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Indice Introdusdio: O que é literatura? cui L. Aascensioo do inglés. Fi Fenomenologia, hermenéutica, teoria da recep Estruturalismo e semidtica, oe 125 209 267 299 331 341 Introdugéo: O que é literatura? riria existe, parece Sbvio que haja alguma se teoriza, Podemos Sir Thomas Browne, qualquer que seja o nome que se dé a cles. Eventualmente, ela poderia abranger 0 Leviata, de Hobbes, e a History of the Rebellion, de Clarendon, A litera- tura francesa do sée. XVII conta, além de Corneille e Racine, com as miximas de ‘La Rochefoucauld, com os discursos fimebres de Bossuet, com o tratado de poesia de Boileau, com as cartas de Mme, de Se Descartes ¢ Pascal. A amb (mas nfo Bentham), Macaulay (mas no yu Herbert Spencer). ficgdo”, portanto, nao pare- e uma das razGes para isto € a de que a gd & muitas vezes questionivel. JA se disse, ce nos ser muito propria di 2 TEORIA D4 LITERATURA: UMA INTRODUGAO por exemplo, que a oposigao que estabelecemos entre verda- e verdade de modo algum se ap igas sagas irlandesas'. No inglés de fins do séc. “novel” foi usada, ‘a0 que parece, tanto para os acontecimentos reais quanto s, sendo que até mesmo as noticias de jornal iam ser consideradas fatuais, Os roman- fi claramente fatuais, nem clara- a distingo que fazemos entre estas catego- jo eta aplicada', Certamente Gibbon achava que escrevia a verdade histérica, e talvec também fosse este 0 se tores do Génese; tais obras, 0 je como “fatos” por alguns, ¢ como “fic~ ao” por outros; Newman sem divvida achava que suas me- ditagies teolégicas eram verdades, ma cconsideram ho} inclu mu histéria, a filosofia eas ciéncias naturais nao criativas e des- tuidas de imaginag: ‘mas porque emprega a ‘guagem de forma peculiar. Segundo essa teoria, a literatura nas palavras do critico russo Roman Jakob- izada contraa fala co- alguém se aproximar de mim em um ponto de énibus ¢ dis- ser: “Tu, noiva ainda imaculada da quietude”, tenho cons- INTRODUGAO: 0 QUE ELITERATURA? 3 cigncia imediata de que estou em presenga do literério. Sei disso porque a tessiura, o ritmo e aressonéncia das palavras superam 0 seu diriam de mais técnica, existe uma desconformida- de entre os significantes ¢ os significa tipo de linguagem que chama a atengao sobre si mesma e exibe sua existéncia material, ao contririo do que ocorre * 1m frases tais como “Voce nao sabe que os motoristas de us esto em greve?” De fato, esta foi a definigao d pelos formalistas ussos, entre os quais es ki, Roman Jakobson, Osip Brik, Yury Tynyanoy, Boris Ei- fenbaur ¢ Boris Tomashevski. Os forn rgiram na ‘a antes da revolugao bolehevista de oresceram durante a década de 1920, até serem efi lenciadas pelo Stalinismo. Sendo um grupo de as doutrinas sim- se com a maneira pela qual 05 textos literd- ‘1 ndo era uma psew- rio e preocu rios funcionavam na pr zagio partic suas estruturase mecanismos, que deviam ser estudados em iteraria nao ago de uma verdade transcendental: cujo funcionamento podia ser anali do mais ou menos como se examina uma maquina, Era de palavras, nio de objetos ou sentimentos, sendo um erro consideri-la como a expressao do pensamento de um au- tor. © Eugénio Onegin, de Pushkin ~ observou certa vez 4 TEORIA DA LITERATURA: UMA INTRODUGHO Osip Brik com certa ousadia —, teria sido escrito mesmo que Pushkin nao tivesse v Em sua esséncia, o formalismo cago da lin- slifstica ao estudo da literatura; & como a lingiiistica em questo cra do tipo formal, preacupada com as estruturas da linguagem e no com o que ela de fato poderia dizer, os for- ‘malistas passaram ao largo da andilise do “contetido” liferd- Tio (instineia em que sempre existe a tendéncia de se recor- rer & psicologia ow & sociologia) e dedicaram-se ao estude da forma literiria. Longe de considerarem a forma como a expressiio do contetido, eles inverteram essa relaciio: 0 con- teiido era simplesmente a “motivago” da forma, uma oca- sido ou pretexto para um tipo esp. mal. O Dom Quixote nao é uma obra “sobre” o, personage, do mesmo nome: 0 personagem € apenas um artificio para se reunirem diferentes tipos de técnicas narrativas. 