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MINISTERIO PUBLICO ELEITORAL EXCELENTISSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. A PROCURADORA-GERAL DA REPUBLICA em “p” e 103, VI, da exercicio', com fundamento nos artigos 102, 1, “a Constituigdo Federal, e nos dispositivos da Lei 9.868/99, vem ajuizar ACAO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, com pedido de MEDIDA CAUTELAR, para que esse e. Supremo Tribunal Federal declare a inconstitucionalidade dos artigos 3°, VIII, alinea “b”, IX, XVI, XIX e pardgrafo tinico; 4°, IIL, IV, §1°, § 4°, § 5°, § 6; 5°, 8, § 2%; 11 e 62, todos da Lei n? 12.651/12 que revoga diversos diplomas normativos, entre eles, 0 Cédigo Florestal (Lei n® 4.771/65). Como sera demonstrado, tais dispositivos legais contrariam 0 disposto nos artigos 5°, caput, 186, I e TI, e 225, todos da Constituigdo Federal de 1988, conforme as razies de fato e de direito a seguir expostas 1- DOS FATOS. 1 As raizes da legislagdo protetiva das florestas no Brasil sio muito anteriores eclosio do chamado ambientalismo, cujo marco inicial & considerado a realizacdo da Conferéncia de Estocolmo, em 1972. 1 Nos termos de Portaria PGR n° 430 de 15 de agosto de 201. 2 Portanto, ao contrario do que muitos supdem, a legislacao ambiental brasileira ndo é fruto de adaptagdes de modelos aplicados em outros paises, nem mesmo da influéncia de interesses intemacionais, frequentemente clasificados como escusos por aqueles que defendem a flexibilizagdo das normas de protecdo ambiental. A legislagao ambiental brasileira, ao revés, é fruto da dindmica sociopolitica nacional, da evolugdo do conhecimento cientifico sobre os ecossistemas que compdem o nosso territério, tendo sido identificada e reivindicada pelos movimentos sociais que, no periodo recente, Tutaram por justiga social e pela democratizagao do pais’. 3. De fato, o Brasil dispde de uma legislagio protetora das florestas, de cariter nacional, desde 1934, quando foi editado 0 Decreto n° 23.793, conhecido como “primeiro Cédigo Florestal brasileiro”. A Constituiga0 Republicana de 1934 também foi a primeira a considerar a proteg%o da natureza como um principio fundamental, tendo sido por ela atribuida & Unido e aos Estados, a competéncia para, de forma concorrente, “proteger belezas naturais ¢ monumentos de valor histérico e artistico”®, 4. O primeiro Cédigo Florestal brasileiro estabeleceu os fundamentos para a protegdo territorial dos principais ecossistemas florestais, ¢ teve como objetivo principal regulamentar a explorag% madeireira no pais. Um de seus méritos foi, sem diivida, definir categorias de areas a serem especialmente protegidas, por meio da classificagdo das florestas em quatro tipologias: florestas protetoras, florestas remanescentes, florestas de rendimento e florestas modelo. 2. Historiadores como José Augusto Pidua, spontam que a preocupaydo com a conservagao das florestas esteve no centro do pensamento politico nacional emancipador desde o periodo colonial, a exemplo das obras de José Bonificio, Joaquim Nabuco, Baltasar da Silva Lisboa ¢ Francisco Freire Alemao. 3. Merece registro o fato de que na década de 1930, além do Cédigo Florestal, outros instrumentos relacionados & protesdo ambiental foram criados, como 0 Cédigo de Aguas (Decreto 24.643/34), 0 Cédigo de Caga e Pesca (Decreto 23,793/1934) e 0 Decreto de Protegao aos animais (Decreto 24,645/1934) 5. As florestas protetoras eram, segundo o art. 4° do referido diploma normativo, aquelas que, por sua localizagdo, servissem conjunta ou separadamente para qualquer um dos seguintes fins: conservar o regime das Aguas, evitar a erosio das terras, fixar dunas, auxiliar a defesa das fronteiras, assegurar condigdes de salubridade publica, proteger sitios que por sua beleza merecessem ser conservados ou “asilar espécies raros de fauna indigena”. As florestas remanescentes, por outro lado, seriam aquelas destinadas, pelo Poder Pblico, & formagdo de Parques e as que fossem necessérias 4 conservagao de espécies por motivos de interesse biolégico ou estético. Florestas protetoras e remanescentes eram consideradas pela legislagio, “de conservagio perene” e, também, inalienaveis. 6. Ji durante o regime autoritério, uma nova legislagao foi debatida pelo Poder Legislative ¢ sancionada pela Presidéncia da Repiblica: da Lei n° 4.771 de 15/09/1965, que instit tratava-s © “novo” Cédigo Florestal. Tal lei extinguiu as tipologias definidas pelo Cédigo de 1934, substituindo-as por quatro outras: parque nacional, floresta nacional, areas de preservagio permanente (APP) e reserva legal, estas duas iltimas, criadas com objetivo de conter a devastagao florestal 7 Dessa forma, quando a denominada “questio ambiental” eclodiu nos anos 1970 © foram configurados a problematica © os conflitos inerentes aos principios do denominado “desenvolvimento sustentavel”, a legislago brasileira j4 contava com uma norma de protegdo as flores! 8 Esse brevissimo histérico demonstra, também, que a protegio ambiental das florestas no Brasil, desde sua génese ¢ nos mais diferentes contextos sociopoliticos, teve como principal estratégia a instituigdo de espagos territoriais especialmente protegidos piiblicos e privados. 9. Hii de ser notada, todavia, uma evolugao no alcance da protegao Conforme aponta Carlos Frederico Marés Souza Filho, “em 30 as florestas deveriam proteger alguma ¢1 sa; em 60 elas mesmas eram o bem protegido, em 80 a protegao é voltada para o ecossistema™. 10. E & a protegdo do ecossistema a tonica da protego ao meio ambiente na Constituigdio Federal de 1988, conforme se depreende do art. 225, que consagra o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e faz referéncias explicitas 4 necessidade de preservagio e restauragdo dos processos ecolégicos essenciais (art, 225, §1°, 1), bem como a ecolégica da fauna e da flora (art. 225, VI). protegdo da fung: i. Ao longo de sua vigéncia, a Lei n° 4.771/65 passou por significativas alteragdes. Algumas delas foram fiuto da evolugdo, acima mencionada, do aleance da protegdo ambiental. E 0 caso, por exemplo, das alteragdes promovidas pela Lei n° 7.511/86, que aumentou as faixas de APPs situadas ao longo de cursos d’dgua ¢ pela Lei n° 7.783/89, que instituiu novas tipologias de APPs e inseriu na lei a definigdo de reserva legal. 12, A partir da década de 1990, as alteragdes legislativas promovidas na Lei n° 4.771/65 foram decorrentes, principalmente, da sucessiva divulgagdo de dados obtidos por imagens de sat ite, demonstrando 0 aumento exponencial do desmatamento no Brasil, notadamente na Amazénia. 13. A série de mudangas na legislagdo teve inicio com a promulgagio da Medida Proviséria n° 1.511/96 que introduziu no Cédigo Florestal trés alteragdes principais: ampliag3o da vedagdo de corte raso, limitagdo de novas conversdes de florestas para pecudria ¢ agricultura ¢ imposigdo do manejo florestal sustentavel de uso miiltiplo. Com a publicagao da mencionada MP, pretendia o Poder Executivo responder as criticas nacionais internacionais voltadas a politica ambiental brasileira, incapaz de conter a perda de biodiversidade. No ambiente politico da época, o desejo do Brasil de assumir 4 SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés. Espagos Ambientais Protegidos e Unidades de servagdo, p. 20. Curitiba: Editora Universitéria Champagnat, 1993, um papel de lideranga internacional na questéo ambiental contrastava com a incapacidade interna de enfrentar problemas ambientais como o desmatamento, 14. As iniciativas do Poder Executivo geraram imediata reagdo dos grandes proprictirios rurais, © aumento do desmatamento correspondia, no plano econémico, ao avango da fronteira agricola, das monoculturas ¢ da pecuaria extensiva, Como resultado, os limites de protegdo previstos no Cédigo Florestal — que & época de sua edi iam distantes — passaram a ser 10 par contestados. Novas medidas provisérias foram editadas pelo Poder Executivo, desta ve7, flexibilizando 0 conteiido das medidas de protegdo previstas’ 15. Por fim, em 2001, foi editada a MP 2.166, que modificou a definigao de reas de APPs ¢ RLs; definiu as possibilidades de intervengao em APPs por razSes de utilidade piiblica e interesse social ¢ regulamentou as possibilidades de compensag3o da reserva legal. Referida medida proviséria, reeditada 67 vezes, permaneceu em vigor até 2012, quando foi revogada a Lei 4.771165, 16. Todavia, as pressdes para alteragdo do Cédigo Florestal ¢ flexibilizagdo de seus principais instrumentos de protegao ganhariam impulso novamente apés a adocdo de duas importantes medidas pelo Governo Federal: a edig&io da Resolugio n° 3.545, pelo Banco Central, que passou a condicionar a liberagdo de crédito agropecudrio 4 regularizago ambiental das propriedades rturais © a publicagio do Decreto 6.514/2008, que definiu multas e penalidades para propriedades que nao tivessem sua reserva legal averbada no respectivo registro do imével. 17. Em 2009, a Camara dos Deputados aprovou a criago de uma Comissdo Especial para analisar os projetos de lei em trémite naquela Casa Legislativa. A Comissdo Especial apresentou seu relatério em 2010 ¢ © mesmo 5 Para histérico das alteragdes na Lei n° 4.771/65 na década de 1990, ef. BENJAMIN, Antonio Herman V. A protegdo das florestas brasileiras: ascenso e queda do eédigo florestal. Revista de Direito Ambiental, S30 Paulo: Revista dos Tribunais, 1.18, p. 22-23, abr.fjun, 2000, foi aprovado pela Camara dos Deputados em maio de 2011, © Senado aprovou 0 projeto, com diversas modificagdes, em 07/12/12 e, na Camara dos Deputados, diversos aspectos da redago sugerida pela Comissio Especial foram retomados. 