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LEITURA CRITICA SOBRE A ATITUDE ESTETICA NA ARTE ROMANICA Meyer Schapiro Os eriticos da cultura moderna, de cem anos para c4, contrapuseram a situacdo da arte ‘em nossa sociedade ao papel que tinha na Idade Média. Nessa época, imaginam eles, a arte era uma parte essencial da vida social, enquanto em nossos dias é um “mero orna- mento” despojado de utilidade ou de fins espirituais elevados. Tal juizo sobre o cardter inorganico da arte moderna repousa em uma concepcao estreita e esquemética da natu- reza da arte e do modo como hoje funciona. € dificll esperar que esses criticos possam servir de guia &s qualidades e as aspiracbes da arte moderna, privados como séo de sim- patia por ela, Seria facil demonstrar que a arte contemporanea, emibora nao religiosa ~ € precisamente por isso mesmo -, esté entrelagada com as experiéncias € os ideais moder- nos ndo menos ativamente do que a arte passada, com a vida do seu tempo. Isso no quer dizer que para admirar as obras modermas devem-se necessariamente aceitar de bom grado as instituigbes sociais modernas: boa parte da melhor arte de hoje é, 20 contrario, fortemente critica da vida contemporanea. Igualmente, admirar a arte medieval no im- pe aceitar 0 feudalismo como uma ordem humana ideal ou as lendas € os dogmas re~ presentados nas esculturas das igrejas como verdades dignas de fé. Mas 0 que aqui nos propomos no ¢ defender a arte moderna, e sim, antes de tudo, indagar sobre a o comum de que a arte medieval era estritamente religiosa e simblica, submetida a final: dades coletivas e absolutamente imune ao estetismo ¢ ao individualismo da nossa época. Procurarei mostrar que entre os séculos xi € xi estava imersa na Europa ocidental, no inte~ rior da arte eclesiéstica, uma nova esfera de criagéo artistica despojada de conteido reli gioso e imbuida dos valores de espontaneidade, fantasia individual, alegria da cor e do movimento, além da expressio do sentimento, que antecipam a arte moderna. Essa nova arte, as margens da obra rligiosa, era acompanhada por um gosto consciente dos espec- tadores pela beleza da execucéo, dos materiais e dos expedientes artisticos, indepen- dentemente dos significados religiosos. € bem conhecido que atitudes e qualidades co- mo essas estavam presentes na poesia latina e popular daquele periodo: o estetismo dos poemas trovadorescos nao precisa ser ressaltado. Mas as aspiragoes paralelas dos seus contempordneos escultores e pintores so menos familiares aos estudiosos do Medievo. E verdace, naturalmente, que a arte medieval estava estritamente ligada & religiéo, € devemos recusar a idéia de que a arte crsta fosse simplesmente arte secular a servigo da Igreja. Isso pode ser verdadeiro para boa parte da arte religiosa hodierna, mas no Medie- vo 0s artistas criaram algumas das suas formas mais originais e duradouras,trabalhando exatamente para a Igreja e no esforco de resolver os problemas artisticos que nasciam de aspiragbes e posigdes religiosas. Todavia, ¢ oportuno dizer que no &mbito de uma institui- fo tho altamente organizada como a cristandade medieval € quase sempre dificil distin- Buir entre aspiragGes religiosas e seculares. A Igreja nao era simplesmente um 6rgao reli- Bl0s0, estranho aos negécios materiais. Reivindicava um poder material ¢ era submetida a todas as solicitagGes do desenvolvimento social e econémico e & mudanca das formas de vida da comunidade. Como grande proprietéria de terras, detentora, segundo as estima~ tivas, de quase um tergo da propriedade fundiaria na Franca, a Igreja exercia a autoridade feudal sobre os vassalos e servos, e os seus bispos empunhavam armas, faziam a guerra € se empenhavam abertamente nas lutas polticas de sua época. Assim como os teis ¢ 0s no- bres, 0s altos dignitarios da Igreja seguiam o estilo de vida daquele mundo feudal, quais- ‘quer que fossem seus deveres espirituais dentro do sistema das relagdes feudais. ‘Mas também em um nivel social mais baixo as condigées materiais afetavam as for- mas religiosas constituidas, ao provocar reagdes contra o poder e a corrupgao do clero, 404 HISTORIA DA ARTE ITALIANA ~ DA ANTIGUIDADE A DUCCIO ‘ou ao fomentar novos ideais religiosos mais condizentes com as novas exigencias da vi- da secular. © desenvolvimento urbano € 0 conjunto de relacdes sociais originadas pela nova forca dos mercadores dos artesdos como classe sugeriam novos temas e perspec- tivas ao pensamento religioso, contribuindo por essa via para transformar a arte religiosa, ainda que a estrutura do cristianismo permanecesse essencialmente a mesma. Advindos das fileiras desses estratos sociais inferiores, os artistas e quase sempre o