4 revolu- sao dos bichos nao seria para os formalistas uma alegoria do Stalinismo; pelo contrario, o Stalinismo simplesmente ofe- receria uma oportunidade propicia 4 eriagio de uma alego- ria, Foi essa insisténcia obstinada que conquistou para os formalistas sua denominagio depreciativa, a eles attibuida por seus antagonistas. E embora eles nio negassem que a arte tivesse uma relago com a realidade social — de fato alguns deles estavam estreitamente associados aos Bolche- viques ~ os formalistas afirmavam, provocadgramente, que essa relagio fugia a0 Ambito do trabalho do eritico. Os formalistas comegaram por considerar a obra literd~ ria como uma reunido mais ou menos arbitriria de “artifi- cios”, © s6 mais tarde passaram a ver esses artificios como elementos relacionados entre si: “fungdes” dentro de um jam som, ima- ica, rima, técnicas narrativas; na iam todo o estoque de elementos literérios © 0 que todos esses elementos tinham em comum INTRODUGAO: 0 QUE & LITERATURA? 5 fo”. A especificidade da linguagem tinguia de outras formas de discurso, era o fato de ela ‘deformar” a linguagem comum de varias maneitas. Sob a pressio dos artificios literérios, a linguagem comum era in- tensificada, condensada, torcida, reduzida, ampliads tida, Era uma linguagem que se “tornara estranha”, ¢gracas a este estrankamento, todo 0 mundo cotidiano transforma- vase, subitamente, em algo nao familiar, Na totina da fala cotidiana, nossas percepgbes € reagdes a realidade se tor- nam embotadas, apagadas, ou como os formalistas diriam, “aulomatizadas”. A literatura, impondo-nos uma conscién- cia cramatica da linguagem, renova essas reagdes habitucis, tornando os objetos mais “perceptiveis”. Por ter de Iutar com a linguagem de forma mais trabalhisa, mais autocons- cciente do que 0 usual, o mundo que essa linguagem encerra € renovado de forma intensé. A poesia de Gerard Manley Hopkins oferece um exemplo particularmente claro do que se afirmou, O discurso literdrio toma estranha, aliena a fala comum; ao fazé-lo, porém, paradoxalmente nos leva a -vivenciar a experiéncia de maneira mais intima, mais inten- sa, Estamos quase sempre respirando sem ter conscigncia disso; como a linguagem, o ar é, por exceléncia, o ambiente em que vivemos. Mas se de sibito ele se tornar mais denso, ‘0u poluide, somos forgados a renovar 6 cuidado com que respiramos, ¢ o resultado disso pode ser a intensificagio da experigncia de nossa vida material. Lemos o bilhete escrito por um amigo, sem prestarmos muita atengdo & sua estrutu- ra narrativa; mas se uma hist6ria se interrompe e recomeca, passa constantemente de um nivel narrativo para outro, retarda 0 climax para nos manter em suspense, adquirimos centio a consciéncia de como ela é construfda, ao mesmo ‘tempo em que nosso interesse por ela pode se intensificas. A historia, como-diriam os formalistas, usa artificios que fun- inver- 6 TEORIA Da LireRaTURA: UMA INTRODUCHO cionam como “entraves" retardamentos” para nos man- teratetos; ena inguagem litera ens atifcios lay se claramente. Foi isso que levou Vitor Sklovski a observar maliciosamente, referindo-se a0 Trisram Shandy de Lau. rence Steme — um romance que ctia tis entraves 20 desen. volvimento de sua trams, que mal chega a comegar —,que se tratava do “romance maistipico da literatura mundial” Os formatistas, portant f , consideravam a Titerécia como um conjunto de desvios da norma, anon ie de violéncia lingilistca: a literatura é uma forma “espe- cial” de linguagem, em contraste com a linguagem “co. que usamos habitualmente. Mas para se identificar um desvio é necessario que se possa identificar a norma da ual ele se afasta. Embora a “Tinguagem comum” seja um Conceita muito ao gosto de certos filésofos de Oxford, alin- ‘guagem comum dos filésofos de’ Oxfard pouca relaggo tem Coma linguagem comum dos portuarios de Glasgow. A lin- Suagem usada por esses dois grupos sociais para escrever cartas de amor difere da que & habitualmente empregada na conversa com o vigario de sua pardquia. A idéia de que exis- te uma tinica linguagem “normal”, uma espécie de moeda Corrente usada igualmente por todos os membros da socie- dade, ¢ uma iluséo. Qualquer linguegem em uso