mais em dois grandes campos inimigos, (..}: burguesia e proletariado (idem, p. 67) De acordo com Marx, “a burguesta desemponhou na historia um papel earemamente revolucionério”. Bla foi a grande responsdvel pela dissolugio do feuda- lismo e pela construcio da ordem capitalista. No enranto, continua, “as armas de que se serviu a burguesia para abater 0 feudalismo voltam-se agora contraa propria burguesia®. Mas a burguesia nao forjou apenas as armas que the traréo a morte; produzi os homens que empunbarie estas armas: os operdrios modernos, os proletérios. (idem, p.72) Portanto, chegou a hora dos operarios darem 0 proximo passo: destruir o capitalismo ¢ inaugurar a sociedade socialista. Mas, para realizar esta tarefa, 0 proletariado passa por diferentes fases de desenvolvimento: No inicio combate 3s proprias maquinas; Depois passa a defender seus direitos Gindicalismo); Apés, se organiza enquanto classe social (partido politico); 188 ss Finalmente, desencadeia uma luta que termina com 2 revolugio contra a burguesia. No final de todo este proceso, completa Marx, a vitéria do proletariado sobze a burguesia seré inevitével. Acerca disto, Marx afirma categoricamente: Oprogresoda indistria, cxjoagenteinvoluntérioepassivo 6a propria brerguesia, substitu o isolamento dos operdrios, resitltante da concorréncia, por sua unido revoluciondria resultanteda.associagio.(..).A burguesia produz,acima de tudo, seus préprios coveiros. Seu declinio ea vitéria do proletariado sto ignalmente inevitdveis. (idem, p.78). Todavia, para realizar a revolugio socialista que vai derrubar o capitalismo ¢ instaurar a futura sociedade sem classes, os operdrio precisam construir uma consciéncia de classe. Com isto, Marx esta querendo chamar a atencio para a diferenca entre a condicao objetiva de ser um proletério (ou seja, individuo que vive da venda de sua forga de trabalho) € 2 condi¢io subjetiva pelo qual o individuo toma conhecimento desta situagio, percebendo também. que ele _é explorado pelo sistema capitalista e por isso ele deve organizar-se para mudar a situacio. Para Marx, & através do proceso de organizacio politica € das lutas coletivas que os operdtios vio formando esta consciéncia que os faz passar da condigio de “classe em si” (condigio objetiva) & “classe em si” (condicao subjetiva), como ele mesmo explica neste trecho tirado de “A miséria da filosofia”: Primeiro as velacies econémicas transformam a massa do pais em trabalbadores. A dominagao do capital criou para esta massa uma situagdo comum, interesses 189 beim, Weer « Mans comuns. Assim esta massa jd wma classe frente ao capital, mas ainda nao aindaparasimesma. Na lata, da qual nao assinalamnos alguma fases, esta massa se retine, se constitui como classe para sé mesma. Os interesses que ela defende se tornam interesses de classe. Mas a luta de classe contra classes é uma Iuita politica. (Marx in FERNANDES, 1989, p. 218) © Estado como instrumento de classe Na obra “Ideologia Alema”, Marx ja tinha apontado que o Estado surge na histéria como resultado da divisio da sociedade em classes sociais ‘Como vimos, esta tese j esti presente em sua teoria do materialismo histérico. No Manifesto do Partido Comunista, Marx volta aenfatizar esta idéia, quando afirma que o Estado “6 © comité executivo da burguesia”! Com isso, ele queria denunciar o feto de que a igualdade juridica dos cidadios escondia sua divisio em classes. Sea lei &a mesma para todos, isso nio significa que todos sio iguais. Essa ilusdo faz do Estado um mecanismo de ocultamento das classe sociais. Porém, mais do que um agente passivo de ocultagio, Marx percebeu que o Estado sé favorecia 0s interesses da burguesia Assim, as leis tratavam de reservar e proteger a propriedade privada, enquanto 98 operirios ¢ seus movimentos eram perseguidos Para eles, a unica atencio do Estado era o uso da forca. 