baixo clero ‘eram abertos as correntes seculares de seu tempo. Mas a relacdo entre religido e arte independe da questo de que os préprios artistas fossem leigos ou monges. O estilo Luts xv, nos objetos rococé maravilhosamente acabados € elegantes que Ihe sZo préprios, trate-se de edificios, méveis, tecidos, porcelanas ou es- culturas e pinturas, transmite-nos, imediatamente, 2 quintesséncia do espirito aristocratico daquele momento. Porém, grande parte de tudo isso foi criada por artesdos que viviam di- versamente de seus patrées e tinham diferentes ideais. Em todo caso, no eram os préprios pensamentos e perspectivas que pretendiam exprimir, mas os pensamentos e perspectivas do grupo dominante, que nao estava em condigées de produzir obras semelhantes. Ana~ logamente, a criagao artistica do Medievo nao requeria artistas profundamente religiosos, mas que tivessem sido formados em um s6lido ambiente religioso e tivessem desenvolvido sua habilidade em tarefas fixadas pela Igreja. Aprendiam intuitivamente seus requisitos ex- pressivos e segundo estes eram escolhidos, por bispos e abades. Giotto, o autor do gran- de ciclo de pinturas franciscanas em Florenga, 0 artista sempre admirado (talvez injusta- mente) como quem deu a expressao definitiva e perfeita ao contetdo franciscano, criticava, 05 ideas e a vida da ordem: sua Gnica obra literdria que chegou até nds ataca 0 voto de pobreza. Hegel escreveu muito corretamente que em uma era de piedade nao ha necessi- dade de religiosos para criar uma obra de arte autenticamente religiosa, enquanto hoje 0 artista mais profundamente piedoso é incapaz de produzi-la. Essa discrepancia entre a as- piracdo religiosa pessoal e a atual condicao da arte foi expressa de outro modo por Van Gogh, homem de apaixonada intuigdo crist, quando escreveu que era impossivel pintar os antigos temas religiosos em um estilo impressionista. A idéia difundida de que a arte medieval era obra de monges ou de arteséos leigos profundamente religiosos, inspirados numa atitude humilde de execucdo desinteressada @ de servigo a Igreja, funda-se sobre o pressuposto de que essa arte fosse integralmente religiosa e que a gente do Medievo apreciasse a arte s6 por sua utilidade, devocao e por estar diretamente imbuida de concepcées espirituais conformes aos ensinamentos tradi- cionais da Igreja. Mas os monumentos e os escritos, em particular dos séculos xi € x ros dizem o contrério. Nos edificios hé uma enorme quantidade de elementos que, de um ponto de vista didatico-religioso e estrutural, s4o inteiramente indtels. Seria supérfluo insist sobre es- se ponto, que ja ¢ bastante evidente dada a profusdo de ornamentos das igrejas medie- vais. Mas as vicissitudes do gosto e da teoria da arte tornaram muitos estudiosos cegos a0 significado dessa quantidade de decoragées. Ha dois séculos a arquitetura medieval, es- pecialmente a gotica, foi julgada nao-artistica pelo carater extraordinariamente capricho- 50 € irracional das suas formas e pela multiplcidade dos detalhes que nao encontravam justificativa em nenhuma norma pratica. Cem anos mais tarde, essa opiniéo converteu-se no seu contrario: 0 gético foi elevado a modelo de uma arte plenamente funcional. Na opiniao do catdlico convertido Pugin e do arquiteto racionalistalivre-pensador Viollet-le- Duc, cada elemento na construgao em pedra da catedral gotica, até mesmo as nervuras, as pequenas colunas, as emolduragbes, os pindculos, as biquelras esculpidas, as folha- gens recurvas etc., era estruturalmente necessério. A arquitetura gotica tornou-se assim ‘© modelo de um estilo funcional, e a idéia de que a arquitetura maior, mais impressio- nante, criada no mundo ocidental fosse dessa espécie contribuiu para estimular o cres- cimento de um estilo secular moderno, estreitamente aliado & engenharia, entre cujos Leitura critica 405 cénones fundamentals figuram a eiminagao de todo omamento € 0 abandono da pedra ‘como material de construgao. Até a Igreja catélica simpatizou com essa nova voga: um escritor recente, um cdnego da Igreja, recomendou a nova arquitetura de concreto ar- mado como a mais conscnante com os ensinamentos de Tomas de Aquino e como 0 Unico estilo possivel hoje para a Igrela. (© moderno estudo cientifico da construgso recusou aquela concepcio do gético. Ains- pirada interpretagao tecnolégica de Viollet-le-Duc revela-se hoje mecanicamente incoreeta. A igreja gética nao forma, como ele supunha, um sistema ideal de equilibrio, no qual os ‘empuxos das abobadas so transmitidos pelas nervuras aos arcos rampantes e dai aos con- trafortes externos, que sao mantidos em equilbrio pelo peso dos pindculos. A construcio é uma criagdo estética e certas