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Pontes de Miranda PINTO FERREIRA I — Personalidade do Mestre Os grandes génios sio semeadores de idéias. PONTES DE MIRANDA é um grande semeador, 0 semeador do humanismo cientifico, da democracia que tem uma esséncia evangélica, do culto da liberdade e da lei, 6 uma you Prptética que nunca emudecerd. Semen est Verbum Dei, a palavra do profeta lei. ‘A majestade do Evangelho me espanta, dizia ROUSSEAU, 0 impio ¢ 0 rebelado do Do Contrato Social: “La majesté des Evangiles m'étonne”. Admira- me e espanta também a majestade da mente enciclopédica de PONTES DE MIRANDA. Em tempos de loucura ¢ de ddio, de morte, de queda e aflicao, de espe- ranga sem Tumo, de vozes que clamam justiga © de bocas que pedem pio, do povo que luta pela Itberdade, em um mundo de conflitos, ele é 0 sabio milio- nario de cultura que andou semeando 4guas marinhas de miltiplos saberes, 0 brasileiro sonhador que falou nas cinco liberdades fundamentais do Estado social e humanista, Os cultores do direito ¢ da justiga saiidam o mestre. Juris et justitiae cul- tores te salutant. O mestre nfo morreu, permanece vivo e engrandecido na meméria da consciéncia patria, porque é imortal na sua eterna sabedoria le- R. Inf. lerist. Coecitia @, 12». 69 jan.fmer. 1951 203 la ao mundo, pois a imortalidade é a etuagiio no tempo, a consagragio istorica perante posteridade, pop ” PONTES DE MIRANDA assemelha-se a um diamante raro, que um yelho minerador encontrou inesperadamente em um veio insuspeito. & um diamante multifacetado, cujas facetas sic claras, brilhantes e luminosas, Mas mudam de coloragio 4 medida que os raios de luz o atingem. Aqui é 0 filé- sofo, ali é o pensador politico, acolé o socidlogo, além o jurista ‘xcelso ou ainda © cardter retilineo dominando toda a personalidade, a sua moldura global. Mestre PONTES DE MIRANDA nunca parou na sua gloriosa vida intelec- tual, ascendeu sempre no campo do pensamento, & o orgulho maximo das letras juridicas nacionais, pensador admirado no mundo pelo seu saber e genialidade. El camino es siempre mejor que la adverte CERVANTES. A ca- wsinbade do guorlso ntlecual palo male do-que 0 ropouse ou 0 devenso. Esta mensagem significa que a atividade do homem, intelectual ou deve ser permanente, fecunda, operativa, A atividade intelectual é a de um pensador progressista, a servigo das grandes causas humanas, As suas vestes nunca foram outonais, pois o seu pensamento sempre foi novo ¢ primaveril. PONTES DE MIRANDA é um filho espiritual da Faculdade de Direito do Recife, templo da legenda e de Iuta, que tem sido uma tribuna das grandes batalhas do pensamento, um cendculo das discussées literrias, um grande centro de debates das questées filoséficas, e que a natureza poetiza no omato da sua vagetagio tropical, no verde das relvas e nas palmeiras vistosas e vi- ridentes, frutescendo em pAssaros de variada plumagem. A Faculdade de Di- reito do Recife foi sempre uma grande casa de contestagSes, um templo ¢ uma fortaleza, porém sobretudo uma catedral ecuménica de idéias. Ela tem fome de justiga, de liberdade, da lei e da Constituigao, dos direitos do homem, das liberdades e pretensées socialistas, tio duramente conquistados no lento corter dos séculos, da sintese Whertadora do espfrito contra a any da. instabili- dade, uma centelha de aspiracio coletiva, um médulo acelerado do universo em mutagao, Mas sente que lé fora ruge um mundo de opressio, histerismo, neuroses, hostil e cruel, sente o sal da ldgrima e da afliggo que néo pode evitar nos momentos dolorosos de sua vida, quando o sangue teve de gotejar e vermelhejar para florir o idedrio da liberdade. A cultura ra extrair ex- ressées simbélicas de sua forga, através de formas apollneas e de formas jonisfacas, ov na conjugagio de ambas, como se fosse o santuério de uma catedral mistica e votiva, religiosa e festiva, emancipando 0 homem, PONTES DE MIRANDA é como o sol da inteligéncia brasileira, que lam- peja no colo negro da madrugada, anunciando o seu saber para as geragdes amanhecentes, Cumpre, entio, bosquejar um pequeno retrato do mestre: um menino amadurecido pelo saber e um octogendrig resplandecendo de uma juventude sempre risonha, com um fogo de saber sempre queimando 0 coracao, A densa obra intelectual do mestre nfo é s6 juridica, mas também socio- logica, filoséfica e literdria. 204 R. Inf. legis!. Brasilia o. 18 n. 69 jon.fmar. 1981 Para a filosofia contribuiu com obras criativas, examinando o problema dos universais, que fascinou 0 mundo medieval, esclarecendo o problema dos jetos, jeto que no fundo é 0 mesmo que a “coisa em si” (Ding-an-Sich) da Filosofia kantiana, além de um esplendente tratado de filosofia sistematica do direito, escrito aos 30 anos. No dominio da sociologia, faz a aplicagao do relativismo einsteiniano ao campo das ciéncias sociais, com o encanto insinuante do cientista consagrado, a desenvoltura do pensamento e o rico esplendor verbal da mio-de-obra de um artista consumado, Na ciéncia politica defendeu a tese dos trés caminhos — liberdade, de- moeracia e igualdade — debatendo o reverdescimento da “plantazinha tenra”, na expressio de OTAVIO MANGABEIRA, de uma consciéncia politica ama- nhecendo no pescogo ferido e garroteado de TIRADENTES ou no peito da FREI CANECA varado pelas balas. A histéria patria se enriqueceu no tempo, com sonhos, lutas e ilusdes de liberdade, Esta histéria nfo terminou, o seu destino é cada vez maior e mais belo, Na literatura, deu-nos trabalhos redigidos com mestria, que denotam uma fina sensibilidade artistica e profunda luminescéncia estética no trato dos te: mas literdrios, &, porém, no campo da cigncia juridica, onde avultam 0 sen génio dou. trinério © a sua estranha vocagio de estudioso, numa produgao sem similar talver, na histéria do penssmento junidio, ou que, de rare, pode, encontrar semelhante. Caminhando a principio pelo campo do direito privado, discor- rendo com sagacidade sobre 0 direito de familia, veredeando pela processualis- tica e pelo direito politico, coroou a sua carreira com trabalhos monumentais, como, sem favor, € possivel assim designd-los, sobre 0 processo civil e o direito priva Em todas as suas obras, de par com a erudigio, as notas informativas abun- dantes, a rica bibliografia, ‘se encontra um linguajar castigo, a prosa classica emoldurada no bom conhecimento do verndculo, a originalidade dos neolo- smos, a clareza dentro de uma aparente obscuridade, 0 giro ¢ o aticismo Gas locugées sintéticas, @ precisio, geométrica da expressio. do pensamento, cuja pedra de toque é’a sinceridade cientifica. Il — Apoteose da Academia Brasileira de Letras Juridicas ‘A Academia Brasileira de Letras Juridicas (ABLJ) é hoje um monumento de gléria pus a cultura brasileira, O seu passado é recente, porém jé constitui um m de Academia, pela sua irradiago cultural e pelo imperialismo dos sens saheres, acolhenda juristas, juristas-filésafos, socidlagos, pensadores de denso quilate intelectual. Nao tem uma vida outonal, mas uma existéncia primaveril. Contudo ja 6 hoje uma tradigéo, um simbolo e uma legenda. R. Inf. legiel. Brasilia a. 18 n. 69 jon./mar. 1961 205 Foi fundada em 5 de setembro de 1975. Uma apoteose desta Academia culminou com a aclamagao de PONTES DE MIRANDA como seu Presideate honordrio, ele que é 0 simbolo da cultura juridica. O seu primeiro Presidente, CUSTODIO DE AZEVEDO BOUGAS, a eno- byeou com um trabalho inusual, Lego um passado de fama, ratis enalte cido pelo seu atual Presidente, J. M. OTHON ADOU. « quem conheci como nobre amigo, de longa data, na ‘Academia do Recife, vindo do Cearé lendirio, coragao dos grandes fildsofos brasileiros, DJACIR MENEZES, FARIAS BRITO, GLOVIS BEVILAQUA, do mundo romntico de Iracema, da rosa alencarina cheia de suave lirismo, dos verdes mares bravios, para a nio menos lendéria e gloriosa Escola do Recife. Personalidade dindmica e movimentada, J. M. OTHON SIDOU consa- ‘Ou agora a sua vida ao engrandecimento da Academia Brasileira de Letras uridices, £210 com sucesso,"oom ‘edmirivel senso. de lideranga, de congra- gamento da cultura brasileira. jurista consagrado, tanto por invejavel produgao intelectual no campo do aire romano, como do direito civil pétrio modemo, ele é, sem diivida, um acumulador do processo histérico da irmanagao da cultura juridica brasileira, assim como do seu engrandecimento. “Em sendo sé, nada és”, dizia SHAKESPEARE, A Academia Brasileira de Letras Juridicas representa a irmanagio, o congragamento, a comunhio da cultura juridica nacional. dego de antemio as palavras cdlidas, generosas, afetivas do mestre MACHADO PAUPERIO, jurisconsulto e pensador que tem o do talento ¢ de uma cultura privilegiada, senhoreando o vasto campo do direito politico como sabedor inconfundivel de saberes miltiplos. Autor de obras memoraveis e definitivas, cheias de beleza formal, MA- CHADO PAUPERIO atinge a culmindncia de mestre perfeito, um homem para ser admirado e querido pelos seus alunos, senfio também por toda inteligéncia brasileira, ele um mestre dos mestres. Ao seu saber de jurista alia o encan- tamento do estilo suave e elegante, de comunicagGo direta e persuasiva. Sensibilizam-se as palavras de gentil acolhimento que sei serio em breve onuneiadas em sua admirivel saudagio repassada de cor, musicalidade e jeza, palavras que dangam como bailarinas graciosas em um ballet cheio de feitico'e de impecavel harmonia, Apoteose da Academia é a elevacéo de PONTES DE MIRANDA & digni- dade de seu Presidente honorério, Esta presidéncia é um simbolo eterno, que revela uma mensagem, porque 0 mestre consagra uma voz. profética. B a vor profética da lei, da democracia, da justiga, da liberdade, Esta ‘voz, como o “clama ne cesses” de JOKANAAN no deserto, nao emudecerf nunca. E uma voz que se assemelha aos ventos que uivam do romance de EMILY BRONTE. 