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Revista de Economia Politica, vol 5, n? 3, julho-setembro/1985 Estado burgués e natureza do planejamento no Nordeste PAULO HENRIQUE N. MARTINS* OS “DOIS BRASIS”: UM DEBATE A SER REVISTO Atualmente, no se comenta mais a existéncia dos “Dois Bra- sis” de Jacques Lambert, como se fazia, com freqiiéncia, tempos atris, O que sugere que o debate tenha sido relegado a segundo plano, 4 medida que a dominancia do capital monopolista no pais contribuiu para eliminar as diividas, que porventura possam subsis- tir, a respeito das correlagdes estreitas entre reproducio do mundo agrério e do urbano, entre a interdependéncia das regides mais ricas © menos ricas no Brasil, como é 0 caso do Sudeste e do Nordeste. Alids, a critica mais conseqiiente que se faz hoje, A proposta do GTDN — Grupo de Trabaho para 0 Desenvolvimento do Nordeste —, é justamente o de ele haver sugerido um modelo de industriatizagao auténoma para a regidio, como se isso fosse uma alternativa vidvel no Brasil-dos fins da década de 1950. Entretanto, se esta questdo é assunto menos polémico no que tange a correlagdo de suas varidveis econdmicas, 0 mesmo no se pode dizer quanto a seus elementos politicos, particularmente no que diz respeito A constituicdo ¢ emergéncia histérica da burguesia no Brasil. Os estudos académicos que buscam definir a natureza do “proceso burgués” no Brasil se limita, quase que invariavelmente, a tentar aprender o perfil caracteristico da burguesia industrial do Sudeste, hoje conhecida como burguesia associada em razo de seus estreitos vinculos com os interesses externos. E visivel, portanto, a * Da Univerdidade Federal de Pernambuco ~ UFPE, 101 precariedade de estudos especificos sobre a formagio das classes burguesas nas demais re~ gides, particularmente no Nordeste, o que constitui uma séria lacuna no pensamento histo- riografico brasileiro. As referéncias ao movimento constitutivo dessas classes dominantes re~ gionais, no momento do predominio da forma capitalista de produgao no Brasil, restringem- se a ensaios que visam demonstrar a origem oligarquica ou coronelistica desses grupos, cuja clevante para a compreenséo do processo politico existéncia € geralmente considerada brasileiro. Na verdade, os termos “oligarquia” e “coronelismo” so vagos ¢ despojados de um maior rigor tedrico, No vocabuldrio econdmico, os “oligarcas” e “coronéis” séo defini- dos, em geral, como grandes e médios proprietarios fundidrios, tradicionais ¢ antiindustria- listas. Do ponto de vista politico, as definicdes so ainda mais imprecisas. Os “oligarcas” re- presentam, diem, grupos que se apropriam do aparelho estatal, no interior de cada unidade federativa, com 0 proposito de usufruir, com os seus, do banquete propiciado pelo controle do aparelho de poder. A diferenca entre “coronéis” e “oligarcas”, a partir de uma perspec- tiva politica, é sobretudo um problema de gradagdo da hicrarquia do poder dominante. Essa visio limitante das condigdes de organizacao das “classes dominantes regionais — visio que compromete 0 entendimento do processo politico burgués — termina sempre por sugerir ¢ caracterizar 0 comportamento politico desses grupos como sendo inquestionavel- mente conservador, tradicionalista, contrario & industrializagdo ¢ a qualquer modernizacio que possa resultar no pleno dominio do capital sobre a atividade econémica tradicional. As- sim sendo, redescobre-se salientemente, no plano politico, os “Dois Brasis” — situaco que, como veremos, finda por se refletir novamente no plano econémico — a medida que procura-se opor a uma classe “progressista”, que lutaria pela afirmagao do proceso burgués no pais, uma outra classe “regressista””, cuja postura seria de permanente resisténcia & mu- danga e a tudo que pudesse ou possa significar dominagdo da forma capital. autor que tem apresentado a mais notavel e indiscutivel contribuicdo, no sentido de avangar o debate e situar as “classes dominantes regionais” no interior do processo de orga- nizagao de Estado burgués, ¢ Francisco de Oliveira, Na sua jé classica obra, Elegia para uma re(li}gido, Sudene, Nordeste, Planejamento e conflitos de classes. Rio de Janeiro,Paz¢ Terra. 1977, Oliveira procura explicitar como as “‘oligarquias” ligadas ao acticar e as atividades do gado-algodao se reproduzem numa época em que é inegavel a expansio do modo capitalista de produc&o. Registre-se, mesmo, a contribuigdo inestimavel do autor quando, refletindo sobre a natureza capitalista da passagem do engenho de-agticar para a usina moderna e da fundagdo das primeiras industrias téxteis, rompe com a terminologia cléssica e designa a nova classe dominante emergente de “burguesia agroindustrial do Nordeste”. Essa contri- buicio, todavia, permanece mais ao nivel da forma, A medida que as reflexdes de Oliveira no se orientam no propésito de demonstrar que 0 surgimento histérico da burguesia aguca- reira do Nordeste tem um sentido ativo, positivo e dinamico na produgao da existéncia con- creta da acumulagdo do capital, a nivel regional e nacional; no cardter da divisdo inter- regional do trabalho que se estabelece; na organizacdo do poder burgués e dos aparelhos de + Doravante utilizaremos essa expresso para distingui-la das classes dominantes da regido Sudeste do Brasil, cuja natureza burguesa € pouco contestada. 