partes outrora declaradas estruturals so agora vistas corno expressivas e ormamentais ‘Mas ainda que essa teoria fosse aceitvel para o nucleo da estrutura, restaria nas construgdes medievais muita coisa que néo pode ter sido derivada de intengBes constru- tivas ou religiosas. Um exemplo elementar & a variedade de capitéis na arcada romani- ca, Nao se trata, absolutamente, de uma variedade "organica”, dado que os elementos podem ser claramente intercambiados sem tocar a estabilidade ou 0 aspecto geral do eedifcio. Esses elementos diferenciados de uma série comum tém fungoes idénticas. Em um templo grego seriam indistinguiveis, como as colunas déricas ou os capitéis do Par- tenon. Mas 0 artista romanico achava que era melhor individualizar as partes, indepen- dentemente de sua identidade funcional. Em certas obras, a variagéo parece ter origem ‘em uma intengao didatica: os capitéis so esculpidos com diferentes episédios da vida de Cristo, com 0s santos ou com as figuras do Antigo Testamento, Mas 56 uma pequena parte ¢ historiada, e a mesma variedade se encontra ainda num petiodo anterior, nos ca- pitéis com folhas e animais e em regiGes como a Normandia e a Bélgica, onde os temas religiosos sao raramente aplicados a esses elementos. ‘Alem disso, 0 fato de a variagao aparecer quase sempre sobre embasamentos, sobre as proprias colunas e até mesmo sobre mal visiveis misulas sob as altas cornijas mostra 0 quio profundamente esta radicada essa tendéncia dos artistas, que vai além dos requi sitos de um programa religioso fixado por imagens didaticas ou simbdlicas Poder-se-ia perguntar se nao exageramos o significado estético dessa variacao. Talvez seja.o simples subproduto de um método de trabalho fragmentario, no qual cada cantei- £0 ou escultor tem capittis particulares para entalhar a seu modo, sem ocupar-se do efei- to abrangente e sem vincular-se aos desenhos de um arquiteto que regulem antecipada- mente todos os detalhes. Mas ainda assim essa variagdo seria significativa para nés como um exemplo frutifero de liberdade de concepeao individual, como poucas vezes encon- ‘ramos nos elementos correspondentes das construcdes classicas; e perguntarfamos, por ‘outro lado, se esse ndo constitui também o terreno de formagdo dos ousados autores dos ‘grandes timpanos romanicos, t&o originals e pessoals em seus desenhos. Citarei um dni- 0 texto, entre tantos, que comunica o entusiasmo dos contempordneos por esse géne- ro de variagées, sua consciéncia de que se tratava de uma realizacio estética que permea- vva a obra na sua inteireza. Trata-se de uma passagem de uma crénica dos abades de Saint-Trond, préximo de Liege, e diz respeito ao abade Wiricus, em 1169: Tanto cuidado o industrioso arquiteto dedicou A decoragao do monastério que todos em nossa terra concordam que esse ultrapassa os mais espléndidos paldcios pela va~ riedade da execugo (operosa varietate). Com gosto e arte inseriu diversos cursos alternados de pedra branca e preta e embelezou a estrutura da capela de maneira extraordinaria, no interior e no exterior, com um original revestimento de colunas ne~ as e jaspeadas, com embasamentos finamente polidos e capitéis esculpidos de ma- ravilhosa variedade. Com a beleza da obra ele tomou imortal o autor da empresa. 406 HISTORIA DA ARTE ITALIANA ~ DA ANTIGUIDADE A DUCCIO; ‘Amesma variedade encontra-se er uma arte que nao obra de artesdos contrata- dos a pagamento, mas um produto doméstico de grupos mais devotos: a iluminura de ‘manuscritos religiosos. Ao lado das miniaturas que ilustram um texto religioso em que é possivel discerirmos uma conextio com a doutrina e 0 rito, ha indmeras letras capitu- lares de natureza fantéstica, elaboragdes que recobrem ou fazem desaparecer a forma da letra em emaranhados com um jogo complicado de figuras humanas, animais ¢ ve- ‘getacdo, quase sempre agressivos e brutais, a sugerir uma preocupagao masoquista do autor. € caracteristico dessa fascinante arte que o omamento da capitular, espalhando- se livremente, nao s6 ultrapassa os limites da letra, como nao tem, na maioria dos casos, nenhuma conexio reconhecivel com o significado do texto. Ai, como nos capitéis das construgdes, 0 mesmo elemento, uma letra capitular, assume forma e tratamento deco- rativos diversos, altamente espontineos, em cada exemplar recorrente. Seria, talver, esse pensamento inspirado por uma subjacente concepcdo cristd da in- dividualidade humana, expressa através da singularidade das formas dos componentes em um grupo comum? E uma idéia fascinante, embora dificil de verificar. Mas somos constrangidos a afasta~ la ou ao menos a circunscrevé-la, porque uma individualizacao similar é rara ou ausente ‘na