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IEVTUCHENKO em _ LISBOA a ee oT PUBLICACOES sr QUIXOTE POEMAS DO RECITAL © POETA: Tevgueni Alexandrovith Ievtuchenko nasceu a 18 de Julho de 1933, na Sibéria, em Zima, pequeno entroncamento ferroviario a beira do lago Baikal. «Gragas a meu pai —escreve 0 proprio Kevtuchenko —, ai por volta dos seis anos jé eu sabia ler e escrever e, aos oito, devorava indis- criminadamente Dumas, Maupassant, Schiller, Balzac, Dante, Flaubert, Tolstoi, Boccaccio, Shakespeare, Gaidar, Jack London, Cervantes ¢ Wells» Deste modo, no é de estranhar 0 facto de, aos onze anos, ter feito a sua estreia literaria, escrevendo um poema satirico. Em 1952 publicou o seu primeiro livro de poesia Depressa Ievtuchenko se tornou um poeta popular, a ponto de um dos seus livros se esgotar num abrir e fechar de olhos, nfo obstante uma tiragem de 100000 exemplares. Outro aspecto significative da popularidade de Tevtuchenko é-nos dado pelos intimeros recitais que tem realizado em clubes, fabricas, universidades e teatros da U. R. S. S. e de outros paises, incluindo Portugal —aonde se deslocou a convite de Publicagdes Dom Quixote, que havia editado a sua Autobiografia Prematura, para dar um recital no Teatro Capitélio (Lisboa), em 17 de Maio de 1967. Personalidade das mais discutidas, levtuchenko ocupa hoje um lugar de vanguarda na literatura da U. R. S. S., principalmente como poeta inconformista, IEVTUCHENKO em LISBOA POEMAS DE IEVTUCHENKO recitados pelo proprio autor no Teatro Capitélio em 17 de Maio de 1967 Tradugdo directa do russo por J. Seabra- -Dinis, com a colaboragéo de Fernando Assis Pacheco para a verstio poética final publicacdes dom quixote LISBOA FICHA: © —Poblicagdes Dom Quixote Tradugéio —J. Seabra-Dinis e Fernando Assis Pacheco Capa—Fernando Felgueiras, sobre fotografia da Associated Press Fotografias do recital —Ingeborg Lippman Direitos de reprodugdo reservados para a lingua portuguesa por Publicagées Dom Quixote, Rua da Misericérdia, 117, 2.° — Lisboa E para nds uma grande satisfagdo publicar este pequeno livro de poemas de levtuchenko. Todavia, trata-se apenas de uma amostra daquilo que apre- sentaremos mais tarde. No préximo Outono esperamos publicar uma antologia da poesia de levtuchenko, seleccionada e prefa- ciada pelo proprio autor e organizada especialmente para os leitores de lingua portuguesa. Desejamos exprimir pitblicamente os nossos agradecimentos a J. Seabra-Dinis e Fernando Assis Pacheco, pela sua preciosa colaboragao e pelo entusiasmo que puseram na espinhosa tarefa de traduzir um poeta como Ievtuchenko. Os oito poemas aqui apresentados constitutram, pela ordem em que sao publicados, a matéria do recital de levtuchenko em Lisboa (Teatro Capitélio, as 18,30 horas do dia 17 de Maio de 1967). Todos estes poemas foram préviamente lidos, em tra- dugéo portuguesa, por Fernando Assis Pacheco. leviuchenko recitou ainda a sua traducao da estrofe XCU, canto IV, de «Os Lusiadasy e um pequeno poema de Pichkine. Os poemas que formam este pequeno volume foram objecto de uma tradugao provisoria de Ivan Karmdzine ou da tradugao conjunta do proprio poeta e de Fernando Assis Pacheco. Para a sua publicagao no presente volume vieram a ser novamente traduzidos do original, desta vez por J. Seabra-Dinis, com a participacéo de Fernando Assis Pacheco quanto a versdo poé- tica dos mesmos. POEMAS DE IEVTUCHENKO do recital de 17 de Maio de 1967 no Teatro Capitélio, em Lisboa Babii lar. Mondlogo duma Actriz Feira em Simbirsk .. Imagem de Infancia Dorme, Amor Entre a Cidade Sim e a Cidade Nao . Impressdes do Cinema Ocidental . Granizo sobre Kharkov Nao ha ldpides sobre o Babii lar. Uma escarpa ingreme serve de rude sepultura. Para mim é terrivel. Tenho hoje tantos anos como 0 préprio povo