102 dominagao burgueses; enfim, na compreensio dos condicionantes e das especificidades do aparecimento da sociedade burguesa no Brasil, Ao contrério, Francisco de Oliveira procura, legitimando-se num inexistente colapso da industria agucareira nos inicios do século XX ?— assunto sobre 0 qual voltaremos mais adiante —, enfatizar a idéia de que 0 comportamento politico dessa burguesia seria necessariamente conservador ¢ historicamente regressivo, a0 negar a necessidade de desenvolvimento das forcas materiais ¢ sociais da producio. Essa idéia identifica-se, em ultima instdncia, com a concepgio classica, jd abordada, sobre “oli- garquias”, O proprio Oliveira aceita 0 fato quando, comentando sobre a, para ele inexistente, crise do sistema agucareiro nordestino, diz: “Essa burguesia tornou-se no limite, para usar um termo paradoxal, oligarquica também: o que era condico de sobrevivéncia para 0 ‘Nor- deste’ algodoeiro-pecudrio tornou-se também sua condigao de sobrevivéncia. Tornaram-se indistintos os limites entre uma e outra regio. A condicdo quase natural desse desdobra- mento foi também sua passagem para uma posico subalterna, ndo-hegeménica, com a con- seqiiente perda do poder politico”, A partir dai, com o objetivo de manter a consisténcia interna de sua construgio te6rica, Oliveira passa a contestar a validade de qualquer aco politica que possa denunciar aexisténcia implicita de um proceso burgués no interior da economia agucareira nordes- tina. Desse modo, a propria criacio do IAA — Instituto do Aciicar e do Alcool — ¢ vista, pelo autor, como algo anacrénico, algo em desacordo com o movimento de organizacdo politica da burguesia, quando se trata do papel que essa instituigao exerce para as classes agucareiras nordestinas: “Em outras palavras, enquanto a debacle do café rapidamente descolonizou as relagdes de produgao, isto ¢, liquidou com as relacdes de trabalho tipicas do colonato, na re- Bido do ‘Nordeste’ acucareiro, os mecanismos do IAA serviram para reforcar as caracteristicas arcaicas que ela havia recriado como mecanismo de defesa”.* Assim, esclarece o autor: “En- quanto para a regio industrial de Sao Paulo o financiamento do IAA poderia financiar tanto o capital variével como o constante, no ‘Nordeste’ acucareiro financiava ele a reposic&o ar- caica das relagdes de produgio e, portanto, dialeticamente tornava nula a possibilidade de fi- nanciar ou em outras palavras ‘modernizar’ o capital constante das usinas”.’ Trocando em mitidos, 0 IAA era e ainda continua sendo, cremos, para Francisco de Oliveira, um Estado burgués e ndo-burgués ou oligarquico, ao mesmo tempo; argumento esse que sé se sustenta através da negagiio radical da presenca de uma acumulagao capitalista na atividade aguea- reira nordestina. Hoje, ressalte-se, é quase impossivel negar essa acumulacao ¢, logo, a uni- dade do Estado burgués na formagio social brasileira. Alids, é sob o prisma da existéncia desses “Dois Brasis” no plano politico — com refle- 2 Diz Oliveira: “Os impulsos de industrializagio que tomaram forma na conversdo dos engenhos de agiicar em usinas, fendmeno que arranca do ultimo quartel do século XIX ¢ se esgota nas primeiras décadas deste, e de outro lado na implantagdo da industria téxtil, foram abortados pelas mesmas razées © causas que contribuiram para refrear a propria industrializagdo da regido do café: pela reiteracdo- subordinagio aos interesses do capital comercial e financeiro inglés ¢ norte-americano”. (OLIVEIRA, Francisco. Elegia para uma re(li)gido. Sudene, Nordeste. Planejamento e conflito de classes. 3* ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1981. p.36. ) OLIVEIRA, Francisco de, op. cit., p. 66. . “ OLIVEIRA. Francisco de, op. cit., p. 68. O grifo ¢ do proprio autor.. + Idem, pp. 69 € 118. 103 xos diretos também no plano econémico — que Oliveira analisa o surgimento da SUDENE no Nordeste, cujo Estado era, a seu ver, “capturado” pela oligarquia agraria algodoeiro- pecuéria, que submetia as classes dominantes agucareiras. Mas, como esclarece ele, “as pro- posigties da SUDENE para descapturar esse Estado levam, necessariamente, sua captura pela la do Centro-Sul”* Nao discutiremos aqui esse papel da SU- a nivel de Nor- burguesia internacional ass DENE como mola de propulsio do dominio econdmico do capital monopoli deste, 0 que & um fato indiscutivel, mas, apenas, os vicios de uma construc teérica que procura fundar-se na existéncia de dois Estados em um sé Estado. Do ponto de vista econd- mico, esses vicios dizem respeito As dificuldades de apreensio tedrica da complexidade do movimento de acumulacao do capital no Nordeste. Dentro de uma perspectiva politica, eles se relacionam diretamente com as dificuldades de percep¢ao do processo politico burgués, da forma como se constituem historicamente as classes burguesas situadas em regides eco- nomicamente mais atrasadas no interior de uma formagao social, como é 0 caso do Nordeste brasileiro, Nao se compreendendo esses aspectos, nao se apreende, em conseqiéncia, de modo abrangente, a natureza das lutas politicas e das aliancas que se estabelecem no interior da