Você está na página 1de 8
248/2719 Caixa Postal 147, Iiebee, 13 de Janeiro de 1935, Meu presado Gamarada: Muite agradoge 4 Sua carte, a gue vou responder immodiata a integrainontes. Jutes da, proprismente, comecar, quoro podir-Ihe desoulpa de ins esarever neste pepel de copia. Acabou-s0—ne o decent, ¢ domingo; e nfo posso arranjer ou~ tro. Mas mais vale, creo, o mau Pepe) que o eddiamento, Em prineiro leger, quero dizer-Ihe que nunca eu voria routras raztea» em qualduer cola qus escrevesse, dis= cordando, = meu respeito. Sou um dos pousos postas portugue- 29g que Do deoretou a aua propria infellibiiidade, next to- qualquer oritica, que ise lhe faqe, como um acto fe lesa— divintade, Aldm dises, quaesquer que ae jam os meus defeitos nonteeg, ¢ nulla en mim a tendenois para a tania da persegui~ glo. dart isso, conhego j@ suffioientemente a sua indeyen~ dencia mental, que, se me ¢ permittido dizel-o, multo sppro- yoe lowve. fhinca me vropuz ser Mestre ou Chefe - Mbetre, porgue nis sel ensinar, nen sei se teria que ensinar; Chefa, Porque nem se! estrellar ovos. Nc ve preocoupe, pois, em queiquer oocesitio, com o que tenha que dizer a mou respeltos N@o procuro coves’ nos enderes nobres. Concordo absolutamente oomsigo em que nflo foi feliz a estreia, que de mim mesmo fiz com ua livre de nature= za de mMonsegem™. Sou, de facto, um naciénalista myatico, um sebastionista racionai. uns sou, Aparte isso, e até em contra= @ioefio com isso, muitas outras oOisas, & esis coisas, pela meena natureza do Livro, @ wienasgem nfo as inclue. Comeeet por esee livro as minhas publicagtes pele simples razfo de que fol o prineiro livro que consegul, ko sei porcué, ter organizado o promptos Cgno estava prom to, inoitaran-me a gus o publicasse: accodfiet. Non o fiz, evs dizer, com 08 olhos,nostes no preisio Bossivel do Saore- tariado, ambora nisao nf3 howvasse poceado intelicatual do major. '0 neu livro estava prompto em Setembro, @ eu julceva, até, que nflo poderla concorrer so premio, pois ignoraya qua opraso pare ontrega dos livros, que prilitivanents f8ra 6— té Pin de Julho, fore alergado até fim de Outubro. Como, po- rin, em fim de Outubro je lavia exemplares promutos de Men- sagen, fiz entreca Gos que o Secretariado exisia. 0 livro oN sias teense nas condigSes (necionalismo) de concorrer. jporrl. Quendo As vezes pensave na orden de una future publicagto'de obras minhes, nunca wm livro do genero de me: sagem figurava em numero tm. Hesiteva entre se deveria cone= ger por wa livre de versos grande - un livro de unas 550 peeinas -, englobando as varias sub-personalidades de Peruano Pessoa elle-nesmo, ou ae deveria abrir com una bovella poll- eioria,que ainda nfo consegui opmpletar. Goncordo comaigo, disse, em que nfo roi feliz a estreia, que de tim mesmo fiz, com a publicagfo de »Mensa- gen». Mas concorde con og factos que fol a melhor estreia que eu poderta fazer. Preeisamente porque essa faceta - on Certo modo secundaria = de minha personalidcde nfo tinhe nunca sido sufficientemente manifestade nas minkes colla- borag8es om revistas (excepto no caso do ~Mar Portuguoze, parte deste mesno livro) - precihesente por isso convinhs que ella apparecesse, e que apphre agora. Coinesaiu, Sem que eo Dinneasse ou o preneditasse (sou incapaz de premeditaeo practica), com um doa momentos criticos (no gentile original de pelavre) da renodelagfe do subconscion- te naod. 0 que fiz por acaso ¢ se completou por conver- aa, fore exactonente talbedo, com Hequacria > Coupasso, po= lo'Grende Architecto. (Interop, HBlc estou dolde nem bebado, Estou, portn, excrevende directanente, tam depreasa quanto a me~ ehina'mto permitte, © vou me sérvindo das expresdSes que me occorrem, sem olhar a que literatura haja nellas, Suypo- nha = 0 fart bom em suppor, porque 6 verdads - que estou sinplesmente fallando comigo.) Reaponde agora dizectanante da auas tec pergun- Yas: (2) plans futuro da publicagfo gas minhas obras, (2) gensse dos meus