hebreu. Parece-me até — que sou judeu. His-me a delirar pelo Egipto antigo. Ai estou — pregado numa cruz, agonizante, e ainda sinto no corpo a marca dos pregos. Parece-me que Dreyfus — sou eu. A pequena burguesia é o meu denunciador e juiz. Fiquei desorientado. Cai no lago. Perseguido, escarrado, caluniado. E as donzelas de vestidos de renda gritam e batem-me no rosto com as sombrinhas. Parece-me que sou — um garoto de Bielostok. O sangue corre, derrama-se pelo chao. Is Enfurecem-se os donos das tabernas e cheiram a vodka com cebola. Corrido a pontapé, fico exangue. Em vao suplico aos organizadores de «pogroms». Com o grito «Dé cabo dos judeus, salva a Russia! um tendeiro espanca minha mie. Parece-me que sou — Anne Frank, transparente como um ramo em Abril. E amo. E nao preciso de grandes frases. Preciso, sim, que olhemos um para o outro, Como € dificil ver € cheirar. Nao estdo ao nosso alcance as folhas nem 0 céu, Mas podemos realmente —e isso é terno — abragarmo-nos no quarto escuro. Vem ai alguém? Nao tenhas medo — € 0 murmirio da propria Primavera. Ei-la que chega. Vem tu até mim. Da-me depressa os teus labios. Rebentam com a porta? 16 Nao, € o degelo. Por sobre o Babii Iar o sussurro das ervas selvagens. As arvores olham ameagadoras como juizes. Aqui tudo grita em siléncio. Tiro o chapéu © sinto-me encanecer lentamente. eu préprio sou como um grito surdo e prolongado por sobre milhares de mortos aqui enterrados. Sou — cada velho aqui fuzilado. Sou — cada crianga aqui fuzilada. Oh, meu povo russo, eu sei que tu és por esséncia internacional. Mas muitas vezes aqueles que tém as maos sujas jogaram com o teu nome imaculado. lu conhego a bondade da minha terra. Como é miseravel e sem que lhes estremeca uma s6 fibra — que os anti-semitas pomposamente se chamem «Unido do Povo Russo». Nada em mim se esquecera disto. 7 Que atroe os ares a «Internacional» quando para sempre baixar a cova © ultimo anti-semita da Terra. Nao hd sangue hebraico no meu sangue. Mas sou odiado com endurecida maldade por todos os anti-semitas — como se fosse hebreu. E é por isso — que sou um russo verdadeiro. 18 MONOLOGO DUMA ACTRIZ Diz a actriz: Parece que a velha Tréia foi destruida! Ja nao ha papéis, nao ha papéis daqueles que viravam a minha alma do avesso, que me esgotavam de vez as lagrimas. Estou farta desta vida, vou fugir para 0 campo. Nao ha papéis que prestem. Afogamo-nos no sempapelismo. Maldita seja a unido dos nao escritores, nao os Escritores. Os classicos estéo encharcados como um piquete de bombeiros. Pois néo sabiam eles de Hiroxima, da guerra de Espanha, do ano de 1937 5 na Russia, de todas as nossas dores? Nao me digam que isto era impossivel de contar... J4 nao ha papéis que prestem. E sem bons papéis ficamos sem bissola: tu sabes como o Universo € pavoroso. Quando qualquer coisa desliza pelo céu nao haverd saida para essa coisa? Faz favor, dé-me um bilhete para a estreia. Faz favor, dé-me o meu bem-estar. E papéis para a esquerda, papéis para a direita... Eu bebo, bebo sem vontade, é certo, mas que querem que faga quando nao ha gente, nado ha papéis que prestem? Bebe onde estiveres, trabalhador, € com que copo—niao sei. Nao ha papéis que prestem. Chora, harménio, em qualquer margem do grande Volga. Nao ha papéis que prestem. E em Fatima camponeses beijam Nossa Senhora, Madona de pedra e dor. Nao ha papéis que prestem. Era um moco de dezasseis anos e bateram nele como se fosse um bombo. Nao ha papéis que prestem. Ninguém fala das mortes atrozes, mas alguém grita para o juiz. Onde? No futebol! wv 8 6Griddo, mais nada. lodos nés somos génios no ventre materno, mas muitos génios possiveis morreram a falta de bons papéis. Lu nao exijo o sangue de ninguém — exijo um papel que preste! 