dominacao, cujos efeitos so decisivos sobre os rumos econdmicos e politicos da sociedade. A FORMAGAO DAS “CLASSES DOMINANTES REGIONAIS” E A INTERVENCAO ESTATAL Quando Francisco de Oliveira assume, como pressuposto fundamental de sua obra, a existéncia de uma crise ‘ampla do acucar na primeira década do século atual ¢ afirma taxat vamente que o Nordeste agucareiro, a partir de ento, recriou formas de defesa anticiclicas néo capitalistas,’ entre as quais cita o cambio, ele no faz mais que ratificar toda uma posigfo fir- mada na historiografia a respeito das origens da industrializagdo no Brasil. A posig&io sus- tenta, de modo categérico, que as raizes da industria nacional devem ser buscadas no comér- cio exterior, restringindo-se 0 debate ao cardter estimulador ou inibidor das exportacdes. Nao nos cabe aqui abrir uma discussio sobre o assunto,* mas, simplesmente, esclare- cer que o maior desvio dessa posi¢o, firmada na historiografia, é o de desconhecer e negli- genciar a importéncia do mercado interno para a formagao da industria nacional. Embora esse aspecto permaneca, de certa forma, em segundo plano, no que tange 4 regio cafeeira do Sudeste — onde a presenga das exportagdes para 0 estrangeiro no crescimento da econo- mia é fato inconteste —, 0 mesmo nfo se pode dizer com relagao as regides nfo-cafeeiras. O desenvolvimento destas, no caso o Sul pecudrio ¢ 0 Nordeste agucareiro e algodoeiro- pecudrio, encontra suas bases de sustenta¢do no inicio da industrializago, basicamente na + Idem, pp. 69 e 118. ? Idem, p.64. * Uma discussio mais profunda sobre a questio pode ser encontrada em N. MARTINS, Paulo Henrigue. ““O mercado interno ¢ a génese da industrializagio no Brasil”, Caderno Notas e Comunica- 0es de Geografia, n° 7. Universidade Federal de Pernambuco, 1982, 104 expansio no mercado interior. Tomar o comércio exterior como pardimetro do movimento ‘econdmico ¢ industrial dessas regides ¢ cometer um equivoco dos mais sérios. E nesse erro que, infelizmente, incorre o Professor Francisco de Oliveira quando procura analisar as transformacées da atividade agucareira e algodoeira nordestina, no perfodo. Na verdade, o’agticar € 0 algodio so atividades que, embora tenham-se organizado originariamente como economias exportadoras, sofrem, contudo, a partir da segunda me- tade do século XIX, um processo de reconversio dos seus circuitos comerciais, passando a depender suas reprodugSes quase que completamente da expansfo da economia interna, como 0 demonstram os dados estatisticos.’ No que diz respeito particularmente a industria acucareira nordestina, observamos que a transig&o do engenho de aciicar para a usina — fendmeno que, surgindo nos fins do sé- culo passado, se estende ao longo das primeiras décadas do atual século ~ registra uma efe- tiva acumulagdo, cujo resultado € uma redivisio regional do trabalho da atividade aguca- reira, Verificando a relagdo do capital investido pelo nimero de usinas de agticar existentes ‘em cada unidade da federaco, no periodo situado entre 1907 ¢ 1920, constatamos que os dois estados que apresentavam taxas mais altas de concentragdo do capital forain Sao Paulo, com um diferencial de mais 10,6% entre o primeiro ¢ 0 segundo periodo, ePernambuco.com mais 9,79. Outros estados agucareiros, como Maranhdo, apresentavam taxas negativas de menos 4,7%, 0 que exprime seu estigio de decadéncia."* O importante a destacar é 0 papel do mercado interno na definic&io do processo de acumulagao capitalista, que se desenrola a nivel regional ¢ inter-regional, sobretudo quando se trata de uma regio como o Nordeste. Desconhecendo-se esses aspectos bisicos do crescimento econdmico da atividade agucareira e algodociro-pecudria nordestina, torna-se impossivel, em conseqiiéncia, a apreensio tedrica do movimento constitutivo das novas classes sociais, do poder burgués, dos ordenamentos do aparetho estatal, na natureza das lutas sociais etc. A partir da reflexio sobre 0 proceso constitutive da economia de mercado, interna- mente, podemos melhor entender como se formam as classes dominantes a nivel de Nor- deste ¢ qual a natureza ¢ as motivacdes das tentativas de planejamento estatal promovidas na regido. O problema que nos parece primordial, no caso, ¢ 0 de determinar, primeiramente, no interior de cada unidade politico-administrativa da federagdo, em dada conjuntura, o ni- vel histérico de desenvolvimento das forcas materiais ¢ sociais da producio. Isto é, para se conhecer os reflexos que as transformages historicas da infra-estrutura produzem no plano da superestrutura — tanto no que se relaciona com a organizacao do aparelho estatal, como no da conformagdo do poder burgués —, ¢ preciso que se perceba como os grupos partici- pam da constituigéo do aparato politico-juridico ¢ exercem seu poder no interior desse corpo de dominagdo materializado. ‘A questo, contudo, apenas pode ser apreendida, em um primeiro momento, a partir dos casos particulares, a nivel de cada unidade federativa. Com relagdo a Sdo Paulo, por * Idem, p.98. \ Jdem, L'Etat et la question regionale au Brésil; une approche a partir du cas du Nord-Est sucrier, Te- se de Doutorado de 3° ciclo, Paris, Universidade de Paris I, 1980, p. 95. 