206 R. Inf. legit, Brosilio «. 18 m. 69 jan./mar. 1981 PONTES DE MIRANDA, como simbolo.eterno, nfo é como ZAQUEU, o acendedor de duas velas, é ao contrério o democrata militante e sincero que nunca se banqueteou no carddpio de CESAR. A sua palavra ¢ a palavra da lei eterna, que perturba o banquete de ZAQUEU ou o festim de BALTASAR, quando letras de fogo, misteriosas em seu sentido, predestinaram o fim do seu reinado, a dor ensinou a gemer. A lei eterna 6 erecta, vertical, soberana, interpretada pela justica impar- cial, a inviolabilidade da magistratura, mas nunca pelo pensamento dos subla- caios do autoritarismo, na qualidade de aprendiz de MAQUIAVEL, para quem a palavra nao 6 0 verbo de DEUS no coragao dos homens, porém serve apenas para ocultar o pensamento, quer dizer, para mentir, trapacear, perjurar, en- ganar, iludir. E preciso ter fé no povo. S6 ele tem forga para transformar 0 voto no solar da democracia, mas nunca o mérmore tarjado de negro do seu sepulcro. A Academia Brasileira de Letras Juridicas revelou para comigo, pelos seus iustres membros, uma prova de afeto, que me calou profundamente no coracio, sentimento que se refletiu na votagio que me foi consagrada, pela gentileza de todos os académicos, numa homen: tagem a mim dirigida, porém sobretudo a gloriosa Faculdade de Dircito do Recife. A Academia Brasileira de Letras Juridicas tem assim mais uma noite fes- tiva do congragamento e de grandeza espiritual. Mas ao mesmo tempo um sentimento de saudade, de nostalgia do passado, da lembranga de uma figura carismatica, PONTES DE MIRANDA. Como saber onde est4 0 destino do pissaro, o ciciar da brisa, a onda no mar, a cantiga dos rios, af estd o espirito intangivel do mestre, na lembranga e no coracdo de todos nds, no coragéo da pitria, TI — Breve Relato da Vida de PONTES DE MIRANDA PONTES DE MIRANDA madrugou a vida como menino de engenho. Nasceu no engenho de Mutange, Maceié, em 23 de abril de 1899, pertencente a um cli de origem alagoana ¢ pemambucana, possuidor de sete engenhos, na tasa-grande ampla, senforial, dominadora, Vindo dos canaviais de verdes policrdmicos, sabendo dos bichos e dos pis- saros, da cantiga dos rios e dos ventos, do cheiro da terra, do perfume das matas, 0 menino se fez sébio. ‘Tanto o avé como o pai tinham uma natural predilegdo cientifica pelas ciéneias exatas, especialmente matemtica, ¢ dai os pendores légicos e precisos do seu pensamento. A sua infancia foi a de menino de engenho, numa vivéncia repartida entre © campo e a cidade. R. Inf. legisl. Brasilio @, 18 n. 69 jon./mar. 1981 207 Foi uma infancia povoada de hrincadeiras de berlinda, estérias de tran- oso, esconde-esconde, garrafa-garrafio, peladas de futebol e de corrida; papa- gales pipas pintados de seda, vermelhejando, branquejando, negrejando ou verdejando os céus; balées coloridos enfeitando as noites; os soldadinhos de chumbo; 0 xingamento da mie dos outros. Montando cavalinhos sem sela, fazendo bodogues para cagar passarinhos, pulando na bagaceira, bebendo caldo de cana espumante, e, como todo me- nino de engenho auténtico, enamorado da beleza morena do seu mundo, ‘Assim também camaval, a coreografia dos maracatus, a danga dos ca- boctinhos, as trogas mascaradas e alvoragadas das ruas, 0 bumba-meu-boi, o mamulengo, a danca do coco, as emboladas, os reisados 'e caboclinhos, com’ os adufes, as caixas de guerra, as sanfonas, as zabumbas, os sapateados. Terminado 0 curso ginasial, matriculou-se na Faculdade de Direito do Recife, vetusta, notéria e famosa. PONTES DE MIRANDA diplomou-se em 1911, jé existente o novo prédio da Academia, 0 seu palacete reluzente, pois que em 2 de julho de 1911 fot en- tregue o palicio 20 Ditetor, sendo Ditetor AUGUSTO VAZ, que substtuiu a JOAO TAVARES DE MELO BRITO, Neste ano, receberam o grau 126 alunos, sendo 190 com solenidades, for- mando-se também 14 alagoanos. Foi contemporineo do meu tio SEBASTIAO LINS CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, que se formou em 1909, pai do famoso jurista-sociélogo MARIO LINS. Ainda estudante engrandeceu-se com a faganha invulgar de escrever um livro intitulado A Margem do Dircito, depois publicado aos 19 anos, em 1912, que de pronto Ihe deu nomeada. No Recife ¢ na sua Academia, que sempre estremeceu, foi residir no Pa- lécio dos Quatro Ledes de Cristal & BARONESA DE CONTENDAS e de uma tia-avé, Conviveu com parte do ramo nobre de sua ascendéncia, pelo lado materno, com os VISCONDES DE ALBUQUERQUE, de SUASSUNA, de CAMARAGIBE, com os CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE. Desde jovem estudou obstinadamente a lingua alema, com o Prof. PAULO WOLF e Frei MATIAS TEVES, franciscano, Sendo um temperamento de contrastes, altamente introvertido, porém cheio de exuberante amor 4 vida, néo somente pernoitava no Convento dos Fran- ciscanos, como andava de barco no Capibaribe papa-estrela ou se distrafa na convivéncia festiva do mundo estudantil, Adolescente ainda, conquistando 0 seu di a ads 18 anos de idade, re- tomou a Maceié, em pequeno momento de descanso da sua vida infatigavel de trabalhador intelectual, revendo a familia, convivendo nas festas pop Desse velho e surrado bati, nunca esquecido, relembra variadas fantasias, os pierrds brancos, as colombinas namoradeiras e alegres, amantes ov esposas, 208 R, Inf. legisl, Brosilia a. 18 0. 69 jan./mer. 1981 os lantejoulados arlequins com suas fantasias multicores de losango, seus chis- tes © bufonadas, o polichinelo apalhagado de fala trémula e esganigada, os eamavais diferentes da época. Diferentes, nio melhores, porém recordados constantemente. Em Alagoas, a familia politicamente prestigiada indicava-lhe cargos como © de juiz substituto federal ou diretor do banco do estado chamado Caixa Mercantil. Resolveu fixar-se no Rio de Janeiro, centro cultural e intelectual do Pais, para o que pediu trés mensalidades adiantadas ao pai No Rio de Janeiro instalou-se no Hotel Avenida, hoje ja demolido, escrevendo de imediato um artigo para o Jornal do Comércio. O brilho deste trabalho, recebida a cachet em dobro, motivou-lhe 0 convite que Ihe foi feito pelo Dr, JOSE CARLOS RODRIGUES, grande jornalista, chamando o jovem alagoanc para redator do jornal. Preferiu a banca do advogado, em sala na Avenida Rio Branco, sendo mais tarde convidado pelo Presidente ARTUR BERNARDES para 0 cargo recém-criado de Juiz da 1* Vara de Orfaos. Depois foi Desembargador Tribunal de Justiga da Guanabara, recusando, porém, a indicagdo pata o Su- premo Tribunal Federal. Ainda o Presidente ARTUR BERNARDES nomeou PONTES DE MI- RANDA como Consultor Juridico da Delegaso Brasileira 4 V Conferéncia Pan-Americana do Chile, em 1924. Queria também fazé-lo Embaixador na Tche- co-Esloviquia, mas nao péde fazé-lo por impedimento legal, eis que a idade m{nima permitida era de 35 anos, que o jovem jurista ainda néo aleangara. Durante a 2* Guerra Mundial recusou o posto de Embaixador do Brasil na Alemanha, pois nao Ihe seduzia o regime hitlerista em pleno apogeu, com © orgulhoso militarismo prussiano, os soldados marchando com passo de ganso nas graciosus avenidas de Berlim, coroadas de tilias, na arraneada da con- quista do mundo, com forga destruidora ¢ beleza demontaca. Foi Embaixador do Brasil na Colombia, e o seu eficiente trabalho levou 0 Govemno dos Estados Unidos a solicitar do Governo brasileiro 0 assessora- mento pessoal, que perdurou durante dois anos e sete meses. Em 1941, chefion a Delegagdo do Brasil 4 Conferéncia Internacional do Trabalho, em Nova York. Em seguida, agarrado intransigentemente & sua obra intelectual, ficou quase sempre no Brasil, que tanto amou. IV — As suas Casas O mestre viveu em um mundo de livros, tanto no seu retiro de Ipanema como no seu suave recanto de Ti is, A sua casa de