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HISTORIOGRAFIA Em contase com a extraordindsia riquea e diversidade de manifes tapes da Histra,enquantodzspin celica o longo das imax ‘deadae, ni abundam as obras que se ocupam da evelugio hist riografa através dos tempos. ‘or, fotprecistnente €om o objective de aalisar tal evolugio que ‘Charice Olivier Carbonell escrveu ete vo. Professor da Univers {dade Paul-Vaéry, de Monpelie,¢ também presidente da Comissio te Historiorafia do Comité Internacional das Cléacas Histrons CHARLES-OLIVIER CARBONELL HISTORIOGRAFIA ‘Tradugao de: Pedro Jorddo Youne, (© Preses Universitaires de France, 1981 ‘Tule orginl L Hitoiographie igo ovigial: Presses Unveriares de Prance, Paris, 1981 Traduplo:PedcoJordio (Capa Eitri Teorerna {Composigio« paginagio: Eatipo, Ld -Mootagem e impeessSo: ipografia Lousanense Lda. ISBN: 972-695-172.0. Depésito legal n® 650692 “Todos 08 direitos desta edigio reservados por Bitral Teotems, Lda Ron Pace Luis Aparicio, 9-1" F ‘Telefon: 5299 88 — Pax: 352 14 88 1100 Lisbon PREFACIO Este pequeno loro chega bastante tarde, mas também dema- siado cedo. Bastante tarde porque preenche uma lacuna difcil- ‘mente concebivel: ndo existe em Franca nenhuma obra consa- ‘grada a histéria, de Herddoto aos nassos dias. Os esforcos de Henr-Irénée Marrow e Pierre Chaunu contribu no entanto para vencer a indiferenga, por veves desdenhosa,ostental pe- los historiadores franceses a respelto da sua prépria diseplina (© autor destas linhas, que fo, de certo modo, aluno deles, tem ‘consciéncia da sua diva insolivel Tal como se apresenta, este estudo pode, todavla, parecer prematuro, Apesar do seu niimero e qualidade, os trabalhos e- trangeiros sao, neste dominio, muitas vezes pouco satisfarérias. Esertos de wm ponto de vista literdrio, achamse imbuldos de esteticismo; escritas de um ponto de vista filoséfco, eorizam sobre as teorias;escritos, enim, de um ponio de vista histérico, So excessivamente elitistase, na sua maioria, consagram-s a0 ‘progresso do conhecimento histérico, ao desenvolvimento da ciéncia do passado, ao seu flarescimento E evidente que convém deer qual é 0 nosso ponto de vista €0 de um historiador de hoje, mais curioso das representagdes ‘olectivas — por mals pequenas que sejam as comunidades que veiculam essas representages — do que das obras-primas € dos génios.O objective desta curta sintese é expor de um ponto de vista histérico — ist 6, siuando-a constantemente no seu ‘ontexto — a diversidade dos modos de representagao do pas- ‘sado no espaso e no tempo. Assi, flar-se-d mais de Herédoto do que de Platdo, de Sueténio do que de Cicero, de Mabillon ido que Rousseau, de Mommsen do que de Dilthey, de Lucien Febvre do que de Raymond Aron 0 que € a historlografia? Nada mais que a histéria do dis- ‘curso — um discurso escrito e que se afirma verdadelro — que 1s homens tém sustentado sobre o seu passado. E que a histo: riografia é 0 melhor testemunho que podemos ter sobre as cul- turas desaparecidas, inclusive sobre a nossa — supondo que cla ainda existe e que a semiamnésla de que parece ferida no ¢ reveladora da morte. Nunca uma socledade se revela to bem ‘como quando projecta para trds de si a sua prépria imagem. "A historia de Clio € a nossa, Possa este ensaio persuadir aqueles que o leram de que a dignidade da histéria — «ciéncia ‘humana — ndo esté no seu estatuto cientfico nem no se fobjecto humano, mas sim na natureza felizmente demasiado Iumana do