18. Ignorando a clara diretriz constitucional sobre o tema da proteg’io ambiental, bem como os explicitos mandamentos constitucionais a respeito da garantia do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o processo legislativo foi dominado por propostas que tinham como pano de fundo um nico objetivo: desonerar os proprietérios rurais dos deveres referentes a protegdo das florestas e, ainda, “anistiar” ilegalidades antes cometidas. 19. Por fim, encaminhada a proposta legislativa a sangdo presidencial, a Lei 12.651/12 foi publicada com 12 vetos. Apés, 0 Poder Executive editou uma Medida Proviséria (j4 convertida em lei), fazendo 32 icagdes no projeto aprovado pelo legislativo 20 Como seri demonstrado a seguir, a Lei aprovada padece de intimeras inconstitucionalidades, sendo que aquelas referentes as areas de preservagio permanente constituem 0 objeto da presente agao. Il- DO DIREITO - 21 Assim como fez a Lei n? 4.771/65, a Lei 12,651/12 manteve no ordenamento juridico nacional as areas de preservago permanente como categoria de espaco territorial especialmente protegido, definindo-as como “drea protegida, coberta ou ndo por vegetagdo nativa, com a fungdo ambiental de preservar os recursos hidricos, a paisagem, a estabilidade geolégica, a biodiversidade, o fluxo génico de fauna e flora, proteger 0 solo e assegurar 0 bem-estar das populagdes humanas”. 22, Com efeito, a legislagio brasileira j4 preceituava, desde a publicago do Cédigo Florestal de 1934, a necessidade de protego de determinados espagos territoriais, com a finalidade de preservar 0 ciclo hidrolégico, a biodiversidade, bem como o solo e a estabilidade geol6gica’. 23. © Cédigo Florestal de 1965, por sua vez, estabeleceu serem reas de preservagdo permanente a faixa marginal de cursos dégua, o entorno de das nascentes ¢ olhos d'égua, lagos ¢ lagoas naturais, dos reservatdrios artificia 0s topos de morro, montes, montanhas e serras, as encostas ou partes destas (com declividade superior a 45°), as restingas fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues, as bordas dos tabuleiros ou chapadas ¢ as éreas em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros. 24 Em tal contexto, conforme explica José Gustavo de Oliveira Franco “a Constituigdo Federal recepcionou 0 Codigo Florestal e 0 instituto das dreas de preservacdo permanente, como elemento essencial, em mais de uma das descrigdes do parigrafo 1° do art. 225, para atingir os objetivos pretendidos quanto a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado™”. 28, Com efeito, a propria definigdo das Areas de preservagao permanente, consolidada desde 0 Cédigo Florestal de 1965, deixa evidente o papel desse instrumento de protesiio ambiental na efetivago dos designios constitucionais contidos no art. 225 da Carta da Republica, e também em seu art. 185, Ie II, que consagra, como elementos integrantes da fungdo social da propriedade, 0 aproveitamento racional, a utilizagdo adequada dos recursos io do meio ambiente. is disponiveis e a preserva 26 Os estudos técnicos juntados & presente agdo, especialmente aquele produzido pelas duas maiores organiza Academia Brasileira de Ciéncias e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciéncia) demonstram, de forma inconteste, a importincia das areas de 6 Como anteriormente exposto, no Cédigo Florestal de 1934, vegetagao desses espagos foi classificada como “floresta protetora” 7 FRANCO, José Gustavo de Oliveira, Matas Ciliares: Conteiido juridico e biodiversidade. Curitiba: Jurud, 2005, p. 80. preservagdo permanente para o cumprimento dos deveres fundamentais do poder piblico quanto 4 proteso ambiental (doc. 02). Segundo excerto do citado documento (fls. 11/12): “Entre os pesquisadores, ha consenso de que as areas marginais a corpos dagua — sejam elas virzeas ou florestas riparias — ¢ os topos de morro ocupados por campos de altitude ou rupestres sio areas insubstituiveis em razio da biodiversidade e de seu alto grau de especializagao e endemismo, além dos servigos ecossistémicos essenciais que desempenham — tais como a regularizacio hidrolégica, a estabilizagao de encostas, a manutengio da populagio de polinizadores e de ictiofauna, 0 controle natural de pragas, das doengas e das espécies exéticas invasoras. Na zona riparia, além do abrigo da biodiversidade com seu provimento de servigos ambientais, os solos timidos ¢ sua vegetagio nas zonas de influéncia de rios e lagos so ecossistemas de reconhecida importdncia na atenuagio de cheias e vazantes, na redugdo da erosio superficial, no condicionamento da qualidade da Agua ¢ na manutengdo de canais pela protegao de margens e redugio do assoreamento. Existe amplo consenso cientifico de que fi sistemas ara a stabilidac funcionalidade, precisam _ser__conservados _ ou restaurados, se_historicamente degradados. Quando ecossistemas naturais maduros ladeiam os corpos d’agua e cobrem os terrenos com solos hidromérficos associados, o carbono e os sedimentos so taxados, a Agua em excesso & contida, a energia erosiva de correntezas ¢ dissipada ¢ os fluxos de nutrientes nas éguas de percolagio passam por filtragem quimica ¢ por processamento microbiolégico, 0 que reduz sua turbidez e aumenta sua pureza, GC) ‘A presenca de vegetaciio em topos de morro e encostas tem papel importante no condicionamento do solo para 0 amortecimento das chuvas ¢ a regularizagdo hidrologica, diminuindo erosio, enxurradas, deslizamento.¢ escorregamento de massa em ambientes urbanos e rurais.” 27. A constitucionalizagdo dos espagos territoriais especialmente protegidos trouxe consequéncias vinculantes ao sistema juridico como um todo, inclusive com restrigdes explicitamente dirigidas ao legislador. 28. De inicio, a criagdo de espagos tervitoriais especialmente protegidos & prevista no texto constitucional como um dos deveres do poder piblico para assegurar a efetividade do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, articulando-se tal dever com os demais deveres fundamentais atribuidos ao Estado Brasileiro no art. 225, § 1°, verbis: Art. 225. Todos tém diteito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial a sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Piblico e a coletividade 0 dever de defendé-lo © preservé- lo para as presentes e futuras geragées. § 1° - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe a0 Poder Publico: I preservar e restaurar os processos ecolégicos essenciais € prover o manejo ecolégico das espécies e ecossistemas; Il - preservar a diversidade ¢ a integeidade do patriménio genético do Pais e fiscalizar as entidades dedicadas & pesquisa € manipulagio de material genético; III - definir, em todas as unidades da Federacio, espagos territoriais ¢ seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteragio © a supressio permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilizacio que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua protecio: IV - exigir, na forma da lei, pata instalagdo de obra ou atividade —potencialmente causadora de __significativa degtadagio do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dara publicidade; V - controlar a produgao, a comercializagao ¢ 0 emprego de técnicas, métodos e substincias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e 0 meio ambiente; VI - promover a educagdo ambiental em todos os niveis de ensino ea conscientizagio piblica para a preservagao do meio ambiente; VII- proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as praticas que coloquem em risco sua fungio ecolégica, Provoquem a extingio de espécies ou submetam os animais a crueldade. 29. Conforme conclusdo compartilhada pela unanimidade da doutrina constitucional, a Constituigiio Federal de 1988 consagrou um “dever constitucional geral de no degradagio”. Segundo explica 0 Ministro do Superior Tribunal de Justiga, Anténio Herman Benjamin, “Trata-se de dever constitucional autossuficiente © com forga vinculante plena, dispensando, na sua aplicagdo genérica, a atuag3o do legislador ordindrio. E, por outro lado, dever inafastavel, tanto pela vontade dos sujeitos privados envolvidos, como a pretexto de exercicio da discricionariedade administrativa. Vale dizer: é dever que, na estrutura do edificio juridico, nao se insere na esfera de livre opgdo dos individuos, pablicos ou nao.”* Quanto ao poder piblico, al’m do dever geral de nao ambiental, ha deveres fundamentais especificos, explicitamente mencionados no § 1° do art. 225. Da anilise dos deveres fundamentais atribuidos ao Estado para assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, pode ser inferida a existéneia de um verdadeiro regime juridico-constitucional dos espagos territoriais especialmente protegidos, contendo mandamentos explicitos e vinculantes ao poder publico em todas as suas esferas. 31 que a criagio de espacos territoriais especialmente protegidos decorre do dever de preservar e restaurar os processos ecolégicos essenciais, de forma que essa deve ser uma das finalidades da instituigio desses espagos. Segundo explica Heline Silvini Ferreira, “quando se referiu a processos ecolégicos essenciais, quis 0 constituinte garantir a proteeao dos processos vitais que tornam possiveis as interrelagdes entre os seres vivos € 0 meio ambiente. (...) Nessa perspectiva, portanto, € dever do Poder 8 BENJAMIN, Anténio Herman V. Direito Constitucional Ambiental Brasileiro, p. 90. In: CANOTILHO, J.J Gomes e LEITE, José Rubens Morato (Org.). Direito Constitucional Ambiental Brasileiro, 4* ed, Sdo Paulo: Saraiva, 2011 Pablico preservar ¢ restaurar as condigées indispensaveis existéncia, a sobrevivéncia digna e a0 desenvolvimento dos seres vivos™, 32. ‘A criagtio dos espagos tervitoriais especialmente protegidos articula-se, por fim, com os deveres fundamentais de preservagio da diversidade © integridade do pattiménio genético do Pais, bem como da protegao da fauna ¢ da flora. 