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ENZO MINGIONE Universidade de Messina ENRICO PUGLIESE Universidade de Napolee A DIFICIL DELIMITAGAO DO «URBANO» E DO «RURAL»: ALGUNS EXEMPLOS E IMPLICACOES TEORICAS Neste texto comeca'se por apre- Wace, suborsinades & andiae. da Senler'o debate eritee sobre s tvarsicgo para 0 capitals ids icotomia rualurbano.sesuminda, nal & que, em prime, ae fr eomo”se vom ‘tam. Ba'seguidaanaicao& sspae entes que melhor evidence es processor oe rogupdo. irecados” do abuio, tg S conceitos de «urbano: @ de «rural», nas diferentes formas em que surgem nos paracigmas dualistas, tém sido largamente utilizados pelas ciéncias socials para interpretar as translormagdes historicas ¢ sociais. Porém, desde 0 inicio dos ‘anos 70 que s9 tem discutido amplamente a validade dessa dicotomia tanto do ponto de vista da sociologia rural como da sociologia urbana, tendo-se chegado ao consenso genera- lizado de que nao deve atribuir-se a essa dicotomia um valor interpretative, podendo quando muito aceitar-se como uma forma convencional de agregar as questoes. Na realidade, 0 debate deixou de lado uma série de problemas que nos pro- pomos discutir na primeira parte deste trabalho antes de pro- curarmos definir a dificuldade em delimitar algumas areas difusas entre o urbano o rural na sociologia. As implicagées teorieas desta abordagem serao reteridas na primeira ¢ na segunda parte deste artigo, se bem que apenas de modo introdutério, © principal problema reside no facto de 0 debate critico se ter preocupado quase exclusivamente com a perspectiva da escola de Chicago de ecologia social e da sociologia rural ‘americana estrutural-funcionalista. Os paragigmas sociologi- 08 classicos, especialmente de Marx e Weber, nto foram 1 — Discussao critica da dicotomia urbano/rural 83 84 Enzo Mingione Enrico Pugliese tidos em consideragao. Apesar de ser verdade que a dicoto- mia urbano/rural s6 tem uma fungao interpretativa importante para 0 periodo de transicao das sociedades pré-industriais ara sociedades capitalistas (Saunders, 1981), 6 também um facto que, de certo modo, a utilizagao neoclassica da dicoto- mia, por mais discutivel que seja, continua a ter uma impor- tancia consideravel em obras de Sociologia. ‘Comecaremas pelas criticas feltas a escola ecologica, 0 que nos val permitir identiicar alguns dos aspectos mais, importantes desta questio. Quanto ao lado urbano temos a critica exemplar de Gans (1968) & interpretagao proposta por Wirth (1938). Esta era uma reinterpretagao sociolégica co paradigma urbano da escola de Chicago. Wirth apresentou luma dicotomia de stipos ideais», para explicar estilos.de vida ferentes baseados em pardmetros espaciais diferentes, espe- clalmente 0 tipo de vida duma grande area metropolitana em oposi¢do ao dos habitantes de localidades mais pequenas © menos desenvolvidas A detinigao de Wirth a seguir transcrita mostra 0 enorme valor interpretative atribuido @ dicotomia urbano/rural dentro de uma orientacao sociolbgica (a abordagem dos teorizadores dda escola de Chicago, especialmente Park, situava-se explici- tamente fora do Ambito da sociologia): ‘Sabemos que as caracteristicas dominantes da cens social lursana variam conforme a area, @ densidage e 0 alferente tipa funcional de cada cidade. -"Oum ponto de vista socio- lépieo, pods dsfinir-se cidade como um agregado tolativa- mente grands, danso e permanente de individuos social- mente Relerogeneos.: (Wirth, 1988.7) Esta mesma abordagem paradigmatica de Wirth foi des- trufda trinta anos mais tarde por Gans, que afirmou o seguinte: Em condigoes de transitoriedade e heterogensidade, 36 ha interaceao enite as pessoas em lermos Je papeis sogmen= tados necessarios @ obtencao de servigos locals. AS suas, Fiagoes socials revelam, ascim, ananimato, impessoaldade fe supertiiaidade.