arquitetura cristé antes do periodo roménico, mais marcada no estilo romanico do que no gotico e precede de dois séculos as idéias escoldsticas da forma como principio de in- dividuacdo nas criaturas vivas. Nos interiores das igrejas do século xm ha uma uniformi- dade maior das partes, ura proximidade com o Renascimento, em prejuizo daquela fan- tasia exuberante que nos delicia na arte romanica. Se a fantasia permanece nos exteriores goticos, esses sdo todavia mais seculares no espirito e sao orientados para o mundo ex- terior, para o homem das ruas e da praca do mercado, a ativa comunidade civil que foi, creio eu, 0 terreno basilar do crescimento da individualidade no Medievo. Um importante testemunho do século xi permite-nos aprender o momento essen- cialmente estético e secular daqueles entalhes rom&nicos e da individualizagao dos ele- mentos. & a diatribe freqientemente citada de Sao Bernardo contra a arte de Cluny do seu tempo, em uma carta ao abade Guilherme de Saint-Thierry. *No claustro”, escreve, sob 05 olhos dos confrades que léem, a quem agrada aqueles ridiculos monstros, aquela maravilhosa e deformada beleza, aquela bela deformidade? Com que finali- dade estao ali aqueles macacos imundos, aqueles leGes ferozes, aqueles centauros monstruosos, aqueles meios homens, aqueles tigres cobertos de lstras, aqueles ca~ valeiros que se batem, aqueles cacadores que esganicam seus commas? Véem-se lé muitos corpos sob uma unica cabe¢a, ou ainda muitas cabegas sobre um s6 corpo. Aqui hd um animal quacriipede com um rabo de serpente, la, urn peixe com a cabe~ a de outro animal. Aqui ainda, a frente de um cavalo que se langa atrés de meia ca~ bra, ou um animal de cornos traz a parte posterior de um cavalo. Em suma, tantas tao maravilhosas s4o as variedades de figuras de todos os lados, que somos mais tentados a ler no marmore do que em nossos livros € a passar o dia inteiro a espan- tarnos com essas coisas do que meditar sobre a lei divina. Pelo amor de Deus, se os homens no se envergonham dessas loucuras, por que, 20 menos, nao se ocupam com as despesas? A carta inteira requer um estudo atento; cada frase esta carregada de significados {que abrem perspectivas sobre o mundo roménico. Podemos levar em consideraco aqui apenas poucos pontos mais rigorosamente pertinentes a este escrito. Dever-se-ia observar, antes de tudo, que na sua rigorosa critica das esculturas do claustro, Bernardo no ataca a arte religiosa, mas imagens profanas de uma fantasia de- senfreada, quase sempre irracional, temas violentos nos quais ele reconhece apenas a Leitura critica 407 satisfagdo de uma va curiosidade. Nao se pode responder-Ihe com o argumento dos ico- rédlatras pelo qual o homem, como criatura imperfeita, tem necessidade da imagem tan- sgivel de Cristo e dos santos para chegar até eles em espirito. Essas esculturas do claustro sio totalmente despojadas de significado didatico ou de simbolismo religioso. Se o que 6 fisicamente demoniaco é uma parte essencial do seu repertorio, os monstros nao so, porém, considerados por Bernardo como simbolos do mal; nao ha raz4o para supor que 10 escultores os tenham concebido deliberadamente como tals. Ao contririo, a nova arte é condenada precisamente porque ¢ ireligiosa e exempli- fica uma atitude paga para a vida, que, no fim, entrard em competigao com a cris, uma atitude de fruigéo espontanea e de curiosidade para com o mundo, expressa por mi de imagens que chocam os sentidos e a imaginacéo profana. Essa tendéncia artstica es- tava latente até entre os cistercienses no periodo herdico da fundagao da ordem, quan- do era mais do que assunto para a dupla disciplina da piedade ascética e da dura fadiga. Podemos compreender que os monges € os confrades leigos que era adotados para drenar os pantanos, para desbastar as florestas, para construir diques, e que descreviam em tom admirado as suas grandes empresas técnicas, os canais e a energia hidrica, de- veriam desprezar as indteis artes da decoragio. Dal o tom puritano, moralista e pratico ‘a0 mesmo tempo da carta de Bernardo, que termina queixando-se do desperdicio de trabalho e de outo. Todavia, em um dos primeiros monumentos da arte cisterciense, rea- lizado no decénio precedente & influéncia espiritual de Bernardo, o grande manuscrito das Homilias sobre J6 de Gregério, da Biblioteca de Dijon, as letras capitulares so pin- tadas com notaveis imagens da vida cotidiana, os monges no trabalho, cortando arvo- res, debulhando 0 trigo, preparando a la etc.,. mas também com um emaranhado selva- gem de monstruosos animais agressivos e figuras humanas que teriam certamente causado a indignagao do santo. Essas vivazes e fascinantes representagGes, totalmente