105 exemplo, a répida expansio das plantacées de café projetou, de modo visivel, as marcas da dominacio da burguesia agraria e comercial cafeeira, durante 0 periodo anterior a 1930. Para outros estados da federacao, na época, como Pernambuco e Rio Grande do Sul, onde se presencia um razodvel grau de expansio das atividades econdmicas, entao, nao ¢ dificil perceber a presenca, respectivamente, da burguesia agucareira e da classe agraria ligada 4 pecudria no controle dos aparelhos politicos do Estado a nivel de cada unidade federativa. Quanto aos estados “pobres” da federacao, mostram-se mais problematicos na confi- gura¢io do processo politico a medida que a dominagao do capital se apresenta, ainda nos nossos dias, de forma timida. E 0 caso de grande parte dos estados do Nordeste ¢ Norte, onde a reproducao de atividades econémicas tradicionais ¢ 0 controle politico de grande parte da populacao pelos proprietérios rurais criam, na maior parte dos casos, um comporta- mento politico conservador e de apego as diretrizes do poder central. E importante assina- lar, todavia, que esse conservadorismo nao ¢ absoluto, pois, assim sendo, estariamos recu- sando a importancia das lutus socizis na determinagao do jogo politico. E a situacdo, por exemplo, da Paraiba em 1930, quando o assassinato de Joao Pessoa resultou numa profunda revolta popular, obriganda o governo constitucional a assumir uma posi¢ao clara de oposi- ‘do ao governo central. De modo geral, nesses estados, a auséncia de desenvolvimento de consideraveis atividades industriais ¢ de uma agricultura capitalizada abria ¢ abre ainda noje as vias de acesso ao controle do poder estatal apenas aos proprietarios de terra mais im- portantes da unidade federativa, que se apresentam como representantes dos interesses dos demais proprietarios ¢ dos comerciantes intermediérios. Nesse esforgo de estabelecer as relagdes histéricas concretas entre a infra-estrutura econémica ¢ a superestrutura juridico-politica, nds podemos observar que se torna mais facil a apreensio, com certo rigor metodoldgico, do sentido da participago de grupos ligados en- tre si — por lagos de amizade ou sangue — no interior do poder estatal. Na verdade, menos que uma expresso indefinivel de certo “fendmeno oligarquico”, essa presenca explica jus- tamente a maneira como as antigas classes dominantes podem ascender ao poder burgués, conforme as diretrizes palavras, isso revela o estagio em que as instituigdes politico-juridicas do Estado moderno st6ricas irrevogaveis da formacio do Estado capitalista. Em outras conseguem sobredeterminar, no interior do espago nacional, as diferentes formas econdmi- ualmente — ao fixar os diversos aparelhos politicos de domi- ‘cas — que se reproduzem de: nagdo; aparelhos estes que se articulam mecanicamente desde a esfera do poder municipal, passando pelas esferas dos poderes estaduais, dos poderes regionais, recortando, por fim, a esfera do poder central. A estruturaciio material desses aparelhos sofre evidentemente, adaptacdes em cada um desses estégi tural apresentadas pelos grupos dominantes quando confrontadas necessidade de assumir © papel de agente dominante do Estado burgués. Estando esses grupos habituados ao exerci- cio direto do poder e da violencia, ¢ dificil para eles aceitar, de siibito, que esse exercicio seja mediatizado através de instituigdes juridico-politicas cujo funcionamento escapa ao seu controle pessoal. No Brasil, o Estado, em razo de suas fracas bases de legitimaco, procurou privilegiar s conforme as préprias limitagdes de cardter psicocul- 106 ¢ assegurar, desde o inicio, a dominagao das classes operarias tradicionais, num esforgo de facilitar a formacio ¢ organizacio das classes burguesas. Porém, a base de legitimacao foi posta em cheque, provisoriamente em 1930, pela contestacdo politica das massas urbanas in- satisfeitas, apoiadas nos “tenentes”, e das classes dominantes regionais desfavorecidas na cena politica federal, como resultado da politica tendenciosa do governo central em favor das classes cafeeiras. O mesmo fendmeno ocorre mais tarde, nos anos cinqdenta, quando se desagrega o bloco dominante face & ascensiio do capital monopolista. ‘Nos estados da federacdo onde a formaco das classes burguesas se fez mais lenta- mente, a presenca ativa de grupos tradicionais no controle dos aparelhos de poder exprime esforco exercido por eles no sentido de assegurar a reprodugao de sua fungdo de base, isto é, de garantir a integridade da propriedade fundidria, embora desempenhem concomitante- mente o papel de instrumento politico necessario 4 afirmagao da dominacao burguesa. Desde que tenhamos contribuido para afastar algumas duvidas principais relativas a0 entendimento do processo politico regional, superando a visdo distorcida e dual do Estado no Brasil — Estado burgués e Estado oligdrquico —, acreditamos ser possivel compreender mais claramente o sentido da intervengio estatal na economia € também o significado do planejamento regional. Ressalte-se, todavia, que uma reflexio nessa diregdo implica, neces- sariamente, que a participacao das classes dominantes no poder estatal € no desenrolar das lutas politicas deve ser observada como sendo manifestacdes de um complexo processo de organizago das classes