33, 0 texto constitucional prevé ainda, vedagdes explicitas no que se refere aos espagos territoriais especialmente protegidos. O préprio dispositive normative que prevé o dever fundamental de instituir tais espagos preceitua que sua alteragdo © supressio somente serdo permitidas através de lei (art, 225, § 1°, Mm). 34 No mesmo dispositive normativo, a Carta da Repiiblica ainda estabelece ser vedada qualquer utilizagdo dos espagos territoriais especialmente protegidos que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem a sua protegao. 35. O texto, uma vez mais, é de clareza solar: instituido um espago territorial especialmente protegido, sua utilizago ndo poderé comprometer a integridade dos atributos que justificaram a sua protegdo, ou seja, a sua fungdo cooldg 36 Tal mandamento constitucional vincula © Poder Pablico em todas as esferas: 0 Poder Executivo deverd observé-lo em seus atos administrativos e, especificamente, no licenciamento ambiental, o Poder Iudiciério nao poderé chancelar a utilizagdo predatéria dos espagos protegidos, devendo zelar pelo cumprimento de sua fungdo ambiental; e, a0 Poder Legislative, incumbiré observar 0 preceito na elaborago da legislagao infraconstitucional, 9 FERREIRA, Heline Sivini. Politica Ambiental Constitucional, p. 256. In: CANOTILHO, J.J Gomes ¢ LEITE, José Rubens Morato (Org.). Direito Constitucional Ambiental Brasileiro, 4* ed, So Paulo: Saraiva, 2011 37. As inconstitucionalidades suscitadas na presente ago decorrem da afronta, consubstanciada em diversos dispositivos legais referentes as dreas de preservagiio permanente, ao regime constitucional dos espagos territoriais especialmente protegidos, notadamente, aos deveres fundamentais que impdem a0 poder piiblico: (i) a vedago de que espacos territoriais especialmente protegidos sejam utilizados de forma que comprometa os atributos que justificam sua protecdo; (ii) 0 dever de preservar e restaurar os processos ecoldgicos essenciais; (iii) o dever de proteger a diversidade e a integridade do patriménio genético ¢ (iv) 0 dever de proteger a fauna ¢ a flora, com a vedagao de priticas que coloquem em risco sua fungao ecolégica. 38 Os prejuizos ambientais decorrentes das modificagdes legislativas ora propostas e a importncia de que fossem mantidos, ao menos, os padrées de protegio existentes foram comunicados ao Congresso Nacional pela comunidade cientifica, No ji citado documento produzido pela Academia Brasileira de Ciéncia ¢ pela Sociedade Brasileira para o Progresso Cientifico, os parlamentares foram alertados de que (fl. 43) “Entre os impactos negativos da redugdo de APPs ¢ de RL esto @ exting’o de espécies de muitos grupos de plantas & animais (vertebrados ¢ invertebrados); 0 aumento de emissio de CO2; a redugdo de servigos ecossistémicos, tais como o controle de pragas, a polinizagao de plantas cultivadas ou selvagens ¢ a protegdo de recursos hidricos; a propagagdo de doengas (hantavirus ¢ outras transmitidas por animais silvestres, como no caso do carrapato associado a capivara); intensificagdo de outras perturbagdes (incéndios, caga, extrativismo predatério, impacto de ces e gatos domésticos ¢ ferais, efeitos de agroquimicos); 0 assoreamento de ios, reservatérios © portos, com clarasimplicagdes no abastecimento de gua, energia e escoamento de produgdo em todo 0 pais.” 39, E, ao fragilizar o regime de protegdo das areas de preservaga0 permanente e, em alguns casos, extingui-las, o legislador infraconstitucional violou integralmente os mandamentos constitucionais acima mencionados. Se, na ligdo de Konrad Hesse, “direitos fundamentais nado podem existir sem deveres”, & forgoso reconhecer que o legislador infraconstitucional atingiu o nicleo fundamental do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, negando-Ihe vigéneia ¢ retirando sua forga normativa"”. 40. Além de affontar os deveres fundamentais, as normas impugnadas violam o principio da vedagdo de retrocesso social, pois, de forma geral, estabelecem um padrio de protesio ambiental manifestamente inferior a0 anteriormente existente. al. Além da diminuigao direta dos padrdes de protegdo, pela redugdo das faixas de preservagdo e até mesmo extinglio de outras, merece especial atengo dessa Corte Constitucional a sem precedentes fragilizag3o dos instrumentos de protegdo ambiental e a autorizagdo para consolidagdo dos danos ambientais j4 perpetrados, ainda que praticados com affonta a legislagdo anteriormente vigente. 2. De fato, conforme sera exposto, diversos dispositivos legais, em franca contrariedade ao dever geral de no degradagio ¢ ao dever de restaurar os proc ‘08 ecolégicos essenciais, admitem a consolidagdo de danos ambientais praticados até 22 de julho de 2008"', Em tal contexto, a definigo “area rural consolidada” & utilizada pela Lei 12.651/12 em diversos dispositivos, objetivando, em sintese, isentar os causadores de danos ambientais da obrigagio de reparar o dano, sem exigir qualquer circunstncia razodvel para a dispensa desta reparagiio, 43. Outros dispositivos legais estabelecem uma verdadeira — ¢ sem sdentes - “anistia” Aqueles que praticaram crimes ¢ infragdes ambientais, excluindo 0 dever de pagar multas e impedindo a aplicagio das sangdes penais eventualmente cabiveis. TO HESSE, Konrad, A forga normativa da Consiuigio, Porto Alegre: Fabris, 1991 p21 11 E absolutamente desprovida de fundamento a adopto de tal marco temporal como referéncia, pois corresponde & data na qual entrou em vigor o Decreto n* 6.514, que Aispoe sobre as infagdes e sangdes administrativas ao meio ambiente, estabelecendo 0 processo adminisrativo federal para apuragdo destas infragdes. As disposigées do Tencionado Decreto ndo traduzem qualquer elemento capaz de justificar tatamento diferenciado aos danos ambientais perpettados antes ou apés sua entrada em vigor. 44. A iniciativa contraria de forma explicita 0 § 3° do art, 225 da Constituigdo Federal segundo 0 qual “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitardo os infratores, pessoas fisicas e juridicas, a sangées penais e administrativas, independentemente da obrigagao de reparar os danos causados”. 45, Se a propria Constituigdo estatui de forma explicita a responsabilizagdo penal ¢ administrativa, além da obrigagdo de reparar os danos, no se pode admitir que o legislador infraconstitucional exelua tal princfpio, sob pena de grave ofensa & Lei Maior 46. Ademais, como serd evidenciado na anilise especifica de cada dispositive impugnado, a Lei 12.651/12, em relagdo as dreas de preservagio permanente, consagra patente inconstitucionalidade decorrente da protegi insuficiente do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. 47. Em tal contexto, valido citar os ensinamentos de Ingo Sarlet e Tiago Fensterseifer, acerca do necessdrio controle judicial da legislagio infraconstitucional, 4 luz dos deveres fundamentais estatuidos pela Constitui 0 Federal quanto & protegdo do meio ambiente: “Diante da insuficiéncia manifesta da protegdo, hi violagao do dever de tutela estatal, © portanto, esté caracterizada a inconstitucionalidade da medida, tenha cla natureza omissiva ou comissiva, sendo possivel seu controle judicial, de tal sorte que, nesse contexto, ganha destaque a prpria vinculagao do Poder Judicidrio (no sentido de um poder-dever) aos deveres de protegdo, de modo que se Ihe impde o dever de rechago da legislago e dos atos administrativos inconstitucionais, ou, a depender das circunstincias, o dever de corregao de tais atos mediante uma interpretagdo conforme a Constituigo © de acordo com as exigéncias dos deveres de protecio © ptoporcionalidade. A’ vinculago do Poder Judiciério aos direitos fundamentais, ¢ portanto, aos deveres de proteyao, guarda importincia singular para a garantia de protegio do retrocesso, posto que, também no que diz respeito a atos do poder piiblico que tenham por escopo a supressio ou redugdo dos niveis de protegdo social (cujo controle igualmente implica consideragao dos critérios da proporcionalidade na sua dupla perspectiva) caberd aos érgios jurisdicionais a tarefa de identificar a ocorréncia de pritica inconstitucional e, quando for 0 caso, afastéela ou corrigi-la.” " 48. E precisamente isso que 0 Ministério Pablico espera com a presente ago direta de inconstitucionalidade: que esse e, Supremo Tribunal Federal afaste e corrija as inconstitucionalidades materiais presentes na Lei 12.651/12, as quais serdo a seguir analisadas. - Das inconstitucionalidades materiais contidas na Lei 12.651/12. (i) Das inconstitucionalidades decorrentes da violagio do dever de vedar qualquer utilizagio do espago territorial especialmente protegido que comprometa a integridade dos atributos que justificam sua protecio. a) Das intervengées em areas de preservagio permanente na hipstese de utilidade publica e interesse social. 