independentes do texto que acompanham, sao surpreendentemente modernas pela l- berdade da concepgao e precisdo do deserho, ricas de detalhes finamente observados, talvez as primeiras manifestagdes desse género na arte medieval. Sao semelhantes obras que Bernardo e os cistercienses sucessivos condenam como “curiosidades”. Curiositates e curiosum sao termos muito frequentes na polémica contra a arte nesse periodo; sao recorrentes nas Regras dos cistercienses e dos cartuxos e no século seguinte entre os dominicanos e os franciscanos, com mondtona regularidade. Essas criticas e proi- bigbes que se faziam valer por inspetores autorizados a remover as obras ofensivas das igrejas e dos edificios dos monges fazem-nos compreender qual era o significado dessas imagens para os contemporaneos que as frulam. Algumas vezes os monges resistiam & condenagao desses objetos; na abacia de Vicogne, préxima a Valenciennes, defenderam, 20 contrério, energicamente as suas pinturas, e as visitas de inspegao tiveram de ser sus- pensas, Numa litania das artes no famoso didlogo com um monge clunicense, 0 cistercien- se disse: “Belas pinturas, esculturas variadas, umas e outras adornadas de ouro, belas € Preciosas roupas, belos e variegados tecidos, janelas e preciosas tacas de safira, capas e ca- sulas bordadas de ouro, calices de ouro e de pedras preciosas, letras douradas nos livros; todas essas coisas ndo server a necessidades praticas, mas & concupiscéncia dos olho: Bernardo admite em um ponto de sua carta que as belezas da arte podem encontrar justificativa nas catedrais e no nos mosteiros, dado que servem para atrair aqueles cu- ja devogao se deixa excitar mais pelos omamentos materials do que pelos espirituais. ‘Mas também essa concessao nao perdurard. Os belos objetos, mesmo se encontrados fem uma igreja, so, ao final, uma distracao da venera¢do e uma indulgéncia e uma ex- travagancia nao-cristas. Eles atraem o olhar dos fitis e impedem a sua tengo. [...] So mais admirados do que a santidade é venerada. [...] Os fundos para 0s necessitados séo consumidos 408 HISTORIA DA ARTE ITALIANA ~ DA ANTIGUIDADE A DUCCIO. para o prazer dos olhos dos ricos. Os curiosos encontram o que os diverte, mas os pobres no encontram nenhum conforto. Bernardo est4 consciente também do aspecto sagrado € didatico das imagens nas igrejas, mas com uma asticia retérica releva-o abertamente apenas nos pavimentos em que as figuras santas so pisadas. Frequentemente cospem no rosto de um anjo, muitas vezes os que passam cami nnham sobre as faces dos santos. Se nao respeitais essas imagens sacras, por que ido respeitals pelo menos as cores? Por que embelezar 0 que logo deve estar sujo? Por que decorar aquilo sobre o qual se dever caminhar? A quem agrada essas belas for- mas em lugares onde so continuamente arruinadas pela sujeira? Tamanha solicitude pelas artes surpreende em um monge que, em suas préprias pa- lavras, abandonou todas as belezas e os prazeres dos sentidos por amor de Cristo, pas- sando a considerd-las abjetas. Entretanto, voltando as monstruosas esculturas dos claustros, é chocante que, por- quanto condene essas obras sem significado ¢ esbanjadoras, Bernardo tenha escrito um inventério to vivido dos seus assuntos e os caracterizado com tanta precisdo: cada te- ma por ele mencionado ¢ visivel nas igrejas e nos claustros romanicos reranescentes. ‘O santo investigou esses capitéis nao menos atentamente do que faziam os monges aos quais reprova por meditarem as esculturas em vez de meditarem a Biblia ou os Padres [da Igrejal. Sé uma mente profundamente atraida por essas coisas podia evocé-las com tanta plenitude, e apenas uma inteligéncia com alguma afinidade por suas formas podia aplicar a esses entalhes a paradoxal sentenca: “Essa maravilhosa beleza disforme, essa bela deformidade” (mira quaedam deformis formositas ac formosa deformnitas) que se assemelha em sua construgdo reversa, antitética, a um desenho tipico da arte romanica. © conceito de uma bela deformidade parece tirado da estética anticléssica do século xix, de Baudelaire e de Rodin, mas esse jogo de palavras no deve ser interpretado no sen- tido moderno e nem mesmo como uma tentativa de Bernardo de definir uma estética roménica. Provavelmente, trata-se de uma justificativa de sua hostilidade para com es- sas obras como pertencentes a uma ordem inferior de beleza e reproduz um pensamen- to do seu predileto Agostinho, segundo o qual “existe uma beleza de forma em todas as criaturas, mas em comparagéo com a do homem, a do macaco é chamada deformidade”. Essa reminiscéncia do antigo padre responde, talvez, pelo inicio da lista de Bernardo, com os “imundos macacos", entre as