190, : 4.3. A construgio do socialismo O centro das preocupases politicas de Marx estava voltado para a superacio da ordem sacial capitalista. Ele afirmava que somente a classe operaria, pelo seu papel chave no capitalismo, tinha as forgas e as condigdes paraa revolucio que derrubaria a burguesia € comegaria uma nova etapa da humanidade: asociedade comunista. No entanto, para que a classe operiria se tornasse uma classe revolucionaria (a classe que traz. 0 futuro em suas mios), ela deveria tomar “consciéncia dos seus interesses de classe”. Por esta razio, o papel da teoria era tao fundamental para Marx. Era necessario mostrar a operariado as condigdes objetivas de construgio do socialismo. ‘Todavia, engana-se quem pensa encontrar em Marx uma manual de receitas para a construcao do sodalismo. Como bom cientista, Marx sabia que conhecimento nio era profecia ¢ que cabiaa ele apenas indicar as possibi- lidades objetivas para a construcio de uma nova sociedade, Porém, no Manifesto do Partido Comunista, Marx procura superar alguns preconceitos com relagio a0 comunismo. Entre outras coisas, ele afirma que “0 que caracteriza 0 comunismo nao éa aboligio da propriedade privada em geral, mas a abolicao da propriedade burguesa” (idem, p. 80). Marx afirma também que “em lugar da velba sociedade burguesa, com suas classes @ seus antagonismos de classe, serge uma associacio na qual 0 livre desenvolvimento de cada um éa condigao para 0 livre desenvolvimento de todos” (idem, p. 87). Nesta passagem, Marx deixa bem claro que uma das caracteristicas essenciais da futura sociedade comunista seria a aboligo das classes sociais. 191 n, Where Marx Como fim da divisio da sociedade em classes, Marx afirmava que o Estado também deveria ser destruido. ‘Afinal, o Estado éum instrumento da luca de classes, ¢ sua existéncia ni faria sentido em uma sociedade sem classes. A abolisa0 do Estado, portanto, seriaa segunda condicao essencial do comunismo. Mas, antes de chegar a este estigio, Marx sabia que © proletariado precisava do Estado para dermubar a burguesia. Por isso, entre 0 capitalismo ¢o comunismo, ele afirmava que era necessirio um momento de transicio, que Marx chamou de socialismo. Neste periodo, a burguesia seria eliminada e as bases do comunismo seriam implantadas Embora Marx estivesse profundamente envolvido nas lutas de seu tempo, ele nio péde ver sinais da revolugio pela qual tanto lutara. Alids, depois da more de Marx, o movimento socialisca se dividiu em duas correntes. Cada uma deles apomtava caminhos diferentes para a construgio de uma nova sociedade: a) socialistas revolucionarios: afirmavam que © caminho para 0 socialismo é a insurrei¢io armada (ou revolugio); b) socialistas reformistas ou social-democratas: afirmavam que 0 caminho para 0 socialis~ mo @ a elei¢io e um conjunto de reformas graduais, Os socialistas revoluciondrios se oxganizaram em tomo da Ill Internacional e foram os responsaveis pela primeira revolugio socialista do mundo: a revolucio russa de 1917. Liderada por Lénin (1870- 1924) ¢ Trotsky (1879-1940), a revolugio russa foi a primeira tentativa de suplantar o capitalismo e ponstruir uma nova sociedade. Todavia, a primeira 192 Sociolégia Cissicn experiéncia de socialismo acabou se tormando uma ditadura com economia estatizada sob as mios de Josef Stélin (1879-1953), que permaneceu no poder até 1953, Assim, a URSS (Uniao das Repiblicas Socialistas Soviéticas), acabou se desagregando no ano de 1991, Além da revolucio russa, varios movimentos revolucioaarios aconteceram pelo mundo, como a revolucao chinesa de 1949 -liderada por Mao TséTung (1893-1976) - ¢ a revolucio cubana de 1959, liderada por Fidel Castro e Che Guevara, Jas socialistas social democratas oparam por panicipar das eleigdes. Com partidos operirios fortes e com sélida vinculasio com os sindicatos foram chegando ao poder. Introduzindo reformas graduais, mas profundas, eles achavam que podiam alterar o capitalismo e construir © socialismo sem rupturas violentas. Embora os sociale democratas nao tivessem introduzido 0 socialismo na Europa, melhoraram a vida dos trabalhadores e produ. ziram um conjunto de reformas sociais que levaram estes paises a serem conhecidos como “Estados de Bem Estar Social” (Welfare States). Hoje, como projeto politico, o socialismo continua vivo aaqueles homens ¢ mulheres que reconhecem o capitalismo como um. sistema que explora ¢ aliena a humanidade e Iutam pela cons truco de um mundo mais justo e igualitasio. eMarx

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