49, Conforme salienta 0 Ministro do Superior Tribunal de Justi¢a, Anténio Herman Benjamin, a Area de Preservagiio Permanente (APP) “como sua prépria denominacao demonstra - é drea de "preservagdo" e nio de "conservacdo"-, ndo permite exploracdo econémica direta (madereira, agricultura ou pecuéria), mesmo que com manejo”, tudo com objetivo de favorecer sua fungdo ambiental, qual seja, a preservagdo dos recursos hidricos, da paisagem, da estabilidade geoldgica, da biodiversidade e a protego do solo, 50, Inobstante, alguns usos e intervengdes em dreas de preservagio permanente foram excepcionalmente admitidos pela legislagio, em casos de utilidade piblica, interesse social ou de intervengdes de baixo impacto ambiental, tal como prevé a Lei 12.651/12 € jé estabelecia a Lei 4.71/65. Acerca da utilizagaio das dreas de preservagdo permanente, a Lei 12.651/12, em seus artigos 3°, Ville IX, 4°, § 6° e 8° prevé o seguinte: 12 SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, T. Diteito Constitucional Ambiental. Sao Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 190/191 16 Art, 3° Para os efeitos desta Lei, entende-se por VIII - utilidade pibtica: a) as atividades de seguranga nacional e protegdo sanitéria; b) as obras de infraestrutura destinadas As concessdes € aos servigos piblicos de transporte, sistema vidrio, inclusive aquele necessirio aos parcelamentos de solo urbano aprovados pelos Municipios, saneamento, gestio de residuos, energia, telecomunicagdes, _radiodifusio, instalagies__ni A_realizaci mpetic esportivas_estaduais, nacionais_ou_internacionais, bem como mineragao, exceto, neste tiltimo caso, a extragio de areia, argila, saibro e cascalho; ©) atividades e obras de defesa civil; 4) atividades que comprovadamente proporeionem melhorias na protegdo das fungdes ambientais referidas no inciso TI deste artigo; ©) outras atividades similares devidamente caracterizadas e motivadas em procedimento administrative préprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional a0 empreendimento proposto, definidas em ato do Chefe do Poder Executivo federal; IX - interesse social: a) as atividades imprescindiveis a protegao da integridade da vegetagdo nativa, tais como prevengio, combate ¢ controle do fogo, controle da etosio, erradicagao de invasoras ¢ proteao de plantios com espécies nativas; b) a exploragio agroflorestal sustentivel praticada na pequena propriedade ou posse rural familiar ou por povos ¢ comunidades tradicionais, desde que méo descaracterize a cobertura vegetal existente e nfo prejudique a fungio ambiental da drea; ©) a implantagdo de infraestrutura piblica destinada a esportes, lazer e atividades educacionais ¢ culturais 2o ar livre em areas urbanas e rurais consotidadas, observadas as condigdes estabelecidas nesta Leis 4) a regularizagdo fundidria de assentamentos humanos ocupados predominantemente por populagio de baixa renda em reas urbanas consolidadas, observadas as condigdes estabelecidas na Lei n® 11.977 de 07 de jutho de 2009; ©) implantagao de instalagGes necessérias 4 captagao e condugdo de Agua ¢ de efluentes tratados para projetos cujos recursos hidricos so partes integrantes e essenciais da atividade; £) as atividades de pesquisa ¢ extragio de arcia, argila, saibro cascalho, outorgadas pela autoridade competente; g) outras atividades similares devidamente caracterizadas © motivadas em procedimento administrative proprio, quando inexistir alternativa téenica ¢ locacional & atividade proposta, definidas em ato do Chefe do Poder Executivo federal; Art. 4° Considera-se Area de Preservagio Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei Ge) § 6 Nos iméveis rurais com até 15 (quinze) médulos fiscais, & admitida, nas areas de que tratam os incisos I ¢ I do caput deste artigo, a prética da aquicultura ¢ a infraestrutura fisica Giretamente a ela associada, desde que’ 1 - sejam adotadas priticas sustentaveis de manejo de solo © gua e de recursos hidricos, garantindo sua qualidade ¢ quantidade, de acordo com norma dos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente; Il - esteja de acordo com os respectivos planos de bacia ow planos de gestio de recursos hidricos; IIL - seja realizado © licenciamento pelo érgio ambiental competente; IV - 0 imével esteja inscrito no Cadastro Ambiental Rural - CAR. ‘V —nio implique novas supressdes de vegetagio nativa, Art. 8 A intervencio ou a supressio de vegetagio nativa em Area de Preservagho Permanente somente ocorrera nas hipéteses de utilidade publica, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previstas nesta Lei. Gd § 2% A intervencao ou a supressio de vegetagéo nativa em ‘Area de Preservagio Permanente de que tratam os incisos VI VII do caput do art. 42 podera ser autorizada, excepeionalmente, em locais onde a funcio ecolégica do manguezal esteja comprometida, para execugao de obras habitacionais ¢ de urbanizagio, inseridas em projetos de regularizagio fundidria de interesse social, em areas urbanas consolidadas ocupadas por populacao de baixa renda. CG) SI. Ocorre que algumas das hipéteses de utilizagdo das areas de preservagdo permanente previstas na Lei 12.651/12 comprometem os atributos que justificam sua protegao, violando, por consequéncia, o art. 225, § 1°, III, da Constituigaio Federal. 32. Quanto as hipdteses de intervengdo em casos de utilidade piblica ou interesse social (incisos VIII e IX do art. 3°), deve ser ressaltado que, tabel io anterior, a Lei n® 12.651/12 nao a0 contririo do que ia a legisla prevé, de forma explicita, que quaisquer intervengGes serdo justificadas apenas excepcionalmente, na hipétese de inexisténcia de alternativa técnica e/ou locacional"’, © que ¢ essencial para que nao seja descaracterizado o regime de protegio legal dessas dreas. 53. De fato, a lei limitou-se a mencionar a necessidade de comprovagiio de inexisténcia de altemativa técnica e locacional para “outras atividades similares” (art. 3°, VIII, “e” e IX, “g”) que sejam consideradas de utilidade piblica ou interesse social, deixando de mencionar tais eritérios para as demais hipéteses. 34 A omissdo da lei acaba por autorizar interpretagdes segundo as quais a intervencdo em areas de preservagdo permanente é regra e no excegao, permitindo, na prética, 0 comprometimento das fungdes ecolégicas de tais éreas €, portanto, dos atributos que justificam sua protegao. 55. &£ imprescindivel, portanto, que seja conferida interpretacao conforme a Constitui¢ao aos incisos VIII e IX do art. 3° da Lei 12.651/12, no sentido de que, todas as hipéteses de intervengio excepcional em APP, por interesse social ou utili jade publica, previstas exemplificativamente nos incisos VII e IX do art. 3°, sejam condicionadas a inexisténcia de 13 © art, 4° da Lei n° 4.771/65 previa que: “A supressio de vegetagdo em frea de preservagiio permanente somente poderé ser autorizada em caso de utilidade publica ou de interesse social, devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrative prdprio, quando inexistiralternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto’ alternativa técnica e/ou locacional, comprovada mediante proceso administrativo préprio, conforme alinea “e” do inciso VIII e alinea “g” do inciso IX. 56. Merece atencdo, ainda, a previsio constante da alinea “b” do inciso VIM do art. 3° da Lei 12.651/2012 que apresenta, no rol de atividades consideradas de utilidade piiblica para fins de intervengio em area de preservagdo permanente, “a gestio de residuos” ¢ “as instalagdes necessirias 4 realizagdo de competigdes esportivas estaduais, nacionais ou internacionais”. 97. A maioria das atividades previstas no referido dispositivo legal pode, em tese, se enquadrar como hipétese de intervengo excepeional em areas de preservagio permanente, desde que nio exista altemativa ténica ou locacional comprovada. E certo, por exemplo, que, para a implantagdo de infraestrutura de sancamento por meio de tratamento de esgoto, é imprescindivel a realizagdo de certas intervengdes em Areas de preservagdo permanente as margens de cursos d’dgua, para instalagdo de emissores. Também os servigos de transporte, de telecomunicagdes e de transmisso de energia elétrica muitas vezes nfo tém outra alternativa de percurso sendo por locais eventualmente caracterizados como reas de preservagdo permanente, 58 Contudo, nao ha qualquer justificativa razoivel para permitir degrada de areas de preservagio permanente para atividades recreativas, visto que, para essas, em regra, é possivel encontrar alternativas locacionais adequadas. A grande maioria das competicdes esportivas estaduais, nacionais ou internacionais pode ser realizada em qualquer local (A excecio dos esportes aquiticos), sem necessidade de impactar as dreas ambientalmente mais frageis. Jo de 59, Também ¢é completamente desarrazoada a_permi intervengdo em APP para gestdo de residuos, ou seja, para a instalago de atertos sanitirios. 20 60. A gestio de residuos pode causar a contaminagao do solo, do engol fredtico e dos cursos d’égua por “chorume”" ou até por substincias formadas a partir de reagdes quimicas que ocorrem entre os constituintes dos residuos — dleos e até metais pesados. Portanto, é de todo injustificado permitir — menos ainda facilitar — que tais atividades sejam realizadas em Areas de preservagdo permanente, pois, por sua pripria natureza, esas deveriam localizar-se distincia de quaisquer dreas protegidas, para diminuir o risco de contaminagio. 6 Desta forma, devem ser declaradas inconstitucionais as, expresses “gestdo de residuos” © “instalagdes necessérias 4 realizagdo de competigdes esportivas estaduais, nacionais ou internacionais” da alinea “b” do inciso VII do art. 3° da Lei 12.651/12. b) Da previsio normativa acerca das atividades de aquicultura em area de preservacio permanente, 2. Ainda sobre as autorizagdes legislativas para a utilizs reas de preservagdo permanente, é igualmente inconstitucional 0 contetido do art. 4°, § 6° da Lei 12.651/12, que permite 0 uso de areas de preservagio permanente as margens de rios (art. 42, 1) e no entomno de lagos e lagoas naturais, (art. 4%, Il) para implantagio de atividades de aquicultura'’, a depender de licenciamento ambiental (que jé ¢ obrigatério para tal atividade) ¢ da inserigao do imével no Cadastro Ambiental Rural. 