23 FEIRA EM SIMBIRSK Feira! Em Simbirsk ha feira! Mais limpa que a de Hamburgo! Cautela com a bolsa! Resmungam os realejos, fazem fru-fru os xailes, © as gargantas berram: Venham ca! Venham ca! Nas maos dos caixeiros sempre o mesmo estribilho, uma zibelina leve, um pesado brocado, e o olho do chefe da policia a espreitar de soslaio, fixo, com a luva na espada. Mas a pequena luva, num instante, com um pequeno sorriso, yoa no ar como um peixe pequeno, em continéncia, quando na caleche com uma beldade qualquer solugando passa o deus do caviar. Eo deus gosta de ver, quando o deixam passar, lengos, tricérnios, | barretes, ! e pintado a pasta de caviar sob o nariz da donzela brilha um par de bigodes. E os pregoeiros com voz de baixo negoceiam em coiros, peles de cabra, setins, imagens de Cristo, carne podre, kvasse fermentado e... Saltchasse. Vendidas as suas batatas, arrumada a mercadoria, a camponesa segue o harménio arrastando-se com esforgo. E canta, solta impertinéncias, cada vez mais bébeda, segurando o xaile pelas pontas, como se fosse uma jovem. 28 «Estive no Oka e comi 14 magas. Por fora douradas. Maceravam em lagrimas. Fui de rastos ao Kama. € na marmita cozi cacha. Cacha com Kama é amarga. © Kama, rio de lagrimas. Fui até ao Iaik. Sentei-me com ele no barco. Para cima, para baixo vogdvamos nas lagrimas. Fui ao Don tranquilo. Quis comprar uma casa. Nao ha conforto para mim? Correm pelo telhado as lagrimas.» Anda-lhe a cabega a roda. Balouga tudo nos olhos. Quer voltar a ser jovem e ja nao pode. 29 Eo harménio desliza, prende-se como uma bardana. Bebe, Russia, se tens sede! Mas nao afogues a alma Feira! Em Simbirsk ha feira! Passear — quem lhe apetece passear! E a camponesa com o vinho arrasta-se na lama. Suando sobre os projectos esfalfam-se ministros... E a camponesa com o vinho arrasta-se na lama. Para alguém estado agora pensando um monumento.. E a camponesa com o vinho arrasta-se na lama. E as senhoras de meia-tigela, baixando as sobrancelhas, passam de lado e dizem: — «Que horror... Que vergonha!» 30 E o merceeiro de barba passa de lado e diz, do alto da barba: — «Ora vejam, deitada... E de quem é a culpa? Sao todos judeus, universitdrios...» E o fildsofo infeliz, chapéu enterrado na testa, diz com sofrido orgulho: —«A lama é a tua sorte, povo!» Quer dizer que a vida é assim baixa — cairmos na lama, arrefecermos? Mas alguém pega na camponesa pelo brago e diz-Ihe baixinho: — «Levanta-te!» Feira! Em Simbirsk ha feira! Baloucgos no azul do céu, e gritos e assobios, € como patas gansas dizem de raiva as feirantes: —«O rapazinho com a camponesa — mas é estudante do liceu!» 31 Ele leva-a com cuidado, pelo brago, e nem pensa que o véem. - «Deus te guarde, cabega licida. Ca me vou arranjando...» E 0 rapaz segue... segue ao longo das barcas no Volga primaveril. Ca atrés, pesarosa, calada, a camponesa abencoa-o como se abengoasse um filho. Ele anda por ali durante muito tempo... Tudo escuro em redor... A policia secreta pula como um esquilo. Mas pode a policia cheirar quem é mais perigoso, se na Russia sao todos perigosos? Pobre policia secreta, ouve, querida: E sempre talvez mais perigoso aquele que para, aquele que nao se limita a passar ao lado da desgraga alheia. E o Volga correndo, rosnando, decidindo. Sobre ele brilham as bétulas na névoa, como velas timidas postas na terra por quem sofreu na Terra. Feira! Em Simbirsk ha feira! Fazem negdcio com a consciéncia, com a vergonha, com a gente, F tu, Russia, com a camponesa bébeda espezinhada na lama, ficas também estendida? Unredaram-te, 6 Russia, até ao fim, mas nao nasceste para escrava. Russia de Razine, Russia de Ptichkine, Russia de Hertzen, essa — nao a arrastardo na lama. Feira! Ha feira na Russia E um paraiso com lagrimas até a borda... Mas um dia chegara o rapaz de quem falo pra te dizer a