historiador. CAPITULO I Pré-Histéria, a meméria antes da escrita Foram muito numeroeas, © mumerosas si0 ainda, as socie- ddades sem historiografia. Mas nio se conbece nenhims, por mais rudes que sejam a sua linguagem, a sua organizaglo, a as suas téenicas ¢ 05 seus modes de pensar, que nio possun um conhecimento do seu passado. Nenhum grupo & smnésico. Para qualquer grupo, recordar-e & existe; perder a meri & desi- parecer. Nao ultapassou © homem a animalidade quando, com © auxilio das palavras, conseguit acrescentar a uma meméri instiniva, programada mesquinhamente para a ilussria eteri- dade da espéci, a meméria cultura, sinies capaz de exorcizar a morte ¢ funder a hereditatiedade dos saberes? ‘Sem eserita, porém, a meméria continua a ser pobre, confuss frig: — Pobre porque depende unicamente das capacidades do cé- ‘ebro e, qual depSsitosagrado, ets confinda a um grupo resti- to; quimbandss da Africa ocidenta, bru do Ruan, haéré-po da Polinésa.. Pobre, prineipalmente porque hi pouco a conser- ‘var mas sociedades cistalizadas, mits vezes isoladss, em que as téenicasestapnam e o: géneros de vida se perpetuam. O tem po ciclico do eterno retomo das estagses ¢ tempo imutivel de ‘um mundo em equiibrio deeretam o vazio da histéta, O pré- (CHARLES OLIVIER CARBONELL, prio acidente dficlmente tem lugar numa duragio amorfs que ui, alvez, mas como um slo sem correntes, sem redemoinhos, sem frags, Confusa porque a meméria veicula 0 que esté fora do tempo. Ela nio diz a evolugio do grupo, mas as suas origens [Nao easina 0 que foi vivido, masa fabula; nfo revela wma di- recgdo, mas uma mensagem ontoldgica: De onde vem © ho- mem? O que é motrer? Que lagos se podem urdir com Deus? [No essencial, « meméria mabiliza-se para a transmissio impe~ ‘ivel dos mitos fundadores. Nos Immémoriaux, Victor Sezalen ‘descreveu espantosamente 0 objecto dessa rememoragées: eaquela noite, Teril o Recitante caminhava 20 tongo das peredes inviolivels. A hora eta propicia a repetir sem tréguss, a fim de nio se omitir ums 38 palavra, oa belos folares originsis que encerram a eclo- io dos mundos, o naseimento das estes, as fainas dos Vivos, 0 bramido e os monstruosos labores dos euses. E 6 tarefa dos noctivagos, dos haéré-po de rmemétia longo, tevelarem de altar em alla, de sactifi- ‘dor a dispulo, as histvias primevas que no devern ‘Quando a organizaso socal se complica e passa da familia ou do ela para o Estado monitquico hierarqui- ado, acrescenta-se uma meméria politica & meméria mica, como uma ponte que liga 0 rel vivo aos ante passadosfabulosos. B entio que nasce o tempo da his téria, um tempo em que surge a sucesso de aconteci menos. Aquando da morte do tei dos Moss, diz Ki- “eso nn sua Histoire de UAfrique Noire, «0 chefe dos quimbandas, Ber naba, de olhos semicerrades num prodigioso esforgo de memorizagéo, que the cobre a sromocRAFA fronte de suor, enumera pomposamente o dos monar- as da dinatia com as suas divas os sous “nomes de guerra" © as suas faganhass. — Frigil ¢ a meméria histrica, sem divida sinda mais do ‘que mitica. As viciscitudes politicas comandam por vezes pra~ entes amnésias — primeira forma do revisioniemo histérico! = 01 acrobiticasfusdes de istas. A falha pode também set i voluntiri. Tomam-se certamente precausSes para preservar a pureza das tadigdes: as recitagSes sio pblicase solenes, os de- posititios podem formar uma espécie de colégio (quatro bir fem Ruanda, © conjunto dos principes no teino doe Mossi, por exemplo). Apesar