burguesas no interior do espago nacional. Assim sendo, podemos re- discutir 0 modo como Oliveira interpreta a problematica do planejamento que encontra re- petcussdo no seio do pensamento cient{fico. Conforme o autor assinala na introdugao do seu trabalho, “‘o padrao planejado nao é ... senéo uma forma transformada do conflito so- cial, e sua adogdo pelo Estado em seu relacionamento com a sociedade é, antes de tudo, um indicador do grau de tensio daquele conflito, envolvendo as diversas forcas € os diversos agentes econdmicos, sociais e politicos”."" A ameaga da reproducao da atividade econd- mica, segundo ele, obriga a efetivacio da agdo planejada com o objetivo de se assegurar a re- produgdo do ciclo produtivo, fazendo com que a intervengdo estatal se converta “numa forma de reposicéo transformada dos pressupostos da produgao”." Sobre a definigio tedrica de planejamento, estamos em pleno acordo com Francisco de Oliveira. Nao comun- gamos, entretanto, com a sua posigio, quando sustenta que a interven¢ao do Estado no Nor- deste através do DNOCS — Departamento Nacional de Obras Contra a Seca — e do IAA —Ins- tituto do Agitcar e do Alcool—naoconstitui ago de planejamento,ao contrario da SUDENE. Fundamenta-se ele na idéia de que, no representando as atividades acucareira ¢ algodoeiro-pecudria manifestagdes de um proceso de acumulaco de capital, toda ago de planejamento teria um efeito negativo, de reafirmagao dos processos tradicionais de produ- cdo. Ou seja, através da aceitacao dos “Dois Brasis" no plano politico redesenha-se, inevi- tavelmente, os “Dois Brasis” no plano econdmico, embora nao se queira aceitd-lo explicita- 4 OLIVEIRA, Francisco de. Op. cit., p.23. ® Idem, p.23 © 52. O gnifo € do autor. 107 mente, Nesse sentido, o autor afirma a respeito do DNOCS que, ‘ainda que se aceite que os gastos do DNOCS eram investimentos do Estado, néo significavam eles em absoluto transforma- edo das formas do ciclo produtivo; naotiveram, sob nenhuma circunstancia, o condo de trans- formar as condigdes de produgdo social do Nordeste algodoeiro-pecudrio”.” E comple- menta: “O investimento do DNOCS reforgava, num caso como no outro, a estrutura ar- caica: expandia a pecudria dos grandes e médios fazendeiros, e contribuia para reforgar a existéncia do ‘fundo de acumulacao’ préprio dessa estrutura, representado pelas culturas de subsisténcia dos moradores, meeivos, parceiros e pequenos sitiantes,” A mesma visio tradi- cionalista ¢ afirmada no que diz respeito ao ayticai, logo que Oliveira conclui: “A interven- io do IAA na economia do ‘Nordeste’ acucareiro ndio mudou a forma de reprodugo do ca- pital, contribuindo antes para reforcar certas caracteristicas primitivas que tal economia ti- nha recriado no seu interior." A dualidade de manifestagio da natureza do Estado mo- derno estd nitidamente expressa no caso do IAA, quando ele sustenta que embora esse insti- tuto ndo apresentasse um cardter de planejamento quando se tratava do Sudeste acucareiro, particularmente S4o Paulo, Essa ambigiidade no tratamento do caso, se de uma lado reforca a idéia dos “Dois Brasis”, de outro lado obscurece e torna mesmo ininteligivel o papel do Estado como organizador da dominagao burguesa. Na verdade, como ja foi assinalado, ¢ preciso entender a economia brasileira como um todo cuja integracdo se afirma através de suas diferengas. Nesse processo, o Estado que ¢ 0 centro de unificagdo da nova classe dominante emergente, assimila nos seus aparelhos as classes tradicionais dominantes, estendendo especialmente os pressupostos de produgio e reprodugao do capital. A idéia do Estado unitdrio & essencial para que se tenha uma nova vi- sio integradora do processo social, permitindo que se compreenda como a acumulagio do capital se realiza a ritmos distintos ¢ complementares ¢ como a reproducao desse proceso implica, efetivamente, a mudanga e submissio das formas de produgio tradicionais — nfo 0 reforgo de relagdes historicamente superadas. O Estado burgués busca oferecer os meios materiais para a superaco do tradicional e afirmagao da sociedade burguesa — niio 0 con- trério, Pensamos, conseqientemente, que a intervengdo do Estado na economia nordestina através do DNOCS ¢ IAA, constitui agdes efetivas de planejamento, com o objetivo de per- mitir a dominagao real do capital, tanto no “Nordeste” agucareiro como no “Nordeste” do gado-algodio. O importante é compreender que os efeitos econdmicos gerados pela inter- vengao do Estado na economia dependem diretamente do nivel de desenvolvimento das for- ‘cas produtivas existentes em cada atividade e do estigio histérico da acumulagao do capital, que marca claramente, por exemplo, as diferencas da intervengao estatal no estdgio concor- rencial ¢ no monopolista."