Ipanema, majestosa ¢ atraente, oculta uma rara biblioteca de 70.000 volumes, sobre direito ¢ ciéncias em geral, devassando o campo da R. Inf. legisl. Brosilia a. 18 n. 69 jow./mar. 1981 209 matemitica, da légica, do marxismo, das ciéncias fisicas, biologia, da antro- ologia cultural, tudo distribuido e guardado com desvelo nos dois pavimentos Be sua sesidéncia. Era um sébio ¢ um artista. O seu retiro carioca apresentava um estilo eli- sabetiano, onde os seus admiradores, que o procuravam, se achavam entre os “Gobelins”, os estofos de “Aubusson”, as tapegarias de Caxemira, os capacetes de Toledo, os cristais de Auvelais, as cetdmicas de Cazaux, e uma colegio rara de corujas, até da Indonésia, mesmo uma em miniatura de ouro, incluindo uma coruja coquette francesa, Othando essa invulgar colegio, relembra-se de imediato o vdo da coruja, a Minerva hegeliana, onde provavelmente buscou a sua inspirago, © seu solar de Teresdpolis relembra o engenho Mutange, onde nasceu, e logo a entrada encontra-se um pé de carvalho, muda do milenar carvalho de PLATAO, que lhe foi oferecido pelo Embaixador da Grécia, assim como duas castanheiras, um mundo de beleza e encanto. Na mansio de Teresépolis encontra a natureza inebriante de ternura e suavidade, nas Arvores verdes frutescendo em abundancia, o céu azul péli contrastando com o céu azul-marinho e o vermelho-fogo dos dias calorentos e efdlidos do Nordeste, como este difere ainda do azul frio relembrando os icebergs, 0 cinza Srtico ou o rosa boreal dos climas gélidos. V— A Morte O mestre PONTES DE MIRANDA viven intensamente, a sua vida re presenta uma vida de milénio, pois dificilmente alguém péde escrever o que este génio produziu. Em toda a sua vida foi uma personalidade erecta, ao lado do milagre do espirito criador, Esta personalidade erecta estA bem expressa no seu pensamento: “A mi- nha pessoa pouco me importa; ¢ isso, na verdade, sempre me aconteceu desde os primeiros tempos; o que me alegra, 0 que mego, o que aprecio é 0 que con- sigo fazer e nao o que sou. Ai esté a razdo por que nunca tive ambicoes. Os cargos que tive na vida nunca os pedi. Sempre me foram dados de surpresa. O que me agrada, o que me satisfaz, o que me trangiiiliza, é 0 que fiz duran- tc a madrugada, durante o dia, durante a semana, ou o més, ou 0 ano, ou os jecénios”. Viveu e morren estudando ¢ trabalhando, agarrado com os livros na mio. Ele escrevia sozinho, mas sozinho constraiu uma imensa biblioteca de livros de sua autoria. Poderia mesmo olhar desvanecido os livros que escreveu, cerca de 200, enchendo muitas prateleiras. 2 R, Ané, logisl. Braniti 69 jon./mar. 1981 Mas nfo escrevia por vaidade pessoal, nfo escrevia por escrever, mas para comunicar 0 seu idedrio, para esclarecer, para debater, para ensinar, para cultivar a lei ¢ a justia. Era um madrugador como RUL Acordava cedo, dormia tarde, dormia pouco, tinha uma resisténcia fisica, moral ¢ intelectual imbativel. Passava todo o seu dia trabalhando, mesmo aos domingos, mas nfo se cansava interiormente. Mesmo aos domingos cle os passava debrugado sobre a sua vasta mesa, o centro fisico de sua atividade intelectual Nunca se cansou, Viveu quase um século trabalhando intensamente e sem cessar, Faleceu aos 87 anos de idade, de enfarte, quando tomava café de manhi na sua casa de Ipanema, aos 22 de dezembro de 1979, quando, até 0 momento bem disposto, ia sentar-se & costumeira mesa de trabalho, para continuar os seus livros. Morreu_quase & semelhanga de MARX. Este reclinado na sua mesa de {rabatho, ¢ PONTES DE MIRANDA quando jé se dirigie para @ mesa de tra 0 didrio, Foi casado em segundas niipcias com D. AMNERIS, que sempre o tratou com amorével carinho e ternura, estimulando-lhe a vida intelectual. Ela faz presentemente um admiravel trabalho de perpetuagio do mestre, divulgando trabalhos inéditos, como as famosas Meditagdes Anticartesianas. Ba sacerdo- tisa de um deus intelectual, que purifica e festeja diariamente o altar em que est ungido o mestre glorioso. PONTES DE MIRANDA deixou cinco filhos, seis netos ¢ bisnetos. Durante 0 velério, no Salo dos Poetas, na Academia Bra- sileira de Letras, 0 escultor ARMANDO SCHMOR tirou 0 molde da méscara mortuaria, a pedido da vitva. Foi sepultado as 17 horas no mausoléu dos imor- tais da Academia Brasileira de Letras, no Cemitério de Sao Joao Batista. Atendeu, na claridade do dia que despertava, ao chamado de Deus. E toda a intelectualidade brasileira chorou a sua morte. Na verdade, PONTES DE MIRANDA, sempre deslumbrado pelo saber, chegou, porém, velhice ainda como um ‘apaixonado pelo mundo colorido, com as suas ctiaturas, as suas surpresas, a sua grandeza e decepgdes. Mas, como o surpreendeu a sua velhice! Recusou-se a aceité-la, a ser por ela sub- jugado. Sustentou uma Iuta admiravel e surpreendente contra o esgotamento final, contra o fim. O jovem sabio romantico que foi, o artista sonhador, amar- rou-se com denodo ac corpo exausto e j& combalido, até que finalmente ver- gou. Fitou, no sol cheio de vida que nascia, as derradeiras chamas do seu pré- Brio crepisculo, 0 crepisculo de um deus, que mergulhou aparentemente no ‘caso. Apagaram-se na sua pupila cansada os ultimos reflexos da luz, mas esta luz. petmanece radiante e intangivel no coragio do seu povo, Os grandes homens crescem, deificados no tempo, A medida que mor- rem € se afastam, R. Inf, legisl, Bresitio a. 18 n. 69 jon./mar, 1981 au VI — Cardter Global da Obra de PONTES DE MIRANDA PONTES DE MIRANDA 6, sem divida, 0 maior jurista brasileiro e das glérias excelsas da ciéncia juridica mundial. Socidlogo, inet, pea licista e qorevate, nele excele a influéncia do direito aleméo. & ibrar, contuc qe. conhecendo como ninguém os tratadistas meet a originalidade e 0 fulgor do seu génio superam a faixa de influéncia dos juris- tas germénicos, para alargar-se em uma obra de profunda criatividade e ori- ginalidade, vigorosamente humana. PONTES DE MIRANDA é tamb2m autor de diversos trabalhos escritos i, jam: As Leis Civis do Presente (Die Zivilgesetze der ilien, 1929); Sentimento e Conceito do Direito (Rechts- gefuehl und Begriff des Rechts, 1929); Subjetivismo e Voluntarismo no Direito (Subjektivismus und Voluntarismus in Recht); Conceito do Valor e Social (Begriff des Wertes und soziale Anpassung, 1922); Brasil (Brasilien, 1920, no Rechtsvergleichends Handwoerterbuch, do Prof. Dr. SCHLECELBER- GER), em colaboragao. Publicou ainda recentemente Epikure der Weisheit (Moers Griff-Verlag, 2. Auflage, 1973). da filosofia as suas obras mais importantes intitulam-se O Pro- lems Fademncntal do Conhecimento (1937) e Garra, Mao e Dedo (1953), ae estuda o despertar da consciéncia humana; Representagéo do Espago (Verstellung von Raume, Napoles, 1925) e, no dominio da filosofia do direito, é cheio de 0 seu Sistema de Ciéneia Positive do Diretto (Rio de Janeiro, 1922, 2 vols.). No campo da sociologia destaca-se a sua Introdugdo a Sociologia Geral (Rio de Janeiro, 1926), como um trabalho planeta que marcou época, além do seu Método de Andlise Sécto-Psicolégioa (1995) Na literatura deixou também uma robusta ‘enbang com os seus traba- thos: A Sabedoria dos Instintos (1921), que obteve 0 1° Prémfo da Academia Brasileira de Letras; A Sabedoria da Inteligéncia (1923); O Sdbio ¢ o Artista (1929); Penetracao, poemas (1930); Inscrigdes da Estela Interior, também mas (1930); Obras Literdrias (1900, 2 2 tomos); Poémes et Chansons (1900); Epikure der Weisheit (Muechen, 1973). No domfnio do direfto constitucional destacam-se: Novos Fundamentos Atuais do Direito Constitucional (1932) e Comentérios 4 Constituigdo de 1967 (Rio de Janeiro, 1971, 6 vols.), cabendo salientar que também comentou as Constituigdes anteriores do Brasil, a partir de 1934, com ricas e valiosas sugestdes. Sao, também, de destacar diversas obras impertantes na ciéncia politica, especialmente os curiosos livros Introdugao é Politica olitiea Cientifica (1924), Os ‘Novos Direitos do Homem (1983), Anarquismo, C (1833) e Democracia, Liberdade, I, (Os Trés ‘cominhos)( (publicado em 1945, no Rio de Janeiro), apontando os caminhos da civilizagio moderna, trilhando as metas da democracia, da liberdade e do socialismo. Para a teoria geral do conflito das leis trouxe a sua memordvel contribui- go intitulada Tratado de Direito Internacional Privado (1935, 2 tomos). 