consiste de uma variedade muito complexa de discursos, diferenciados Segundo a classe, regiti, género, situagio, etc., os quais de forma alguma podem ser simplesmente unificados em uma nica comunidade lingiistica homogénea, O que alguns Consideram norma, para outros poderi significar desvio: usar “ginnel” (beco) em lugar de “alleygnay” (travessa) po- de set poético em Brighton, mas constitu linguapem co. mum em Barnsley. Até mesmo o texto mais “prosaico” do sée. XV pode nos parecer “poético” hoje devido ao seu ar- caismo. Se depardssemos com um fragmento escrito isolado de alguma civilizagao ha muito desaparecida, nao poderia- INTRODUGAO: O QUEE LITERATUR? fi mos dizer se se tratava ou nfo de “poesia” apenas pelo exame que fariamos dele, ja que ni teriamos acesso aos discursos “comuns” daquela sociedade; ¢ mesmo se uma pesquisa revelasse posteriormente que esse texto era um “desvio” da norma, ainda assim nao ficaria provado que se tratava de poesia, pois nem todos 0s-desvios lingiisticos sio poéticos. A giria, por exemplo, Um simples passar de olhos sobre o texto nao seria suficiente para dizermos que no se tratava de um excerto da literatura “tealista", se no dispuséssemos de maiores informagdes acerca de sua real fangdo, enquanto fragmento escrito no seio da sociedade emquestio, Nao € que os formalistas russos no compreendessem tudo isso. Eles reconheciam que as normas e os desvios se mnodificavam de um contexto social ou histérico para outro — que “poesia”, nesse sentido, depende de nossa localizagio ‘num dado momento, A “estraneza” de um texto no & ga- rantia de que ele sempre foi, em toda parte, “estranho”: era- © apenas em contraposi¢ao a um certo pano de fundo Tin- gilistico normativo,¢ se este se modificava, um tal fragmen- to escrito poderia deixar de ser coi Se todos usassem frases como “*Noiva imaculada da quietude” ‘uma conversagao corriqueira de bar, esse tipo de lingua- em poderia deixar de ser poéticd. Em outras palavras, para 0s formalistas, 0 cariter “literirio” advinha das relagdes diferenciais entre um tipo de discurso ¢ outro, nao sendo, portanto, uma caracteristica perene. Eles n&o queriam defi- nit a “literatura”, mas a “literaturidade” — os usos especiais, da linguagem -, que nfo apenas podiam ser encontrados em textos “literarios”, mas também em muitas outras circuns~ tincias exteriores a eles. Quem acredita que a “literatura’ possa ser definida por esses usos especiais da linguagem tem de enfrentaro fato de que ha mais metAforas na lingua- gem usada habitualmente em Manchester do que na poesia TEORIA Da LITERATURA: UMA INTRODUCAO achavar que a Eles apenas rel traste entre um tipo de discurso e outro. Mas ¢ se no bar eu terdtia? Na verdade, trata-se d do rom: ia eu saber que tas, ela iio exige que a frase provém do roman- ce A fome, de Kaut Hamsun. F parte de um texto que lei como “fiegdo”, que se an ee -xto most em sindo tem nenhuma pr tinga de outros tipos de dis \deram a ela as tée- lizado para a poesia. De tes, nem constituem uma realizagao p: mas. Por vezes, um estilo & considerado “bom” precisamen- fe pormue ndo ata sobre si mesmo una atengio indevia Imiramos sua simplicidade lac6nica ou sua sobriedade. F se uso da Jinguagem, vendo-o como uma questio de con- INTRODUCAO; 0 QUE E LITERATURA? 9 que dizer das piadas, dos slogans e refrdes dastorcidas de futebol, das manchetes de jornal, dos antincios, que muitas ‘yezes so verbalmente exuberantes, mas que, de um modo geral, ndo sao classificados como literatura? ‘Um outro problema concemente ao argumento da “es- ‘ranheza” é de que todos os tipos de escrita podem, se tra- bathados com a devida engenbosidade, ser considerados “estranhos”. Veja-se uma afimmagio prosaica, perfeitamente clara, como a que se encontra por vezes no mettd: “Cachor~ ros devern ser carregados Isso talvez no seja tao claro quanto pode parecer primeira vist: sis ri que nds temos de carregar um cachorro na éscada rolante? Seremos impedidos de usi-la se no encontramos algum 10s bragos, antes de subirmos ou ta para tomarmos descermos? Muitos avisos, que diz ida por um americano da California. Mes- mo se deixarmos de lado tais ambigiiidades