* © Idem, p.23 € 52. O grifo € do autor. Idem, p.54 ¢ 67. * Idem, p.54 € 67. ' Nicos Pulantzas desenvolve em profundidade essa questo da intervencdo estatal, quando assimala 0 problema das diferentes formas de Estado no interior de um mesmo tipo de Estado: “Entretanto, se todas as formas do MPC ‘puro’ implicam teoricamente um politico relativamente autdnomo do econdmico, fica claro que o capitalismo privado implica um Estado ndo-intervencionista, € 0 capitalismo monopolista, um estado intervencionista. As diferengas entre essas formas de Estado portam 108 Na verdade, a agdo planejadora do Estado na economia agucareira nordestina ja se faz presente desde fins do século XIX, quando os primeiros governantes republicanos em Per- nambuco empregam esforcos e aplicam recursos para a implantagao € consolidacao do pro- cesso usineiro, Dados os niveis de desenvolvimento do capitalismo do Nordeste agucarciro, na época, o grau de organizacdo das classes sociais e de manifestacdo das lutas sociais ¢ os li- mites de atuago de um aparato politico-juridico ainda bisonho, é evidente que a interven- do teria que ser limitada e localizada no tempo e no espaco como o foi. Na década de 1930, porém, a conformacio do “bloco histérico” jé ¢ outra. O proceso usineiro no Nordeste ja esté afirmado, caracterizando-se pela presenca de um numero razodvel de médias unidades industriais, nimero este inferior, contudo as centenas de engenhocas do século XIX, o que prova o grau de centralizagao do capital jé atingido na atividade. Por sua vez, o processo de diferenciagdo das classes sociais estd avangado, com a burguesia industrial agucareira afirmando-se claramente como hegemsnica no setor, Em terceiro lugar, esses anos vio defi- nir claramente a unidade do Estado nacional e a consolidagao da ossatura materiale institu- cional desse mesmo Estado. Nessa conjuntura, as dificuldades de acumulagao da indistria acucareira nordestina se fazem presentes, sobretudo, pela concorréncia da produgdo acucareira do Sudeste, amea- ando os tradicionais mercados do agiicar da regio Nordeste. A intervengao do Estado através da criagdo do IAA vem justamente condensar essa situagdo conflituosa através.da criagio de um palco politico préprio, onde os agentes dominantes puderam esgrimir-se & vontade sem a ameaca de ruptura do poder estatal. Ao contrario de reforcar as “caracteristi- cas primitivas” da produg&o acucareira nordestina, como sustenta Francisco de Oliveira, presenca do IAA veio justamente possibilitar a reprodugao da fracdo dominante dos usinei- ros nordestinos, constituidos, em sua maioria, de pequenos ¢ médios industriais. Mesmo as- Sim, a intervengdo nfo veio bloquear a concentracao € centralizacdo do capital agucareiro nordestino, apenas redefiniu as formas de acumulaco industrial através de uma série de me- canismos como a delimitacao das cotas de produgao, da fixacao do prego do produto ete. Quanto a0 DNOCS, os efeitos da intervengao so diversos, pois diversas também so as formas de organizacao do proceso de producio do sistema algodoeiro-pecuario. Ora, 20 construir barragens ¢ agudes, perfurar pocos e construir estradas de rodagem por todo 0 Nordeste semi-drido, a intervencio do Estado também se mostrou planejada a medida que objetivava criar as condigdes para a producao dos pressupostos do capital, estabelecer as ba- ses materiais indispensdveis & afirmagdo do “proceso burgués”. As constantes referéncias as relagdes de produgdo nao capitalistas, tanto na drea algodociro-pecuéria como na érea acucareira, como sendo provas incontestes do reforco das formas arcaicas, devem ser vistas com certo cuidado, Elas seriam arcaicas, efetivamente, se produzissem um movimento anti- histérico, de desacumulagdo do capital, Naturalmente, nao ¢ isso 0 que se observa. Pelo con- trério, uma verificagdo mais meticulosa dessas relacdes sociais demonstra sua propriedade precisamente sobre as formas especificas que assume a relagio entre um econdmico ¢ um politico Felativamente autdnomos: estas formas constituem as varidveis de um invariante especifico.” POULANTZAS, Nicos. Pouvoir politique et classes sociales. Paris, 1975. Tomo 1, Petit Collection Maspero, p.158. 109 na acumulagio do capital quando esta se realiza ainda a ritmo lento e intensidade diminuta. Ou seja, verificando-se a presenca dessas relagdes de produgao concretamente, conclui-se na verdade pela sua importancia decisiva para a possibilidade material e histérica da domi- nacio do capital. Logo, ¢ mais apropriado considerd-las como relagGes sociais de transigao. Seria ingénuo supor que a aco do DNOCS pudesse beneficiar, também, 0 pequeno produ- tor. Dadas as condigdes de organizacao do poder, essa ago somente poderia traduzir-se na forma de um estimulo de conversio das antigas classes dominantes em modernas classes do- miriantes de base agraria. Quanto ao sugimento da SUDENE, é preciso considerar, preliminarmente, que as con- digdes histéricas que vao registrar seu aparecimento séo bem mais complicadas que aquelas que registram 0 nascimento no tempo do IAA € do DNOCS. O sentido do planejamento es- tatal jd € bem mais complexo no caso do TAA, comparativamente ao dos primeiros governos republicanos; portanto, ele 0 é muito mais no momento de criagio da SUDENE, quando opa- drio de acumulacio da economia brasileira se transforma por completo para permitir a pe- netragdo do grande capital monopolista no interior da sociedade, O aparecimento da SU- DENE no Nordeste, suas relagdes com as politicas do IAA e do DNOCS para com os setores, acucareiro e algodoeiro-pecuario, respectivamente, sua importancia para a sobrevivencia (ou extingdio das classes dominantes regionais no podem ser simplesmente vistos sob 