212 R. Inf. lopisl. Brasilia a. 18 m, 69 jan./mer, 1981 E rica, proveitosa e de um vigoroso talento criativo a sua atividade no campo do direito processual penal e especialmente civil, com as seguintes obras: Histérla e Prética do Habeas Corpus (1916), no dominio da processua- Ustica penal, assim como no campo do direito processual civil as obras inti- tuladas Tratado da Acao Rescisdria contra as Sentengas (1964, 5* ed., 1976), Histéria ¢ Prdtica do Arresto ou Embargo (1937), Embergos, Prejulgados ¢ Revista no Direito Processual Brasileiro (1937), tudo coroado como sen tra. tado monumental Comentdrios ao Cédigo de Processo Civil, nao somente a codificagao processual de 1939 como a de 1973, este ultimo tratado abrangendo dezessete valiosos tomos, além do seu original Tratado das AgGes (1970-74). Genial é 0 seu poder de criatividade e de erudigZo na esfera do direito civil, numa obra até hoje nao ultrapassada pela sua riqueza e genialidade, tais sejam: Dos Titulos ao Portador (1921), Da Promessa de Recompensa (1927), Das Obrigagées por Atos Hicitos (1927), Fontes ¢ Bvolugéo do Di reito Civil Brasileiro (1928), Tratado dos Testamentos (1930, 5 tomos), Tra- tado de Direito de Famflla (1947, 3 tomos), Tratado de Direito Predial (5 tomos, 2* ed, 1953), Tratado de Direito Cambidrio (1954-1955, 2* ed., 4 tomos), quase tudo depois maravilhosamente sintetizado em um livro glo- rioso, ou seja, o seu Tratado de Direito Privado, em 60 extensos volumes. Afora as suas contribuigées praticas com as Questdes Forenses (1953, 8 tomos) e Dez Anos de Pareceres (10 tomos). Nao se pode também deixar de mencionar as suas obras de estréia sobre sociologia e filosofia do direito e da ética, escritas em plena juventude, ainda juando académico de direito, que espantaram o Pais, a saber: A Margem do Hreito (1912) ¢ A Moral do Futuro (1913). Tudo, como se sabe, coroado na sua trilogia dos comentarios A Consti- tuigao, A codificagao_processual e ao préprio Cédigo Civil, como neste caso 0 seu Tratado de Direito Privado, Vil — Pensador Internacional PONTES DE MIRANDA tormou-se em pouco um jurista intemacional. Publicou na culta Europa obra de densidade intelectual inconteste. Enrique- ceu a doutrina com os seus livros publicados em alemiio, abalando muitas doutrinas de interpretagao das leis, ao aludir ao primitivismo do “esp{rito da lei” © da vontade do legislador. Em 1925 fez a tradugio do Cédigo Civil patrio, juntamente com FRITZ GERICKE, escrevendo pouco depois o capitulo sobre o Brasil para o Com- péndio de Direito Comparado, editado em Paris, em 1929, Ainda no plano do direito, em 1900, viajou para a Alemanha, « convite da Fundagio Imperial, Imperador Guilherme, ou do entéo Kaiser-Wilhelm- Institut, hoje Max-Planck-Institut, fazendo conferéncia em Berlim sobre a codificagao do direito internacional. R. Inf. legis!, Bs @, 18 m. 69 jon,/mer, 1981 213 Seguiram-se em 1932 um curso sobre Direito Internacional Privado obe- decendo ao titulo A Concepgdo do Diretto Internacional Privado segundo a Doutrina e a Prética no Brasil (La Conception du Droit International Privé @Aprés la Doctrine et la Pratique au Brésil), publicado pela Academia de Direito Internaciona] de Haia, em 1932, assim como mais tarde a obra de sua autoria com o titulo A Criagéo e a Personalidde de Pessoas Juridicas em Direito Internacional Privado, publicada em Atenas em 1930 (La Création et Ia Personnalité des Personnes Juridiques en Droit International Prioé, Mélan- ges Streit, Athénes, 1939). Pelo seu relacionamento com a cultura alema e a sua contribuigio a cultura juridico-sociolégica mundial, o Sr. ENRONFRIED VON HOLLEBEN, Embaixador da Alemanha no Brasil, conferiu-lhe a Grande Cruz do Mérito da Republica Federal da Alemanha em 17 de abril de 1970. Elevou o Brasil & verdadeira altura da terra dos maiores juristas do mundo, glorificou a patria pelo seu saber imenso e enciclopédico. VII - © Fildsefo No dominio da filosofia geral articula-se ainda o pensador brasileiro & doutrina do empirio-criticismo de MACH e AVENARIUS, influenciado pela Andlise das Sensag6es (Analyse der Empfindungen) de MACH. Mais tarde, 08 tebticos do neopositivismo Iégico, com CARNAP, FRANK e WITTGEN- STEIN, 0 chamado Circulo de Viena (Wiener Kreis), atrairam a sua atenglo como uma complementagao da filosofia de MACH. Entretanto, a sua concepgio filoséfica do mundo, fundamentada no pré- io desenvolvimento das cidncias, no sentido de uma filosofia positiva, levao Prctaboragio de sua tese O Problema Fundamental do Conhecimento (1937), onde reexamina com notdvel Iucidez o problema do universal, j4 especulado na metafisica medieval, com a sua teoria dos jetos, afora a anélise da chamada coisa em si (Ding-an-sich), em cujo segredo tinham também ousado penetrar 0s dois maiores mestres da filosofia alemi: KANT e HEGEL. A filosofia de PONTES DE MIRANDA busca a realidade, a coisa em si: “Por mais relativistas que sejamos, nio devemos e nao podemos excluir a coisa em si”. Afirma ainda: “Sabemos que o mundo é sem nosso espirite; continusré a ser se todos morrermos” (A Sabedoria dos Instintos, 1924, 9 ed., p. 781). A metafisica toca 0 objeto, a periferia do objeto, mas niio penetra a coisa, Por isto proclama no Sistema de Giénela Positiva do Direito: “néo hd divida que é impossvel elidir a “coisa em si”, e com base no plirimo no uno apro- senta uma concepgao do universo, uma concepgio unitéria do cosmos, onde postula o ser em si, como tema de uma inevitével ontologia”. Daf ter usado a palavra jeto, que nao é um signo lingiifstico, mas a rea~ Udade em st, ¥ 0 absoluto de HEGEL, o incognoscivel de SPENCER, a coisa 24 R, Inf, lepisl. Brosilio «. 18 n, 69 fan./mar. 1981 em si de KANT, “o real” que nos escritos juvenis equipara a “um Deus, ¢, como todos os deuses, invisivel e absoluto” (A Sabedoria dos Instintos, p. 36). F interessante salientar que a obra de MACH e AVENARIUS é consi- derada como uma variante do idealismo por PLEKHANOV, pai do marxismo musso, sendo gue mais tarde LENIN procedeu a uma destrutiva e arrasadora critica deste idealismo em seus livros Materialismo e Empirio-Criticismo e nos Cadernos Filosdficos, na defesa do materialismo dialético contra tal desvio idealista. IX — A Teologia dos Escritos Juvenis Nos seus escritos juvenis PONTES DE MIRANDA refere-se a um Deus, como o Absoluto, a Realidade, a Coisa-em-si, embora com um tom de repas- sado ceticismo, Contudo, nao sabe qual é a melhor palavra para conotar a entidade per- sistente, energia em ascensio gue aperfeigoa através das idades a parte espe ritual da natureza. Seria Deus? — pergunta o mestre em obra de juventude. Esta idéia é determinadora da ascensio constante de nivel espiritual, “£ temerario negar a Deus. Problema fundamental, continua in- soliivel.” Trés perguntas de longo tempo agitam a humanidade na sua longa via- gem: de onde vierox? Que somos? Para nde vamos? Respostas desencontradas tém sido propostas desde o bergo das civiliza- gdes até o limiar do 3° milénio. Os homens se sentem inquietos ¢ se intimidam diante da grandeza, do mistério, da beleza e da amplidio do mundo, como relembra IVAN LINS, baseado em LAFFITTE: contemplando a fragorosa queda das catadupas e a irresistivel impetuosidade das torrentes, o trépido borburinho dos riachos 6 das fontes; 0 languido ciciar da brisa por entre as flores; a rumorejante ondulagéo das Arvores que, por vezes, em gesticulagées de angiistias, clamam e gemem; o Alacre crepitar das chamas; o tenebroso anteceder de incendidas manifestacdes vulcdnicas; os insopitaveis tremores de terra; o arrulhar caricioso e brando do mar em bonanca; o rugido fremente das vagas que se encapelam e agulam sob o influxo do uivar dos ventos, os coruscantes fusis dos relampa- . o bramido tétrico das tempestades; todos esses grandes impressionantes Fenbmenoe meteorolégicos, enfim, que provam existir na matéria tio formi- dave} caracteristica e poderosa atividade. Além da angistia diante da morte, do fenecer das coisas, do fluxo heraclitiano, que obrigam & explicagio do mundo e da vida, ¢ sto 0 modus faciendi das filosofias, que a inteligéncia bruxuleante da besta humana percebe de longe para alvorecer na madrugada das filosofias e ultrapassar as temidas fronteiras da metafisica. Trés linhas filosdficas encontram solugées diferentes desde a Grécia: a linha materialista de DEMOCRITO; a linha idealista de PLATAO: a linha R. Inf. legis Brosilia @. 