disso, o fio pode quebrar-se ea tania salmo: dads interromper-s, acidente de que Segalen soube captar 0 Ido trigico: Bis que de repente o recitante se pe a balbus Parou e, edobrando de stengio, recomogou a narrativa do experidncia. Enumeravam-se as série prodigiosss do antepassados de que descendiam os chefes, 08 Ati, dlivinos pela aga e pela estatura: ‘«Dormiu o chefe Tavi do maraé Tatra com a mu- ler Tata, e depois com a mulher Tuitéi ‘Daquelas naseeu Téritahia i Marama. ‘. A sua verdadsta gran ‘deca? Enconeaa na publicagao do De Re Diplomatic, de Ma- bill, em 1681, «uma grande data da histria do esprit huma- no». O fundadot dos Annales no exagera. Bento que nasce 0 método histreo, 0 que permite destacat 0 verdadero do fas, confund os eréulos eos éptieos, doar histéria de um est tuto cientfico. E preciso ainda que os tabulhos de erudigio dem ao hstorador os matraisacssiveise suficihtemente Fico, Progreso da erudigio enascimento do método fazem dos ‘séculoshistoriogrficos XVI XVII aéculsfelizes, Progresso 4a erage: — aperfeigonm-se os instrumentos de pesquisa: I-A. Fabri- cius (Bibliotecas latina, 1967, € grega, 1705) e © Pe Lelong. (Biblioteca histérica da Franca, 1719) fundam a bibliografia retrorpectiva. Muliplicam-se of catilogos de bibliotcas; 0 pri imeito Catdlogo geval da Biblioteca de Franga aparece em 1622; — criam-se as cine auxiliares: a heres (1660: Vrate science des armoiries, de Palliot; 1671: Vériiable art du blason, do P* Menestrier), ediplomética, ou adquirem maior soguran- 8, como a eronologia, 4 qual a Arte de vérifer les dates, dos bbeneitinos de Saint Maus, fornece em 1750 bases mais sélidas;, — as publicages de fontes tomnam-se mais abundantes © ‘mais diversificadas: depois de o doutorlionés Jacob Spon ter mpliado a investigagie dos documentos epigrificos (Veyage A'tale, de Dalmase, de Gréce et du Levant, 1678), 0 arquivista do ducado de Modena, LA. Muratori, pubes um magistal [Nowus thesaurus veterum inscripionun (1738. ‘As publicapses de textos, imensas, orientam-se em tris i teop6es: fonts historiogrificas,histria da Igreja e documentos de Extado. A colegio dos Bizantinae historia scriptores, angada pelo Pe Labbé ($1), em 1648, contars 47 volumes in-flio na data ‘do seu acabamento, em I7L1. Compitagoes de historiadores na- cionais ou regionais constitue-se nos quatro eantos da Europa crudita: Leibniz dé o impulso inicial com os de Brunswick (1707); Pex para a Austria, Mencke pura 0 Saxe e von Oefele pera a Austria seguem © exemplo. O infatigével Muratori, de 1723 8 1738, di-nos os 27 inflies dos seus Rerum tallearum scriptores. Em Pranga, sio os beneditins de Saint-Maur, Dom Bouquet e Dom Brial, que publicam, em 13 volumes, umna Re- colha dos historiadores das Gélias e da Franca, interrompida 7” pela Revolusio, R, Twysden, W. Fulman, Th. Gale fazem 0 ‘mesmo com os cronstasingleses. Actos dos mértires, Colecgdo das cartas dos papas, Colec: ‘0 dos concilos,tibuas descritivas e documentsis da Tgreja nos seus quados nacionsis (Gallia christiana, 1656, dos irmios Sainte-Marthe, lala sacra, de Ugheli, ompilagio de Spleman sobre os eoncilios de Inglaterra, Espaita sagradea, de Florez) (Quem nio se eansaria com a simples enumeragdo de titulos de todos estes codices, colletiones e outros thesauri reunides por tants inftigiveiseruditos? Ao menos nio esquegamos os of lebres Acta sanctorum que, a partir de 1683, demonstra a ca pacidade de aggiornamento metodolégicn dos cléigos. Ba Leibniz, o