6. De forma genérica, os incisos I, Il e V do aludido dispositive legal estabelecem que a atividade deverd também adotar “préticas sustentdveis de manejo de solo e dgua”, estar de acordo com os respectivos planos de bacia 14 Liquido escuro, malcheiroso, constituldo de dcidos organicos, produto da ago enzimitica dos microorganismos, de substincias solubilizadas através das aguas da chuva que incidem sobre a massa de lixo, 15 Segundo a Resolugo Conama 413/2009, aquicultura ¢ 0 cultivo ou a criagdo de organismos cujo ciclo de vida, em condigdes naturais, ocorre total ou parcialmente ‘em meio aquitico 21 ies de ou de gestdo dos recursos hidricos e, ainda, “ndo implicar novas supres vegetagdo nativa”, de onde se depreende que atividades ja instaladas em dreas de preservacio permanente degradadas no deverdo ser removidas. 64, Deve ser destacado que a pritica de aquicultura pode ter grande impacto ambiental, envolvendo a introdugdo de espécies exéticas, a utilizagéo de produtos quimicos, nocivos a vegetagdo e outras espécies aquiticas, entre outros, Ademais, as atividades de aquicultura ndo precisam ser desenvolvidas em locais préximos a cursos d'igua, podendo ser realizadas em tanques ou agudes construidos para essa finalidade. 65, Assim, a permis io genérica para atividades de aquicultura em reas de preservagdo permanente descaracteriza o regime de protegdo de tais, espagos territoriais e viola o dever geral de protegdo ambiental previsto no art. 225 da Constituigdo da Republica, 66 Por conseguinte, deve ser declarada a inconstitucionalidade do § 6° do art. 4° da Lei 12.651/12. 4) Das intervengdes em mangues e restingas 61. © art. 8, § 2%, da Lei 12,651/12 permite a intervengdo em mangues ¢ restingas para implementagdo de projetos habitacionais, nos seguintes termos: Ant. 8 A intervengdo ou a supressdo de vegetagdo nativa em Area de Preservag3o Permanente somente ocorreri nas hipéteses de utilidade publica, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previstas nesta Lei (0 § 2° A intervencio ou a supressio de vegetacio nativa em Area de Preservacio Permanente de que tratam os incisos VI © VII do caput do art. 4° poderé ser autorizada, excepcionalmente, em locais onde a fungfo ecolégica do manguezal esteja comprometida, para execusio de obras habitacionais e de urbanizagio, inseridas em projetos de regularizago fundiéria de interesse social, em ‘reas 22 urbanas_cons¢ renda. ladas ocupadas por populagio de baixa 68, Tal dispositive também ¢ patentemente inconstitucional, pois, afronta o dever fundamental de restaurar os processos ecolégicos essenciais, explicitamente previsto no art. 225, § 1°, I, da Constituigdo Federal. A dinica hipétese aceitével, autorizadora da ocupagiio de manguezais, ocorreria caso atestada de forma irrefutivel a completa impossibidade de restauragio dos processos ecolégicos essenciais que o caracterizam. 69. Nessa hipétese, teria havido a completa descaracterizagao do ambiente, que sequer poderia ser considerado drea de preservagdo permanente, restando, apenas, a responsabilizago civil ¢ penal dos responsaveis. Em tal situagdo, o dispositivo legal em comento seria até mesmo dispensdvel. 7. As hipéteses de intervengo acima descritas levam 4 completa descaracterizagao do regime de protegdo das areas de preservagdo permanente, violam o dever geral de protegio do meio ambiente (art. 225, caput) ¢ a vedagio de utilizagdo de espago especialmente protegido de modo a comprometer os atributos que justificam sua protegdo (art. 225, §1°, I). Por isso, deve ser declarada a inconstitucionalidade do art. 8°, § 2°, da Lei 12.651/12. €) Do uso agricola das varzeas n. O art. 4%, § 5°, da Lei 12.651/12 permite o uso agricola das varzeas, nos seguintes termos: Art. 4° Considera-se Area de Preservagio Permanente, em Zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta L Gd § 5° E admitido, para a pequena propriedade ou posse rural familiar, de que trata o inciso V do art. 3° desta Lei, o plantio de 23 culturas temporarias e sazonais de vazante de ciclo curto na faixa de terra que fica exposta no periodo de vazante dos rios ou lagos, desde que no implique supressio de novas areas de vegetago nativa, seja conservada a qualidade da gua e do solo e seja protegida a fauna silvestre. 2. Cabe observar que a legislagto atualmente em vigor prevé a possibilidade de regularizagdo de intervengo ou supressiio de vegetagdo em area de preservagdo permanente, ocortidas até 24 de julho de 2006, para atividades sazonais de agricultura de vazante tradicional praticada por agricultores familiares e empreendedores familiares rurais ( Resolugdo CONAMA n° 425/10, art, 2°, IV e pardgrafo tinico). RB O regime atualmente em vigor tem carter mais restritivo, pois: (i) 0 art. 3° da Resolugdo CONAMA 425/10 permite apenas a regularizagio de agricultor familiar ¢ empreendedor familiar rural, conforme definigio do art. 3° da Lei 11.326/06; (iii) 0 art. 1° da Resolug’o CONAMA 425/10 prevé a regularizagtio das ocupagées até 24 de Julho de 2006, a0 passo que o texto aprovado prevé até 22 de Julho de 2008 e (iii) o art, 2°, IV, da Resolugo CONAMA 425/10 permite a manutengo da agricultura de vazante tradicional, mas proibe expressamente 0 uso de agrotéxicos, enquanto o art. 4°, § 5° da norma impugnada deixa de considerar as areas de varzea como dreas protegidas permitindo o exercicio de atividades agricolas, sem considerar o impacto dessas atividades, mediante avaliagZo dos érgdos ambientais competentes, e no profbe expressamente o uso de agrotéxicos. Por fim, o art. 2°, pardgrafo tnico, da Resolugo CONAMA 425/10 estabelece que a regularizagdo de tais atividades deverd ser realizada de forma fundamentada pelo érgio ambiental competente, nos termos do art. 4° do revogado Cédigo Florestal, enquanto o art. 4°, § 5° do novo Cédigo Florestal nfo prevé qualquer tipo de controle dos érgios ambientais. 4. A agricultura de vazante ¢ definida por Ménica Aparecida Tomé Pereira e Roberto Luiz do Carmo como “utilizagio dos solos potencialmente agricultiveis dos agudes, rios ¢ lagos que foram cobertos pelas 24 Aguas na época chuvosa”, que também observam se tratar atualmente de “uma pratica tipica do Nordeste Semi-Arido, especialmente utilizada por pequenos produtores que no possuem estrutura para a itrigasio artificial, sendo as espécies mais cultivadas 0 arroz, o caupi, a batata-doce ¢ o milho (PORTO, ET. AL. , 1999, p. 6).!"" 75. Da mesma forma, Marcelino Silva Farias Filho e Altamiro Souza de Lima Ferraz Iinior, confirmam que © conceito de agricultura de vazante € necessariamente associado 4 agricultura familiar tradicional ¢ a0 uso de técnicas de baixo impacto ao realizarem estudo sobre 0 cultive do arroz na Baixada Maranhense: “O cultivo do arroz, no sistema de vazante, possui grande importincia séciocconémica ¢ & caractetizado, na Baixada Maranhense, pela baixa utilizagdo de insumos quimicos, onde os trabalhos sto, normalmente, realizados por mio-de-obra familiar, com 0 uso de instrumentos simples e em pequenas areas,”"” 16, Ocorre que a previsio do § 5° traz um tratamento genérico a cultura de vazante, admitindo sua pritica por quaisquer agricultores, desde que se trate de pequena propriedade ou posse rural familiar. Todavia, segundo as definigdes acima transcritas, a agricultura de vazante € pritica desenvolvida por comunidades tradicionais (vazanteiros), ¢ sua aplicagao se justifica tao somente no limite do reconhecimento do “interesse social” dessa atividade para a manutengZo material e cultural destas comunidades, no se justificando sua adogio de forma geral. n. Diante do exposto, deve ser dada interpretagdo conforme a Constitui 10 a0 § 5°, art. 4° da Lei 12.651/12 para que a norma excepcional seja 16 Da agricultura de sequciro a fruticultura irriguda: condicionantes associados a0 dinamismo regional no contexto de Petrolina ~ PE e Juazeiro~ BA" Trabalho apresentado no XVII Encontro Nacional de Estudos Populacionais, realizado em Caxambu- MG — Brasil, de 20 a 24 de sctembro de 2010. Consulta realizada na pégina ‘www. abep.nepo.unicamp.br/encontre2010/docs_paleixo_l/abep2010_2446,pat 17 ACULTURA DO ARROZ NO SISTEMA DE VAZANTE NA BAIXADA MARANHENSE, PERIFERIA DO SUDESTE DA AMAZONIA”. Pesquisa Agropecuéria Tropical, v.39, n.2, 1-82-91, abrijun 2009, Consulta reaizada na pagina 25 aplicada somente para comunidades tradicionais (vazanteiros), ndo se justificando sua adogo de forma geral. (ii) Inconstitucionalidade por violagio ao principio da vedacao do retrocesso, a0 principio da proporcionalidade, em sua vertente de vedagio de protegio deficiente e ao dever geral de nao degradar. a) Do retrocesso ambiental quanto & protecio das nascentes e olhos d'égua- 28. © art. 2°, “c”, da Lei 4.71/65 ja estabelecia serem dreas de preservacdo permanente a vegetagdo situada “nas nascentes, ainda que intermitentes € nos chamados "olhos d'égua”, qualquer que seja a sua situagdo topogriifica, num raio minimo de 50 (cinquenta) metros de largura”” ”, A Lei 12.651/12 define nascente em seu art. 3°, VII, como “o afloramento natural do lencol fredtico que apresenta perenidade e dé inicio a um curso d'égua”. A definigao de olho d’gua consta do inciso XVIII do mesmo dispositivo legal, segundo 0 qual esse corresponde ao “afloramento natural do lencol fredtico, mesmo que intermitente”. O art. 4°, IV, da Lei 12.651/12, por sua vez, estabelece que sto dreas de preservagZo permanente “as dreas no entorno das nascentes ¢ dos olhos d’égua perenes, qualquer que seja sua situagao topogrifica, no raio minimo de 50 (cinquenta) metros” 80. Conelui-se, portanto, que tanto as nascentes intermitentes e que no dao origem a cursos d'igua (excluidas da definigdo de nascentes), como os olhos d'agua que nao sdo perenes nio terdo drea de preservagdo permanente. Ha evidente retrocesso na legislagao ambiental, visto que, na pratica, foi extinta uma categoria de espago territorial especialmente protegido. aL. A manifestagio dos Analistas Periciais da 4° Camara de n® 138/2011 (doc. 3), & Coordenagdo e Revisio, no Parecer Técr esclarecedora quanto as implicagdes ambientais de tais conceitos as,ufg,br/index.php/patlarticle/download/4597/4747, em 05.06.2011 26 “O Projeto de Lei desconsidera que hi casos em que nascentes, mesmo perenes, em virtude de condigies topogrificas especificas, nio permitem o direcionamento da 4gua surgida para a formagio de um curso d'dgua, dando origem a regides midas, alagadas, encharcadas, com significative valor ecossistémico e fragilidade vulnerabilidade ambiental, demandando, igualmente, protesao legal. A redacio proposta no PL retira a protecdo legal dessas dreas de nascentes, uma vez que nio dao inicio a um curso diégua, Outro caso relevante diz respeito as nascentes de rios intermitentes que, embora deem inicio a um curso d'égua, deixariam de ser consideradas nascentes por nao fluirem em determinada época do ano e, com isso, receberiam menor protegdo com a adogdo da distingdo proposta no Projeto de Lei, Nao_se deve esquecer_que_eventual_alteracio_na cobertura vegetal ou mudanga do uso das vizinhancas de nascentes, decorrente dessa_menor_protecio legal, pode implicar_a_afetacio dessa _possivelmente_o seu desaparecimento.” 