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6, UMA ABORDAGEM SUBSTANTIVA DA ORGANIZACGAO A disciplina organizacional contemporinea nfo desenvolveu a capacidade analitica necesséria a critica de seus alicerces tedricos e, fem vez disso, em grande parte toma emprestadas capacidades exte- riores. Por essa razdo, condenou-se a si mesma a permanecer pré-ana- Iitica e, para sempre, na periferia da ciéncia social. Dificilmente um campo disciplinar atingiré 0 nivel sofisticado de conhecimento reque- ‘ido para 0 ensino em grau superior, se nfo for eapaz de desenvolver em cardter eritico e de si mesmo extraidas suas bases epistemolbgicas. ‘Ao concentrar-se nessas bases, este capitulo tentard apresentar uma abordagem sistemdtica da teoria organizacional, fundada na racionali- dade substantiva ‘A formulagdo de uma abordagem substantiva para a organizago inclui duas tarefas distintas: a) 0 desenvolvimento de um tipo de and lise capaz de detectar os ingredientes epistemol6gicos dos varios cen4- rios organizacionais; b) o desenvolvimento de um tipo de anflise orga- nizacional expurgado de padrdes distorcidos de linguagem e concep- tualizagao. Embora o capitulo trate, sobretudo, da segunda tarefa, sfo cab- veis algumas consideragdes sobre a primeira 6.1 Tarefa 1 — a organizacdo como sistema epistemoligico s cientistas sociais afirmam, comumente, que as definigées da realidade sd0 aprendidas pelos individuos no processo de socializacéo. Como salienta Karl Mannheim, quando novas situagées emergem ‘numa sociedade, seus membros normalmente tendem a interpreté-les do acordo com Categorias jd estabelecidas. E como se “se recusassem a admitirshes cardter de novidade”, ow preferissem “ignorarthes a singularidade” (Mannheim, 1940, p. 302). Ao nivel da microrganiza- 40, March e Simon (1958, p. 165) chamam esse padriio de reagio de “absorgio de incerteza”. Quando exposto a uma situago nunca vista, © individuo tenta normalmente interpretéta de acordo com o vocabu: lério conceptual familiar & organizago, para que no venha a por em 18 1ico sia seguranga psicoldgica. “Daf”, dizem March e Simon (1958, p. 165) “tender'6 mundo a ser petcebido pelos membros da organiza- ‘¢fo em termos dos conceitos particulares refletidos no vocabulério da Otganizagio. AS categorias ¢ os esquemas especiais de classificagfo que aquele emprega ‘so materializados e tomam-se, para os membros da organizacfo, atributos do mundo, em vez de meras convengdes”. Em seu comentario sobre “absorcfo de incerteza”, Charles Perrow afirma que as organizagdes controlam a ago de seus membros desenvolvendo “vocabulérios que escondem algumas partes da realida- dee magnificam outras partes” (Perrow, 1972, p. 152). Dada a cir- cunstincia de que as atuais organizagdes tém “>protéica habilidade de moldar a sociedade” (Perrow, 1972, p. 199), reclama Perrow um teexame da nogao de ambiente, tal como é correntemente apresenteda na literatura especializada. Em lugar do ambiente afetar a organizagio, pparece que 0 contrdrio fica mais perto da verdade. A organizagdo deve ser vista, hoje em dia, “como definindo, criando ¢ moldando seu am- biente” (Perrow, 1972, p. 199). Opinio semelhante sobre o aunbiente 6 sustentada por J. K. Galbraith (1973) e B, Gross (1973) — opinigo ‘que sustentam ser caracteristica de todo o sistema social dos BUA. Embora sejam freqilentes declaragdes como essas, um exame sis- temitico de suas implicagdes 56 recentemente esta sendo tentado por alguns poucos autores, preocupados com a dimensio epistemol6gica dos sistemas sociais. Robert Boguslaw defrontase com este problema no livro The ‘New utopians, Declara ele que desenho de sistemas néo é assunto ;puramente técnico, mas deveria envolver uma sistemética preocupago com as conseqiiéncias, avaliadas do ponto de vista de valores humanos.. No entanto, os atuais planejadores de sistemas enfocam esses proble- ‘mas organizacionais usando instrumentos conceptuais operacionais, ‘que s6,tém coeréncia em termos do status quo tecnoligico (Boguslaw, 1965, p. 4). Trabalham com o conjunto de hardware dos computado- res — equipamento pesado — com normas de sistemas, com anilises funcionais e com heuristica que especifica comportamentos ¢ atitudes hhumanas. Boguslaw tenta desvendar as regras de cognigo que domi- nam a arte e a teoria do planejamento convencional de sistemas, que considera sob a influéncia das conveniéncias politicas, e emite a opi- nifo de que os planejadores se apdiam, em larga proporedo, “numa teoria de tipo subseqilente a0 fato fisico” (Boguslaw, 1965, p. 2). ‘Assim sendo, questiona ele a validade dos “métodos, técnicas ¢ funda- rmentos intelectuais das varias abordagens do planejamento de siste- mas” (Boguslaw, 1965, p. 2-3). ‘Alguns esiudiosos de sistemas ¢ comunicagdo estdo, igualmente, atentos as questdes epistemol6gicas pertinentes a teoria da orgeniz: 40. Por exemplo, C. W. Churchman (1971) ¢ W. Buckley (1972) de- 9 dicaramse_a-epistemologia considerando-a um tépico da anilise de sistemas, porém num alto nivel de abstrago. Da mesma. forma, foi ‘amplamente analisada por Joseph. Weizenbaum (1976) a influéncia do ‘computador sobre a autopercepsio do individuo. Mas, até recente- mente, os especialistas na teoria de sistemas nao tinham desenvolvido instrumentos conceptuais ¢ operacionais para lidar com o sistema ‘epistemologico que, embora geralmente oculto, constitui componente fundamental de qualquer tipo de organizagao, Excegfo nessa tendéncia é Donald Schon (1971). Em sua anélise de sistemas sociais, conforme apresentada em Beyond the stable state, ‘a dimensio epistemolégica € um topico sistemdtico de interesse. De acordo com Schon, qualquer sistema social consiste, basicamente, de tuma estrutura, uma tecnologia uma teoria. A estrutura é 0 “con- junto de papéis e de relagdes entre os membros, individualmente” (chon, 1971, p. 33). A tecnologia é 0 conjunto vigente de normas praxes consolidadas, através do qual as coisas sZo feitas ¢ os resultados Conseguidos. A teoria é 4 conjunto de regras epistemoldgicas segundo (0 qual a realidade interna e extema ¢ interpretada ¢ tratada, em ter- ‘mos préticos. Em qualquer sistema essas dimens6es sio interdependen- tes, de modo que a modificagfo numa delas conduz a modificagées correspondentes nas outras e, portanto, em todo o sistema. E possivel visualizarem-se essas dimens6es como cfrculos, ou como constituindo ‘uma “estrutura circular” (Schon, 1971, p. 38). A dimensdo epistemo- légica dos sistemas sociais, usualmente, nfo recebe adequada atengio. [No entanto, “quando uma pessoa passa a fazer parte de um sistema s0- cial encontra um corpo de teoria que, de maneira mais ou menos ex- plicita estabelece no apenas ‘como 0 mundo é’, mas também “quem , “que estamos nds fazendo’ e “que € que deveriamos estar (Schon, 1971, p.34). Consequentemente, a feoria é uma di- mensfo nuclear e quando essencialmente alterada exp6e a organiza- ¢ifo a grave fratura, na medida em que a mudanga possa afetar: a) sua futo-interpretagfo; b) a definigfo de suas metas; c) a natureza eo al- ceance de suas operagSes; d) suas transagdes com 0 mundo exterior. 