sério: — «Levanta-te!» 33 IMAGEM DE INFANCIA Rompendo caminho com os cotovelos, famos correndo. Espancavam alguém no mercado. Seria possivel ver aquilo? Para chegar ao barulho apressdmos o passo, Ensopdmos as botas de feltro E. esquecemo-nos de limpar 0 monco. De repente paramos... E apertou-se-nos 0 coragao Ao vermos como se fechava © cerco dos sobretudos, dos casacos de peles e dos gorros, Como o homem estava de pé, junto ao lugar da hortalica, Defendendo com os ombros a cabeca das pedradas, Das chapadas, bofetadas, escarros, pontapés. Stibito, 4 direita, déo-lhe um soco em cheio na boca, Stibito, 4 esquerda, esmagam-lhe na testa uma mao cheia de gelo. © sangue aflorou, brotou depois com forga. E todos se irritaram. Todos 4 uma comecaram a berrar, Batendo no homem com rédeas e cacetes, Com os eixos de ferro das rodas. 37 Em vao ele implorava, rouco: «Que fazeis, irmaos?» A multidao queria ajustar contas a sério. A multidéo ensurdecedora, em furia. A multiddo repontava com os que batiam mal, E calcava aos pés qualquer coisa semelhante a um corpo No meio da neve primaveril, feita lama. Batiam com gosto. Com imaginagaéo. Em cheio. Eu vi a pressa e a exactidao com que Umas botas Ihe davam pontapés e pontapés, A ele, deitado, que mal podia respirar Arrastando-se na lama e no estrume. O dono das botas, rapagao de focinho honesto, Terrivelmente orgulhoso da sua honestidade, Continuava a bater, dizendo: «Patife!». Batia com inocéncia convicta, pesada, E a transpirar, rosto vermelho e satisfeito, Gritou-me: «Chega-Ihe tu também, mitido!» Nao me lembro de quantos gritavam, Talvez cem, talvez mais de cem, Mas eu, o mitido, chorei de vergonha. E podem ser cem a bater a bruta, Podem mesmo bater com razao — Nao serei nunca o cento e um. 38 DORME, AMOR Brilham na vala as gotas salgadas. A porta esta fechada. E o mar, fervente, erguendo-se e rompendo contra os diques, absorveu o sol salgado. Dorme, amor... Nao atormentes a minha alma. Adormecem jé as montanhas e a estepe, € 0 nosso c&o coxo, de pélo emaranhado, deixa-se cair e lambe a corrente salgada. E o rumor dos ramos, e o fragor das ondas, e 0 cdo acorrentado com toda a sua experiéncia, e eu com voz muito branda e logo num murmtrio e depois em siléncio dizemos-te ambos: dorme, amor... Dorme, amor... Esquece que nos zangdmos. Imagina por exemplo: acordamos. Tudo esté fresco. Caimos sobre o feno. Temos sono. 41 Vem um cheiro a leite azedo 14 de baixo, da cave convidando a sonhar. Oh, como poderei fazer-te imaginar tudo isto, a ti, téo desconfiada! Dorme, amor... Sorri entre sonhos. Nao chores mais! Corta flores e vai pensando onde has-de pélas, e compra muitos vestidos bonitos. Disseste alguma coisa? E o cansaco do teu sonho inquieto. Envolve-te no sonho, agasalha-te bem nele. Podemos ver em sonhos tudo o que queremos, tudo o que ansiamos quando estamos acordados. E absurdo nao dormir, é mesmo um delito: © que trazemos oculto grita-nos nas entranhas. Que dificil para os teus olhos trazer tanta coisa! Debaixo das palpebras sentirao o alivio do sonho. Dorme, amor... Porque estas acordada? E o bramido do mar? A stplica das drvores? Um_ mau pressentimento? A sem-vergonha de alguém? Ou talvez nao de alguém, mas simplesmente a sem-vergonha minha? Dorme, amor... Nao é possivel fazer nada, mas sabe desde j4 que nao é culpa minha esta culpa. Perdoa-me — estds a ouvir? Ama-me — estds a ouvir? — mesmo que seja sO em sonhos, s6 em sonhos! Dorme, amor... Estamos num mundo que voa enlouquecido e ameaga explodir, e é preciso abragarmo-nos para nao cairmos dele, e se tivermos que cair, vamos cair abracados. Dorme, amor... Nao te deixes encher de raiva. Que o sonho penetre suavemente nos teus olhos ji que é t&o dificil dormir neste mundo. 