18 m. 69 jon/mer, 1987 215 realista de ARISTOTELES. Em combinagées miltipls e em linhas aperfel- goadas, as mesmas tendéncias embaragam o mundo moderno. E o homem realmente aquilo que parece ser ao HAMLET da seqiiéncia shakespeariana? Ou é ao contrério um mintsculo tomo de carbono e Agua a rastejar em um pequeno planeta sem importincia? E isto tudo ao mesmo tempo? © homem, o espirito pensante, que é a suprem’ floragio da natureza, na propria expresso do materialismo dialético com ENGELS (Dialektika Prirody, 1948), para diante das portas do infinito. Em KANT 0 universo 6 uma duvida; em LOCKE a diwvida é 0 nosso Préprio espirito, em DEMOCRITO e MARX o universo é matéria; em ARIS- TOTELES € criagio do pensamento. Em VOLTAIRE 6 apenas amarga ironia: “Quando dois filésofos discutem sem se compreenderem, fazem metaffsica. Quando nio se compreendem mais a si mesmos, fazem alta metafisica.” © homem, depois de milénios de evolugdo, esti as portas do infinito: @ seu Deus puro pensamento, idealizado por PLATAO no Timaeus, ou ARIS- TOTELES como um pensamento de pensamento em sua Metafisica, seria os cientistas-fildsofos a constante de uma equacio diferencial ou o equivalente metafisico do infinito matemético, ou o Deus-pensamento do platonismo trans- formando em amor a caridade do cristianismo, A comparacio de Deus a uma constante em uma equacio matemitica tem uma sonaridade musical, parece com uma miisica wagneriana pela inter- cadéncia de um motivo central, 6 uma recreagio de matemAtico sobre o Grande Matemitico. X — O Socidlogo Predomina na doutrina sociolégica de PONTES DE MIRANDA o pensa- mento do relativismo einsteiniano ¢ da geometria das formas sociais. EINSTEIN havia formulado em sua obra Teoria Geral e Especial da Relatividade (Ueber die Spezielle und die Allgemeine Relativitaetstheorie (Gemeinverstaenliche}, Braunschweig, 1922), assim como nas Quatro Ligdes sobre a Teoria da Relatividade (Vier Vorlesungen ueber Relativitaetstheorie, Braunschweig, 1923), a concepeao do relativismo e da tetradimensionalidade do espago fisico, segundo a linha de MINKHOWSKI. Deve-se a PONTES DE MIRANDA uma sintese sobre o problema da sistematica dos princfpios sociolégicos, reconhecendo-lhes as seguintes moda- lidades: I) princ{pios de espaciologia social e de relatividade; IL) principios de fisica social, entre eles se discriminando os princfpios de insulamento dos sistemas sociais, da simetria, do determinismo, da inércia, da conservagio € da evolucdo social; IIT) principios de biossociologia, compreendendo as leis da heranga social, da variagdo, da crescente estabilidade ¢ da adaptagio. Reconhece, de outro lado, os seguintes processos sociais, que constituem © contetido das sociologias especiais, da chamada sociologia cultural, assim 216 R. Inf. fegisl. Brovilic @. 16 n. 69 jon./mar. 1981 catalogados: religiio, moral, arte, ciéncia, direito, politica e economia. Tal discriminagao relembra, alids, as grandes criagdes culturais da humanidade, aludidas anteriormente por SILVIO ROMERO em diversos trabalhos. A contribuicto de PONTES DE MIRANDA para a sociologia é de valor, pois as stas brilhantes pesquisas sobre Espaciologia Social antecedem as inda- gagées de SOROKIN, cuja Mobilidade Social (Social Mobility) & de publica 40 posterior. Par a par com esse mérito convém assinalar a superioridade da sua andlise de geometria social diante da Sociologia (Soztologie) e SIMMEL ou mesmo dos conceitos emitidos em derredor do tema Prof. VON WIESE em seu Sistema de Sociologia Geral (System der allgemeinen Sozio- logie). Lamentavelmente, depois do seu Sistema de Ciéncia Positiva do Direito e da Introducéo 4 Sociologia Geral, o ilustre cientista social desviou-se dos estudos sociolégicos, para dedicar-se mais intensamente a ciéncia do direito, onde desfere o véo da sua intcligéncia excepcional. De fato, € incontestavel o valor de seus estudos, procurando sintetizar & Teoria da Relacao (Beziehungslehre) de VON WIESE com a teoria da re- Tatividade de EINSTEIN. Fundamentado nas pesqutisas do conhecido fisico alemio, ele reagiu contra a coneepgio dominante do monismo do espago e do tempo social, Sustenta nesse sentido o ponto de vista pluralista, nos seguintes termos: “De modo que, na Sociologia, podemos dizer o que, noutra ciéncia, disse H. MINKHOWSEKI: nfo temos no mundo um sé espago, e sim muitos, assim como, no espago euclidiano, muitos planos ha”, De idéntica maneira advoga a idéia do pluralismo do tempo social, mostrando a aceleragio ou retardamento da evolugao sécio-cultural nos diferentes grupos sociais. B interessante Jembrar que, de uma feita, visitando PONTES DE MI- RANDA, em sua residéncia, em 1936, ele me mostrou os originais em alemfo, em tinta roxa, de um livro sobre Espaciologia Soctal (Raumichre), cuja publi- cagéio seria importante, Elucida ainda com clareza o problema das leis da sociologia, pretendendo que se The aplicam os princfpios da propria fisica, pois admitir o contririo seria destruir os princtpios e leis universais, aceitar a possibilidade de que elas nao seriam validas para um determinado dominio do universo. Dai concluir que os fatores sociais se encontram sujeitos a principios fisicos e biolégicos, afirmando a inseparabilidade objetiva do continuum es- pécio-temporal, com a idéia de que o tempo social é ao mesmo tempo um espago-tempo. Mas essas leis fisico-sociais ou biossociolégicas, decorrentes das préprias leis fisicas ou biolégicas, que regem o destino da civilizagio, se dife- Tenciam ao passar para o dominio da sociedade humana e se revestem de novas caracteristicas, Entre as leis de dindmica social cle elucida o principio de dimimuigéo do quantum despético, enunciando que a violéncia e o despotismo decrescem no decorrer da histéria, em beneffcio da scente integragio e dilatagéo dos circulos sociais, demonstrando que a civilizagao se realiza mediante grupos R, nf, legist. Brasilia «, 18 n, 69 jan.fmor. 1987 217 sociais cada vez mais amplos ¢ mais vastos, desde o clA até a comunidade intemacional. Ao final da evolugSo, se cristalizam o superestado mundial e um governo internacional, realizando a paz pelo direito. XI — O Direito e o Estado PONTES DE MIRANDA examina, & base da sua concepgfo filositica social, © problema do diteito ou das relagées juridicas. O direito se desenvolve no espago e no tempo social, ou antes em um continuum espacio-temporal de natureza sociolégica. Os cfrculos sociais ou as formas sociais se articulam em continuos mais amplos, desde o par andrégino até a humanidade. Em determinado momento da histéria mundial, 0 Estado predomina, mas o Estado nacional como o Estado-cidade é apenas uma etapa intermedifria, como salienta HANS KELSEN, etapa intermediéria (eine Zwischenstufe), uma fase na histéria politica, que serd substituido pelo Estado mundial. Este Estado mundial é a esperanga e a garantia do futuro da humanidade, garantindo a paz e a seguranga. A soberania, como poder de decisao de ultima insténcia, tal como a definiram BODIN em De Republica (1576) e HEGEL nos Fundamentos d1 Filosofia do Direito (Grundlinien der PI Rechts, Hamburg, 1935), se transfere lentamente do Estado nacional ao pee mundial, representativo da comunidade internacional, suprema garantia da paz e da sobrevivéncia do mundo. As teorias de HANS KELSEN em sua Teoria Geral do Estado (Allgemeine Staatslehre, Berlim, 1925). assim como as de VERDROSS e KUNZ se refletem em seu expirito, mas PONTES DE MIRANDA se desprende do teu formalieno para dar-thes conteédo humano. Por qué? Porque a confusio do direita e do Estado em KELSEN levou, como assinalou HELLER, no fundo, & propria negagio do direito, confundido com o poder. Mas o fim do Estado é outro: assegurar a liberdade. A evalua 2 soe assinala no lento correr dos séculos a diminuigio do quantum violéncia, do arbitrio; o Estado nacional tem esse fim, a “iberdade e ralgale com a dominagio constitucional da vontade das maiorias, como o caminho a ser trithado pela humanidade. “A paz é a liberdade tranqiitla”, disse TACITO. ‘Como conseguir 2 paz mundial? Somente pelo Estado mundial, a que le- varia a lei da crescente integragio e dilatagio dos circulos sociais, em que se organizaram 2s nagdes soberanas do mundo. Sem a transferéncia da soberania do Estado, com 0 mesmo vicio do estreito nacionalismo que tem levado a Europa e o mundo & guetra e ao suicidio, hé o perigo do exterminio da propria humanidade, 218 R. Int, legisl, Brasilia s, 18 m, 69 jomJmer. 