esculturas do claustro, Sem davida, Bernardo era intensamente fascinado por essas obras indtels e espiri- tualmente perigosas. Em geral, desviava o olhar das distragées da arte e néo tinha con- digdes de se lembrar dos mais simples detalhes do que estava ao seu redor. Seu bidgrafo registra alguns exemplos dessa notavel indiferenga. Ele passara um ano inteiro numa cela de novigo € nao sabia, quando a deixou, se a casa tinha um teto em abdbada. Freqirentara muitas vezes a igreja, andando dentro e fora, e contudo imaginava que ali houvesse apenas uma janela na abside, onde, na realidade, havia trés. Tendo mortificado seu sentido de curiosidade, nao tinha ne- nhuma percepgao dessa qualidade; ou, se por acaso Ihe acontecia de ver alguma coi- sa, sua meméria, ocupada com outras, ndo a registrava [...) Entretanto, lembrava de maneira surpreendentemente exaustiva os detalhes da deco- ragdo do claustro, Podemos interpretar psicologicamente, supondo que Bernardo respon- dese com excitagdo a imagens de criaturas vivas, sentindo-as proximas de si, e ficasse frio Leitura critica 409 diante das formas geométricas sem vida das janelas e das abébadas. Isso estaria de acor- do com sua hostilidade para com a dialética de Abelardo e com toda a teologizacao siste- matica da fé. € um homem de paixdo mais do que de razao, que transfere uma enorme ‘energia de desejo para o amor de Cristo e da Virgem mae. Quando ataca a arte dos claus- tos, & contra a concupiscéncia dos seus préprios olhos e a irracionalidade dos seus impul- 308 que reage. Os escritos de Bernardo sao ricos em figuras de movimento e de vida; re- corre constantemente a metéforas de prazer sensual para a expressto religiosa: “Jesus € mel sobre meus lébios, melodia nos meus ouvidos, jdbilo no meu cora¢ao”. Ama os con- trastes que chocam, as oposigdes violentas e aterradoras, o monstruoso grotesco, o que & antitétco e invertido, Pensando na sua dupla vida de monge e de estadista da cristanda- de, chamou a si proprio de “a quimera do meu tempo”. Bemardo representou o grande hherético Amaldo de Brescia com a fantasia de um imagier romanico: “Cabeca de pombo, cauda de escorpio”. E quando teve de falar de sua ordem relgiosa, imaginou os cster- cienses como acrobatas e jograls do espirito que oferecem um espetculo belissimo aos “anjos, mesmo incorrendo no desprezo dos orgulhosos e dos mundanos. Tudo 0 que [os mundanos] desejam, nés, 20 contrério, refutamos, e tudo o que eles recusam, nés desejamos, como aqueles jograis e dancarinos que, com a cabeca pa- ra baixo € os pés para o alto, em uma posigao inumana, esto parados ou caminham sobre a5 maos, atraindo os olhares de todos. Essa é uma auténtica imagem da arte romanica. Quao frequlentemente nos portais do sul e do oeste da Franca sdo entalhadas figuras como essas, justapostas a santas perso- nagens ~ acrobatas e dancarinos em meio a anima fantdsticos! Sao também recorrentes ‘nos manuscritos litirgicos, em missals e brevidrios e em outros livros religiosos. Os an- ios do Apocalipse, que comparecem aos seus flancos com as violas e cetros, adquirem dessa vizinhanga uma conotacdo profana; é de se perguntar se também eles nao foram escolhidos por suas qualidades de virtuosos da miisica. AAs esculturas que Bernardo denunciava com tanto fervor, desdobrando suas vaida- des e monstruosidades, sao uma parte considerdvel da arte romanica. © que ele rejeita ‘nao é uma obra ou uma escola particular, mas uma tendéncia substancial,difundida, que se manifesta em milhares de exemplos que sobreviveram até nés. Em certo tempo, os estudiosos pensaram em angariar essas esculturas para a unidade da arte religiosa, dis- ccernindo um recéndito simbolismo teokégico ou moral nos seus tipos profanos, grotes- cos. A carta de Bernardo tira 0 crédito de uma abordagem do género, conquanto em algumas obras 0 contexto nos autorize a supor que tivessem sido concebidas de modo simbélico. Mas & justo chamar de “puramente decorativas” as outras porque nao tém lum sentido religioso? A finalidade artistica s6 tem alternativa entre 0 religioso e 0 orna~ mental? Excetuando os elementos de folclore e de crengas populares em alguns desses tipos fantasticos, s40 um mundo de emocdes projetadas, de imagens psicologicamente significativas de forga, de jogo, de agressividade, de ansiedade, de autotormento e de medo, encarnados nas poderosas formas de criaturas guiadas pelo instinto, retorcidas, intrincadas, lutadoras, opostas e sobrepostas. Diferentemente dos simbolos religiosos, rndo obedecem a nenhum ensinamento ou corpo de doutrinas. Nao se pode imaginar que tenham sido encomendadas por um abade ou por um bispo, como partes de um programa didético. De modo