perturbadoras, agador, dos primeiros vocdbulos ponderosos poderiamos surpreender nossa mente, no momento em. que cla deparasse com a rica alusdo suscitada pelo vocdbulo “car regados”, divagando entre ressondincias que sugerem o salva mento de cies coxos; e talvez pudéssemos até mesmo detec- e inflesio da palavra “rolan to de subir e descer da coisa em io pode ser infrutifero, mas nio sera significativam te mais infrutifero do que pretender ouvir o entrechoque dos ‘cio poética deum duelo, e pelomenos tem & vantagem de sugerir que a “literatura” pode ser tanto uma ques- to daquilo que as pessoas fazem com a escrita, como daqui- logue a escrita faz com as pessoas. 10 TEORUA DA LITERATURA: UMA sNTRODUGAO ‘Mas mesmo que alguém lesse o aviso dessa maneira ainda assim seria uma questo de lé-lo como se fosse poe sia, que & apenas uma parte do que a literatura comumente abrange. Vamos, portanto, examinar uma outra maneira de “ler erroneamente” 0 aviso, que nos pode levar um pouco ‘mais além em nossa anilise, Imaginemos um bébedo, tarde da noite, segurando-se no cortimao da escadia rolante e que iso com dificultosa aten¢ao durante varios minutos para depois dizer a si mesmo: “Como é verdade!” Que tipo de erro se verifica neste caso? O que o bebedo faz & consi- derar 0 aviso como uma espécie de afirmagao dotada de uma significagdo geral, até Aplicanda cer- tas convengdes de leitura as suas palavras, ele as elogia sem relacioné-tas com 0 seu contexto imediato, generalizando- as além de su finaliddade pragmatica e dando-lhes uma sig- nificagio mais ampla e provavelmente mais profunda. Isto sem diivida parece ser uma operagdo envolvida naquilo que as pessoas chamam de literatura. Quando 0 poeta nos diz que seu amor € como uma rosa vermelha, sabemos, pelo simples fato de ele colocar em verso tal afirmagao, que nio Ihe devemos perguntar se ele realmente teve uma namorada que, por alguma estranha razio, Ihe parecia ser semelhante a uma rosa, Ele nos esté dizendo alguma coisa sobre as mulheres ¢ sobre o amor em geral. Poderiamos dizer, por- tanto, que a literatura & um discurso “nao-pragmitico”; ao contriirio dos manuais de biologia e recados déixados para o leiteiro, ela nio tem nenhuma finalidade prética imedi referindo-se apenas a um estado geral de coisas. Por vezes, ‘mas nem sempre, ela pode empregar uma linguagem pecu liar como se quisesse tornarevidente esse fato — para indicar que se trata de uma maneira de falar sobre a mulher, ¢ nao sobre alguma mulher da vida real em particular. Esse enfo- que na maneira de falar, e ndo na realidade daquilo de que se fala, € por vezes considerado como uma indicagao do que iy ul ENTRODUCAO: 0 QUE £LITERATURA: centendemos por literatura: unia espécie de linguagem auto referencial, uma linguagem que fala de si mesma. ‘Mas também essa definigao da literatura encerra pro- blemas. Entre outras coisa, teri sido uma surpresa para George Orwell saber que seus ensiosdever ser Ios come se os 6picos por ele examinados fossem menos importantes do que # maneira pela qual os exaitou- Em grnds pare daqilo que €elasifcado como literatura, oval veto a relevinciapritica do que ¢ dito ¢ ensiderado importante parro feito geral, Conudo, mesmo em se eonsderando que o-pragmatico” é parte do que se entende portteratra”, segues dessa “definigto” 0 fato de lite ratura nao poder ser, de fato, definida “objetivam f definigio de literatura fica dependendo da maneira pela qual alguém resolve ler, ¢ nao da natureza daquilo Iho. Hé certos tips ée eseitos — pormas, pesos de teat romances ~ que, deforma clarament evidente,pretendem ser *ndo-pragmétiens” nese sentido, mas isso no nos a rante que serao realmente lidos dessa maneira. Fu poderia muito bem lex a descrgao que Gibbon fez de ipério roma no no porque esteja suficientemente equivocado para atts que cla seri ume fontefidedignn de informasies sobre Roma antiga, mas porque gosto do estilo da prosa de a on, ou porque me agradan as imagers da corrupo humans, auaiuer que seja.a sa fonte historca, Mas eu podera ero poema de Robert Bums porque niosei~ supondo-se que eu fosse um horticultor japonés ~ se a rosa Sooo na nglaterra dost. XVII