espirto mais universal e inovador do seu tem po, que se deve a primeira publicagio de documentos de Direito Piblico, isto é respeltantes as relagses entre Estados: 0 Codex ris gentium diplomaticus (1693). Sobre este modelo, 0 posta inglés Rymer, feito historidgrafo do tei, dé em 1704 0 primeira dos 20 tomos onde se reiinem «Todas as liga, tratados... cele- brados pelos res de Inglaterra». Em contapartida, é pelos do- ccumentos offeiais de politica interna que se interessa @ Acade- ria das Insrigdes e Belas Letras, editora das Ordenagdes dos reis de Franca (14 volumes vindos a lume entre 1723 ¢ 1790). Prodigiosa mutagio das condigées do oficio de histriador, 0s jaigos de memérias da Europa foram multiplicados por 20 fu 30 em menos de século e meio, Fatava ainda explori-ls, Nem sempre 6 ficil: demasiads desordem nos «rainalhetesy, sanolhos» e outras «misturas» confeccionadss a0 acaso e i von- tade do investigador ~ o lorentno Lami intitula um deles De- liciae erudltorum; demasiados erros, tambim, nis colecgies teunidas com uma rapide excessiva por poligafos solitirios —, ocore-nos Murstori, Exstem, eontudo, meios para paliar estes efeitos. Chamatn-s organizasio e método. ‘CHARLES OLIVIER CARDONELL Organizagio colectiva dos locas de trabalho, principalmente nas comunidades religiosas, a dos jesutas agrupados na essa professa de Anvers, em tomo de Jean Bolland (1596-1665), e dos beneitines da congregagio de Saint-Maur na sua abadia de Saint-Germain-des-Prés. Os bolandistas fzem incidir os seus esforgos nos Acta sanctorun, os mauristas na histria eclesis- tica ena histria das provincias de Franga — Hlistéria do Lan- ‘guedoc, de Dom Vaissette ¢ Dom Devie, 1730-1745, Histéria dda Borgonha, Histria da Bretanha. Os beneditinos de Melk, Austria, contibuem para esta formidivel redescoberta da Idade ‘Média. Quanto is Academias, to activas no Séeulo das Luzes ‘no dominio cientifico, seu contibuto hstoriogrifico & medio- cr, salvo em Parise Munique CCoube aos homens da Igraja — duma Igroja catlica pés-ti- entina que nio se esperava tio modemnista neste dominio — cstabelecer as regras da ertica textual e dolar 06 historiadores 4a arma abeoluta do conhecimenta cietifico: a divide metédi- «a. Confrontado com dif edigdo dos Acta sanctorum, 0 P# Daniel van Papebroeck consults 0s diplomas laveados em nome dos soberanos merovingios e eaolingi, no termo dum longa nile comparative, e deduzi que os papiros merovingios nio rmereciam créito, Pubicou as suas conclusées explosivas numa disteriagio «Sobre o discernimento do verdadero edo flso nos velhos pergaminhos» com que prefaciow 0 volume dos Acta ssanctorum que pubicou em 1675. Tas aitmagées nio fiearam ‘sem eco entre os beneditines, que conservavam em Saint-Denis ‘a maior parte dos documentos incriminados. Um deles, Dom Jean Mebillon, eipostou seis anos mais tarde com o De Re Di- pplomatica, Utilizando um método exaustivo (exame de 200 ‘ega),anaitico (exame percil da tint, da escrta, da lingua, das férmulas, ete.) e comparativo, provou a autenticidade dos documentos reeitados por Papebroeck. O bolandista inclinow-se » perante o maursta. Acabava de nascer um métede histrico: a ctoa textual Aplicada aos textos sagrados, ia provocar, logo de inicio, uma crise cujos efeitos se fazem sentir durante mais de dois sé- culos. Quando o oratoriano Richard Simon publicaw, em 1678, ua Histrla Critica do Antigo Testamento, emypregou o termo «critica» num sentido no pejorative, Os mestes do