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VOCAÇÃO UNIVERSAL DA IGREJA - “CHAMADOS PARA FORA”

Por Bispo José Ildo Swartele de Mello

Certa vez, alguém me fez a seguinte pergunta: "Por que foi que Deus escolheu um povo em
detrimento dos demais?" Respondi dizendo que Deus ao escolher Israel, não o fez em detrimento,
mas, sim, em favor de todas as demais nações da terra.

As raízes da formação do povo hebreu são descentralizadoras e missionárias, pois nasceu recebendo
o apelo missionário de beneficiar a todos os demais povos com a mesma bênção com que foi
contemplado por Deus. Abraão foi abençoado por Deus para se tornar uma bênção para todas as
demais famílias da Terra (Gn 12.3). Ele não deveria represar a bênção em si mesmo ou em sua
própria família. Deus é criador de todos, ama a todos e oferece graça e bençãos a todos os povos,
línguas e nações. O livro de Gênesis mostra isto com clareza.

Observasse o seguinte padrão nas narrativas registradas nos onze primeiros capítulos de Gênesis.
Cada uma das quatro narrativas principais (Queda de Adão e Eva, Crime de Caim, Dilúvio e Babel)
possuem estes quatro elementos essenciais: 1. Descrição do pecado, 2. Discurso de Deus, 3. Castigo
e 4.Manifestação da Graça.

Este padrão está bem explícito nas três primeiras narrativas. No entanto, no episódio de Babel,
vemos a descrição do pecado, ouvimos o discurso de Deus e também percebemos o consequente
castigo que culminou em distanciamento, estranhamento e inimizades entre as nações, mas, onde
está o quarto elemento? Onde está a Graça de Deus? Cadê a cura para as nações?

O autor de Gênesis parece mesmo estar despertando a nossa curiosidade e atenção para este
importante aspecto. Não é à toa que a narrativa de Babel termine com uma lista genealógica que
desemboca no personagem Abraão. Aí está a manifestação da graça divina em favor das nações! O
chamado de Abração é um chamado missionário que visa o bem e a salvação de todos os povos:
"Em ti serão benditas todas as famílias da terra" (Gn 12.3)!

Com Abraão se inaugura a história da salvação. Até então, o que parecia prevalecer era o pecado e a
maldade humana como vistos nos episódios da Queda, de Caim, do Dilúvio e de Babel, trazendo
muita maldição (3.14,17; 4.11; 5.29; 8.21; 9.25). Mas, agora, com Abraão, esboça-se um período de
bênção, graça e redenção.

Curioso notar que, em Gênesis, a história da desgraça humana culmina com o episódio da “Torre de
Babel”, e que, de Babel, Deus chama Abraão para dar início a história da salvação! E é também
interessante o contraste que podemos estabelecer entre Babel e Abraão: 1) Em Babel, homens
pretendem alcançar os céus, de baixo para cima, por méritos próprios, enquanto que, no chamado de
Abraão, é Deus quem desce até ele; 2) Em Babel, temos a soberba daqueles que pretendem dominar
o mundo através de seu poder e conhecimento tecnológico (11.3), enquanto que, Abraão, em sua
fraqueza, ousa acreditar na promessa que seria pai; 3) Enquanto os homens de Babel estão dizendo:
"tornemos célebre o nosso nome" (11.4), no episódio de Abraão, é Deus que lhe fala: "te
engrandecerei o nome" (12.2); e 4), por fim, enquanto a Torre de Babel divide as nações, Deus
chama a Abração para formar uma nação cuja missão principal é tornar-se um canal de bênção para
todas as demais nações (12.3)

O restante do livro de Gênesis relata como isto começa a se cumprir através de Abraão e sua
descendência. Abraão é descrito abençoando Ló, que formará uma nação, e também libertando cinco
cidades das mãos de seus opressores (Gn 13, 14). Não podemos esquecer de que Abrão intercedeu
em favor de Sodoma e Gomorra (Gn 18); E, Deus diz o seguinte a Abimeleque a respeito de Abraão:
“ele é profeta e intercederá por ti, e viverás” (20.7); E Labão confessa a Jacó: “tenho experimentado
que o Senhor me abençoou por amor de ti” (30.27); E bem sabemos que os últimos capítulos de
Gênesis são destinados a contar a história de José que se tornou grande e poderoso a ponto de
abençoar o Egito e muitas outras nações vizinhas.

Eis aí a grande vocação do povo de Deus. Mas, não podemos nos esquecer de que tal privilégio traz
consigo uma enorme responsabilidade, quando Israel deixa de ser bênção, Deus denuncia: “foste
maldição entre as nações” (Zc 8.13; Jr 4.4).

As Escrituras do Antigo e Novo Testamentos revelam que os descendentes de Abraão, de um modo


geral, acabaram negligenciando a sua missão. Mas, Deus sempre cumpre as suas promessas. Já nos
primórdios, Deus havia prometido a Adão e a Eva que nasceria um homem que pisaria a cabeça da
serpente. Isto tem a ver com a promessa de que em Abraão haveria benção para todas as famílias da
terra, pois o Cristo é um descendente de Abraão e nasceu para desfazer as obras de Satanás e para
iluminar o mundo inteiro.