Isso, pode-se dizer, no signifi- ca ler Bums como “literatura”; mas serd que minha leit das enssios de Orel como literatura 6 ser prsivel set generalizar o que ele diz sobre guerra evil espanhola, interpretando-o como um tipo de abservage ebsmica sobre a vida humana? Se & certo que muitas das obra estudedas ‘como literatura nas instituigdes académicas foram “construi e TEORIA DA LITERA iR4- UMA INTRODUGAO. das" para serem lida como literature, também & certo que muizs nfo o foram. Um segmento de texto pode eomesa sua existéncia como historia ou Santis ser csificado como ltratura; ou pode comeyar ame I teratuae passar a ser valorizado por seu significado arqueo- gico. Alguns textos nascem literiris, outros atingem condigao de literarios, ea outros tal condiga eines ob esse apecto, a produgio do texto ¢ muito mais importante do que o seu nascimento. O que importa pode nBo se o gem do texto, mas o modo pelo qual es pessoas ocanside- ram, Se elas decidirem que se trata de literatura, entio, 20 que parece, o texto ser literatura, a despeito do que 0 se autor tenha pensado, F con Se pens penser etre nos ny qualidade nee, 00 como um cove de guaidesevidencinins por eto tos de seis qe VA este Beowulf até Virginia Woolf, do que como as vi maneitas pelas quais as pessoas se relacionam com ae ‘a, Nio seria cil isola, entre tudo o que se chameu cei teat, un conuno constant de terse nr tes Ne Yerdads, serio impostel quanto ten oie uma ink ica comum que identificasse todos 0s ipos de jogos. Nao existe uma “esséncia’” da literatura, Qualgerfagmento de escrita pode se do “nio-pragmati- came" iso oq sgiiea rum exto coo liter sim como qualquer escrito pode ser Tido “postca mente”. Se examino 0 hordrio dos tens nfo para descobrit uma conexio, mas para estimular minhas reflexses gerais sobre a velocidade e complexidade da vida moderna, entio poder-se-ia dizer que o estou lendo como literatura John M. Elsagumenion quea lara “testa” funcionacomo a paloma”: 0 mato no um tp especie de plans, qualquer planta qu, por uma razdo ou outa, ojarine!” ro nio quer no seu jardim’. “Literatura” talve7 signifique INTRODUGAO: 0 QUE E LITERATURA? 13 exalamente 0 oposto: qualquer tipo de escrita que, por algt- seja altamente valorizada. Como os filésofos iteratura” e “mato” so termos antes funcionais do que ontoldgicos:faliam do que fazemos, nio do estado fixo das coisas, Eles nos falam do papel de um texto ou de um cardo num contexto social, suas relagdes com o ambiente © sues diferencas com esse mesmo ambiente, a maneira pela qual se comporta, as finalidades que Ihe podem ser dadas & aspriticas humanas que se acumularam a sua volta, “Litera- fora” é nesse sentido, uma definigo puramente formal, vazia,. Mesmo se pretendermos que ela seja um tratamento wio-pragmatico da Tinguagem, ainda assim nfo teremos chegado a uma “esséncia” da literatura, porque isso também acontece com outtas praticas lingifsticas, como as piadas. De qualquer modo, esté Longe de ser clara a possibilidade de Gistinguirmos ritidamente entre as maneiras “prética” '¢ “jxdo-pritica” de nos relacionarmos com a linguagem. A Tei- tura de um romance, feita por prazer, evidentemente se dife- re da leitura de um sinal rodovidrio em busca de informa- Ho; mas como classificar a leitura de wm manual de biolo- gia que tem por objetivo ampliar nossos conhecimentos? ‘Seri isso um tratamento “pragmitico” da Tinguagem, ov mio? Em muitas sociedades, a literatura teve fungSes abso- Iutamente praticas, como funcdo religiosa; a nitida distinggo entre “pritico” e “ndo-pratico” talvez s6 seja possivel numa sociedade como a nossa, na qual a literatura deixou de ter grande fungao pritica, Poderemos estar oferecendo como efinigdo geral um sentido do “literario” que é,na verdade, historicamente especifico. Portanto, ainda nao descobrimas 0 segredo que faz. com que Lamb, Macaulay e Mill sejam literatura, mas nfo, falan- do em termos gerais, Bentham, Marx e Darwin, Uma respos- ples talvezseja o fato de os trés primeiros seremn exer plos dé “esorever bonito”, ao passo que os trés itimos, ni TEORIA DA LITERATURA: UMA INTRODUCAO agem de ser em grande parte in= inka opiniao, mas encerra a , \cerra a cone Neniéncia de sugerir que, de modo geral, as pessoas conside. ram como “literatura” 2 eserita que rece bonita. Uma objecdo ébvia & a de que set esse validade ge- ral, nao haveria a Posso achar que Lamb e iamente que eu deixe de consideri-los come Podemos achar Reymond Chandler “bom cm seu gener" “Tas nfo exatamente literatura. Por outro lado, se Macaaley autor realmente ruitn—se nao tivesse cidade de percepcdo da gram apenas em ratos brancos n de que tem de ser do tipo le pode ser um exemplo menor de um te considerado como valioso. Ninguém diria 0 billete de Gnibus éum exemplo menor de literatura, mas alguém poderia dizer que a poesia ce Ernest Dowson conetius tal exemplo. A expressio “bela ou belles etre, 6 ie de escrita em geral modo quer coisa que é cor Honavelmente ~ Shakespeare, por exer; aterével e inques- iplo -, pode deixar INTRODUGAO: O QUE E LITERATURA? 15 de sé-o, Qualquer idéia de que o estudo d estudo de uma entidade estdvel e bem definida, tal como a entomologia é 0 estudo dos insetos, pode ser abandonada como uma quimers. Alguns tipos de ficgdo so literatura, ‘outros niio; parte da literatura é fiecional, ¢ parte n literatura pode se preocupar consigo mesma no que tange 20, aspecto verbal, mas muita retdrica elaborada nao é literatu- do de obras de val real e inalterdvel, distinguida por certas propriedades co- ‘uns, nio existe, Quando, deste ponto em diant as palavras “literdrio” e neste livro, eu 0 farei com a reserva de que tais.expressies nfo so de fato as me- Thores; mas nao dispomos de out A dedugio, feita a part da definigao de literatura fato de serem notor “Os tempos se modi ‘cam, 05 valores, nio”, diz. aniincio de um jornal, como se ainda acreditéssemos na necessidade de se meatarem bebés ‘que nascem defeituosos, ou de se exporem doentes mentais, siderada como filosofia num século, ¢ como, século seguinte, ou n pode varizr 0 cone Até as razbes que determinam a formagio do critério de valioso podem se motificar, Isso, como disse, no significa necessariamente que venha a ser recusado 0 titulo de literatura a uma obra considerada menor: ela ainda cer a0 tipo de Mas no sig- fo” inquestionada da “literatura nacional”, tenha de ser reconhecida como um construto, modelado por determina- s, € num determinado 16 TEORIA Dé LITERATURA: U tas pessoas tios especificos ea de determinados obj: njetivos, Assim, 0 Possivel que, ocorrendo uma transformagio bastante pro- funda em noss ssa hist6ria, possamos no futuro produzi iedade ineapaz de atribuir es Suas obras passariam a parecer impregnadas de modos de pens: considerasse iakespeare nao hoje. Eembora para Cer tragicamente empobr no considerar a poss irrelevantes. Em tal situacdo, ia mais valor do que muitos grafitos de icava para scu pial S interesses esto muito distantes dos nos- 50S, ¢ comecassemos a rele1 3s T esta peva d luz desse nhecimento. Como conseqii reais Cid-las, Poderiamos passar que involuntariamente a Preocupagdes; quando tal Possivel, o drama deix: O fato de sempre certo ponto, a luz de luz de nossas proprias erpretagio tornou-se menos ae ter sis 8505 préprios interesses ~e 0 fato de, NTRODUCAO QUE E LITERATURA? oF apazes de, mum certo sentido, inter ira — poderia ser uma das razdes pelas quais certas obras literdtias pare: jor através dos séculos. Pode acontecer srvemos muitas das preocupagdes inerentes & da pro- pria gbra, mas pode ocorrer também que nio estejamos valorizando exatamente a “mesma” obra, embora assim nos parega. 0“: ‘nosso” Homero nio é igual ao Homero da Idade Média, nem 0 “nosso” Shakespeare ¢ igual a0 dos contem- porineos desse autor. Diferentes pi do com seus interesses e preoeupagées préprios, encontran- do em seus textos elementos a serem valorizados ou desva- Jorizados, embora ndo necessariamente os mesmos. Todas as obras literdrias, em outras palavras, sdo “reescritas”, mes- mo que inconscientemente, pelas sociedades que as Iéem; na verdade, nao hi releitura de uma obra que nao seja tam- bém uma “reescritura”. Nenhuma obra, e nenhuma avalia- io atual dela, pode ser simplesmente estendida a novos ‘grupos de pessoas sem que, nesse processo, sofra modifies ‘es, talvez