heteronymos, @ (5) occultismo. : Foite, nee congiefee que Ihe. tndiguel, @ publi eagho da “Monsazems, quo & ne manifestagfio unilate tongiona prose gutr de cocutnto manetra, detou eora compl tanto une versto intelravente renodelada do »Banquesro narchistan; essa deve estar prompta em brave e conto, des- de que esteje prompta, publical-a« imnediatamente. Se’ assim fizer, traduzo imme@iatamante @ escripts para inglez, e Vou var ce o posso publicar em Inglaterra, Tal qual deve f4- car, tem probabilidades europeias. (N&o toma esta phrase no sentido.de Premio Nobel immenente,) Depois -e agora res- mde propriamente d sua pergunta, que se eerie. a poesia = jeneicno, durente o verflo, reunir'o tal grande volume dos Poomas paquencs do Fernando Pessoa elle-reano, e ver se o Gonsigo publicar em fins do unno om qua estanos. Seré oso 9, Yolung que o Gagcos Monteiro expera, 9 6 io desejo que se fara. Bese, onto, aérd ea excepto a nacionslista, que'@ wsenosgene jf monifestou, Referi-me, como viu, ao Fernando Pessoa sé, Nfo penso nada do Gasiro, do Ricardo Reis ou do Alvaro de Gan- pos, Nada disso podered facer, no sentido de publicar, ex eepte quando (ver mais acima) ue t8r dado o Premio Nobel, somtudo - penso-o com tristeza - puz no Ussire tode o eu poder de despersonalizagis dranatioa, puz en Ricardo ReLe toda a minha diseiplina mantel, vestidn da musion que lhe & propria, puz em Alvero de Campos toda a omogfo que nlle dows en anim nem @ vidal! pPonsar, meu quorido Cagaes Monteiro, xX 3. gue todos Setes teem que ser, na practica da publicagfo, preteridos pelo Pernando Pessoa, Impuro a simplest Greio que respéndi & sus primaire perminta, Se ful omisso, diga em qué. uuider responder, Tespondaret, Mais planos nfo tenho, por emguanto. &, sabendo ou o que fo acs ¢ om que dfo os meus planos, ¢ caso para dizer, Grages a Deust x Passo egora a fesponder & sua pergunte sobre a genes dos nous heteronynos. Vou ver se scieiap respond The couple tanontes Gowago pela parte ysychiatsica. & oricen dos meus heteronynos é 0 fundo trago de hysteria que exlete om mim, N&o sei se sou sinplesmente hysterico, se sou, uate proprianente, um hystero-neurasthenico, Tendo para esta segunda hypethese, porque ha em mim phonomenos de Abulia que o hysteria, ‘provrienente dita, nfo enquadra no Tofistre doo sous eymptonan, Beja sono fbr, @ origel mon- ti dos meus hetemynos estd ne minha tendencia orgunioe © constants para a despersonalizacHe e para a sinulagio. Bete Phoussenoe - elimonte pera nin » para os outros ~ Rontelizeren-se em mint quero dizer, nfo so vanifestam na minha vide praotiea, exterior « de eontacte co outros; fazem explostio. para dentro vivo-ea eu a s65 oomdsos So eu fosse mulher - ne mulher os phenomnos uystericos Fompan om atagies © coicas pareoidas ~ cada pooma do Al« Ware de Cempos (o mais hysterionnente hysterico de mim) seria un elerme para a visinkanga. Mas a0u houem - e nos homens a hysteria assume prinoipaimente aspectos mentaes; assim tude acaba em silencio e poesia... nies do mou hete: isto explioa, tant bien que mol, a crigem orga~ niea nyaimp- ou agora fazer historia ‘Tecta dos mous heteronymos’ Comego por aquelles aie mor- reram, € de alguns dos quaes jd ne nfo lenbro - os que Je- zen eer ane no Dassado remoto de minha infanocia quasi es= queciaa, Desde crianga tive e tendencia pera orear on mou torno um mundo ficticio, de me cerear de amigos e conheci- oe que nunca existiram. (iio sei, bem entendido, se real- mente nflo exietiran, ou se sou ou que nfo existe, Nestas coidas, como em todas, nfo devemos ser doamaticos,) Deade fue me" gontiego como sande aquitle a que cheno @, ue lombro precisar montelmente, em figura, movimentos, caracter e historia, varias Tigures irreses que eram pate min tam Visiveis o'minhas ogi as coisas @*equiiio « que chasanos, porventura ebus: ito, 4 real, Esta tendencic, quo fo von doads quo na tantra ds sor ui ou, tom te coseeeniee do sempre, midando um pouco o type de misioa com