pensamen- to da época nio o entenderam assim. No entanto, 0 demonstrat ‘que © Pentateuco nio era obra exclusiva de Moisés, que nada ‘na Biblia era de inspiragdo divina e que era «interment im- possivel encontrar a religiio na Esertura», Simon procedia co- ‘mo bom eatélico, convicto, em oposigéo aos protestantes, de ‘que as Sagradas Eserturas deviatn ser interpretadas pela Ire Mas, assustados por verem a f6 submetida a ertica, o8 supe- riotes expulsaram-no do Oratério, Desde entio, a hirarquia o- ‘mana erispa-se numa attude defensiva que inibe toda a pesqui- st, no a na exegese biblica mas até na histéria eclesistcg, ‘Um pouco mais tarde, um assalto anilogo ao de R. Simon & ‘empreendido por Louis de Beaufort contra outrasfontes asgra- das», essa profanas, os hstoriadoresromanos da Antiguidade [Na sua Dissertapdo sobre a incerieza das cinco primeira sécu- los da histéria romana, afiema — de maneia exageredamente critica — que os primeiros livs de Tito Livio aio fabulas Abriu a via reserita das origens de Roma pelos historindores lemies do principio do séeulo XIX. A historia ameagada pela filosofia Historiador, célebre, do Declinlo © Queda do Império Roma- no (1776), E. Gibbon exprimin 0 voto de que «nem sempre sen- ea (CHARLES OLIVIER CARDONELL do os filésofos historindores, pelo menos que os histriadores {ossem filésofosy. Tlver respondesse com uma ponta de mal- cia a0 juizo arrogente de D'Alembert, filésofo, para quem «a cigncia da histria, quando no & esclarecida pola filosofia, é 0 ‘ikima doe conbecimentos humans». Com efeito, as relagées entre a hiséria « a fllosofia sio a imatea do Século das Luzes. Sio relagées tio inimas qve poe ‘vezes as duss palavras se tornam sindnimas; considerando 0 mesmo objecte, 0¢ aprogressos do espirto humano», Turgot, ‘em 1750, e Condoret, em 1790, intitulam os seus estudos, 0 primeiro Quadro filessfco des progressos... e© segundo Esbo- 0 dum quadro hstérico dos progressas. Menos fntimas, as t= Iagdes so entio complexas e ambiguas. "Numerosos filésofos se fizeram historiadores, como 0 es- cocés David Hume que, depois de ter tentado ser «o Newton da picologian, escreveu uma Histria da Inglaterra que Ihe valew nomeada europeia, Ao invés, histrindores houve que se fize- ‘am filésofos; foi o caso de Montesquieu que, apée as suas Consideragdes sobre as causas da grandeza dos Romanos e da sua decadéncia (1734), publicou o Espirito das Leis (1748), Volts foi slteradamentefilésfo e historiador — um histo tadotverstil, com uma Histéria de Carlos XI engendrada co- ‘mo uim romance de capa e espada, um historiador pionsiro, de curiosidades inovadoras, no Séeulo de Luls XIV (1751) eno En- saio sobre os Costumes (1756), 0 neologismo «filosofia da His- ‘rian —, Voltaire é também um flésofo sobre a histria. Claro «que convém esclarecer o que significam a passagem da mais cula para a miniscule e a mudanga de preposigfo, ¢ também tragar as fronteiras entre as diversas maneias como a histéra € Filosofia se reencontraram e, pot vezes, se confundiram, — A histéra filosofiea é 9 praticada, por exemplo, por ‘Montesquieu e Gibbon, Confrantados com uma questio impor: 2 ‘ante, procuram explic-la hierarquizar-Ihe as causts, dest= ‘cando das eausas particulars a causa getal. Para Montesquieu, ‘40 aspecto principal que arasta todos os acidentes» & a propia Jmensidade do Império que 0 torna ingovernvel; para Gibbon, € 0 cristianismo, que © desgasta e desnatura — «Descrevi o triunfo da barbie e da