quase imperceptiveis. E essa é pelas quais 0 ato de se classificar algo con tremamente instivel Nao quero dizer que seja instével porque os valor sejam “subjetivos”. De avordo c entre descrever um fato, como “Esta catedral foi construida em 1612”, e registrar um juizo de valor, como “Esta cate- dral-¢ um-exemplo magnifico da arquitetura barroca”. Va- 18 TEORA Da LITERATURA A INTRODUCIO ‘mos supor, porém, que a prim i que a primeira afirmagio tenha sido feta 2 um vihante estengsio gue percone a Ingaters, ¢ dade em que vivo, ele poderia continua regito desses acontevimentos; nosso icados de acordo com sua posiga: ua posigéio em relago ao noroeste 1 a0 sudeste, Isso demonstraria parte do ema incons- Sprias des- arquitetura bazroca”, mas ainda assim se izos de neenhuma afirmagio relacionada eom fatos pode evi Afinal, as afirmagdes sobre os fatos sio afirmaga pressupdem alguns j eats tais afirmagdes sao di nas do que alguma: Taaiae leave aiehar aaaseee ares cidade, de que vocé é a pessoa indicada para fazé-Las, pane se obtém algo de util com essa afirmagio, e assim po ni Le eee num café pode transmitir informagao, mas aoe a nesse tipo de conversa é um forte elemento Sone omar sen neeewis eed Hales eae as condigées do tempo, estou assina- a ay 2 s idero digna de valor a conversa com see, smd rm ps com a al om oe r, que nao sou anti-sor € que nao estou inclinado ma critica detalhada de si Nesse sentido, ndo ha possi observagao totalmente dk ressada. Naturalmente, o fatc de se mencionara data em qu uma cated fi construing 19 INTRODE jmparcial do que expressar uma 0} ra; mas poderiamos também. afirmagao anterior estaria m: ‘a segumtda. Talve2 “barroco” e “magnifico” se tenham trans- formado mais ou menos em sin6nimos, ao passo que apenas ‘um punhado de pessoas teimosas se apegam & erenga de que fa data de construgio de um edificio seja significativa, e mi- nha afirmagio seja tomada como uma maneira codificada de assinalar essa posigo. Todas as nossas afirmagies des- critivas se fazem dentro de uma rede, freqtientemente invis- legorias nada teriamos a dizer uns aos outros. Nao que tenhamos al- ‘euma coisa chamada conhecimento fatual que possa ser deformado por interesses e juizos particulares, embora isso |; acorre, porém, que sem que nio veriamos qualquer utilidade em nos da alho de adquirir tal conhecimento. Os inter 1350 conhecimento, e no apenas preconceitos que o colocam em risco. A pretensio de que 0 coshecimen- io deve ser “isento de valores” Pode ocorrer que a preferéncia por bananas seja us questio meramente particular, embora tal fato seja quest navel. Uma andlise exaustiva de minhas preferéncias por slimentos provavelmente revelaria a profunda relevéncia sm para certas experiéncias formativas de minha ara as relagdes com meus pais ¢ irmios ¢ para 1105 fatores culturais que séo to sociais ¢ “nao- > qnanto as estacdes ferroviirias. [sso é ainda mais 10 que diz respeito & estrutura fundamental de eren- gas e interesses que me envolve desde 0 nascimento, como Tembro de uma determinada sociedade, tais como a convie- Gio de que me devomanter em boa saide, de que as diferen- «cas dos papéis sexuais tém suas raizes na biologia humana, que elas in fan 20 TEORIA DA LITERATURA: UMA INTRODUGHO (ou de que os sezes humanos sdo mais importantes do que os crocodiles. Podemos discordar disso ou daquilo, mas tal dis. cordancia s6 é possivel porque partithamos de certas manei. Tas “profundas” de ver e valorizar, que estio ligadas & nosea vida social, e que no poderiam ser modificadas sem trans. formatem essa vida. Ninguém me castigaré seriamente por no gostar de um determinado poema de Donne, mas se, Certas circunstancias, eu argumentar que Donne nao tura, eu correria 0 risco de perder meu emprego. Sou livre Para votar a favor dos tabalhistas ou dos conservadores, ‘mas Se eu tentar agir com a convicedo de que essa escalhg apenas mascara um preconceito mais profundo — 0 precon. ceito de que o significado da democracia limita-se a colocar uma cruz num voto de tantos em tantos anos ~ eno, em certas circunstincias excepcionais, eu poderia acabar na cadeia. A estrutura de valores, em grande parte oculta, que