Israel, de um modo geral, não reconheceu a Jesus como o Messias prometido (Jo 1.10-12); Então, os
gentios recebem o Cristo e são enxertados na Oliveira (Rm 11.17-24). Repare que não existem duas
oliveiras mais somente uma. Jesus disse: “Eu sou a videira verdadeira”. Sabemos que tanto videira,
como oliveira são símbolos de Israel. Jesus está afirmando ser o Israel verdadeiro. Por esta razão
Paulo diz aos gentios cristãos: “naquele tempo, estáveis sem Cristo, separados da comunidade de
Israel, e estranhos às alianças da promessa, não tendo esperança, e sem Deus no mundo. Mas agora
em Cristo Jesus, vós que antes estáveis longe, fostes aproximados pelo sangue de Cristo. Porque ele
é a nossa paz, o qual de ambos fez um, e tendo derrubado a parede de separação que estava no meio,
a inimizade... para que dos dois criasse em si mesmo um novo homem, fazendo a paz, e
reconciliasse ambos em um só corpo… Assim já não sois estrangeiros e peregrinos, mas
concidadãos dos santos, e sois família de Deus… os gentios são co-herdeiros, membros do mesmo
corpo e co-participantes da promessa em Cristo Jesus por meio do evangelho.” (Ef 2.12-3.6).
“Dessarte, não pode haver judeu nem grego… porque todos vós sois um em Cristo. E se sois de
Cristo, também sois descendentes de Abraão, e herdeiros segundo a promessa.” (Gl 3.28-29).

Por tudo isto Paulo pode declarar ousadamente: “Sabei, pois, que os da fé é que são filhos de
Abraão… Ora, as promessas foram feitas a Abraão e ao seu descendente. Não diz: E aos
descendentes, como se falando de muitos, porém como de um só: E ao teu descendente que é Cristo”
(Gl 3.7, 16. Ver também Rm 4.10-18).

Jesus é “a pedra principal”, os que estiverem firmes nesta pedra, quer judeus, quer gentios, pois
“Deus não faz acepção de pessoas” (Rm 2.11), é que, agora são chamados de “raça eleita, sacerdócio
real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus…” (1 Pe 2.4-10). Interessante notar que,
neste trecho, Pedro está citando uma promessa de Deus dirigida ao povo de Israel, registrada em
Êxodo 19.5-6: “... então sereis a minha propriedade peculiar dentre todos os povos... vós me sereis
reino e sacerdotes e nação santa. São estas as palavras que falarás aos filhos de Israel”. Pedro estava
convicto de que era através da Igreja que tal profecia havia tido o seu cumprimento, e por isso ousou
dirigir tais palavras à Igreja. “Porque não é judeu quem o é apenas exteriormente, nem é circuncisão
a que é somente na carne. Porém judeu é aquele que o é interiormente, e circuncisão a que é do
coração, no espírito, não segundo a letra, e cujo louvor não procede dos homens, mas de Deus.”(Rm
2.28-29).
Não é à toa que Jesus escolhe o número de 12 apóstolos, fazendo alusão as doze tribos de Israel;
bem como o Céu é descrito em termos de “Nova Jerusalém”, bem apropriado para o Novo Israel de
Deus.

Jesus Cristo é o “sim” e o “amém” pronunciado sobre cada uma das promessas de Deus registradas
no Antigo Testamento: “Porque quantas são as promessas de Deus tantas têm nele o sim; porquanto
também por ele é o amém para a glória de Deus.” Jesus é o Messias prometido; e, verdadeiro
israelita é aquele que possui o Messias. A esperança do povo judeu é crer no Messias, ingressando
na Sua Igreja. Quando Israel rejeitou o Messias foi cortado fora da “Oliveira” e os gentios foram
enxertados nesta mesma árvore. Não existem, portanto, duas árvores; não existem, portanto, dois
povos de Deus. O que não quer dizer que Deus tenha se esquecido e abandonado Israel. A esperança
e promessa em relação a Israel é de que venha ser enxertado de volta na mesma árvore, onde agora
estão os gentios. A Igreja é este “mistério de Deus” (Ef 5.32), que engloba todos os povos, formando
um “só corpo”, com “um só Senhor” (Ef 4.4 e 5).

Percebemos nitidamente o elemento de continuidade no que diz respeito a missão de Israel (Gn
12.3) e a missão da Igreja: “Ide, fazei discípulos de todas as nações” (Mt 28.18-20), “E serme-eis
testemunhas em Jerusalém, Judéia, Samaria e até nos confins da terra” (At 1.8).

Quando a promessa do Espírito foi derramada sobre a Igreja no dia de Pentecostes, um fenômeno
extraordinário envolvendo línguas e nações aconteceu com efeito reverso aquele de Babel! Enquanto
em Babel tivemos a confusão das línguas e a divisão das nações, em Pentecostes, através da Igreja,
temos uma língua compreendida por todos os povos, promovendo conversões e a unidade dos povos
debaixo do senhorio do descendente de Abraão que de fato é Filho de Deus e o legítimo Rei de
Todas as Nações!

Apocalipse usa a palavra “nação” ou "nações" mais de 20 vezes. Redimidos de todas as nações
adoraram ao Senhor (5.9; 7.9) com o cântico “Rei das nações” (Ap 15.3,4). “É necessário que o
Evangelho seja primeiramente pregado para todas as nações, só então virá o fim” (Mt 24.14). Nós
apressamos o retorno de Jesus através do cumprindo nossa missão (At 1.8; Mt 28.19,20, 2 Pe 3)

Vimos, portanto, que desde os tempos do Antigo Testamento, observasse a grande preocupação de
Deus com todos os povos. E o mesmo que nos disse: “vinde a mim”, também nos disse: “ide por
todo mundo”. Jesus orou ao Pai para que não fossemos tirados do mundo, pois ele tem um plano
para nós aqui, uma grande missão. Não devemos ser crentes de arquibancada, nos portando como
meros espectadores dos eventos históricos e escatológicos, pois não foi para isto que fomos
chamados. Devemos assumir o nosso papel na história, devemos atuar como protagonistas,
precisamos entrar em campo, e pelo auxílio do Espírito Santo, contribuir para a concretização dos
propósitos de Deus (Mt 5.14-16).

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