6.2 Tarefa 2 — pontos cegos da teoria organizacional corrente Constitui argumento bisico deste livro a nogo de que os siste- ‘mas sociais cujo desenho evita consideragdes substantivas deformam, caracteristicamente, a linguagem e-0s conceitos através dos quais a rea- lidade € apreendida. Nessa conformidade, nossa atengdo deve voltar-se, agora, para uma abordagem substantiva da organizagio. 'Nenhuma mudanga significativa ocorreu nos pressupostos episte- ‘molégicos da analise organizacional, desde Taylor. Em outras palavras, 120 1 teoria da organizagdo nunca examinou, em termos de critica, a epis- temologia inerente ao sistema de mercado. F os pontos cegos da atual teoria da organizagGo podem ser caracterizados da forma seguinte: 1. © conceito de racionalidade predominante ne vigente teoria or ganizacional parece afetado por fortes implicagdes ideotdgicas, Con- duz A identificagio do comportamento econdmico como constituindo 4 totalidade da natureza humana. Embora a nogo de comportamento fecondmico pareca evidente por si mesma, refere-se cla, aqui, « qual {quer tipo de ago empreendida pelo homem, quando ele é movido, fpenas, pelo interesse de elevar ao maximo seus ganhos econdmicos: 2. A presente teoria da organizago no distingue, sistematicame te, entre © significado substantivo e o significado formal da organi zagdo, Essa confusio toma obscuro 0 fato de que a organizago eco- nomica formal é uma inovaglo institucional recente, exigida pelo im- perativo da acumulagéo de capital e pela expansio das tances processamento caracteristicas do sistema de mercado. A organizaglo Economica formal nfo pode acr considerada um paradigma, segundo 0 {qual devam ser estudadas todas as formas de organizagdes, passadas, presentes e emergentes. 3. A presente teoria da organizago nfo tem clara compreensio do papel da interaglo simbélica, no conjunto dos relacionamentos inter- pessoais, 4. A presente teoria da organizagio apéis-se numa visio mecano- mérfica da atividade produtiva do homem, ¢ isso fica patente através ide sua incapacidade de distinguir entre trabalho e ocupagdo. Na medida em que os teoristas da organizago continuem a ne- sicenciar esses pontos, estardo cedendo a uma abordagem reducionis- {a do desenho dos sistemas socias, Tal reducionismo exige que vejam diferentes tipos de sistemas sociais sob a dtica de um conjunto de pres- supostos pertinentes apenas a um desses tipos. ‘Cada um desses t6picos serd agora considerado mais detalhada- ‘mente. 6.3 Reexame da nogdo de racionalidade AA situago em que se encontra a nogio de racionalidade, no campo da teoria da organizagdo, ilustra sua insuficiente qualificagso teérica, Os pontos de vista de Herbert Simon sobre racionalidade, apresentados em Administrative behavior ¢ outros trabalhos, consti tuem ainda parte do conhecimento convencional desse campo, A ra: cionalidade — consoante a versSo de Simon (1965) — ¢ 0 conhecimen- to absoluto de conseqiiéncias. Assim, mal pode o homem ser conside- rado um ser racional, porque o conhecimento abrangente esté além de 121 sua capacidade.’ As corporagdes, porém, da mesma forma que'a orga- hhizagdo convencional, especialmente quando computarizadas, mere- cem 0 qualificativo de racionais, na medida em que so menos lini: tadas que o homem em sua habilidade de avaliago. Além disso, para Simon, a racionalidade na conduta ou nas decisdes humanas nunca é ‘uma questdo de conteddo qualitativo intrinseco, mas antes questo de ser ‘ou ndo instrumental para a consecugo de objetivos ou fins. Em consequéneta, questdes como a do que ¢ bom, no homem ou na socie- dade, ndo tém lugar na drea do debate racional. 0 homem racional nao se preocupa com a natureza ética dos fins per se. E um ser que calcula, decidido apenas ¢ ericontrar, com preciso, meios adequados para atin- gir metas, indiferente ao respectivo contetido de valor. ‘A argumentago de Simon tem sido criticada, no quanto aos ‘éritos intrinsecos de seu conceito de racionalidade, mas porque ele afirma que a organizagZo no pode tolerar nenhuma espécie de a dade que no esteja afinada com os requisitos da racionalidade, da maneira como a conceptualiza. Assim, alguns teoristas de organiza: gio defendem a atualizasf0 do individuo dentro do areabougo orga- nizacional e pressup6em uma polaridade entre o homem racional e 0 individuo que se auto-atualiza. A identificasao de racionalidade como capacidade de calcular ¢ tida como coisa certa tanto pelos simonistas como pelos anti-simonistas, como prova a obra de Chris Argyris. A ppremissa de que a atualizagao humana ndo se coaduna com a conduta racional esté, pois, amplamente difundida.* E 6bvio que os simonistas, asim como seus criticos humanistas, falham em compreender a questo da racionalidade. Até que emergisse a sociedade de mercado, o tipo de raciocinio deliberado, somente i teressado nos meios de atingir metas determinadas, fora apenas um aspecto limitado de um conceit mais amplo de racionalidade. Como esti explicado em outra parte deste livro, o conceito de racionalidade, “classicamente, revestira-se sempre de nuangas éticas, e chamar um ho- ‘mem ou uma sociedade de racional significava reconhecer sua fidelida- de a um padréo objetivo de valores postos acima de quaisquer impera- tivos econdmicos. Simon escreve, porém, como se of critérios de eco- nomicidade fossem os Ginicos critérios da racionalidade. Nao hé uma 6 ocasifo, em seu livro, em que ele indique, explicitamente, os limites, 1 Simon firma: “E impossfvel que o comportamento de um tnicoe isolado in- dividvo alcance algum grau de racionalidade” (Simon, 1965, p. 79). Mostra ele, Claramente, que apenas 0s agentes corporativos as omganizagGes se eomportam racjonalmente, Assim 6 que escreve Simon: “{a] organizagfo permite ao indivi- ‘duo uma abordagem razoavelmente pr6xima da racionalidade objetiva” (Simon, 1965, p. 80). 