1981 Reafirma-se a terrivel profecia de LUCRECIO (De Rerum Natura, livro V, linhas 373-375), se os filésofos, os juristas, os humanistas nao salvarem 0 mundo da luta fratricida entre os homens: “Assim a porta da morte nfo est4 impenetra- velmente fechada. .. nao, estd horrendamente aberta, olhando-nos ansiosamente com uma enorme abertura: Haud igitur leti preclusa est ianua.../ sed patet fmmane et vasto respectat hiatu. As guerras termonucleares, os misseis, os fognetes atdmicos, a hegemonia inilitar das poténcias nucleares podem ameagar 0 mundo de destruf-lo em uma enorme fogueira nuclear, prenunciando as portas da morte de LUCRECIO. Somente o Estado mundial, assegurando a paz, pode ser 0 ponto de susten- tagZo da humanidade futura. A concepgio classica do Estado, desde BODIN, examina-o como um poder dotado de soberania, As novas concepgdes de KELSEN, VERDROSS e KUNZ assinalam o primado do direito das gentes ou direito internacional piblico sobre o direito constitucional, o primado da comunidade internacional sobre os Estados nacionais. As notas distintivas do Estedo, segundo VERDROSS e KUNZ, sio a subordinagio direta ao direito das gentes (Voelkerrechtsunmittel- barkeit) e a autonomia constitucional (Verfassungsautonomie), ou a autonomia constitucional subordinada diretamente ao direito das gentes. F. a dissolugio do dogma da soberania estatal, geradora ¢ fonte de imperialismo, ou, como diz KELSEN, “a dissolugao tedrica So dogma da soberania, este instrumento prin- cipal do imperialismo contra a ideolog!x do d'reito das gentes”, conforme si- lienta em sua Teoria Geral do Estado ( Allgemeine Staatslehre, Berlim, 1925) e em O Problema da Soberania ¢ a Teoria do Direito das Gentes (Das Problem der Souveraenitaet und die Theorie des Volkerrechts, Tuebingen, 1920). A soberania transforma-se assim em um conceito delimitado por forga da influéncia do direito das gentes. XIL — O Jurisprivatiste A obra mais importante de PONTES DE MIRANDA, no campo do direito civil, 6 0 Tratado de Dircito Privado (Rio de Janeiro, 3% ed., 1970 em diante, 60 volumes), grandtesima e monumental obra produzida por um dos maiores ginios juri do mundo. Obra, alids, representativa de um incomum poder ie trabalho, talvez sem igual no mundo. Na inscrig&o tumular de PONTES DE MIRANDA seria Ifeito escrever a frase de S40 Paulo: “Eu trabalhe’ mais do que os outros” (Abundantius illis omnibus laboravi) . PONTES DE MIRANDA examina o direito dentro do ponto de vista logico © positivo: “Os sistemas juridicos sio sistemas lgicos, compostos de proposigdes jue se referem a situagdes da vida, criadas pelos interesses mais diversos” Cretade, I, pag. IX). Aos conce'tos juridicos correspondem fatos da vida, j legisl. Brasilia o, 18 m. 69 jon./mar. 1981 219 Na verdade, a contribuiggo do mestre é um retorno critico A tradig&io juri- dica brasileira, um verdadeiro comentario critico ao Cédigo Civil patrio. foi projetado por CLOVIS BEVILAQUA, apurado gramaticalmente e no estilo por RUI BARBOSA, é um admirével monumento jurfdico ¢ literdrio. Aparentemente o Cédigo Civil Brasileiro ¢ influenciado pelo Cédigo Civil alemio (Burgerliches Gesetzbuch ~- BGB), publicado em 1896, Entretanto, os autores do BGB de certo conheciam as linhas mestras da obra de TEIXEIRA DE FREITAS, A Consolidagao das Leis Civis (1857), 0 Esboco do Cédigo Coit (1865) e 0 Plano de Duplicagao dos Cédigos Civil e Geral (1867), onde hé um toque de génio, que serviu de base, em seu conjunto, ao Cédigo Civil da Argentina de 1869, da autoria de VELEZ SARSFIELD, tudo bastante divul- lo na Europe no Anudrio de Legislagdo Estrangeira, publicado pela Socie- de de Legislagio Comparada de Paris. A divulgagio foi feita pelo furiscon- sulto JOSE CARLOS DE ALMEUDA AREAS e possivelmente por CARVALHO MOREIRA (BARAO DE PENEDO). RENE DAVID mostra o papel precioso de TEIXEIRA DE FREITAS, que se antecipou de 40 anos ao Cédigo Civil alemao (BGB), ao qual se atribui em geral o mérito de tantas inovagdes. Comentando na verdade o Cédigo Civil brasileiro, em seu Tratado de Direito Privado, PONTES DE MIRANDA retoraa as grandes raizes do direito civil pétrio, com a nota genial que Ihe emprestou TEIXEIRA DE FREITAS, a nota da criatividade. XIII — O Processualista No dominio do direito processual cabe relembrar ainda a obra pioneira e renovadora de PONTES DE MIRANDA — seus Comentérios ao Cédigo de Processo Civil, de singular grandeza, que renova a ciéncia processualistica bra- sileira, inspirada pelos doutrinadores 3 Com o livro de BUELOW sobre a teoria das excegdes processuais, nos meados do século XIX, em 1868, comegou tal movimento renovador no direito processual, com a chamada teorla da relagao processual. Como relembra PONTES DE MIRANDA, BUELOW foi um dos proces- sualistas mais profundos, mais originais e a0 mesmo tempo mais claros do mando, Foi realmente na obra de BUELOW, A Teoria das Excegdes e dos Pressupostos Processuais (Die Lehre von den Prozesseinreden und die Prozessvoraussetzungen, Giessen, 1868), que nasceu ¢ teve origem a teoria da relagio juridica processual, depois reformulada, inclusive com a concepefo da triangularidade, Sobre a obra de BUELOW cabe citar o artigo de DEGEN- KOLG, A Teoria da Relogéo Processual, no Arquivo de Prdtica Civil (Die Lehre von Prozessrechtsverhacltniss, Archivo fuer die cioilistische Praxis, 1908). Mais tarde a doutrina é retomada Por JOSEE KOHLER em O Processo como Relagdo Juridica (Der Prozess als Rechtsverhaeltniss, Mannheim, 1888), assim como outros doutrinadores, como HELLWIG ¢ WACH. 220 R, Inf. logiel. Brasilic o. 18 m. 69 jon/mer. 1981 A concepgao do processo como relagdo juridica admite diversas variantes. Em KOHLER a teoria da relagio juridica processual tem um cardter privatistico, que no fundo parece retornar A condigdo de contrate ou quase- contrato, e onde o magistrado se assemelha ao pretor na yelha Roma da época das legis actiones. Outra férmula da teoria é defendida por K. HELLWIG, para quem a relacio processual é de direito piblico, porém nao triangular, mas angular. Fle a desen- yolve nos livros Direito de Apdo e Possibilidade de Agdo (Klagrecht und Klagmoeglichkeit, Leipzig, 1905) ¢ no Tratado de Direito Processual Civil (Lehrbuch des Deut Zivilprozessrechts, 1903, 1; 1907, I; 1908-1909, II, I parte). A relagao juridica processual tomard a forma geométrica de um dngulo, e esta concepgio da angularidade da relacdo juridica processual jé fora delineada por G. PLANCK no Tratado de Direito Processual Civil (Lehrbuch des Deutschen ’s, Noerdlingen, 1887, I; Muenchen, 1896, II). A terceira concepgio do processo como relagio juridica processual procede de ADOLF WACH, autor do livro Manual de Direito Processual Civil (Hand- buch des Deutschen Zivilprozesses, Leipzig, 1885, I), onde desenvolve a teoria da triangularidade da relagao juridica, que se apresentaria sob a forma de um tridngulo, no qual a interligacdo se realizaria na forma geométrica de um tridn- gulo, autor-juiz-demandado, WACH pretende que a relacio juridica é de direito Publico, do mesmo modo que DEGENKOLB, PLOSZ ¢ WEISMAN. & aliés no Manual do Direito Processual Civil Aleméo que WACH ainda desenvolve a concepedo da pretensdo A tutela juridica (Rechtsschutzanspruch ), novamente afirmada em Agio Declaratéria (Der Feststellungsanspruch, Leipzig, 1889), que é a obra mais importante sobre agao declarativa. Assim ha trés formas diferentes da teoria do proceso como relagao jurfdica: a) a relagio processual em linha singela com KOHLER, b)a relagao juridica provessual em Angulo (HELLWIG); c) a relago jurfdica processual ein ¢ridn- golo (WACH). Mas a relagdo juridica processual é de direito publico ou de direito privado? Evidentemente a relagao processual tem carater publico, e por conseguinte deve distinguir-se da relagao dy direito privado, que geralmente constitni o objeto do litigio, dilo DEGENKOLB nas Contribuicdes do Processo Civil (Betracge zum Zivilproxess, Leipzig 1905), como WACH no Manual de Direito Processual Civil Alemdo (Handbuch der Deutschen Zivilprozesses), como J. WEISMAN ‘em sua obra sobre Intervengdo Principal e Litisconsércio (Hauptintervention und Streitgenossenschaft, Leipzig, 1884), que admitem a relago juridica processual como de direito piblico, no que andaram certos. Em sua grandiosa obra, PONTES DE MIRANDA examina, com erudigio e clareza, 0s institutos do direito processual, nao sé no direito comparado, espe- cialmente no direito alemio, os grandes praxistas lusitanos, como sobretudo no direito processual pAtrio, com uma marca de genialidade. R. Inf. legis!. Brasilia @, 18 m, 69 jen./mar. 1981 221 XIV — O Socialista PONTES DE MIRANDA é um dos pioneiros do socialismo democrético, que corresponde ao Estado social de Direito, ao Estado de Direito compreendido na sua visio humanista, como um Estado de patticipagio e de justiga social, de liberdade polftica e seguranga econémica. © Estado clissico mantém a ordem, monta guarda, Pergunta o mestre: “Monta a guarda a qué? A ordem, dizem’ alguns. Mas que ordem, se 0 que se desenrola, diante de nés, é a desordem? Desordem politica, desordem moral, desordem econémica” (em Anarquismo, Comunismo, Socialismo). Procura, entéo, o ideal da organizagSo cientifica da sociedade: “O Estado polftico-cientifico tem de ser téonico, tem de renunciar 4 imposigao arbitraria, tem de assentar indicativos claros, antes de qualquer imperative”. Combate um socialismo opressor da liberdade: “Cremos que é possivel a eriagio de um Estado sociali acima das doutrinas atuais e concili: de todas as esquerdas”. O socialismo cientifico € verdadeiro no momento provavel (no sentido matemético) da evolugio humana; “O Estado tornar-se-& insentido, quando for perfeito”. Apresenta o seu ideal de Estado, comida para todos, rouy todos, conforto para todos, o Estado dos 5 Direitos, os novos Direitos de Homem, tais como o direita a subsisténcia, o direita ao trabalho, o direito 4 educagao, o direito A assisténcia, o dircito a0 ideal. Este é 0 méinimo socialista, A