Você está na página 1de 2

XLIII - Antes o Vo da Ave (ALBERTO CAEIRO)

Antes o vo da ave, que passa e no deixa rasto,


Que a passagem do animal, que fica lembrada no cho.
A ave passa e esquece, e assim deve ser.
O animal, onde j no est e por isso de nada serve,
Mostra que j esteve, o que no serve para nada.
A recordao uma traio Natureza,
Porque a Natureza de ontem no Natureza.
O que foi no nada, e lembrar no ver.
Passa, ave, passa, e ensina-me a passar!

Antes de Ns (RICARDO REIS)


Antes de ns nos mesmos arvoredos
Passou o vento, quando havia vento,
E as folhas no falavam
De outro modo do que hoje.
Passamos e agitamo-nos debalde.
No fazemos mais rudo no que existe
Do que as folhas das rvores
Ou os passos do vento.
Cada dia sem gozo no foi teu (R. REIS)
Cada dia sem gozo no foi teu
Foi s durares nele. Quanto vivas
Sem que o gozes, no vives.
No pesa que amas, bebas ou sorrias:
Basta o reflexo do sol ido na gua
De um charco, se te grato.
Feliz o a quem, por ter em coisas mnimas
Seu prazer posto, nenhum dia nega
A natural ventura!
Cada Um (RICARDO REIS)
Cada um cumpre o destino que lhe cumpre,
E deseja o destino que deseja;
Nem cumpre o que deseja,
Nem deseja o que cumpre.
Como as pedras na orla dos canteiros
O Fado nos dispe, e ali ficamos;
Que a Sorte nos fez postos
Onde houvemos de s-lo.
No tenhamos melhor conhecimento
Do que nos coube que de que nos coube.
Cumpramos o que somos.
Nada mais nos dado.

Do que Quero (R. REIS)


Do que quero renego, se o quer-lo
Me pesa na vontade. Nada que haja
Vale que lhe concedamos
Uma ateno que doa.
Meu balde exponho chuva, por ter gua.
Minha vontade, assim, ao mundo exponho,
Recebo o que me dado,

E o que falta no quero.


O que me dado quero
Depois de dado, grato.
Nem quero mais que o dado
Ou que o tido desejo.

Você também pode gostar