0 prisma de dois Estados, um burgués e outro oligdrquico, convivendo lado a lado. De um Es- tado modernizante, industrialista face a outro Estado retrégrado, antiindustrialista. O fend- meno SUDENE deve ser compreendido dentro de uma conjuntura de rompimento da alianga do poder dominante ao nivel dos micleos centrais decisérios do Estado moderno no Brasil. Alianga esta estabelecida partir da década de 30, quando classes e fragdes de classe do mé- dio capital industrial ¢ agrario de origem autéctone — os industriais paulistas e’os usineiros pernambucanos, por exemplo — ¢ grande parte dos proprietérios fundidrios de entéo mol- dam a existéncia de um “bloco agrario-industrial”, que se legitima através do apoio das mas- sas urbanas."” Esse bloco social se desagrega ao longo da década de cinqiienta, quando a emergéncia do grande capital vinculado ao setor de bens de consumo durdveis, sob 0 con- trole de interesses predominantemente externos, produz fissuras irretocdveis na estrutura de poder. A crise no interior do aparelho estatal que atinge e ameaca a propria reprodugao desse aparelho termina também por desmistificar a ideologia nacional-populista, base de legitima- do do “bloco agririo-industrial”, 4 medida que se torna indisfarsavel a cumplicidade dos governos de entdo com o capital estrangeiro. Nesse momento de crise politico-econdmica da passagem do capitalismo concorrencial para o capitalismo monopolista no Brasil, em que se desfazem as amarras do poder estatal, é que tem lugar a emergéncia das forgas populares no Nordeste, primeiramente através das “ligas camponesas”, estendendo-se, em seguida, para » Ainda nao sio fartos os trabalhos que procuram explicar 0 papel do Nordeste no periodo populista a partir da perspectiva gramsciana de bloco social dominante. A titulo de sugestio, indicamos dois {rabulhos que procuram situar a anélise da questio a partir dessa pesspectiva: AZEVEDO, Fernando. As lias camponesas. Rio de Janciro, Paz ¢ Terra,1982,e CARVALHO, Abdias Vilar de‘Reforma agraria: untio e eixio no bloco agrario industrial: in: Reflexao sobre a agricultura brasileira. Rio de Juneiro, Paze Terra, 1979. 110 05 centros urbanos. O entendimento da crise da burguesia industrial agucareira no periodo deve ser analisada & luz da ruptura do bloco no poder, momento em que as classes dominan- tes acucareiras se encontram desamparadas € impossibilitadas de manobrar com os instru mentos econémicos e financeiros & disposi¢do no interior do aparelho estatal. Considerando que a passagem do capitalismo concorrencial monopolista era uma rea- lidade irrecusével no Brasil da década de 50, temos que atentar para que a estratégia do GTDN representava, na realidade, uma proposta de redefinigao, de mudanca radical do proceso de acumulacao do capital na regidio Nordeste: proposta que se assentava na reati- vagao do setor econdmico declinante, o industrial-urbano, com o estimulo a afirmagio de uma burguesia industrial-urbana, na regio. Outro aspecto dessa proposta era o de criar me- canismos de aceleragao da acumulacao do capital nas atividades acucareira ¢ algodociro- pecuéria, cujos lentos ritmos de acumulacao aprofundavam as diferengas entre as econo- mias do Nordeste do Sudeste, acirrando, em conseqiiéncia, os conflitos sociais. Essa estra- tégia de reorientagdo do processo de acumulagdo capitalista no Nordeste — que visava su- bordinar por um caminho alternativo areprodugdo econdmica da regido as necessidades his- tOricas de afirmagio do grande capital monopolista — atraia, de certa forma, o apoio popular & medida que acenava para a criacdo de novos empregos e oportunidades de trabalho. Por sua vez, como nio poderia deixar de ser, a proposta do GTDN encontrava grande resistén- cia no seio das classes dominantes regionais, que se sentiam ameagadas com uma reorgani- zacio rapida da atividade econdmica, embora isso nio significasse, ressalte-se, a supressio do seu poder dominante. A atuagdo da SUDENE como 6rgdo de planejamento seguiu, assim, as linhas dos conflitos sociais e de seus desdobramentos. Desse modo, 0s rumos seguidos pela socieda- de brasileira, entdo com a repressdo dos movimentos populares ¢ a reafirmagao do contro- le do Estado pelas classes dominantes agrarias e agroindustriais da regido, fazem com que a intervengio da SUDENE no processo econdmico se defina no tempo através da consoli- dacio dos tradicionais mecanismos de acumulagao do capital, que produzem a afirmagéo desse mesmo capital na produgdo, sem ameagas de rupturas indesejéveis no aparelho de dominagdo, Contudo, a partir desse momento a acumulacdo, ainda que lenta, ndo se pode realizar de forma autOnoma; tem que se sujeitar aos ditames e reproducao do capital monopolista, 0 que resulta em sutis mudangas na economia regional, cujos efeitos ainda esto sendo produzidos no momento atual. REFLEXOES SOBRE O PRESENTE As imagens catastréficas sobre a crise historiea, sempre iminentes nas classes domi- nantes regionais, nunca confirmadas, apenas representam € manifestam objetivamente a idéia subjacente dos “Dois Brasis” e da pseudo-sobrevivéncia no tempo de grupos oligarqui- cos anacronicos e ultrapassados. A historia do capital monopolista no Brasil, ainda que re- . Ao contrario, 0 