43 Mas apesar de tudo — ouves-me, amor? — dorme... E 0 rumor dos ramos, e o fragor das ondas, e o cao na corrente com toda a sua experiéncia, € eu com voz muito branda e logo num murmtrio e depois em siléncio dizemos-te ambos: dorme, amor... 44 ENTRE A CIDADE SIM EA CIDADE NAO Sou um comboio rapido que ha muitos anos vai e vem entre a cidade Sim e a cidade Nao. Os meus nervos estado tensos como cabos entre a cidade Nao e a cidade Sim. ludo esta morto e assustado na cidade Nao. como um embrulho feito de tristeza. Dentro dela todas as coisas franzem a testa. Ha medo nos olhos de todos os retratos. De manha enceram com bilis 0 soalho. Os sofas sao de falsidade, as paredes de miséria. Nunca te daréo nessa cidade um bom conselho, nem um ramo de flores, nem um simples aceno. As maquinas de escrever batem, com cépia, a resposta: «Nao-nao-nao... néo-ndo-nao... ndo-ndo-ndo I. quando enfim se apagam as luzes os fantasmas iniciam o seu lugubre bailado. Nunca, ainda que rebentes, arranjards bilhete para fugir da negra cidade Nao. Ah, mas a vida na cidade Sim é um canto de ave. Nao tem paredes a cidade, é como um ninho. As estrelas dizem que as acolhas nos teus bragos. 47 E sem vergonha seus lébios pedem os teus labios, num brando murmirio: «Sao tudo tolices. ..» A flor provocante implora que a cortes, os rebanhos oferecem o leite com seus mugidos, ninguém tem ponta de medo. E aonde queiras ir te levam num instante comboios, barcos, avides, € com um rumor antigo vai a agua murmurando: «Sim-sim-sim...sim-sim-sim... sim-sim-sim. ..» Mas As vezes é certo que aborrece ser-me dado, afinal, tudo sem esforco nesta cidade Sim, deslumbrante de cor. E melhor ir e vir até ao fim da minha vida entre a cidade Sim € a cidade Nao! E melhor ter os nervos tensos como cabos entre a cidade Nao ea cidade Sim! 48 IMPRESSOES DO CINEMA OCIDENTAL Abaixo os filmes sobre os miserdveis! Abaixo os filmes sobre os camponeses! Vamos mas € aos filmes sobre espides! Que nos interessam Hamlet ou Hiroxima? Os sofrimentos nao sao belos. Belo é beijar as maozinhas delicadas c logo a seguir por algemas nessas maos. belo é espiar, limpar o sebo a malta. Ah, isto é mais que vida, € um figo, palavra de honra! (Que razao ha para ser um poeta ruidoso? Que sorte € a sua? \ pistola silenciosa, palavra de honra, é mais Util. © espido siberiano Lev Ogrekhov recrula com vodka e com o seu préprio suor os pobres gregos. quebra-se em pedacos, armado até aos dentes, quando de repente The salta da boca um reclame de pasta para os dentes. Com a botija cheia de trotil © espido americano John O’Neil chfiou uma pele de crocodilo jdando no escuro através do Nilo SL Atrds dos segredos das mulheres bonitas, © espiao chinés Van, o magrizela, mete-se dentro do diva e herdicamente deixa que as molas The atravessem o corpo, Ai, sofrendo, em vez de «Mama! Mami!» tristemente murmura «Mao! Mao!», E acima de todos, acima da plebe, comportando-se com o chique dos Ingleses, beija sdfregamente as raparigas James Bond, espiao, Jesus Cristo! Fico aterrado: tenho medo de mim. Sera que eu préprio sou um espido? Estou enrolado em fita de espiao. Como Laocoonte nas serpentes. Chega a tua casa um amigo com uma garrafa. Mas, cuidado, parece demasiado amistoso, A sua voz de baixo arrulha. Talvez tenha vindo recrutar-te. Uma mulher esté contigo na cama. Murmura baixinho, baixinho, os olhos dela baloicam, baloigam. Mas pode ser uma informadora. 52 () teu tio das regras honestas comprou uma garrafa de Triplice. Nao pensaste ainda que na sua alma possa haver um triplice espiao? Olha, esta aqui o maior boténico do mundo: para gdudio dos espides de nariz molhado cruzava rosas com microfones © pos assim uma conta calada no banco. !'m vez de pednias ha flores que sao espides. Vejo em sonhos um mundo sob 0 céu escuro, wm mundo que esté também a recrutar a Lua, que as cidades, 4s ruas, aos barcos poe nomes aos espiGes. \pressai-vos, delegados dos espides, resso Mundial dos Espides. I stio ja afixados cartazes de convite: ia, nado come!» para o Con: «Quem nao esy ‘S ViVOS ncia de todas as nagdes, 1 milhares de espié portadores da conscié porladores da honra do Tribunal do Mundo, levam os ramos de rosas-microfones fommo uma recordagdo para os espides de bronze. 