2B exatamente um pressuposto errado desse tipo que permeia a polémica entre H. Simon ¢ Chris Argyrs. Veja Argyris (19732 e 1973). Veja também Simon (1979) 122 entre 0s quais 0 conceito tem validade. Tivesse ele esclarecido que sua ‘pinido era valida apenas no mundo de puros objetivos econdmicos ¢ a posigo que adotou seria mais firme, Infelizmente, néo chega a fazer {al esclarecimento e, na realidade, tenta induzir 0 leitor a acreditar que seu enfoque envolve tudo aquilo que se pode considerar como raciona- lidade. Por exemplo, questiona 0 conceito de racionalidade de Arist6- teles que envolve 0 exame da “bondade” do homem e da sociedade ¢ 0 considera “‘limitado” (Simon, 1965, p. 47), como st ele € 0 fil6sofo tego estivessem tratando da mesma dimensio de racionalidade. ‘A verdade € que 0 termo racionalidade, como ¢ usado por Si- mon, nada absolutamente tem a ver com 0 conceito aristotélico de racionalidade. Arist6teles jamais considerou 0 mercado como o siste ma primordial da sociedade e nunca pensou que os requisites psicolé- gicos do mercado se transformassem nas normas da vida social em seu conjunto. E certo que tinha clara nogdo da racionalidade do compor- tamento econémico, mas em seu conceito normativo de uma boa so- ‘iedade esse tipo de racionalidade s6 incidentalmente influiria sobre a existeneia humana, Poder-seia argumentar que 0 conceito aristotelico de prudéncia contém um ingrediente de eélculo. No entanto, na opi- nido de AristOteles, a prudéncia ¢ uma categoria ética, nfo puramente ‘uma conduta conveniente, Assim, diz. 0 fil6sofo: “Nao podemos ser prudentes sem sermos bons” (Erica a Nicémaco, VI/XUI, p. 10). Con seqilentemente, a racionslidade aristotélica ¢ a racionalidade instru- ‘mental pertencem a duas esferas qualitativas da existéncia humana, ¢ a racionalidade de Arist6teles no pode ser criticada da perspectiva de ‘Simon, a menos que o autor de Administrative behavior queira, real ‘mente, dizer que a racionalidade instrumental ¢ a (nica que se pode ‘conceber, 0 que ¢ uma posigdo claramente errada. 6.4 Peculiaridade histOrica das organizagdes econdmicas © campo da teoria da organizagio no consegue compreender a peculiaridade hist6rica das organizagGes de cardter econdmico e de ‘suas fung6es, A organizago que constitui o foco da atengdo da teoria crganizacional, em stricto sensu, é, intrinsecamente, vinculada « uma sociedade de tipo sem precedentes — a sociedade de mercado. Como assinalou Marcel Mauss, “somente as nossas sociedades ocidentais é que, bastante recentemente, tansformarsm 9 homem sum animal econémico”,? isto é, numa criatura que age, normalmente, de acordo com o caréter — ethos — utiitério, imanente as organizages formais de hoje. Deveria ser feita uma distingdo entre o significado substantivo © formal de organizagGo e essa distingo é importante pelas mesmas > Apud Dalton, G. (1971, p. IX). 123 1a20es que levaram Karl Polanyi a diferengar entre os significados for- mais € os substantivos do termo econdmico. Diz ele *..nenhuma sociedade pode ekistir sem algum tipo de sistema, que assegura ordem na produgdo e na distribuigdo dos bens. Mas isso nfo ‘envolve a existéncia de instituig6es econdmicas distintas; normalmen: te, a ordem econémica € meramente uma fungao da social, na qual es- 14 contida. Nem nas condigdes de vida tribal, ou feudal, ou mercantil houve ... uum sistema econémico separado na sociedade. A sociedade do século XIX, na qual a atividade econdmica foi isolada e imputada ‘a uma razo econdmica inconfundivel, representou, de fato, um des- vio singular ... semelhante padrlo institucional néo podia funcionar, a ‘menos que a sociedade ficasse, de alguma forma, submetida as suas exigencies. Uma economia de mercado s6 pode existir numa sociedade de mercado” (Polanyi, 19714, p. 71). Polanyi indica que nas sociedades nio-mercantis, as economias existiam no sentido substantive. Na sociedade de mercado, poréin, 0 termo econdmico deriva formalmente seu sentido do pressuposto de que, sendo escassos os meios e 0s recursos, devem ser otimizados atra- vvés de opg6es que atendam, com preciso, aos requisitos de economi cidade. Nas sociedades ndo-mercantis, a excassez. de meios no consti- tui prinefpio formal para a organizagdo da produgdo e para a escolha hhumana de modo geral, uma vez que a sobrevivéncia do individuo é, normalmente, garantida pela eficacia dos eritérios sociais globais (nfo da organizagio formal) de reciprocidade, redistribuigdo € troca. A economia, aqui, esté incrustada na tessitura social, endo constitui um sistema auto-regulado, Em outras palavras, numa sociedade ndo-mer- cantil, ninguém vive sob a ameaga do chicote econdmico.* Por circunstncias idénticas as que foram mencioniadas, nas so- iedades nfo-mercantis as organizag6es constituem, de modo geral, ‘campos de experiéncia de que ninguém tem formalmente consciéncia. Em tais sociedades, os individuos tént uma vida compacta, nfo uma vida diferenciada. Em outras palavras, existem em bases substantivas € no formais, legais ou contratuais. Por exemplo, numa sociedade pri ‘mitiva uma familia € uma organizagdo substantiva, no sentido de que ‘do funcionaria como um sistema a menos que existisse algum padro ‘nos relacionamentos entre aqueles que a constituem, e entre estes € © ‘ambiente exterior. A famfia em nossa sociedade, na medida em que finda preserva algumas fungGes da familia arcaica, partilha de seu caré- ter organizacional substantivo. No entanto, gragas i natureza da socie- dade global contemporinea, a familia estd antes se transformando num fendmeno de organizago formal. Em outro exemplo, demonstra 4 Expressfo de EH, Carr, citada por Dalton (1971, p. XID), 124 do por Moreno (1934), os grupos tum playground constituem organi- ages substantivas ‘Ao contririo. das organizagdes substantivas, as organizag6es for- ‘mais so fundadas em célculo e, como tal, constituem sistemas proje- tados, criados deliberadamente para a maximizagdo de recursos. Como topico da teoria padrdo de organizagdo, sio artefatos socials e, nesse sentido, organizagdes formais de variados objetivos tém existido em todas as sociedades, embora s6 se tenham transformado em objeto de estudo sistemtico num estigio recente da historia Realmente, nas sociedades mais rudimentares, as pessoas tiveram 1 capacidade de se dedicarem a problemas de utilizagdo de recursos do ponto de vista de vantagens comparativas calculadas. Por exemplo, al- gumas maneiras de colher frutos, de cagar, de pescar, de construir mo- tadias, de fazer toda sorte de coisas eram reconhecidas como melhores do que outras, do ponto de vista da comparago de resultados. Uma vez que um individuo escolhe uma norma de ago em lugar de outra, estése permitindo um tipo de agdo calculista. O desejo de poder ins- pirou deliberadas estruturas organizacionais formais nas sociedades tri- bais, na Europa antiga, na Grécia, em Roma, e em instituigGes especi- ficas como 0 exército e a igreja. Max Weber percebeu em tais estrutu- ras tragos daquilo que chamou de burocracia, ou organiza¢go no senti- do formal. Mas percebeu ele, também, que nessas sociedades tais estru turas constituiam enclaves delimitados no contexto do espago vital hhumano. Em tais sociedades, a maior parte do espago vital humano ‘mantinha-se disponivel sobretudo para a interagdo social, livre das re- presses da organizagfo formal. Em outras palavras, 0s tipos de acfo calculista eram incidentais ¢ frequentemente classificados sob regras de interago social primdria, Weber compreendeu que a sociedade modemna é sem paralelo ‘medida em que nela a organizagio formal (burocracia) se tornou um modelo social fundamental, e sua racionalidade calculista imanente passou a ser 0 padrio dominante de racionalidade para a existéncia hu- mana. Gragas a essa circunstincia, « sociedade moderna merece a rotu- lagfo de sociedade organizacional, como tem sido apropriadamente chamada, As finalidades da vida humana so diversas 96 unas poucas, entre elas, pertencem, essencialmente, i esfera das organizag6es eco inOmicas formais. Na tentativa de criar € maximizat 08 recursos neces- sérios a seu bem-estar material, 0 individuo pode-se permitir atividades ‘mecanomérficas, que sfo aquclas especificas da organizagio econdmi- ca formal. No entanto, regras operacionais, mecénicas, nifo se ajustam a todo o espectro da conduta humana. 