82 Outro equivoco da nova legislago vincular os conceitos de nascente ¢ olho d'égua a0 afloramento do lengol fredtico, pois estes podem também ter origem em acumulagdes de Agua verticais, por barreiras no relevo. A exclusio da proteg’o das nascentes ¢ dos olhos d’égua intermitentes, assim como das nascentes que niio dio origem a cursos d’égua descaracteriza 0 regime de protegdo de tais areas de preservago permanente ¢ constitui evidente retrocesso na legislagao ambiental, 84, Para ilustrar de forma conereta as consequéncias da legislagio, segundo estudo téenico divulgado pelo Ministério Péblico do Estado de Sao Paulo, somente no Estado do Mato Grosso do Sul as areas de preservagio permanente no entorno de nascentes ¢ olhos d’ Agua passariam de 2.952,91 hectares, para apenas 817,70 hectares (doc. 5). 85, Portanto, os enunciados normativos da Lei 12.651/12, que tratam da protegdo das nascentes, devem ser interpretados conforme a 27 Constituigdo, garantindo-se a protegao ciliar tanto para as nascentes perenes, como para as intermitentes, definidas como “olhos d'gua” na lei impugnada. b) Do retrocesso ambiental quanto as areas de preservacio permanente dos reservatérios artificiais. - Extindo de espacos territoriais especialmente protegidos %, A Lei 4.771/65 ja estabelecia, em seu artigo 2°, “b”, que o entorno de lagoas, lagos ou reservatérios d'’égua naturais ou attificiais constituiam areas de preservagdo permanente. A delimitagdo dos limites de tais reas de preservagao foi realizada por meio de Resolugao do Conselho Nacional de Meio Ambiente - Conama, na forma prevista no art. 8°, VII, da Lei 6.938/81", 87. Dessa forma, a Resolugio Conama n° 302/2002 definiu os limites da areas de preservagio permanente de reservatérios attificiais como “a 4rea com largura minima, em projegdo horizontal, medida a partir do nivel maximo normal de trinta metros para os reservatérios artificiais situados em reas urbanas consolidadas e cem metros para areas rurais” (art. 3°, D). 88. ‘A disciplina anteriormente vigente foi completamente alterada, com flagrante retrocesso quanto aos padrdes de protesio ambiental, como seré a seguir demonstrado, 9. De inicio, 0 art, 4°, § 1° da Lei 12.651/12 extingue as areas de preservaciio permanente no entorno de reservatérios artificiais que no decorram de barramento de cursos d’gua, O § 4° do mesmo dispositivo legal também extingue as reas de preservagio permanente no entomo de reservatérios naturais ou artificiais com superficie de até 1 hectare”, desconsiderando que 18 Lei 6.938 - Art. 8° Compete a0 CONAMA: (...) VII - estabelecer normas, critérios padries relativos ao controle ¢ & manutengo da qualidade do meio ambiente com vistas a0 uso racional dos recursos ambientais, prineipalmente os hidricos. 19 0 valor corresponde a dez mil metros quadrados. 28 lagos ¢ lagoas desta dimensdo tm as mesmas fungdes socioambientais que aqueles de maiores proporgées. 90, A extingdo de espagos tertitoriais especialmente protegidos afronta o dever geral de protegdo ambiental previsto no art. 225 da Constituigdo da Republica, a exigéncia constitucional de que a propriedade atenda sua fungdo social, além do principio da vedagdo do retrocesso em matéria socioambiental. 9 Portanto, devem ser declaradas inconstitucionais as_normas contidas no art. 4°, §§ 1° e 4° da Lei 12.651/2012. - Auséncia de previsio legal do padréo minimo de protecao para as dreas de Preservacao permanente dos reservatorios artificiais. 92. Como ja exposto, a legislagdo anterior estabelecia que os reservatérios artificiais deveriam ter rea de preservagio permanente de, no minimo, 30 metros, em reas urbanas consolidadas ¢ 100 metros, em dreas rurais. A Lei 12.651/12 disciplinou o tema em seu artigo 4°, III, verbis Art, 4° Considera-se Area de Preservagio Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei III - as dreas no entomo dos reservatérios d’égua attificiais, decorrentes de barramento ou represamento de cursos d’gua naturais, na faixa definida na licenga ambiental do ‘empreendimento. 93 © dispositive legal em questdo, além de equiparar, a principio, reas de preservagao permanente no entorno de reservatérios artific localizados em dreas urbanas ou rurais, 20 reverso do anteriormente previsto na legislagdo, nao estipula qualquer metragem minima a ser observada, deixando a cargo da licenga ambiental a previsao acerca das dimensdes da rea de preservacao permanente. 94, Além de fomentar a inseguranga juridica, 0 dispositive, a0 jo estipular parametros minimos a serem observados quanto a area de 29 Preservagdo permanente, representa flagrante retrocesso na preservacio ambiental, pois abre a possibilidade de que sejam fixadas faixas de protecio inferiores a 100 metros. 95. Diante disso, por nao estar pautada na razoabilidade, igualando reas de preservago urbanas ou rurais, ¢ por representar evidente retrocesso em matéria ambiental, visto que no estipula, sequer, pardmetros minimos para io ambiental de aquelas Areas de protegdo, hé violagdo do dever geral de prot. previsto no art. 225 da Constituigo da Repiblica, da vedagdo de utilizag: espaco especialmente protegido de modo a comprometer os atributos que justificam sua protegdo (art. 225, §1°, IID, da exigéneia constitucional de que a propriedade atenda sua fungdo social, além do principio da vedago do retrocesso em matéria socioambiental, 96. Por conseguinte, deve ser dada interpretag3o conforme a Constituigtio ao artigo 4°, III, da Lei 12.651/12 , para que se reconhega que, quanto as dreas de preservag%o permanente dos reservatérios artificiais, deverdo federal ser observados os padrdes minimos de protegdo estabelecidos pelo dr competente, qual seja, 0 Conselho Nacional de Meio Ambiente. ©) Do retrocesso ambiental quanto as reas de preservacio permanente dos reservatérios d'agua artificiais para abastecimento ¢ geragio de energia elétrica - 97. O art. 5° da Lei 12.651/12 trata das dreas de preservagio permanente no entomo de reservatérios d’égua artificiais implantados para abastecimento piblico e geragdo de energia, nos seguintes termos: Art. 5° - Na implantagdo de reservatério d’dgua artificial destinado a geragio de energia_ ou abastecimento piblico, & obrigatéria a aquisigio, desapropriagao ou instituigao de servidio administrativa pelo empreendedor das Areas de Preservagao Permanente criadas em seu entomo, conforme estabelecido no __licenciamento ambiental, observando-se a faixa minima de 30 (trinta) metros € 30 maxima de 100 (cem) metros em area rural, ¢ a faixa minima de 1S (quinze) metros e méxima de 30 (trinta) metros em Area urbana. § 1° Na implantagao de reservatérios d’agua antficiais de que trata o caput, 0 empreendedor, no ambito do licenciamento ambiental, elaboraré Plano Ambiental de Conservagdo e Uso do Entomo do Reservatério, em conformidade com termo de referéncia expedido pelo 6rgo competente do Sistema Nacional do Meio Ambiente - Sisnama, nao podendo o uso exceder a 10% (dez por cento) do total da Area de Preservacao Permanente. § 2° O Plano Ambiental de Conservacio e Uso do Entorno de Reservatério Artificial, para os empreendimentos licitados a partir da vigéncia desta Lei, devera ser apresentado a0 érgio ambiental concomitantemente com 0 Plano Basico Ambiental e aprovado até 0 inicio da operagio do empreendimento, nao constituindo a sua auséncia impedimento para a expedicio da licenga de instalagao. 98. Conforme se depreende da disciplina normativa que consta do dispositivo legal acima transcrito, a largura minima de 100 (cem) metros nas reas rurais foi reduzida para 30 (trinta) metros ¢, nas dreas urbanas, de 30 (trinta) metros para 15 (quinze) metros, sem fundamentago téenico-cientifica e em desacordo com os deveres fundamentais de protegdo ao meio ambiente. 99. © dispositive impugnado também estabelece _patamares maximos de 100 (cem) metros na Areas rurais e 30 (trinta) metros nas reas urbanas. Tal previsdo representa flagrante ¢ injustificado retrocesso ambiental, pois, de acordo com a disciplina normativa vigente, a drea de preservagdo permanente de reservatérios poderd ser ampliada, caso haja necessidade, sem que exista limitag’o quanto a dimensdes maximas (art. 3°, § 1° da Resolugdo CONAMA 302/2002), 100 Para demonstrar 0 despropésito e 0 prejuizo das novas previsdes normativas, 0 Plano de Conservagio e Uso do Entorno de 31 Reservatorios Artificiais das Usinas Hidrelétricas de Ilha Solteira, Jupia e Trés Inmaos” prevé, que, em alguns locais, a area de preservagdo permanente teré 150 metros, por ser tal dimensio mais adequada do ponto de vista da preservagio ambiental (doc. 05). 