algum convidam a um aprendizado intelectual sistetico, mas s40 tomadas como fantasias individuais quase sempre irracionais, como pensamen- tos e sensagdes isolados. Essas figuras grotescas e os combates de animais estao a meio caminho entre a arte antiga ea moderna em seu cardter individualizado, mas ainda mar- ginal, assim como 0 feudalismo ocupa um espago entre a sociedade antiga e a moder- na Aletra capitular ou 0 capitel romanico nao existem plenamente em si mesmos, como 410 HISTORIA DA ARTE ITALIANA ~ DA ANTIGUIDADE A DUCCIO uma obra moderna: pertencem ao mais vasto conjunto do livro ou do edificio. Mas, por outro lado, nao sao rigidamente submetidos ao significado ou & forma do conjunto do qual fazem parte, como os ornamentos antigos asidticos e gregos. A capitular no tem, muitas vezes, moldura ou corta-a e invade as partes adjacentes. E é ela mesma uma par- te, mas tem uma inteireza e uma fisionomnia pronunciadas, especiais, um elxo e uma ex- pressio proprios. ‘Muito pouco existe na igteja bizantina que possa comparar-se a esse aspecto da ar- te romanica. Uma carta como a de Bernardo é inconcebivel no Oriente. Essa diferenga ilumina a peculiaridade do desenvolvimento ocidental. As imagens tém um status dife- rente nas duas cristandades: em Bizancio, eram feitas por devo¢io, que se pode definir como venerago ou homenagem; no Ocidente, até pelos Libri Carolini, eram limitadas oficialmente & decoragéo e & instrugdo, quaisquer que fossem as tendéncias populares, ou eclesiasticas a um culto das imagens. Dat a impossibilidade de a igreja do Oriente ad- mitirtipos tdo seculares no espirito; a imagem como tal € um objeto de culto e por isso submetida a tradigao e ao dogma com vinculos mais estreitos do que no Ocidente, on- de é, a principio, também um objeto de decorago. Mas 0 conteddo positive que o "de- corativo" conquistou no Ocidente nao pode ser considerado como derivado diretamen- te de problemas e de exigéncias religiosos. O mundo profano cotidiano faz sentir af sua voz, € sua evolucio ao longo do Medievo em direcao a um espirito secular urbano e & individualidade penetra nos mosteiros e nas igrejas, que sao parte, e muitas vezes das mais ativas, desse grande desenvolvimento. Se a carta de Bernardo é um testemunho negativo da estética romanica, ha também um corpo de julzos coevos que exprime as reagdes positivas & arte desse periodo. Nao po- demos esperar naturalmente uma literatura estética como a nossa no século xi: a arte ‘do se tornara ainda um 2mbito central da cultura, ou um modo de vida por meio do qual os homens na sua personalidade leiga pudessem livremente forjar seus ideais e suas intuigdes das coisas. A descrigdo da resposta individual da arte e a reflexdo sobre a sua estética eram ainda acriticas,incidentais e sumarias. Mas encontramos em passagens es- pparsas nas crénicas, nas biografias, nas cartas e nos sermées ~ as vezes, trechos de n0- tavel extensdo ~ expresses de admiracéo e também de perspicécia estética que nos sur- preendem pela afinidade com a mais desenvolvida consciéncia critica de periodos mais tardios, quando a critica de arte, a teoria e a historia da arte sero constituidas como campos distintos. Os textos fortuitos desse genero nao foram jamais destacados ou reu- niidos. Essas reacbes a arte no Medievo devem ainda ser investigadas com o mesmo cui dado que os documentos sobre o sentimento pela natureza. Posso citar apenas poucas das passagens com as quais deparei por acaso ou que achei nas coletaneas de textos fei- ‘as para outras finalidades, como o Recueil de Mortet para a histéria da arquitetura me- dieval na Franga. Contra a crenga geral de que no Medievo a obra de arte fosse conside~ rada essencialmente como um veiculo de ensino religioso ou como um artefato dirigido um fim pratico, e que a beleza de forma e cor no fosse objeto de contemplagao, nes- ses textos abundam juizos estéticos e descrigdes das qualidades e da estrutura da obra, Falam do fascinio que emana da imagem, da sua maravilhosa semelhanca com a reali- dade fisica, da espléndida habilidade do artista, quase sempre abstraindo-os completa- mente do contetido do objeto de arte. Ha, ser davida, uma forte corrente de estetismo na cultura do século x, que corre em campos diferentes, nas artes plasticas nao menos ‘que na poesia latina e vulgar. Ela influencia as formas de vida religiosa no ritual, no cos- ‘tume e na misica tanto quanto na construcdo e na decoracao das igrejas. Os moralistas € 05 cronistas desse periodo, especialmente na Inglaterra e na Franca, tiveram muito a Leitura critica au dizer contra o cardter elaborado dos modos de vestir e a nova autoconsciéncia com res~ peito a estética do corpo