125 6,5 Anteragdo simbétlica ¢ humanidade Em toda sociedade, 0 homem se defronta com dois problemas: ‘© problema do significado de sua existéncia e o problema de sua sobre- vivéncia biolégica. Uma sociedade é formada quando representa para seus membros uma expresso da ordem do universo. ‘Toda sociedade parece natural a seus membros na medida em que, pela adesdo a seus ‘simbolos ¢ pela confianga em seus padrdes, sintam eles a propria exis- téncia como alguma coisa que se harmoniza com aquela ordem. Nas palavras de ‘Voegelin, “toda sociedade tem que enfrentar os problemas de sua existéncia prética e, a0 mesmo tempo, se preocupar com a vera- cidade de sua ordem” (Voegelin, 1964, p. 2). Em outras palavras, em toda sociedade existe, de um lado, uma série de agdes simbélicas em ‘sua natureza, agdes condicionadas, sobretudo, pela experiéncia do ‘significado e, de outro lado, atividades de natureza econdmica, que so acima de tudo condicionadas pelo imperativo da sobrevivéncia, da calculada maximizagdo de recursos. Os critérios de cada tipo de con- duta so distintos ¢ ndo devem ser confundidos. Uma atividade de na- tureza econdmica, ou um sistema social econémico, & avaliado em ter- mos das vantagens priticas a que conduz; est4 engrenado para a conse- ‘cugdo de tais vantagens, e no para o conhecimento da verdade. As ati vidades de natureza econdmica sfo compensadoras em razio de seus resultados extrinsecos, enquanto a interagdo simbélica & intrinseca- mente compensadora. O primeiro tipo de atividade € meio para conse- guir um fim; o segundo, constitui um fim em si mesmo. Em todas as sociedades primitivas e arcaicas, a vida simbélica fot predominante e manteve os padres de economicidade em condiga0 periférica e subordinada. Nas sociedades primitivas, as atividades eco- $A naturezs simbélica da existéncia socal & subtinhada por Voegelin, em seu ‘projeto de Uma nova ciencia politica. Decara ele: A sociedade humana ndo ¢ apenas um fato, ow um acontecimento, no mundo exterior, a ser esttdado pelo observador como um fenémeno natural. Embora a texterioridade seja um de seus importantes componentes, ela é, em seu conjunto, lum pequeno mundo, um cosmion, iluminado sgnificativamente de dentro para fora pelos seres humanos que, continuamente, 0 eriam ¢ sustentam, como a for ‘ma e condigio de sua auto-ealizagdo. E iluminado mediante um elaborado sim- bolismo, em virios graus de compacidade e diferenciagio ~ do rito, através do mito, até tworla —e tal smbolismo o lunina de mantra significative na medi- dda em que os sfmbolos tomam a estratura interna desse microcosmo, as relagdes ‘entre seus membros e grupos de membros, assim como a totalidade de sua exis- ‘éncia, transparente ao mistério da existéncia humana. A plena auto-luminacio da sociedade através de s{mbolos é uma parte essencial da realidade social, pode-se até dizer que é sua parte essencal, porque mediante ta simbolizagfo os membros de uma sociedade tm a experincia dela como algunta coisa mais que ‘im aeidente ow uma conveniéncia: experimentarm-na como algo que faz parte de ‘ua esséncia humana” (Voegelin, 1969, p. 27). 126 nnomicas so o¢asionais, quase sempre restritas a situagGes em que os homens se defrontam com o problema da utilizagfo de recursos natu ras, reclamados por sua existéncia pritica e, assim, as relagdes entre cles nunca so determinadas apenas por critérios de economicidade. De fato, antropélogos de vérias correntes teGricas ofereceram provas, ‘de que nas sociedades pré-capitalistas € dificil identificar comércio en- tre individuos causado por motivagao puramente econdmica.® ‘Antes da sociedade de mercado, nunca existiu uma sociedade em que 0 critério econdmico se tomnasse o padréo da existéncia huma- nna. A presente teoria da organizagGo ¢, sobretudo, uma expressio da ideologia de mercado, ¢ € da natureza dessa ideologia negligenciar os pontos envolvidos pela interago simbélica. E por essa razo que os teoristas convencionais da organizagfo se sentem a vontade ao tratar de assuntos como confianga, virtude, valia, amor, auto-atualizagao, tenticidade, no campo da organizagdo econémica, a que, por sua natuy reza, dificilmente os mesmos pertencem. ‘So numerosos os esforgos para explicar « natureza da interago simbélica e, neste pais, associa-se geralmente o tema com os traballios da chamada Escola de Chicago, fundada por George Herbert Mead. No entanto, o t6pico tem constitufdo também interesse primordial de au tores cuja orientaglo teérica nem sempre coincide e entre estes incluem-se Carl Jung, Emest Cassirer; Georges Gurvitch, Bric Voege- lin, Jirgen Habermas, Kenneth Burke, H. D. Duncan, Herbert Blimer € muitos outros. De seus trabalhos parece possivel extrairem-se algu- ‘mas proposig6es que caracterizam a convicgdo das teorias da interago simbélica: 1. 0 enfoque da interago simbélica repousa no princfpio de que ‘hé miltiplas maneiras de se chegar ao conhecimento, e, entre outras coisas, questiona fundamentalmente o pressuposto de que a ciéncia, no sentido que the dé o cientismo, seja a tinica forma correta de conhecimento. Cassirer € explicito ao afirmar que a ciéncia, em si, constitui uma de virias formas simbélicas e que nfo hé razZo para the reconhecer uma posigdo privilegiada em relag&o as outras. Arte, mito, religifo e histéria sfo formas de conhecimento, legando diferentes ti pos de experiéncia, cada um deles vilido nos limites da realidade a que corresponde.” 2. Os estudiosos da interacfo simbélica partem do prinefpio de que @ sociedade €, essencialmente, a existincia social. A énfase aqui ¢ ‘em existéncia, que nfo pode ser explicada através da objetivagao de categorias como forcas, estruturas, classes. A verdadeira existéncia, in- dividual tanto quanto social, nunca é um fato ~ uma simples manifes- © Veja Polanyi (1971). Veja também Bacher (1968). 1 Para um resume da teoria de Cassrer,veja Cassirer (1970). 