53 Basta! B um pesadelo. Esta marmelada tem veneno dentro. Talvez eu nao seja absolutamente normal, mas tenho a certeza de nao ser absolutamente anormal. O reclamo ja nao silva com o seu «néony! Na minha compreensdo simples os espides seraéo sempre espides, Cristo sera sempre Cristo. GRANIZO SOBRE KHARKOV 54 Na cidade de Kharkov cai granizo. Granizo grande, grande como bagos de uva. I’ danga no muro, salta, danga! O granizo é vivo, divertido, c 0 diabo nao é seu primo. Contra os labios voam as pedras como se fossem confeitos! © granizo a saltar, o granizo a estalar no asfalto gelado. Sai 4 pressa a sentinela da guarita redonda de madeira. A sentinela — a sentinela nio quer perder a cabega! Olha um rufia de bochechas gordas «| encostar-se a uma loja. O granizo bate-lhe na testa, li foi a pala do boné! Passa agora um padre para casa duns amigos, (em o «poker» a espera. 7 O granizo cai em cima do padre! E este, impotente de todo, abriga-se num portal: é a «Sociedade dos Sem-Deus»... La vai correndo uma fildloga! O granizo bate forte! De modo completamente ilégico, stibito arranca-lhe o lengo, Diabos bailam nos bailam seus olhos, como numa festa, e nos cabelos cintilam como pirilampos as pedras do granizo. Alguém no grande armazém comprou uma taca chinesa. Na taga vém papoilas... De repente da-Ihe A taga canta, o granizo em cima! tilinta, O homem caminha 58 Tessoa. e ri como um perdido. © granizo € brincalhao, irritante, impetuoso. Bate mais! Mais ainda! A taga toca como um pandeiro. Va, anda, danga ao som da taga! O granizo cai! Granizo! Granizo! Va, granizo! PGes-me contente! Quem quer que seja novo esta contente com o granizo, fosse este cem vezes mais forte! Derrubando 0 que encontro sigo adiante por entre o granizo, granizo de trogas, tecido de intrigas que de mim se acercam esvoagando... © granizo sé € perigoso para os fracos. Porque os fortes, esses, precisam dele! Granizo nao é tristeza; granizo é recompensa, mas nao para os que temem os obstaculos. E preciso sorrir ao granizo para que o granizo se faca alegria! Vamos a eles, granizo! 60 NOTA BABLIL IAR BABIL IAR—Literalmente: «Ravina das Mulheres». Sitio _pro- imo de Kiev onde milhares de judeus foram assassinados pelos inva- sores nazis durante a segunda grande guerra. O poema de Tevtuchenko foi aproveitado por Chostakévitch para o primeiro andamento da sua 13. Sinfonia, BIELOSTOK — Cidade da Bielo Rttssia, perto da fronteira com a Polonia, outrora fortemente povoada por judeus. UNI40 DO POVO RUSSO — Organizacdo ultranacionalista do periodo anterior a 1917, Responsivel pelas «Centiirias Negras», grupos swmados que levaram a cabo grandes chacinas de judeus. PEIRA EM SIMBIRSK 7 ne, SIMBIRSK — Hoje Ulianovsk. Cidade ‘do’ Volga» Médio, onde nascet. Lenine (Vladimir Hiteh Uliénov). KVA Bebida fermentada a base de varias frutas, malte ¢ vu : SALTCHASSE—Escritor dos finais do século xix, chantre ofi- cial da pequena burguesia. Hoje praticamente esquecido.. CACHA — Papa a base de cereais, muito apreciada entre a popu- lagito rural RAZINE (STENKA) —Chefe cossaco do século xvi. Comandou \irias expedigdes de forcas populares, que generalizaram um. clima de revolta contra os proprietérios de terras. Preso em campanha, foi levado para Moscovo e ali esquartejado. HERTZEN — Filosofo revolucionario do. século xx.

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