revolugao russa deixa a histéria duas ligdes: a de que um partido orga- nizado, tendente & ago, pode dominar um pais, de um golpe; a conseqiiéncia imediata do rolo compressor, com a constituigdo estatal soviética. PONTES DE MIRANDA niio é marxista, nem marxista-leninista, porém se proclama além de MARX. Profetiza: “Socialismo 6 o caminho dnico dos nossos dias.” Combatendo a ditadura do capital, esclarece: “O socialismo ou é ante- marxista, ou retificador de MARX”. Sim com MARX, mas néo é marxista: “A nossa posigéo 6 mais proxima de intes, além dele, Mas, principal- mente, apés caminhada cientifica através de vinte e cinco anos de estudos em €poca posterior 2 morte de MARX, quer dizer, com elementos que ele nio poderia ter aproveitado”. Sobre 0 comunismo escreve: “O comunismo é ideal longinquo; no pode ser ponto de partida”, “O comunista é um precipitado. O ideal, belissimo, cega-o.” “Lénin ousou, mas recuou, A obra que realizou vem demonstrar que 0 Estado pode ser socialista antes do socialismo, Mas devemos manter dentro do Estado a democracia e a iberdade, Por ai se chega até onde se possa chegar até onde se deve chegar.” “f, preciso nfio nos esquecer que MARX, como todos, escreveu com os dados do seu tempo, com os fatos até aquele momento, que passou, A neces- 222 R. Inf. loglsl, Brosilia a. 18 9, 69 Jan/mar. 1981 sariedade e a necessidade histérica precisam ser reafirmadas pelos aconteci- mentos e pelas descobertas cientificas posteriores a ele.” “O socialismo, como teoria, vive; como doutrina, aperfeigoa-se ao contato de fatos e sob a influéncia de génios novos.” Dat os fins da sociedade progressista do século XX, que tém de ser: “Assegurar as liberdades individuais, manter a democracia, realizar certo grau de igualdade, os novos direitos do homem, e promover igualdade crescente” (in Bemocracia, Liberdade, Igualdade). £ preciso néo esquecer a adverténcia feita pelo estadista WILLIAM PITT, em 1796, no auge da Revolugio Francesa. uprovando 0 seguro social ea educa- do publica: “Com a reforma, os senhores desarmam os jacobinos da sua arma mais. perigosa’. PONTES DE MIRANDA situa-se alm de MARX. O sociélogo WRIGH MILLS, em Os Marxistas (The Marxists, 1963), fala de marxismo no plural. H4 muitas variedades do marxismo, Nao hd um MARK, hé varios MARX. Geralmente se fala de um jovem MARX e um vetho MARX. Outros dividem a obra de MARX em 4 etapas: obras de juventude (1840 — 1844); obras de censure cpistemoldgica (1845); obras de maturagdo (1845 — 1857); e obras da maturidade (1857 — 1883). MARX dizia de si mesmo que nao era marxista, pois admitia a permanente revisibilidade da ciéncia, dentro do micleo da dialética. A. idéia proibida ou contrariada & como o crisintemo, com suas flores amarclas, réseas ou alaranjadas: 0 unico botao que resta crescera por si e pelos outros, com as mesmas cores. XV — A Mensagem da Democracia £ tempo de renovar e de construir. Nao se busca nenhuma Shangri-la, Utopia, Cidade do Sol, ou a Pasirgada do poeta MANUEL BANDEIRA, porém todos sonham um mundo de abun- dancia econdmica, cultura, paz, saber e trangiilidade. O minotauro da seguranga desaparece, e surge a estrela da esperanga, a manha da Hberdade, e os seus primeiros relimpagos acendem suar luzes 0 horizonte da pitria, CICERO, o grande representante da latinidade classica, bebendo na pura fonte do helenismo, combate as iniguissimae leges em seu discurso De Nege agraria pronunciado no Senado Romano, assim como na sua grande obra De Republica bem desenvolve a teoria da concordia ordinum, defendendo o enten- dimento geral, numa imagem da politica moderna, conservadora e liberal, a um temy conciliatéria, numa atuante concepgao democritica, conciliando a unidade do poder em conjunto com a liberdade e a seguranga do cidadao. R. Inf. logisl. Brosilia «. 18 n, 69 jan./mor. 1961 223 A historia 6 a realizagio progressiva da democracia. A democracia politica deve ser complementada por uma democracia econd- mica e planificada, assegurando a liberdade econdmica, os direitos e pretensdes socialistas, a justa distribuigio da renda social, S6 assim se formarao auténticos cidadios, com uma consciéncia profunda dos seus dircitos e deveres, pois o enfoque nos direitos humanos nunca deve perder também 0 sentido da realizagao dos deveres e responsabilidades, con- forme a ética kantiana do cumprimento do dever pelo dever. Com um povo analfabeto, doente e faminto, nao hé trabalhadores e cida- dios; com um povo tutelado e intimidado, nao h4 democracia; com dependéncia diante das multinacionais, nao ha soberania politica, que depende da grandeza econémica nacional; com exploragio do homem pelo homem, nfo ha ordem nem paz, esta definida pela filosofia politica como a liberdade tranqiiila, ARISTOTELES bem disse em sua imortal Politica que a verdadeira demo- cracia 6 por esséncia igualitaria: tén eleuterian tén katé to ison. Eo mesmo pensamento de RUI BARBOSA, o pregador do evangelho liberal e social, quando afirmava: “As Constituig6es so conseqiiéncia da irresis- tivel evolugdo econémica. Alguma coisa tém de ceder ao sopro da socializagao, ue agita o mundo”. Assim também raciocina 0 seu discipulo dileto, JOKO [ANGABEIRA, no seu ideério de uma democracia social Ista, » COM Sua per- sonalidade bem focalizada em hicida conferéncia do jurista RAUL FLORIANO. Para a realizagiio de tais objetos, a elite politica dominante deve seguir compreender as reais necessidades do povo, evitando debilidades e fraquezas, ‘8 politicos devem manter a grandeza e verticalidade de cardter. Do contrario Poder-seé relembrar a tremenda ilusio de ética dos ensaios magistrais e da imagem euclidiana: eles nao cresceram; o Brasil é que se amesquinhow, A politica é educadora da vida, tem uma mensagem ao povo, falando claramente a verdade, Contudo ha homens que, ainda depois de muito falar, so mudos; no falam pelo que dizem e so mudos pelo que falam, relem- brando-se aqui ao Padre VIEIRA. Enganando o povo com um mundo de ilusdes e elevando a hipocrisia a carater de dogma Mas a coragem de dizer a verdade e de comunicé-la a0 povo constitui a esséncia da politica em alto nivel, A politica & promotora da emancipagao do homem e 0 seu coragéo € 0 povo. Nos momentos de crise e de mudanga histérica, a personalidade do esta- dista necessita elevar-se, notabilizando-se por sua aplicagso e seu génio, sua personalidade saliente, sua capacidade envolvente ¢ seu fascinio carismético, nele se juntando quatidades aparentemente contraditérias, como a firmeza das decisées ¢ a flexibilidade na execugio do comando, necessitando coragem e precisio, vontade e prudéncia, manobras répidas e céleulo frio, o hébito de falar e de calar-se a tempo, reserva e cortesia, confianga e desconfianga, do conhecimento profundo do homem. O verdadeiro homem de estado deve manter uma flexibilidade impessoal diante dos acontecimentos, ligando-se como um virtuose da politica. 224 R. Inf. legisl. Brasilia a. 18 a. 69 jom/mser. 1981 A politica, além de ciéncia, é predominantemente arte. O verdadeito poli- tioo é por natureza um virtuose, um dangarino, com suas intuigdes, seus reque- Drados, suas antecipagdes, seus passes de magicas. Quando o inimigo tem trés opedes, ele escolhe normalmente a quarta opgdo. Contudo o auténtico estadista tem por finalidade principal de seu destino politico a realizagao da democracia, A democracia deve ser o governo do primeiro homem, como ensina a filo- sofia politica grega, que CURTIUS relembra em sua Histéria da Grécia (Griechische Geschichte): arché tou protou andrés. XVI — A Marca dos Génios na Histéria A historia marca de maneira indelével o rastro dos grandes homens, o seu talento e 0 seu génio, com o seu fascinio ou a sua grandeza demonfaca, Ao falar de historia, ao falar da patria, nfo nos ocorre sendio neste instante © conceito de HEGEL: “A histéria nunca é e nunca foi o teatro da felicidade humana. Qs perfodos de felicidade sao nela folhas soltas”, ‘Na verdade a histéria tem sido uma permanente tormenta, uma tormenta to estranha, tio prismitica, tio multiforme, a gerar herdis e covardes, rebeldes e conformados, misticos e santos, barbaros e neuréticos de genialidade demo- nfaca, oportunistas e traidores. A histéria que gerou os grandes estadistas sonha- dores, os filésofos e cientistas, os artistas, também engendrou a expressiio bar- bara das forgas do antipovo, vermelhejando o mundo com o termidor e a reagio termidoriana, A inclinagao presente pelo imperialismo estrutura! do marxismo procuroa diminuir a figura do grande homem, mas nenhuma tendéncia anticarlyliana pode tragar definitivamente o génio dos grandes homens e sua marca na his- téria, MAX WEBER suavizou a curva anticarlyliana com a figura da persona- lidade carismdtica, © carisma, 0 prestigio com seus transportes de alucinagio popular. LENIN, 