127) {apo externa evidente por si mesma. F alguma coisa intermedidria — in-between? uma tensio entre o potencial ¢ o real. Assim, a existén- cia social ¢ individual ndo pode ser explicada segundo categorias meca- ‘nomérficas, tais como aquelas que infestam o modelo predominante de ciéncia social, Herbert Blumer observa que “de um modo geral os socidlogos no estudam a sociedade humana em termos de suas unide- ddes atuantes” mas, em lugar disso, a consideram “em termos de estru- tura de organizagdo” e “tratam a ago social como uma expressio des- sa estrutura de organizagdo”, dando énfase a “categorias estruturais, como sistema social, normas culturais, valores, estratificagao social, situagdes. de starus, papéis sociais ¢ organizagdes_institucionais"™ (Blumer, 1962, p. 188-9). Diz ele, caracterizando a abordagem da interagdo simbélica “Reconhece (ela) a presenga de organizagGes na sociedade humana ¢ respeitahes a importancia. Contudo, encara ¢ trata as organizagGes de maneira diferente, e a diferenca traduz-se consoante duas inhas princi- pais: primeiro, do ponto de vista da interagao simbélica, a organizagao {da sociedade humana ¢ 0 arcabougo, no interior do. qual se verifica a ‘agGo social, € ndo constitui o estimulo determinante de tal ago. Se- ‘gundo, essa organizagdo e 4s mudangas que nela se operam sfo o pro- duto da atividade: das unidades em ago e ndo de forgas que deixam cessas unidades fora de consideragao” (Blumer, 1962, p. 189). Em outras palavras, o individuo participa da feitura da realidade social, ¢ 0 carter dessa participago pode diferir de um individuo para outro. Pode ser um cariter ativo, caso em que 0 individuo é um exis- tente real (isto é, um ego, uma pessoa), ou pode ser meramente reativo, Neste ailtimo caso, o individuo perde o caréter de ser real ¢ trans. formase num simples sistema de processamento de informago, como argiem alguns cientistas da computacao. Pode acontecer que, em cer- {as circunstancias, as estruturas sociais influenciem t4o pesadamente ‘0s,individuos que eles passem a agir como se estivessem completamen- ‘te moldados pelo processo social. As proposigdes da ciéncia social con- vencional seriam corretas se tal espécie de reago passiva devesse estar ‘equiparada a propria natureza humana. A premissa de que deriva é a «de que o individuo é um ser completamente socializado.? ® Esta expresso 6 tomada emprestado a Voegeli. Ao descrever 1 tensio ima nnonte& existénda humana, acentua ele sua estrutura intermedharia~ M-berween Siructure. 0 yorabuléno do, modelo estabelecido de ciéncia socal, por mo- tivos Sbvios, €inadequado conceituacdo deste tema. Na realidade,'o esforgo ‘de Fecuperagéo de Voegelin envolve critérios de cognigdo e, conseqdentemen- te, de linguagem, que pareotm chocantes aos que esto exageradamente con- {formados a0 modelo predominante de cgneia social. Para uma caracterizaglo do ‘modelo de cincia politica de Voegein, veja Sandoz, Elis (1972). Sobre a no: ‘io de in-between, voja Vocgelin (1970 1974) * A propisito, eja Wrong, DAH. (1961). 128 3. A interapdo simbolica presume que a realidade social se faz inte- ligtvel a0 indivfduo através de experiéncias livres de repressoes ope- racionais formais. Simbolos sf0 veiculos para a troca dessas expe- riéncias, isto é, para a reciprocidade de perspectivas. Em outras pala- vras, tais experiéncias da realidade sfo socialmente trocadas ou comu- hicadas mediante a interagdo simbélica, que requer, necessariamente, relagbes intimas entre os individuios, que ndo se efetivam mediante pa ‘drSes ou regras impostas, de cardter econdmico. A interagao simbdlica € um tipo de comunicaco ndo-projetada e que se op6e is comunica- {es projetadas, Nos sistemas racionais ¢ funcionais, tais como o da or- ganizagio convencional, as comunicagGes entre of individuos nffo se fundamentam no livre fluxo da experiéncia direta da realidade, mas classificamse sob um conjunto de regras técnicas e de procedimento. ‘A organizago convencional perderia sua raison d'etre se fosse permi- tira livre interagdo simbélica, e as comunicagGes no contexto de ta organizagSes so operacionais e no expressivas. No dominio da inte- racdo simbéliea, nfo hé comportamentos funcionais que devam ser jul. sgados do ponto de vista de estratégias instrumentais ou de regras técni- cas, mas antes agGes ou atitudes inteligiveis ou ininteligiveis, definidas a partir de um plano de reciprocidade de perspectivas. Hi pouca tole- rancia para a ambigiidade na interacZo social instrumental, enquanto 4 tolerincia é grande para a ambigiidade, na interagGo simbélica. “Uma das caracteristicas dos simbolos”, diz Gurvitch (1971, p. 40), ““é que eles revelam enquanto encobrem e encobrem enquanto reve: Jam, ¢ proporcionam participagdo, enquanto a impedem ou restrin- ‘gem, mas encorajando, apesar disso, essa participagto.” As atividades de natureza econdmica estdo presas, essencialmente, a regras opers- ‘ionais formais e, portanto, limitam o aleance desse tipo de intimids- de nas transagdes humanas. E evidente, portanto, que pontos como 0 amor, a confianga, hhonestidade, a verdade ¢ a auto-atualizaco nao deveriam estar inclu: dos no campo de aco da organizagao econémica,¢ que tais organiza- ‘es deveriam ser distintas de outros tipos de sistemas sociais, a que os pontos referidos efetivamente pertencem. As organizagSes econdmicas fazemse inteligiveis, antes, através de normas funcionais ¢ racionais de conduta e comunicacao. Existem, contudo, outros sistemas sociais em gue nteragdo simbelic €consderads como constituind o principal fundamento para relacionamentos interpessoais inteligiveis. 6.6 Trabalho e ocupacio Em todas as sociedades pré-mercado dotadas de algum grau de diferenciagdo social, existiu sempre uma clara distingo entre ativida- des ou ocupagdes superiores e inferiores, do ponto de vista de uma 129 ‘lassificagio existencial. Embora as atividades classificadas numa ou noutra categoria variem de sociedade para sociedade, duas premissas pparecem permear essa distingao, Primeira, as atividades de categoriza- (¢f0 existencial superior sfo, de preferéncia, exercidas autonomamente pelo individuo, de acordo com seu desejo de atualizacdo pessoal. Ao exercer tais atividades, 0 homem realiza alguma coisa que, aos olhos ‘dos outros individuos, é desejivel como um fim, em si mesma. Segun- dda, as atividades que ndo alcangam esse nivel superior sa0, de preferén- cia, determinadas externamente por necessidades objetivas ¢ néo pela livre deliberago pessoal. E esse segundo tipo de atividade que forca 0 indivfduo a se empenhar em esforgos penosos. As atividades de nivel superior ndo deixam de exigir esforgos, no entanto sfo, intrinsecamen- gratificantes, Parece evidente que uma distingao sistematica entre trabalho ‘ccupacdo pode ser conceptualizada, de acordo com esses pressupostos. trabalho ¢ a pratica de um esforgo subordinada as necessidades obje- tivas inerentes ao processo de produgdo em si. A ocupacio é a pritica de esforgos livremente produzidos pelo individuo em busca de sua atualizago pessoal Semelhante distingfo constitui a base da teoria de Veblen sobre classe ociosa. 