que me encenta, mas nfo alterando nunea a sua maneira de encantar, § Ipubro, asvin, fo quo me parece ter sido o meu primeiro heteronymo, ou, antes, o mou prineire conhecide dnoxistente - um certo Chevalier de Pas dos meus seis annos, per gion esoreria cartes datle a sfurareno, © ouje tleuray nfo Intetranente vega, ainda conquista acuella parte da ni- nha affedfo cue confina oom a saudade. Lembro-ne, com ne- Hos nitides, d@ una outra figura, oujo nome j& me nfo oo- corre mas que o tinha es trang tambem, que era, nfo sei en qué, um rival do Chevalier de Pas... Goisas aus aconte~ cen @ todas as oricngas? Sem duvida - ou talvez. Mas a tal pojte as vivi que a5 vivo ainda, pols que se relembre a6 fal modo que me mister um exférgo para @e fazer saber que nfo foram realidade: Esta tendencia para orear em torno de min um outza mundo, egual a este tas com outra gente, nunca ne de i fo, Te¥e varias phases, entre es quasa esta, sticce §@ om matoridade, Occorria-ne um dito de eopirite, absolutexente alheio, por um motivo ou outro, a Quem ou Gou,’ ou a quem supponho que sou. Dizie-o, dmmedia~ tanente, esponteneemente, como sende de certo amigo meu, oujo nome inventava, cuja historia accrescentava, ¢ suja figure - cara, astatura, traje e gestos - immediatemante eu via deante de mim, £ assim erranjei, » propaguei, va= ios amigos e conhecidos que nunca existiram, mas que din= Ga hoje, © perto de trinta annes de distancia, oigo, to, voles Repitos cigo, sinto, vojo... FGAe muda, (a ou comegando « feller = e escrever A maq china ¢ pare mim feller -, custa-me a encontrar o travfos Basta de mageda para 8i, Gasaes Monteiro! Vou entrar na genese dos meus heteronynos literarios, que é, afinel, o que ve quer saber, Ba todo 0 caso, © que vae dito acima as— The a historia da'nfe que os deu A luz.) Ani por'1912, salvo erro (que nunca péde ser grande), veio me A idda aacrever uns poenas de indole pa~ @&. Esbocel umas coisas om verso irregular (nflo no ¢sty- io Alvare ée Campos, fins num estylo ds mia reguleridade), © abandonei o eogo. Esbogara-se tan dspresca. Abraga-o o camarada que muito o estima e admira, oie ean Se 14/1/1035. diém aa copia que normalmente tio pan mim, quando escrevo & machina, de quaiquer carta que involve explicagSes da orden das que esta contém, ti- rei una copia supplenentag, tento para © caso do esta carta se extraviar, come:para o de, possivelmente, ser Ihe precisa para qualquer outro fim, Essa copia esta senpee de evan crden Cutra eotea. Pode ser que, para qualquer estvdo seu, ou outro fim analogo, o Casses Monteiro precige, no futuro, de citar qualquer passo deste car- ta. Fica desde j& auctorizado a fmel-o, mas com | regerva, € pego=lhe liccnga para 1h*a accentuar. Paragrapho sobre ocowltimno, na pagina 7 da minha cer- ta, nfo péae ser reproduzido om lettre impressa, De- jejando responder o mais claramente possivel & sua pergunta, sahi propesitadamente um pouco fora dos li- mites que sio naturees neste materia. Trata—se de uma carte particular, € poriseo nfo hesitei om fazel-o. Nada obsta a que Leia ease paragrapno a quen quizer, Aeode que eso outra pesnoa obelega tanben ao crite= rio 9 ndo reproducir en Lettra impressa o que nesse Paragrapho vae oscripto. Creio que posso contar com igo para tal fim negativo. Gontanto au diyida para comsigo da car- 4a ultra-devida sobre os cous ultinos livros, Vante- nho 0 que ereio que 1ho disse na minbs carta anteriort quando agora (ersie que eer& s6 om Fevereiro) pasear alguns dias no Estoril, porei essa correspondeneia om Srdem, pois cstou em divids, nesea materia, ndo sé pa- Fa comsigo, mas tambem com varias outras pessoas. Qoeorre-we perguntar de novo uma coisa que JA ane perguntel © a que me ndo reapondou: rece— Yeu os meus folnetos de versos em inglez, quo ha ten— pos Ihe envi? ‘Para mou governo", como’ ge diz em Lin- guagem comercial, podia-Lhe que me indicasse o nais depreaea posaivel que recebeu esta carta, Obrigado,

Você também pode gostar