in- forma e enfatiza nossas afimagoes fatuais, € parte do que entendemos por “ideologia". Por “ideologia” quero dizer, aproximadamente, a maneira pela qual aguilo que dizemos ¢ zo que acreditamos se relaciona com a estrutura do poder ¢ com as relagdes de poder da sociedade em que vivemos Segue-se, dessa grosseita definig20, que nem todos os nos. S08 julzos e categorias subjacentes podem ser proveitoss. mente considerados ideolégi funda de que avangamos para o futuro (pelo menos uma ou. fa sociedade acha que esti recuando para o futuro), mas embora essa maneira de ver possa se relacionar de modo jcativo com a estrutura de poder de nossa socicdade, Nio entendo por “ideologia” s a 2es profiundas, e so muitas % mais particularmente, como sendo os modos de sentir iat, pereeber e acreditar, que se relacionam de alguma ? 2 INTRODUGHO: O QUE & LITERATUR: forma com a manutengio ¢ reprodugio do sean a foto de ue tae convioges no so apenas caprichosp culares pode ser ilustrado com um exemplo ae Em seu famoto emido A préin de erica ert 0 1. A. Richards, de Cambridge, procurou de- 0s juia de valor teres poder isco bjetivos, disitibuindo aos seus alunos uma série Ge pocnas, sem ostiulose os nomesdosautres, pedis notas baixas e autores obscuros foram elogiados. Na minha opinio, porém, o aspecto mais interessante ee pr oe ap que parece niio percebido pelo eis at onstar como um consenso de avalagdes inconscint Siracusa osiares Lendo as opines dos alunos de Richards sobre as obras Eh ‘surpt = dem-nos os habitos de percepéao e interpretagdo que, espor - taneamente, todos tem em comum — 0 que esperam que. ratura sea, quis os pressupostos que levam a um Posna que satisfages'esperam obter dele, Nada disso é real ep surpreendente, pois todos os participantes da oa ‘eram, presumidamente, jovens, brancos, de classe ae védia, educados em escolas particulares inglesas da dé ; © a maneira pela qual regiram a um pocma muitas outras coisas além de fatores ee terétios”, Suas reagdes criticas estavam peste i sscanan sus peconntos eng mis geri Nos ta de uma questo de culpa: nao hd reagdo critica que ea teh ilies cain endo nha qu ce seme Ihe a um julgamento ou ictrpremgso in a dria’. Se alguém é culpado, sera I. 5 Aer de Cambridge, jovem, branco, de classe et alta, foi incapaz de objetivar um conexio de ae 2 qual ele partithava em consideraveis proporgdes, sendo por 2 2 TEORIA DA LITERATURA: UMA INtRODUGHO isso incapaz de reconhecer plenamente que as diferengas lo- cais, “subjetivas”, de avaliacdo, funcionam dentro de uma ‘maneira especifica, socialmente estruturada, de ver o mundo. Se no € possivel ver a lit me ee eratura como 5 ‘objetiva”, descritiva, também nio é ces " ossivel di ite Tatura é apenas aquilo que, Laue ne caprichosamente, queremos cha- ‘mar de literatura. Isso porque nio hé nada de caprichoso nes. . Eles se referem, em iltima anilise, no apenas aes Particular mas aos pressupostos pelos quais certos Tupos sociais exercem e mantém o poder 4 sa f afirmagao parece 3 CeptaloT Aascenséo do inglés Na Inglaterra do sé. XVIII, 0 conceito de literatura ‘como costuma ocorrer hoje, aos escritos ‘Abrangia todo 0 conjunto de -ociedade: filosofia, hstéria, ensaios ‘Nio era o fato de serficgdo que mente se viria a ser literatura a forma recém-surgida do ro- ‘mance — e sim sua conformidade a certos padres de “belas em outras palavras, francamente i que encerravam os valores e “gostos” de uma determinada classe social cram considerados literatura, a0 passo que uma balada cantada nas ruas, um romance popular, ¢ talvez. até mesmo 0 drama, no o eram. Nessa conjuntura histérica, portanto, 0 “contetido de valor” do conceit de literatura era razoavelmente auto-evidente. Mas'no séo. XVIII a literatura fazia algo mais do que “enoerrar” certos valores sociais: eta um instrumento vital para 0 maior aprofundamento e a mais ampla disseminacao destes mesmos valores. A Inglaterra do séc. XVIII emergia, as classes sociais. E no esforgo de se reconsolidar uma or- dem social abalada, as nogdes neoclassicas de Raziio, Natu- reza; orclem e propriedade, epitomizadas na arte, eram con-

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