0 trabalho, como foi definido, tem sido to universal ‘mente desprezado, que aqueles que no precisam trabalhar para viver ‘se empenham em enfatizar essa condigdo através da prética do consu- ‘mo conspicuo. No entanto, a nogdo que Veblen tem de consumo conspicuo pode dificultar a plena compreensio do lazer. Na sociedade de mercado, a nogo de lazer tem sido degradada, porque se tomou sindnimo de ociosidade, passatempo, diversio — conotagdes que o lazer nunca teve antes. Esse fato 6 sintomtico das Bemias de valor do sistema de regs de mercado, enrque otrabe 10 foi transformado no critério par excellence de valia e merecimen- ‘to, Num mundo de’“trabalho total” (Pieper, 1963, p. 20), tal como 0 ‘que pressupde o sistema de mercado, o lazer naturalmente perde 0 ca- rater que anteriormente teve, de correspondéncia a uma condi¢go apropriada para:os mais sérios esforgos em que um homem se pode empenhar. Tentando reconstituir 0 significado original de lazer, Josef Pieper escreve “A ociosidade, no velho sentido da palavra, Jonge de ser sindnimo de lazer 6, mais aproximadamente, 0 requisito indispensivel e secreto que toma 0 lazer impossivel: poderia ser descrita como a total auséncia de lazer, ov 0 exato oposto do lazer. O lazer 86 & possfvel quando 0 ho- mem se sente unido a si proprio, A ociosidade ¢ a incapacidade de la- zer entre si se correspondem. Lazer & 0 contririo de ambas” (Pieper, 1963, p. 40). 130, A inversdo do significado original de lazer, como foi gradual mente conseguida através do processo de autojustificagao ética do sis tema de mercado, € um exemplo da desorientagdo da civilizago oci dental em seu estigio moderno. “Grandes mudancas subterrineas em nossa escala de valores” (Pieper, 1963, p. 23) ocorreram nos iltimos trés séculos, © por meio delas o lazer perdeu seu cariter como “uma das bases da cultura ocidental” (Pieper, 1963, p. 20). Essa distorgo foi ditada pelas premissas de valor do sistema de mercado, no qual 0 hhomem sente que esta social e mesmo religiosamente justificado “a desfrutar, com a consciéncia tranquile”, apenas “aquilo que adquiriu com esforeo e sacrificio” (Pieper, 1963, p. 33). Veblen salienta, corretamente, que a existéncia de uma classe ‘ociosa ¢ impossivel sem a existéncia da propriedade privada, fato que foi bem compreendido por Arist6teles, que especificou também que somente aqueles que dispunham de propriedades individuals po- diam ser livres. Para ele, a posse da propriedade era uma condigo para uma vida plena, raciondl, livre. Desse modo, considerava ele o escravo como um ser ndo inteiramente racional, ¢ embora tal opinido seja re ugnante aos nossos sentimentos atuais, nela Aristoteles é apenas cul pado por considerar uma imposido das circunstncias como indicagao de uma dicotomia essencial entre duas categorias de seres hummanos. ‘Como assinala Leo Strauss: ““Aristoteles considerou como coisa certa alguma coisa que jé ngo po: demos considerar como certa. Tomou como certo 0 fato de que toda economia teria que ser uma economia de escassez, em que a maior par te dos homens ndo disporia de lazer. Descobrimos uma economia de abundancia, E, numa economia de abundincia, jé ndo é verdade que a ‘maior parte das pessoas tenha que ser ndo educada. Esse fato constitu ‘uma resposta perfeita a Arist6teles, nesse particular. Mas € preciso que vejamos aquilo que mudou, exatamente. Nao os prinefpios de justica, ‘que so 08 mesmos. 0 que mudou foram as circunstincias” (Strauss, 1972, p. 231). De fato, na medida em que a exequibilidade de uma economia de abundéncia é inconcebivel, é correto admitir que, em todo sistema politico diferenciado, apenas uma minoria podia ser livre da condigao de trabalhadora, © que constitui © requisito indispensével de Arist6te les para um tipo de vida racional e livre. Portanto, se pusermos nossa indignago moral contra a justificagdo da escravatura sob adequada perspectiva, ndo hi como fazer object a Arist6teles. ‘Como acentua Arendt, “a instituigo da escravatura, na antighi dade, foi um recurso para excluir o trabalho da condigdo da vida do hhomem” (Arendt, 1958, p. 74). Essa exclusio 86 podia ser vidvel atra- 131 ‘vés da institucionalizagfo da escravatura, dadas as capacidades de pro- ‘dugfo daquele periodo histérico. Ponderando bem a teoria de Arist6- teles em sua apropriada perspectiva hist6rica, Arendt escreve “Aristételes, que defendeu essa teoria to explicitamehte e depois, em seu leito de morte, libertou os escravos que possusa, talvez nfo tenha sido to incoerente como os homens modernos esto inclinados a pen- ‘sar, Ele no negava ao escravo a capacidade de ser humano, mas ape- ‘nas 0 uso da palavra ‘homens’ para membros da espécie humana, en- to 08 mesmos estivessem inteiramente sob o dominio da necessi- dade. E 6 verdade que 0 uso da palavra ‘animal’, no sentido de animal laborans, de maneira distinta do muito discutfvel uso da mesma pala ‘vra na exptessio animal rationale, ¢ inteiramente justificado. O animal laborans é, realmente, apenas uma ¢ na melhor das hipGteses a mais clevada das espécies animais que povoam a terra” (Arendt, 1958, p. 74-5). (0 fato de que palavras como razdo, racionalidade ¢ lazer adqui- tem, no sistema de mercado, significados que originalmente ni expri- iam no ¢ acidental. O processo da consolidagao institucional do sis tema de mercado ¢ insepardvel de um procesto de desculturago da mentalidade ocidental, por meio do qual ¢ eliminado 0 sentido origi nal dessas palavras. De modo particular, o lazer e a distingo qualitati vv nele contida entre trabalho e ocupa¢fo foram transformados, de ‘maneira a enquadrar 0 termo no arcabougo epistemolégico do sistema de mercado, Nesse sistema, o trabalho transformou-se na fonte de to dos 08 valores e 0 animal laborans foi elevado “i posigao tradicional- mente ocupada pelo animal rationale” (Arendt, 1958, p. 75). ‘A maneira pela qual ocorreu essa transformagdo constitui uma questio muito complexa e que, alids, foi amplamente discutida por W. A. Weisskopf (1957; 1971). Tal discussdo aborda apenas as raz6es psicoculturais para a “sibita, espetacular ascensfo do trabalho, da ‘mais baixa, mais desdenhada posigdo a0 nivel mais elevado, como ‘a'mais prezada de todas as atividades humanas” (Arendt, 1958, p. 88). Segue-se um sumério de razées: Primeiro, o sistema de mercado encontrou condigdes excepcio- nais para estabelecer seu comando sobre a vida social durante a chama- da revolugdo industrial. A industria tormou-se, agora, uma peca funda- ‘mental, um componente do sistema de mercado. A produgdo indus- trial apéia-se antes nas leis da mecénice do que em qualquer destreza ‘pessoal particular, condicionando 0 homem, eficazmente, a concordar ‘com suas exigéncias operacionais. No processo de fabricagGo, o traba- tho é dividido e, assim, quanto mais o individuo se adapta as determi- ‘nages mecinicas a0 fazer as coisas, melhores so of resultados gerais esperados, No contexto de tais circunstancias, e para chegar & conse- ‘cugdo dos resultados finais previstos, as habilidades pessoais passam a 132 ser subsidiérias de objetivos mecinicos. Em, outras palavras, em tais circunstincias espera-se do homem no. que se ocupe adequadamente, nem que se exprima livremente,em relagdo & tarefa que Ihe foi designa- da; espera-se dele que trabalhe. O homem ¢, portanto, essencialmente ‘considerado apenas como um componente de uma forga de traba- tho.!