religio», proelams, provocante, este agnéstio, — A filsofia sobre a histéria & uma reflexio sobre oobjecto 4s historiografia (como as Novas consideragées de Voltate ea Ideia duma histéria universal dum ponto de vista cosmopoita, de Kant), sobre a sua utilidade a maneira de 8 eseever. O a6 culo XVITT abunda nestes tratados, desde a aurora — Langlet- -Duftesnoy, Método para estudar @ histéria (1713) — até 20 crepisculo — Volney, Ligdes de histria (1795). — A histéra da filosofiatomna-se, desde a Historia critica hilosophiae, de Jacob Brucker, publicsda em 1742, um género 0 mesmo tempo mistoe auténomo. Tradiz 0 triunfo do histo- ricismo, esse olhar do esprito que situa sitematicamente o seu bjecto no passado e nfo chegs & sua intligénciasenio através do estudo da sua evolusio, — A filosofia da Histris intetroga-se de maneita global so bre o percurso das sociedades humanas. Deserve eiteulos, como civilizagses sucessivas que nascem, se desenvolvem & ‘morrem depois de teem percorido as mesinas fases (Vieo, A ‘iéncia nova, 1725)? Seguirio uma via rectiineae ascendente, ‘como afirma Condorcet no seu Esboco de wm quedro Nistérico dos progressos do espirito humano (1794)? Deveretios penstr, ‘com Hume, que a Histria é o lugar onde a imutivel natureza dos homens se cruza com a posita dos acontecimentos contin- gentes, de tal forma que, para aquele que a interrogs, no passa duma recotha de anslogias? Com Christian Wolf, o vulgariza- ddr de Leibniz, que ha correspondéncia ene tologia © Histéria @ (TIARLES OLIVIER CARHONELL, mas nenhumna interferéncia? Com Rousseau, que a Histéia é tum discurso sobre a decadéncia de um homem desnaturado? ‘Passa-se assim, insensivelmente, duma histéra evocada — ‘de um passado conhecido 20 qual o filésofo se refere muitas veves © com precisio — a uma Histéra invocada — a um pas- do indefinido, espécie de deserto encerrado em si mesmo, ‘onde a acrobacia conceptual substitu as razes pela Razio. ‘Mais nitida ainda a fronteira que separa a histria peé- losfica da historiografia das Luzes; situa-e na década de 1680, Em 1681, aparecem simultaneamente a ikima grande erénica da cristandade, 0 Discurso sobre a histéria universal, de Bos- suet, timo © soberbo avatar da Crénica de Buscbio, onde se provava que, para além das consequéncias dos seus actos em liberdade, os homens serviam o plano de Deus, eo De Re Di- plomatica, de Mabilloo, que fundava 0 método em histéria. Em 1667, Fontenelle publicava a sua Histria dos Ordculos como 0 primeiro eapitul duma histria da ra2io; profeta da iteligibi- lidade da Histria, anunciava Voltaire, Turgot, d’Alembert, [Adam Ferguson, Henry Home, Lessing, Kant e Hegel — Hegel © sua imensa progénie, TTeologia,cincia, flocofia: na viragem da déeada de 1680, (Clio repudia a primeira mas, renunciando a lnboriosa e dura utonomia que a segunda ihe promete, sucumbe durante algum fempo aos encantos da tereira ‘Todavia, nem tudo & perverso nas tentagdes das Luzes. No contacto com os fldsofes, os historiadores agugam 0 seu espi- rito criti, prineipalmente contra os seus predecessores. «Em todas as nagdes a histéia & desfigurada pela fabula, a que finalmente a filosofia vem esclarecer 08 homens», constals Voltaire, que reclama a necessidede de ndo se admitr a bistéria sendo revista e corrigida pelos prinefpios do senso comum ra- zoivel — dado que, bem entendido, a eitca para 0s filésofos -msrowocRara no & de método mas de razdo. B verdadeiro aquilo que & ve- resitil, ‘Mais positives sio 