que se percebe cente, tem demonstrado a total improcedéncia dessas idéi 1 & que a submissio da economia agucareira e algodoeiro-pecudria regional 4 grande burgue- sia do Sudeste e as necessidades de reprodugdo do capital financeiro, tem-se verificado sem rompimentos e grandes desgastes para as classes dominantes regionais. Se analisarmos, por exemplo, a industria agucareira da regidio, vemos que a implantacao do projeto de moderni- zagio promovido pelo LAA, nos inicios da década de 70, provocou profunda reorganizagio no proceso produtivo do agiscar, Essas transformagdes, que elevaram a capacidade média de produgdo da maioria das usinas de agicar, com a eliminacao das pequenas unidades, como é 0 caso de Crauaté e de N. S. Auxiliadora, em Pernambuco, resultaram na introducao de modernos equipamentos nas fabricas, com elevagao da produtividade industrial, renova cdo das técnicas de cultivo na atividade agricola, utilizagéo de sementes selecionadas ¢ uso ra nal da adubacao, reformulacao das técnicas gerenciais etc. Ou seja, esse conjunto de modificagdes no proceso de produgio acucareiro, tanto acelerou o ritmo de crescimento da atividade econdmica local como alimentou a acumulagio do setor de bens de produgaio no Sudeste — 60 exemplo das indiistrias Dedini e Zanini — através de um movimento simulta neo de fortalecimento da atividade bancéria oficial e privada. Posteriormente, a politica da implantacdo de destilarias anexas as proprias usinas, veio reforcar a subordinagao & medida que a produgao de alcool carburante, internamente, contribufa para aliviar a reprodugdo do setor automobilistico, premido pelos altos pregos do petréleo nos fins da década de 70. Por sua vez, a submissiio da economia algodoeiro-pecuéria ao grande capital do Su- deste apresenta caracteristicas bem distintas. A pressio do capital monopolista no setor se faz através dos seguidos “programas de modernizacao” que tém promovido uma clara refor- mulagdo da estrutura produtiva do semi-adrido, sem afetar e ameagar o poder das classes do- minantes da regiao. A SUDENE, como nao poderia deixar de ser, tem desempenhado um pa- pel fundamental nesse movimento de mudanga “por cima” da economia do setor. Essa pol- tica de mudangas tem beneficiado nitidamente a atividade de criagdo de bovinos em detri- mento da cultura algodoeira, revelando todo © processo de “pecuariza¢io" que conhece o semi-drido nordestino nos dias atuais, A crise do setor algodociro se deve, sobretudo, as difi- culdades que vem apresentando esta cultura em acompanhar o movimento cada vez mais complexo de reprodugao do capital monopolista, devidas 4 conhecida instabilidade de seu circuito de acumulagao. Outra causa ¢ dada pelos estimulos que a pecudria tem recebido dos ‘6rgaos oficiais, por pressio ¢ interesse do grande capital em penetrar no campo agrario. A resultante disso no processo produtivo da economia algodoeiro-pecuéria nordestina ¢ a am- pliagdo das pastagens ¢ a reducdo das dreas para o algodio herbdceo e para as “lavouras brancas”: feijao, milho e mandioca, E importante assinalar, também, que essas mudangas na base econdmica da atividade da “regido” tém promovido, igualmente, alteragdes na compo- sigdo interna das classes dominantes regionais, 4 medida que a expanséo da pecudria atrai para a 4rea a atencdo de grupos e individuos nfo ligados 4 economia tradicional. Esse conjunto de modificacdes na estrutura sécio-econdmica regional, assinale-se, em nada contribuiu para melhorar as condicdes de vida da populacio trabalhadora, Ao con- trério. A concentragao fundidria e a modernizagdo da atividade agricola apenas tém estimu- lado 0 aumento da migragio de familias rurais para as grandes cidades, alargando a faixa dos 112 desempregados ¢ subocupados, além de tornarem critico o abastecimento de géneros agri- colas alimenticios nas dreas urbanas, 4 medida que est com a eliminagdo gradativa dos pequenos produtores rurais ABSTRACT Examining the case of the Northeast, this work seeks to discuss more profoundly the nature of the modern State in. Brazil and the political sense of planning which envelopys its actions. It proceeds from the principle that the question of the “Two Brazils" — which while no longer a polemical point in purely economic analysis — continues as a controversial element in the treatment of the national political question, especially with regard to the Brazilian State. Thus, the ideas that the formation of the bourgeoise State in Brazil came about through an ambiguous coexistence with an oligarchic, conservative and anti-industrial State is a tradition that serves merely to confuse our understanding of the particularities of the constitution of the modern State, social classes and regional social movements. Therefore, the recovery of the idea of unity in the study of the formation of the State appears as a suggestive approach for rediscussing primordial aspects of the national and regional political question and for understanding certain basic elements of the capitalist transformations which, in evidence in the Northeast since the end of past century, have assumed sharper contours during recent decades. io produzidos em menor escala 113

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