® A transformagdo do individuo num trabalhador é um requisito do plano mecinico da produgio. Segundo, o sistema de mercado ¢ um sistema de pregos e precisa de padrdes objetivos para determinar a equivaléncia de bens e servigos. Além disso, na medida em que 0s relacionamentos entre produtores ¢ consumidores, no mercado, so destacados ¢ simultaneamente classifi- ados sob um processo competitivo, os lucros e custos precisam ser ri- gorosamente calculados. Desse modo, o individuo participa do proces- so de produgio, mas unicamente como um item de custo. Os fatores de producdo so avaliados em termos de prego e, assim, o individuo tomasse apenas um ganhador de salério. No mercado, como observou Blake, “as almas das pessoas sZo compradas e vendidas”.!" A transfor ‘magio do individuo num trabalhador ¢ um requisito da contabilidade de produgao. Terceito, o sistema de mercado ndo pode funcionar em bases pu- ramente téenicas e econdmicas. S6 se poderia transformar no mais im- pportante setor social na medida em que 0 processo geral de socializa- $40 induzisse os individuos a aceitarem seus requisitos psicol6gicos. Diversos estudiosos tm examinado as conotagdes religiosas da ideolo- {ia inerente ao sistema de mercado, ¢ salientam que tal ideologia ndo representa a contribuico de uma tinica pessoa, mas resultou de esfor- {Gos confluentes de fildsofos como Hobbes ¢ Locke, de reformadores religiosos como Lutero e Calvino, de moralistas como Bentham e ou- {ros, que elaboraram 0 antecedente tedrico do éthos utilitério. A con- seqiiéncia final dos esforgos desses homens é a ética do trabalho, ba- seada no postulado de que o trabalho 0 critério cardinal de valor, ‘nos doménios da existéncia individual e social. Aquilo que em econo- ‘mia € conhecido como a teoria de valor do trabalho ¢ apenas um as- pecto particular da ideologia que legitima a sociedade centrada no ‘mercado,!? 2 Sobre este ponto, veja Weisskopf (1987 € 1971). 1 Apud Hicks, John (1969, p. 123) 42 Sir John Hicks escreve: “Trabalho ... nfo é ...‘oeupacdo'. Cada uma das lasses de pessoas cujasatividades estiveios examinando tem sua ocupasio. © ‘amponés tem sua ocupasio, o administrador tem sua ocupagio, o negociante ‘em sue ocupagio, mesmo o proprietéro, na medida em que conserva uma fun- so postiva, tem sua ocupagio. O que earacteriza o operirio, ov trabalhador, no fentido mais esteito ...€ que ele trabalha para uma outra pessoa. Ele ¢ (no ‘hamos medo de dizer) um servdor.” F Hicks acrescenta: “A economia mercan- ‘il nunca foi capaz de passar sem servidores” (Hicks, 1969, p. 122). 133 ‘Acescolha do trabalhé como instrumento de medig#0 do valore 4a dighidade humana de um modo geral foi condicionada pela necessi- dade de aliviar a dissondncia cognitiva gerada pelo surgimento do sis ‘tema de mercado. A velha distingdo entre ocupagdo e trabalho precisa- va ser solapada, de outro modo os conflitos interiores da psique huma- ina tomariam o sistema de mercado impraticivel. O trabalho como ins- trumento de medigdo do valor e da dignidade humana € um expe- diente psicocultural, usado para minimizar a dissondincia cognitiva ¢ 0 conti interior. © rudimento de uma distingdo entre as'duas palavras é encon- trado no livro Principles of economics, de Alfred Marshall. O trabalho 6 nele definido como “qualquer esforgo de mente ou de corpo, pro- ‘movido parcial ou totalmente com vistas a alguma coisa boa, além do pprazer diretamente derivado do trabalho (work)”."? Embora esta afir- Imago ‘esclarega de modo satisfat6rio a natureza do trabalho, 0 faz ‘erradamente no final, quando usa a palavra work, Depois de citar a de- finigo ‘de Marshall, Galbraith observa corretamente, na obra The Affluent society (1958, p. 264), que a distingao formal entre trabalho © ocupagio nao teve papel na teoria econdmica, Galbraith parece acre- ditar que as condigdes peculiares da sociedade afluente exigiriam a dis- tingdo, para'a clarificagao de seus problemas. No hé divida, porém, dde que tal distingio é teoricamente importante, do ponto de vista de ‘uma abordagem substantiva da organizagao. 6.7 Conceptualisagdo de uma abordagem substantiva da organizagio ‘Temos que comegar, a esta altura, 0 confronto com a nogio de delimitago organizacional. A expressio pressupde, nflo apenas que hi ‘miltiplos tipos de organizago, mas também, e mais importante ainda, ‘que cada um deles pertence a enclaves distintos, no contexto da tessi- tura geral da sociedade. As organizagGes formais convencionais cons- ‘titusram, até agora, o interesse principal da teoria organizacional con- ‘temporinea, 0 que tem inibido os teoristas da organiza¢o, quanto a sistematica acuradamente se dedicarem a variedade de sistemas so- ciais que constitui o espaco macrossocial. Para que seja possivel superar ‘esse paroquialismo teérico, é necessério um enfoque substantivo da or- ‘ganizagio, ¢ esse enfoque se caracteriza pelas seguintes consideragbes: 1. Os limites da organizacSo deveriam coincidir com seus objetivos. Nessa conformidade, a delimitagio organizacional esta, primor dialmente, interessada na delimitagdo das fronteiras espectficas da or- ‘ganizagdo econdmica. E possivel tentar definir a organizago econdmi- ca como um sistema microssocial que produz mercadorias. segundo normas contratuais objetivas, disp0e de meios operacionais para a ma- 13 Apud Galbraith, J.K. (1958, p. 264). 134 ximizago de recursos limitados e utiliza critérios quantitativos para avaliar a equivaléncia de bens e servigos. Isso quer dizer que as organi- ‘zagOes econdmicas, tendo exigéncias, proprias que ngo coineidem, ne- ‘essariamente, com aquilo que é requerido pela bos qualidade da exis- téncia humana em geral, devem ser consideradas como pertencentes & uum enclave conceptual. ¢ pragmaticamente limitado, dentro do espago vital humano, 2. A conduta individual, no contexto das organizacées econdmi- ‘cas, est4, fatalmente, subordinada a compulsdes operacionais, for- mais € impostas. Assim sendo, 0 comportamento administrativo trinsecamente vexat6rio e incompativel com o pleno desenvolvimento ddas potencialidades hummanas. 3. A organizagfo econdmica ¢ apenas um caso particular de diver- 0s tipos de sistemas microssociais, em que as fungdes econdmicas so desempenhadas de acordo com diferentes escalas de prioridades. A importancia do comportamento administrativo diminui, quando se parte de sistemas sociais planejados para a obteneao de lucro ¢ se ca- ‘minha no sentido de sistemas sociais mais adequados & atualizagio humana 4, Uma abordagem substantiva da teoria organiz jonal preocupa-se, sistematicamente, com os meios de eliminacdo de compulsies des- nnecessirias agindo sobre as atividades humanas nas organizages ‘econdmicas € nos sistemas sociais em geral. Em outras palavras, tal abordagem reconhece que, por sua propria natureza, o comporta- ‘mento administrativo constitui atividade humana submetida a compul- ses operacionais. Todavia, essa abordagem esté interessada em meios vidveis de redugo, ¢ mesmo de eliminaggo, de descontentamentos e ‘com o aumento da satisfagao pessoal dos membros das organizagbes, econdmicas, 5. As situages em que os seres humanos se defrontam com t6pi ‘c0s elativos a propria atualizaco adequadamente entendidas, tém exigéncias sistemicas diferentes daquelas que atendem aos contextos econdmicos. Essa diferenciaggo social sistémica foi corretamente apreendida por H. Arendt como uma condigdo que habilita os indiv{- duos a se avantajarem, na consecucdo das diferentes obras de suas vi- das. Diz ela: “Nenhuma atividade pode vir a ser excelente, se o mundo nfo proporcionar um lugar adequado para seu exercicio” (Arendt, 1958, p. 49). Para proporcionar esses lugares adequados, precisamos comegar formulando uma tipologia de interesses humanos ¢ dos cor- respondentes sistemas sociais onde tais interesses possam ser propria- mente considerados como tpicos do desenho organizacional.. ‘Como indicam estas cinco consideragées, uma abordagem subs- tantiva da organizagdo resiste a tomar-se, sob qualquer disfarce, um instrumento de politica cognitiva. 