0 guia do marxismo, escreveu: “A chave das situagSes sio_os homens”, Em seu livro estratégico intitulado Que Fazer? (em russo Chto Dyelat, 1902) antecipou-se a esta tese da filosofia politica, No mesmo sentido se encontra a posigio doutrindria do mesmo LENIN nos Cadernas Filoséficos, publicados nos tomos IX e XII da Colecdo Lénin e aparecidos em volume especial pela primeira vez, em 1933, em russo, com 0 itulo Filosofskié Tetradi, onde se encontram os seus ensaios intitulados Ligdes sobre a Filosofia da Histéria e Ligdes sobre a Htstéria da Filosofia. LENIN acentua nos Cadernos Filosdficos o fator ativo na capacidade criadora e transformadora do homem, que a consciéncia humana nao sé reflete R. tet. legisl. Brasilia 2, 18 2, 69 jon./mor. 1981 225 o mundo exterior, mas 0 cria, assinalando o papel consciente do homem na transformagio da histéria. E 0 pensamento de MARX nas Teses sobre Feuerbach, na 11* tese: “Os fil6sofos néo tém feito até agora sendo interpretar 0 mundo de diversas ma- neiras; trata-se agora de transformé-lo” (Die Philosophen haben die Welt nur verschieden interpretiert es kommt darauf an, sie zu vereaendern” (KARL MARK, Die Fi chriften, Stuttgart, 1971, p. 342). E 0 papel subjetivo na histéria, o génio dos grandes homens. As persona- lidades ebrimaticas slo. acumladoras do. processe hist6rico: “Sdo pédlos criadores de circunstdncias politicas, econdmicas, so- ciais, ideolbgicas, éticas, Num dado momento parecem enfeixar nas méos os poderes do destino e carregam a sorte do mundo nos seus proptios coragdes, Especial'stas céticos falam em carismas, admitindo radoxalmente a presenca antiestrutural do mistério do desafio da téria, Essas personalidades fogem a todas as medidas convencionais, transcendem as frageis fronteiras da normalidade, violentam 0 soberbo das explicagdes mecanicistas.” XVII — Os Dois Brasis Nao h& estabilidade politica com uma casa em crise, com debilidades e fraqueza econémica, com um pais de pobreza e uma vasta familia tecnocratica enriquecida. LAMBERT falou em dois Brasis: o da riqueza e 0 da pobreza, oom amplos desniveis sociais. Deve-se falar do Brasil no plural. “O oficioso desse comportamento ou dessa insensatez flagra-se nos padrées de vida de Brasilia”, observa o arguto historiador POTIGUA! Toe “Temos uma capital & Versalhes, triunfante e luminosa, abastecida e ostentatéria.” £ uma metrépole que lembra Séo Petersburgo dos sales e damas imperiais, de faiscante ouro e prataria, E uma capital luxuosa com piscina de ondas azuladas e revoltas como 0 mar, acionadas por fabulosa tecnologia, com vistosas alamedas de verdejantes pinheirais em extensées infindas. Com os seus paldcios resplandescentes relem- brando o Petit Trianon e o Chantilly, onde dangava a nobreza da Franca antes da Revolugao. Com a Granja do Ipé, de nome postion, a Granja do Torto, paldcios e ruas de estilo ousado, uma verdadeira beleza de arquitetura, orgulho de brasilidade. Tudo rebrilhando debaixo de azulescidos céus, semeados de finos azuis de inumerdveis Aguas marinhas e de safira, de um azul mais profundo e rico, alucinatério e magnetizante. 26 R. Inf. legisl. Bresitia a. 18 m. 69 jen/mar, 1981 A beleza polierémica e graciosa dos apartamentos e mansdes revelam um regalo ¢ abastanga 4 margem da crise nacional, com o que a vasta familia teenocrética e suas mordomias nababescas raciocinam sobre a crise nacional, a proliferagao dos mocambos e favelas, as populagses marginalizadas, a Ama- zénia devastada diante da sanha predatéria das multinacionais, alimentando o prestigio do milagre brasileiro. Mas, além dos campos gerais, das serras, dos montes e verdes vales, surge 0 Brasil da pobreza, a grande Amazénia, onde o homem é ainda o mesmo intruso impertinente da epopéia de EUCLIDES DA CUNHA, o pélo do sub- desenvolvimento. E preciso comigir tais distorgdes: ou progredimos ou desaparecemos, na imagem euclidiana, ‘As pontas do dilema sio inexordveis. XVIII — Paz Mundial ou Holocausto Nuclear O mestre PONTES DE MIRANDA defendeu a paz mundial, na sua visdo de sabio e de humanista. No mundo atual, teme-se o apocalipse, o holocausto nuclear, é o fim da propria humanidade. Computadores falham de maneira imperdodvel, anteci- pando o vermelho-fogo da fornalha nuclear, prenunciando a diabélica parafer- nélia nuclear, bombardeiros se incendeiam, o TITAN II ruge em véo alucina- tério, como um artefacto demonfaco de fera ensandecida. Parece que ressurgem as sagas mitolégicas, as Gérgonas, que eram trés, ESTENO, EURIALE ¢ MEDUSA, tertiveis e barbaras, com suas cabegas com forma de serpente e vomitando fogo. MEDUSA como se assemelha ao monstro nuclear que transformou em pedras as rosas de Nagasaki, como as da saga grega que petrificava os homens. E o retorno petrificante da lenda grega. Af est a encruzilhada da civilizagao. Ko que bem esclarece o eminente historiador pernambucano POTIGUAR MATOS: “Dois sistemas imperiais se arvoram em proprietérios do mundo. Tisnam a face sinistra da ambigao e dos interesses econémicos com tinturas de liberdade, direitos, seguranga, fraternidade, bandeiras das mais altas e puras. Armam-se numa sofreguidio de feras enfurecidas pee egoismo e o sonho do poder. No monstruso xadrez que jogam, 0 }omem comum nio passa de um pobre € negligencidvel pedo, sempre disponivel para o sacrificio, a0 menor aceno dos interesses descompas- e soberanos”. As feras enfurecidas armam-se com superbombas de hidrogénio © cobalto, teleguiados de poder intercontinental, satélites artificiais que sio 0 prenincio de plataformas giratérias futuras, fontes de loucura coletiva, que ameagam o mundo desde as imensidoes polares até as vastid6es sadricas. R. Inf. legist. Brasilia @, 18 m, 69 jon./mar, 1981 227 Ser& utopia ou ilusio gritarmos pela paz, pelo entendimento, pela concérdia, pela fraternidade universal ou, pelo menos, pela limitagao da corrida arma- mentista desenfreada? Do contrério sé nos resta a interrogaco hamletiana de perguntar se toda a histéria humana, ao longo da sua herdica aventura, desde a cayerna paleolitica até a jornada das estrelas em cosmonaves prateadas, foi apenas a preparacdo para o apocalipse nuclear, no vermelho-fogo ou no amarelo- ‘ovo de um incéndio, o holocausto final, na imensidio galdtica, A tecnologia humana colocou suas ogivas frias, insensiveis e assassinas, contra a prépria humanidade, para transformar o planeta no cemitério néo do inexistente e literério homo sapiens mas do real e histérico home stupidus, na feliz expressio de POTIGUAR MATOS, voltando a habitar a caverna paleo- Ktica. Vem agora a saga mitolégica rediviva, com 0 monstro nuclear dos labora- tbrios, destilando a sua baba venenosa e mortal sobre 0 mundo. Nao é mais a espada sangrenta dos conquistadores, recortando o mundo, é 0 monstro nuclear destruindo-o, 6 0 apocalipse wow, é a paraferndlia nuclear, dos povos violen- tados e mértires. XIX — Glorificagio Final PONTES DE MIRANDA representa uma figura simbélica e carismatica na histéria do Brasil, revivendo 0 patriménio cultural da Escola do Recife, a magia fatalizante de TOBIAS BARRETO e SILVIO ROMERO. O seu espirito 6 uma legenda, brilhando com uma itradiagdo luminosa no espago infinito e no tempo sem fim. Como pensador e humanista, sente a pulsagio do mundo, a face amarga da verdade e a interrogagio das filosofias. Some socidlogo e jurista, reconhece que o direito é um controle social, a forga que mata a forga para transformar-se em direito, Como socialista, percebe 0 gemido e o sofrimento das multidées proletarizadas e enfurecidas, o surdo rumor de afligdes, servidéo econémica, me e medo gue se tormam insuportaveis, a tormenta da histéria, a projego das sombras dos acontecimentos futuros, um ar pesado de tormenta, como relembra POTIGUAR MATOS, que sé nao sentem os poucos Brivilegindos, alheios a0 véo das procelérias, cortando e rasgando um céu tarjado de negro. © Evangelho registra © anota ressurreigées, nos minutos felizes de alum- ‘bramento mistico, Na cultura elas também sao possiveis, pois a cultura é uma comunidade nobre, preciosa e bela, que nossos antepastados nos transmitiram pelo seu trabalho, armor, sangue, sactiffel, heroismo, As nagbes e culturas sobre- vivem pela sua meméria histériea, aquilo que RENAN ‘chamou uma “alma comum’”. No Brasil, PONTES DE MIRANDA é uma exaltagio desta alma comum: 0 retorno da primavera, irradiando verdes policrémicos de saber e cultura, explodindo em idéias originais, desafiantes, germinais, uma nova aurora, tra- zendo na sua luz o eterno invariante plistico da redencdo de ideologias triun- fantes ¢ irrendidas, a redengio e culto da liberdade, da democracia, da igual- dade crescente, do saber humanista e da justiga social. 228 R. Inf, legis, Brasilia @. 18 m. 69 jen./mar. 1981

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