Que a passagem do animal, que fica lembrada no cho. A ave passa e esquece, e assim deve ser. O animal, onde j no est e por isso de nada serve, Mostra que j esteve, o que no serve para nada. A recordao uma traio Natureza, Porque a Natureza de ontem no Natureza. O que foi no nada, e lembrar no ver. Passa, ave, passa, e ensina-me a passar!
Antes de Ns (RICARDO REIS)
Antes de ns nos mesmos arvoredos Passou o vento, quando havia vento, E as folhas no falavam De outro modo do que hoje. Passamos e agitamo-nos debalde. No fazemos mais rudo no que existe Do que as folhas das rvores Ou os passos do vento. Cada dia sem gozo no foi teu (R. REIS) Cada dia sem gozo no foi teu Foi s durares nele. Quanto vivas Sem que o gozes, no vives. No pesa que amas, bebas ou sorrias: Basta o reflexo do sol ido na gua De um charco, se te grato. Feliz o a quem, por ter em coisas mnimas Seu prazer posto, nenhum dia nega A natural ventura! Cada Um (RICARDO REIS) Cada um cumpre o destino que lhe cumpre, E deseja o destino que deseja; Nem cumpre o que deseja, Nem deseja o que cumpre. Como as pedras na orla dos canteiros O Fado nos dispe, e ali ficamos; Que a Sorte nos fez postos Onde houvemos de s-lo. No tenhamos melhor conhecimento Do que nos coube que de que nos coube. Cumpramos o que somos. Nada mais nos dado.
Do que Quero (R. REIS)
Do que quero renego, se o quer-lo Me pesa na vontade. Nada que haja Vale que lhe concedamos Uma ateno que doa. Meu balde exponho chuva, por ter gua. Minha vontade, assim, ao mundo exponho, Recebo o que me dado,
E o que falta no quero.
O que me dado quero Depois de dado, grato. Nem quero mais que o dado Ou que o tido desejo.