135 6:8 Conetusto ‘Ante’ a anilise at6 aqui apresentada, torna-se elaro que a teoria {da Srganizagio precisa ser reformulada sobre novos Fundamentos epis- temolégicos. Dos dias de Taylor até hoje, a teoria da organizaggo — sgragas 4 persistente falta de exame de suas dimensdes epistemol6gi- ‘eas ~ tem sido, em grande parte, uma ideologia do sistema de prego de mercado, $6 sobrevivers se for transformada numa teoria realmente vive, fazendo-se sensfvel aos pontos cegos de sua condeptualizacio redefinindo-se sobre bases substantivas, ‘AS afirmagSes que se seguem sJ0 oferecidas como um conjunto de posstveis diretrizes, necessérias & reformulacdo da teoria da orga ‘nizagao: 1. O homiem tem diferentes tipos de necessidades, cuja satisfagio requer miltiplos tipos de cenérios sociais. E posstvel no apenas categorizar taistipos de sistemas sociais, mas também formular as con- digdes operacionais peculiares a cada um deles. 2.0 sistema de mercado 26 atondo a limitadas necessidades huma- nas, e determina um tipo particular de cenério social em que se es ‘pera do individuo um desempenho consistente com regras de comuni- ‘cago operacional, ou critérios intencionais e instrumentais, agindo co- ‘mo um ser trabalhador. O comportamento administrativo, portanto, € ‘conduta humana condicionada por imperativos econdmicos. 3. Diferentes categorias de tempo e espaco vital correspondem a tipos diferentes de cendrios organizacionais. A categoria de tempo ¢ ‘espago vital exigida por um cendrio social de natureza econdmica é apenas um caso particular entre outros, a ser discernido na ecologia slobal da existéncia humana, 4. Diferentes sistemas cognitivos pertencem a diferentes cenérios ‘organizacionais. As regras de cognigdo inerentes ao comportamento ‘administrativo constituem caso particular de uma epistemologia multi ™ dimensional do planejamento de cendrios organizacionais. 5. Diferentes cenérios sociais requerem enclaves distintos, no con- texto geral da tessitura da sociedade, havendo, contudo, vinculos ‘que 08 toram inter-relacionados. Tais vinculos constituem ponto cen- tral do interesse de uma abordagem substantiva do planejamento de sistemas sociais.'* (© estudo cientifico das organivacties econdmicas trata de estru- turas que conduzem a efetiva utilizagdo de recursos fisicos ¢ de mfo- de-obra. Esse estudo cientifico da produgio, é verdade, focaliza seu in- teresse sobre personalidades, mas apenas na medida em que as aptidoes ¢ habilidades individuais podem ser melhoradas através do treinamen- 1 As redes © 08 papéis a serem desempenhados nas redes, na concepyio de Schon, ilstram especificamente tal abordagem. Veja Schon (1971). 136 to € eficazmente combinadas do ponto de vista dos rendimentos dese- jados. A mescla que hoje se faz da teoria da organizagio econdmica ‘com a teoria da personalidade ¢ uma unido esptiria, que esconde um propésito sinistro, A Gnica desculpa para seus advogados é, na melhor hipdtese, sua equivocada boa-fé. De fato, os proponentes da administragdo cientifica, como Taylor, ¢ 08 operacionalistas positivos, como Herbert Simon, esto mais pproximos de uma teoria de orgenizacio valida do que os teoristas hu- ‘manistas, que colocam erradamente a nogGo de auto-atualizagdo. Para o aperfeigoamento da teoria da organizagfo, precisar-se-ia reformular Taylor e Simon. Foi cheio de sentido 0 esforgo desses ho- mens, tentando descobrir estruturas eficazes que deveriam caracterizar 13s organizag6es econdmicas, para que as mesmas pudessem atingir seus objetivos. Interessaram-se eles, essencialmente, pelas questdes técnicase ‘a maior parte daquilo que disseram ainda constitui, pelo menos, um fundamento parcial, sobre 0 qual s¢ pode continuar a promover a construsfo tedrica. Ha muita coisa a ser considerada valida no esforgo de Taylor para formular os fundamentos de uma ciéncia da producéo. ‘Simon, também, estava basicamente correto, em sua tentativa de escla recimento do procesto da tomada de decisbes, jd que o mesmo, como € caracterfstico, se desenrola dentro dos limites da organizago econd- mica. No entanto, quando eles negligenciaram as fronteiras das regras ‘de cognigdo inerentes is organizagdes econdmicas, sua psicologia tor- nouse, do ponto de vista objetivo, uma psicologia de mi-fé, porque inconscientemente, transformaram as mesmas em regras de cogni¢o supostamente vélidas para a natureza humana em geral Taylor ¢ Simon ainda merecem ser reexaminados, do ponto de vista de uma teoria de organiza¢o econdmica, mas de uma teoria contida entre suas adequadas fronteitas. A teoria da organizagio que imaginaram trata de atividades humanas operacionalmente Gteis para poupar recursos. O erro de Taylor consistiu em expandir exagerada- mente a légica dessas atividades especificas. Para ele, cada ato da vida humana deveria ser focalizado do ponto de vista da administragio cientifica, Parece ndo ter interesse no papel da interasso social primé. ria (simbélica), um campo da associagdo que nada tem a ver com pos- sibilidade de cdlculo e maximizagfo. Em tiltima andlise, Simon equips 1a 2 racionalidade com 2 estimativa de conseqiiéncias e, por eonseguin- te, identifica as exigencias psicologicas do sistema de mercado com a natureza humana em geral. (0 problema de pontos de vista doutrinérios dessa espécie nio es- ‘td apenas em que so teoricamente alienados, mas também em que, ‘mediante a pritica da politica de cognigio, so eles utilizados para ‘construr a realidade social do cidadao comum, 137 ‘Nao hé sentido em se descartar 0 estudo cientifico dos cenérios sociais de natureza econdmica. A sociedade, como um todo, nfo pode subsistir som eles. O planejamento ¢ a operagio desses cendrios consti- ‘tem um problema técnico de,caréter peculiar. No entanto, esse tema ¢ apenas parte daquilo que, no capitulo seguinte, serd conceptualizado como uma teoria de delimitagdo de sistemas sociis. BIBLIOGRAFIA Arendt, H. The Human condition. Garden City, Doubleday, 1958, ‘Argyris, C, Some limits of rational man organizational theory. 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