vestido, Um texto da época oferece um testerunho notavel dessa sensiblidade para formas €e cores como valores em si. Eo relat6rio do traslado dos restos de S40 Cutberto para a nova catedral no ano de 1104, escrito em 1175 por Reginaldo, monge de Durham, evidentemente baseado no relato de uma testemunha ocular. © corpo do santo estava envolvido em tecidos decorados que suscitavam 0 mais alto entusiasmo no escritor. A descricdo desses objetos antigos, pertencentes a uma época ¢ a uma cultura diversas da sua, dedica uma apreciacdo perspicaz, calorosa e pessoal, bem além do necessério para © registro religioso. Admira a decoracao, as imagens de animais, a cor e a feitura, até a tessitura dos materiais, sem interrogar-se sobre o seu possivel simbolismo; sao esplen dos artisticamente e, portanto, merecem esta extensa descricdo: Ele estava vestido com a tunica e a dalmatica, & maneira dos bispos cristaos. A for- ‘ma de ambas, com sua preciosa cor puirpura e variedade da trama, & muito bela e admiravel. A dalmética, que € 0 habito talar externo, é a mais visivel, e oferece uma tonalidade de vermelho purpura, desconhecida em nossos dias ate pelos especials- tas. Conserva ainda o esplendor da frescura e beleza origindrias em cada parte quando a manejamos produz um som de crepitagao por causa da solidez e da com- pacidade da fina e habil tecedura. Sutis figuras de flores e de pequenos animais, ‘muito minuciosas na confecgo como no desenho, sdo entretecidas nessa fazenda, Pela beleza decorativa, 0 seu aspecto varia por uma aspersao contrastante de uma cor incerta que se revela amarela. © encanto dessa variagao exterioriza-se de modo mais belo no habito purpdreo, e frescos contrastes so produzidos pelo jogo das ‘manchas pelas quais é disseminado. A infusdo fortuita da cor amarela parece ter si do produzida gota a gota; gracas a esse amarelo, a tonalidade avermelhada da put pura resplandece com mais vigor e brilho.[...] ‘Além da dalmatica, 0 corpo sagrado esta recoberto por outras sedas preciosas de um estilo inusitado. Acima dessas estava colocado um lencol com cerca de nove cévados de comprimento e trés e meio de largura, no qual todas as reliquias sagra- das recolhidas tinham sido envolvidas com a maior reveréncia. De um lado havia longas franjas de cordao de linho do comprimento de um dedo; de fato, 0 proprio lengol era de lino, Mas ao redor das orlas desse lencol retangular o teceldo enge- rnhosamente trabalhara uma borda de uma polegada de largura. Sobre esse material pode-se ver um relevo muito sutil que se destaca, com elevacéo consideravel, da trama do linho e que tem formas de passaros e de animais inseridas de algum mo- do na borda. A cada duas duplas de passaros e de animais emerge determinado de- senho, como uma arvore frondosa, que aqui e ali separa esses motivas e os isola, de modo a ficarem bem distintos. A figura da érvore é finamente desenhada e parece mostrar o brotar das folhas, mesmo as mais diminutas, nos dois lados. Abaixo, na fi- leira adjacente afloram de novo figuras de animais tecidas em relevo e ambos os de- senhos destacam-se em um forte relevo até as orlas extremas do habito ao longo de toda a borda. Que surpresa deparar-se com essas observagbes sobre as esfumaduras e o efeito reciproco das cores num escrito do século xi! E esse desejo de exatidao ao descrever a estrutura de um desenho decorativo! Faz-nos pensar na exceléncia da literatura inglesa sobre o ornamento no fim do século xx. © mesmo Reginaldo tem ainda outras anota- ‘gbes agucadas sobre os objetos de arte na tumba de Cutberto. Cito apenas uma, inte- ressante porque & um caso raro de afirmagao estética empirica sobre as propor;des. De lum pente de marfim de grande antiguidade, ele observa que a sua dimensio é fina- 412 HISTORIA DA ARTE ITALIANA ~ DA ANTIGUIDADE A DUCCIO mente proporcional a largura, porque o comprimento & quase igual & largura, exceto que, por um efeito artistico, um difere um pouco da outra” — um juizo sobre o desvi deliberado e necessério do quadrado perfeito que é freqiientemente formulado por pin- tores e designers modernos. © que é mais notavel nesses textos nao é a admiracdo pelos objetos belos ~ que cor- responde quase sempre a um gosto primitivo pelo raro e pelo caro, 0 ouro e as pedras preciosas ~, mas a aguda observacdo da propria obra, 0 esforco de ler as formas e as co- res e de avaliar seus efeitos. Paralelas a essa atitude objetiva sdo as anotagbes sobre o proprio observador como alguém que reage & obra. Elas nao nos informam sobre o conteddo mais profundo de fantasia e de sentimento provocados pela contemplacao da arte, mas transmitem a ex-

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