101 Assim, a redugdo dos limites minimos e a criagdo de limites ‘méximos vinculantes, que impedem a extensdo da protegdo ambiental, violam o dever geral de protego ambiental previsto no art, 225 da Constituigio da Repiblica, a exigéncia constitucional de que a propriedade atenda sua fung’o social, bem como o principio da vedacio do retrocesso em matéria socioambiental. 102, Deve, portanto, ser declarada a inconstitucionalidade das expresses “de 30 (trinta) metros ¢ méxima” © “de 15 (metros) metros e méxima”” 103. Nao bastassem as alteragdes acima descritas, a Lei 12.651/12 criou uma disciplina legal especifica — e ainda mais prejudicial - para os reservatérios attificiais de Agua destinados a gerag3o de energia ow abastecimento ptiblico que foram registrados ou tiveram seus contratos de concessio ou autoriza¢ao assinados anteriormente 4 Medida Proviséria n° 2.166- 67, de 24 de agosto de 2001. Dispde o art. 62 da lei impugnada: Art, 62 - Para os reservatérios attificiais de agua destinados a geragdo de energia ou abastecimento piblico que foram registrados ou tiveram seus contratos de concessio ou autorizag3o assinados anteriormente 4 Medida Proviséria n° 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, a faixa da Area de Preservagdo Permanente serd a distincia entre 0 nivel maximo operative normal e a cota méxima maximorum. 104, Ha, uma vez mais, evidente retrocesso em matéria ambiental pois reduz-se, sensivelmente, a protegdo das areas de preservagdo permanente de 20 Tais empreendimentos so interligados, localizados no Estado de Sao Paulo implantados no final da década de 1970. 32. reservatérios, que era tragada a contar da cota maxima de inundagdo do reservatério artificial. 105, E necessario assinalar que o legislador ordinario, de forma proposital ¢ com a finalidade de reduzir 0 padrio de protegio anteriormente vigente, utilizou de forma equivocada 0 conceito de cota maxima maximorum, cuja definigao técnica pode ser retirada do texto a seguir transcrito: Caracteristicas dos reservatérios () Nivel maximo maximorum Durante eventos de cheia excepcionais admite-se que o nivel da 4gua no reservatério supere o nivel maximo operacional por um curto periodo de tempo. A barragem e suas estruturas de saida (vertedor) sto dimensionados para uma cheia com tempo de retomno alto, normalmente 10 mil anos no caso de barragens médias e grandes, e na hipétese de ocorrer uma cheia igual & utilizada no dimensionamento das estruturas de saida o nivel maximo atingido & 0 nivel maximo maximorunt 106. Na disciplina anterior, como mencionado, iniciava-se a configuragio da APP a partir da cota maxima de inundagdo e estendia-se por metragem minima pré estabelecida. Havia, na pritica, uma faixa de transigao entre o reservatério © a APP, que era composta pela distincia entre a cota maxima ¢ maximorum. 107, A nova definigao reduz sensivelmente 0 grau de protegdo no entorno dos reservatérios artificiais. Isso porque as cotas (méxima e maximorum, por exemplo) esto voltadas a medir e garantir a vazante do reservatério em seus niveis operacionais, enquanto a drea de preservaciio permanente visa proteger a vegetago do entorno do reservatorio. 108, Como consequéneia, na pritica, serdo removidas reas de preservagdo permanente dos reservatérios formados antes da entrada em vigor da Medida Proviséria n° 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, marco temporal que, 21 WALTER COLLISCHONN. Introduzindo Hidrologia, Capitulo 15, acesso. om: |http:/galileu iph ufrgs.br/collischonn/apostila_hidrologia/cap%42015%20.%20Regulariza %C3%ATUCI%A30%20de%20vaz%C3%4B5es,pdf, iltimo acesso em 14/09/2012. 33, ademais, possui qualquer razoabilidade, pois a obrigatoriedade de preservagio das areas no entomo dos reservatérios é anterior 4 mencionada Medida Proviséria, 109, A demonstrar a gravidade das consequéncias praticas da modificagdo legislativa em anilise, estudo téenico divulgado pelo Ministério Piblico do Estado de Sio Paulo dé exemplos de diversos reservatérios em que as areas de preservacao permanente praticamente desaparecerao. E o caso da UHE Porto Primavera, que ficara sem qualquer area de preservagao permanente, © 0 da UHE Jaguari, cuja drea de preservagio ser reduzida a apenas 2,80 metros, faixa em que a vegetagdo nao se desenvolve (doc. 5). 110, Assim sendo, deve ser declarado inconstitucional o art. 62 da Lei 12.651/12, por configurar evidente retrocesso ambiental, além de permitir a descaracterizagdo das reas de preservagdo permanente do entorno de reservatérios artificiais. 4) Do retrocesso ambiental quanto A protego das Areas com inclinagao entre 25° e 45°, ui Para as areas com inclinagao entre 25 e 45 graus, o art. 10 da lei n? 4.71/65 estabelecia ser proibida “a derrubada de florestas, (..), s6 sendo nelas tolerada a extragdo de toros, quando em regime de utilizagao racional, que vise a rendimentos permanentes 112, Em contrapartida, o art. 11 da Lei 12.651/12 estabelece que “serio permitidos 0 manejo florestal sustentdvel e 0 exercicio de atividades agrossilvipastoris, bem como a manutencdo da infraestrutura fisica associada ao desenvolvimento das atividades, observadas boas praticas agronémicas, sendo vedada a conversiio de novas dreas, excetuadas as hipsteses de utilidade piblica e interesse social”. 34 113. Assim, 0 art. 11 da Lei 12.651/12 veicula permissao para 0 “manejo florestal sustentével ¢ 0 exercicio de atividades agrossilvipastoris”, 0 que abrange desde culturas de espécies lenhosas, perenes ou de ciclo longo (e.g, uva, café @ magi) até atividades silviculturais (leia-se florestas plantada inclusive exéticas como 0 eucalipto). Isso porque, o termo “agrossilvepastoril” abrange florestas plantadas, inclusive exéticas, e quaisquer_atividades de pecudria e agricultui 114. Portanto, pode-se concluir que o art, 11 do texto aprovado acaba por permitir qualquer atividade que esteja instalada em areas com inclinagio entre 25° e 45°, vedada apenas, “a conversdo de novas areas” 15 Cumpre esclarecer que a intengo declarada durante os debates no Congresso Nacional visava contemplar culturas tradicionalmente cultivadas em locais com inclinagao entre 25° ¢ 45°, como café, maga e uva. 116. No entanto, 0 ctitétio do cultivo tradicional em tais areas nao foi sequer mencionado, bastando a antiguidade da atividade agrossilvopastoril. De sorte que nao precisa ser tradigdo local o plantio em encostas, como o & a uva ‘em Bento Gongalves, RS. Basta que, de longa data, o proprietario rural viole a legislagdo para que se tenha o plantio por consolidado e legalmente mantido. 117, certo que a lei estabelece como condigiio de permanéncia dessas atividades agrossilvopastoris a adogdo de priticas conservacionistas do solo e das guas, 0 que & insuficiente para garantir a preservagio das fungdes ecolégicas essenciais destas Areas, is. Assim, da forma como previsto na norma impugnada, a s com inclinagdo entre 25° e 45° viola a exigéncia constitucional de reparacao dos danos causados, 0 dever geral de protesio ambiental previsto no art. 225 da Constituigo da Repiiblica, a exigéncia constitucional de que a propriedade atenda sua fungao social, além do principio da vedagao do retrocesso em matéria socioambiental. 35 119, Portanto, deve ser dada interpretagdo conforme a Constituigao ao art, 11 da Lei 12.651/12 para que seja admitido nas areas com inclinagao entre 25° ¢ 45° apenas © manejo florestal sustentivel, tal como previsto no regime anterior. ©) Das disposiges que definem a largura das faixas de protegiio das dreas de preservagio permanente de cursos d'agua. Necessidade de garantir o nivel maximo de protegao ambiental. 120. A Lei n° 4.71/65 definia como éreas de preservagio permanente as florestas e demais formas de vegetago natural situadas ao longo dos rios ou de qualquer curso d'agua, desde o seu nivel mais alto em faixa marginal, com larguras minimas de 30, 50, 100, 200 ou 500 metros, a depender da largura do curso d'agua (art, 2°, “a” 121 A Lei 12.261/12 alterou tal disciplina legal, ao estatuir que sio dreas de preservagdo permanente “as faixas marginais de qualquer curso d’gua natural perene e intermitente, excluidos os efémeros, desde a borda da calha do leito regular, em larguras minimas” de 30, $0, 100, 200 ou 500 metros, a depender da largura do curso d'égua’ 122. A definigao de leito regular, por sua vez, consta do art. 3°, XIX, verbis Art 3° Para os efeitos desta Lei, entende-se por: XIX — leito regular: a calha por onde correm regularmente as Aguas do curso d’égua durante o ano. 123, Ocorre que a definigdo de leito regular prevista no art. 3°, inciso XIX da Lei 12.651/2012 nao é clara no sentido de que este corresponde ao leito maior, ou seja, 0 leito do rio em sua cheia sazonal, até porque 0 termo mudou para leito regular mas a definigio é a mesma utilizada em versio do projeto de lei para leito menor. 36 124. Cabe frisar que o art. 2°, I da Resolugéo CONAMA 303/02 define “nivel mais alto”, expresso empregada pela Lei 4.771/65, como “nivel aleangado por ocasiéo da cheia sazonal do curso d'égua perene ou intermitente”, sendo este 0 conceito correto tanto sob 0 aspecto técnico- cientifico, quanto constitucional, pois ¢ 0 conceito que efetivamente assegura a preservaco de dreas ambientalmente relevantes e frageis. 125, A determinagdo das areas de preservagdo permanente pelo leito menor dos cursos d’égua, ao invés de seu nivel mais alto, pode levar a esvaziamento das prdprias fungdes ecossistémicas de muitas APP’s e a colocagdo de pessoas em situagdes de grave risco. 