0 aprofundamento e o alargamento do ‘campo histérico, que Voltaire reclamou com mais talento do que nenhum outro “«Depois de ter ido trés ou quatro mil desrigdes de batalhas © 0 teor de algumas centenss de tratados, sche que nio tina ficado muito instrufdo, $6 tina aprendido acontecimentos...A Espana seria mais rica ‘antes da conquista do Novo Mundo do que hoje? Qual tinha sido 0 aumento da populagéo entre o tempo de Filipe IV € 0 de Carlos V? Eis um dos objectos da cu josidade de quem quor que pretenda ler a histéria na ‘quilidade de cidadio e de filécofo. Estaré bem longe dese contentar com este conhecimento; desejar saber por que é que uma nago fi poderosa ou impotente no ‘mar; como e até que ponto ela enriquece.. As modi fleagées nas leis e nos costumes serio, enfim, o se grande objecto. Saber-sein assim a histéria dos ho- ‘mens em Tugar de se saber uma pequena parte da his- ‘ria dos eis e das cortesy. (Novas ConsiderapSes 20- brea Historia, 1714) ‘Singular modernidade de um projecto que set designada- mente sustentado pelo seu autor no Século de Luis XIV, «2 ‘meiro liv de histéria modemay (Fueter), no Ensaio sobre os Costumes ¢ 0 Espirito das Nacdes. Histvia cultura © hstéria ‘universal sio conquistas do século XVII. Como sempre, o dis- curso sobre o tempo acompanhe a ligaglo do homem a0 espaso so desvendar do mundo sucede o desvendar da hstéia. O exo- tismo histrico inseparivel do exotiamo geogtifico. A China % ‘CHARLES-OLIVIER CARBONELL. «a5 Américas estio de moda; Voltaire escamece wastes pobres iabos que em Pars se colocam as ordens dum livreiro pro- , também. A espessura do tempo, antes de mais, que para o¢ novos historiadores a configuragio do tem- po é profundamente diferente da que Ibe atibuiam os seus pre- , que triunfa no s6 nas livia- fine mas alé mas westranhas lucarnas». Ene o hermetismo das curvas eo jargio ideoldgico, hi lugar — um espago crescente — para o telato bem tomeado, para o prazer de ler. 136 -msromocRaria io seria isto 0 que quetia dizer o escultor grego que nos Aeixou esse bust estranho em que se opSem dois rostos, © de Herédoto e o de Tucidides? # evidente que, nestes vinte © qua- to séculos, Clio enriqueceu prodigiosamente as suas perspect- vas e a sua meméria. Através dos seus éxitos ¢ infortinos, @ sua vida dé testemunho dos tempos passados e da necessidade de histria que © homem taz consigo e que o transperts. 17 BIBLIOGRAFIA SUMARIA GENERALIDADES Em francés podem-se encontrar panoramas nipidos mas su- sgestvos nas obras seguintes: MARROU (H-1), «Qu'estce que Uhisoite?», em L’hstoire oes ‘thoes, soba dir. de Ch, SAMARAN, Pai, 1961 CHAUNU (P), Histoire, scence socal, Pats, 1964 (CROCE (Benedetto), Théorie et Rstoire de Uhistoriagraphie tad. do italiano, Doz, 1978 ‘A revista internacional quadlinge, Storia della Storiagrafa (Mio, Jaca Book), cttda em 1982, 6 intelrament dedcads ao esto dt iste da histrigrain, Em inglés: BARNES (HE), A History of Historical Writing, 2 e., Nova for ue, 1963. we CAPITULO 1 (CHAUNU (Pere), La mémoire ee saer, Pars, 1978 BALANDIER (Georges), Sens ot puissance, Pai, 1971. ‘ZIBGLER (Jean), Le pouvoir aficaln, Pasi, 1979. caPtruLo ROUSSEL (Denis), Les historiens grees, Paris, PUF, cl. «Sup, 1973 VAN EFFENTERRE (Henn, L'stoire en Grice, Pati, Clin, ol #UDs, 1967, cAPITULO HL ANDRE (1M, et HUS (A), L'hitoire @ Rome, Pais, 1974 LE GALL (L-A., alhistote & Rome dans MAntiguté, em Lis. toire, por J. 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