126. Assim sendo, deve ser declarado inconstitucional 0 inciso XIX do art, 3° da Lei 12.651/12 ou conferida interpretagdo conforme a Constituigio ao referido dispositivo, para que o termo leito regular seja compreendido como leito maior, na forma anteriormente prevista pela legislagao, (iii) Das inconstitucionalidades decorrentes da violagao ao dever geral de nio degradar e ao principio da isonomia: a) Inconstitucionalidade do paragrafo tinico do art. 3° da Lei 12.651/12 : impossibilidade de equiparar o tratamento dado & agricultura familiar e as pequenas propriedades ou posse rurais familiares Aquele dirigido as propriedades com até 04 médulos fiscais. 127. © Capitulo XII da Lei 12.651/12 (artigos 52 a 58) traz uma série de dispositivos que dispensam tratamento diferenciado & agricultura familiar e as pequenas propriedades ou posse rurais familiares, definidas como aquelas “exploradas mediante 0 trabalho pessoal do agricultor familiar e empreendedor familiar rural, incluindo os assentamentos e projetos de reforma agriria, e que atenda ao disposto no art, 3° da Lei 11.326/06". 37 128, Tais dispositivos legais so absolutamente justificados ¢ visam dar efetividade 4 necessidade de dar tratamento diferenciado aos pequenos produtores rurais, cuja realidade, como cedigo, ¢ substancialmente distinta daquela vivenciada por agricultores que exploram suas propriedades de forma cempresarial, dispondo de grandes quantidades de terra. 129. Inobstante, a propria lei, no pardgrafo Gnico do art, 3° estabeleceu que: Art, 3° Para os efeitos desta Lei, entende-se por: Parigrafo nico: Para os fins desta Lei, estende-se 0 tratamento dispensado aos iméveis a que se refere o inciso V deste artigo as propriedades ¢ posses rurais com até 4 (quatro) médulos fiscais que desenvolvam atividades agrossilvipastoris, bem como as terras indigenas demarcadas e as demais dreas tituladas de povos ¢ comunidades tradicionais que fagam uso coletivo do seu teritério. 130 0 dispositivo legal em comento padece de inconstitucionalidade por dois fundamentos prineipais. Primeiro, ofende o principio da isonomia, ao estender 0 tratamento diferenciado dado agricultura familiar as propriedades ou posses rurais com até 4 (quatro) médulos ficais”. Nesse caso, a equiparagio sequer é autorizada, pois refere-se a situagdes substancialmente distintas ¢ que, portanto, devem ser tratadas de forma diversa, sob pena de ofensa ao principio da isonomis 31 Embora o tamanho da propriedade seja relevante, ha outros critérios legalmente previstos para utilizagdo do conceito de agricultura familiar como a utilizagio de mio de obra predominantemente familiar ¢, principalmente, 0 fato de um percentual expressive da renda familiar advir das atividades econdmicas do estabelecimento rural dirigido pela familia». 22. A extensdo do médulo fiscal, no Brasil, varia de 0S a 110 hectares, a depender do municipio em que situado o imével rural, 38 132. A indevida equiparagao gera, ademais, situagdes incompativeis com 0 objetivo de protegio ambiental, beneficiando, de forma totalmente injustificada, proprietarios rurais que descumpriram a legislagdo anteriormente vigente, A ilustrar tal fato, da forma como redigido o parigrafo tinico do art. 3°, poder ser beneficiado por disposigdes da lei o proprietario de um imével rural de até 440 hectares que o utilize apenas para lazer ¢, mesmo assim, tenha realizado edificagdes ilegais em dreas de preservagio permanente, 133. Ao mesmo tempo, o mencionado dispositivo legal exige, para as terras indigenas ¢ para as comunidades tradicionais a titulagdo da Area, violando os principios da isonomia ¢ da razoabilidade, porquanto a titulagdo da do territério das comunidades tradicionais e dos povos indigenas consubstancia formalidade, de cariter declaratério e ndo constitutivo, para o reconhecimento de seus territérios. Esses grupos sim se assemelham agricultura familiar, desenvolvendo suas atividades em baixa escala ¢ com pouca mecanizagdo, nao havendo distingdo nestes aspecto entre os grupos que jé obtiveram a titulagdo € os que nio a obtiveram. 134, Portanto, deve ser declarada a inconstitucionalidade do pardgrafo Unico do art. 3° da Lei 12.651/12. II- DO PEDIDO CAUTELAR 135 sto presentes os pressupostos para concessio de medida cautelar. 136, © fumus boni iuris esta caracterizado por todos os argumentos acima expostos. Ja 0 periculum in mora decorre do cardter imeparivel ou de 23 Conforme Sauer, © conccito de agricultura familiar refere-se 4 constituigio de uma identidade especifica no campo brasileiro, construida para ressaltar as distingScs entre o sctor produtivo identificado com o denominado “agronegécio” ¢ 0 setor composto por diversas ‘outras categorias sociais: trabalhadores rurais, pequenos proprictérios, agricultores meciros, parceiras, sem terra, comunidades tradicionais, entre outras. A esse respeito, cf.: SAUER, S. Agricultura familiar versus agronegécio: a dinamica sociopolitica do campo brasileiro. Brasilia: Embrapa Informagdo Tecnolégica, 2008, 39 dificil reparagio dos efeitos que a Lei impugnada tende a gerar. As suas estipulagdes atingem o meio ambiente, e as lesdes ambientais so, com grande frequéncia, de cardter imeparivel". Diante do principio geral da prevengio, ¢ tendo em vista que est em jogo nada menos do que a integridade dos Biomas Brasileiros, a necessidade da medida cautelar se torna irrefutével 137, Requer-se, portanto, a concessdo de medida cautelar, para o ito de se obter, até o julgamento final dessa agio, a suspensio da eficdcia dos dispositivos da Lei 12.651/12 acima impugnados. IV - DO PEDIDO- Por todo o exposto, requer: a) a aplicagao do rito abreviado previsto no art, 12 da Lei 9.868/99, face a relevincia da matéria ¢ de seu especial significado para a ordem social e a seguranga juridica, conforme precedente, dentre outros firmado na ADI 4782; b) sejam colhidas as informagdes da Presidéncia da Republica ¢ do Congreso Nacional, no prazo de 10 (dez) dias, nos termos do art. 12 da Lei 9.868/99; ¢) em seguida, seja colhida a manifestag’o do Advogado-Geral da Unido, no prazo de 05 (cinco) dias, nos termos do art. 12 da Lei 9.868/99; 4) a realizagao de diligéncias instrutérias, nos termos do art. 9°, §§ 1° ¢ 2° da Lei 9868/99; ©) a concessio de medida cautelar, nos termos do art, 10 da Lei 9.868/99, para suspensio da eficécia dos dispositive ora impugnados, conforme especificado nos pedidos abaixo formulados; 24 Por ocasido do julgamento da ADI 73, 0 Relator, Ministro Moreira Alves, deferiu a liminar, sob o argumento de que “a possibilidade de danos ecolégicos é de dificil reparagdo, e, por vezes, de reparagdo impossivel”. A decisao foi undnime. 40 f) seja conferida interpretagdo conforme a Constituigao ao art. 3°, VIII e IX da Lei 12,651/12 no sentido de que em todas as hipéteses de intervengio excepcional em APP por interesse social ou utilidade publica previstas exemplificativamente nos incisos VIII e IX do art. 3° sejam condicionadas 4 inexisténcia de alternativa técnica ou locacional, comprovada mediante proceso administrative préprio, conforme alinea “e” do inciso VIII ¢ alinea “g"do inciso IX e nos termos da Resolugdio CONAMA n? 369/06; g) sejam declaradas inconstitucionais as expresses “gestdo de residuos’ “instalagées necessdrias & realizag&éo de competigdes esportivas estaduais, nacionais ou internacionais” da alinea “b” do inciso VIII do art. 3° da Lei 12.651/12; h) seja declarada a inconstitucionalidade do § 6° do art. 4° da Lei 12.651/12; i) seja declarada a inconstitucionalidade do art. 8°, § 2°, da Lei 12.651/12; 3) seja dada interpretagdo conforme a Constituigiio ao § 5° do art, 4° da Lei 12.651/12 no sentido de que seja aplicado somente para comunidades tradicionais (vazanteiros), sendo ainda reconhecido que tal intervengio excepcional se justifica tio somente em virtude da importancia dessa atividade para a manutengo material e cultural dessas comunidades; 1) seja dada interpretagdo conforme a Constituigdo ao art. 3°, XVII e ao art. 4°, IV da Lei 12.651/12 para que abranja a protesdo das nascentes © olhos d’agua intermitentes e das nascentes, ainda que no deem origem a curso d’égua ou que no tenham origem no afloramento do lengol freatico; 1m) sejam declarados inconstitucionais as normas contidas no art. 4°, §§ 1° ¢ 4° da Lei n® 12.651/12; n) seja dada interpretago conforme a Constituigdo ao artigo 4°, Ill, da Lei 12.651/12, para que se reconhega que, quanto as dreas de preservagdo permanente dos reservatérios artificiais, deverdo ser observados os padres minimos de 41 protegdo estabelecidos pelo érgdo federal competente, qual seja, 0 Conselho Nacional de Meio Ambiente. ©) seja declarada a inconstitucionalidade das expressées “de 30 (trinta) metros maxima” ¢ “de 15 (metros) metros e maxima”, que constam do art. 5° da Lei 12,651/12, por limitarem de forma indevida e desproporcional o dever geral de protegdo ao meio ambiente; p) seja declarado inconstitucional o art. 62 da Lei 12.651/12; 4@) seja dada interpretagdo conforme a Constituigo ao art. 11 da Lei 12.651/12 para que seja admitido nas areas com inclinagdo entre 25° ¢ 45° apenas 0 manejo florestal sustentével, tal como previsto no regime anterior; 1) seja declarado inconstitucional o inciso XIX do art. 3° da Lei 12.651/12 ou seja dada interpretagdo conforme a Constituigdo ao referido dispositivo para que o termo “leito regular” seja compreendido como “leito maior”, na forma anteriormente prevista na leg io €, por fim, s) seja declarada a inconstitucionalidade do pardgrafo tinico do art, 3° da Lei 12.651/12. Brasilia, 18 de janciro de 2013. SANDRA CUREAU Procuradora-Geral da Repiblica em exercicio

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