~ (Gans, 1968-103), Para Gans a natureza transitoria © heterogénea das con- digdes sociais nao @ $0 caracteristica das cidades (nem de todas as cidades e areas urbanas de igual modo) e por isso a abordagem de Wirth nao ¢ valida. Depois de muitos anos de investigagao empirica, a opiniao de Gans foi comprovada a0 verificar-se a existéncia de ~aldedes urbanos:, de uma grande diversificagao de estilos de vida suburbanos, de aldoias © do Zonas rurais sujoltas a uma grande mobilidade social ¢ a tor- mas de interacgéo social anonima ¢ heterogenea. Na conclu- 0 da sua obra, Gans advogava um regresso a utilizagao dos paradigmas da sociologia classica relativamente as classes, ‘A Dificl Detimitagao do «Urbano: @ do “Rua ciclos de vida e grupos étnicos, para uma melhor compraen- ‘sto dos varios estilos de vida nas cidades ou em zones de diferentes areas urbanas. NNestes termos, a dicotomia urbano/tural vem a ser poste- riormente eriticada pela snova sociologia urbana» © pelos socidlogos rurais (Newby, 1960; Friedland, 1982), na medida fem que se presta a uma utiizagao directa © pouco precisa como chave interpretativa da diferenciagao de estilos de vida fe de comportamentos socials. Mas ela esta também presente ‘nos paradigmas classicos de marxistas e weberianos (em sen- tidos mais ténues e indirectos), embora ai fique limitada ao periodo da transicao industrial © seja considerada como epresentativa de outros tipos de variaveis sociolégicas, ou seja, de classes socials a favor ou contra 0 desenvolvimento {60 capitalismo na Europa Ocidental. Neste artigo teremos de ros limitar a referir sucintamente alguns problemas importan- tes decorrentes da utlizacao classica da dicotomia urbana! ‘rural, quer relativamente as origens do capitalismo, quer Felativamente aos periodos posteriores que conduziram & sociedade contemporanea. Nas obras tanto de Marx como de Weber, embora com tonicas diferentes, a dicotomia urbano/rural ¢ representativa {das classes sociais que contribuiram para 0 aparecimento do capitalismo ou a que a ele se opuseram em nome da antiga ‘ordem social e econémica. & utilizagao do par dicotomico nao teria qualquer sentido quer para Mare, quer para Weber, se © quando 0 capitalismo viesse a tornar-se a ardem social dom ante, ‘As questBes mais interessantes decorrentes da utilizagdo da dicotomia classica urbano/rural podem resumir-se da seguinte forma ‘Até que ponto a utilizacao do par dicotémico @ apenas representagao de classes socials ¢ até que ponto, em ultima andlise, 6 0 factor chave da interpretagao especifica da tran- sigo industrial? Até que ponto é que, em todo o caso, essa representagao corresponde & realidade e até que ponto ¢ que, no fim de contas, nfo esconde fendmenos socials tantas vezes: do grande importancia? Até que ponto ¢ que a tradi¢ao mar- xista e a tradigao websriana renunciaram verdadeiramente & dicotomia na sua interpretacao da sociedace industrial e até ‘que ponto 6 que, implicita ov explicitamente, terao distorcido a interpretacdio das mudancas sociais muito para além do periodo da transigao industrial? ‘A primeira questao diz respeito muito mais a Weber do que a Marx. Como 6 conhecido, a longa discussao sobre a transigao industrial ¢ um debate entre os que fazem uma abordagem em termos de modos de pradugao e os urbanistas. 85 86 Enzo Mingione Enrico Puglase Os primeiros so nitidamente marxistas e os segundos seguem rmuitas vezes uma interpretagao radical de Weber em que as novas formas de autonomia politica conseguidas pelos cida- dao da Europa Ocidental sao consideradas tactores tunda- mentais para 0 aparocimento do desenvolvimento industrial capitalsta. Szelenyi sintetiza com clareza esta linha de pen~ samento (apesar de nao ser adepto dessa interpretagao radi- cal de Weber) As cidades adauiriram uma autoridade nao legitinada a medida que evoluiram para uma socledade civil O apare Cimento deste novo tipo de autonomia urbana baseava-se fom principios universal, funeionava. contra. 0. localsmo feudal e, nesse sentido, preparou 9 terreno para o modern estado burgues.» (Szelenyi, 1984:6-7). © problema consiste em saber até que ponto Weber con- siderou esta condigao como fundamental para 0 proceso de industrializagao ese 2 sua metodologia baseada em tipos ideais oforece uma resposta que so ope a esta interpretagao radical. O papel de novas formas de autonomia politica urbana néo pode ser considerado essencial nem preponde- ‘ante para explicar 0 periodo de transigdo industrial, mas dove ser associado a outros processos. Uma leitura atenta das ‘obras de Weber permitiria afirmar que a civilizagao urbana ocidental é um dos fenémenos, ou sintomas, que acompa: ‘ham a grande transtormag3o carismatica no sentido da expansao do capitalismo. ‘As outras duas questoes 18m bastante mais interesse para ‘nds. Relativamente a primeira, tém surgido varias duvidas quanto a0 papel das classes agrarias na promogto dos pro- cessos de industrializagao, quer nas fases iniciais, quer, em ‘maior grau, posteriormente. Podemos atirmar que as tronteiras entre o rural e o urbano sempre foram mal definidas e que, Por iso, a representagao classica baseada na dicotomia con~ tribuiu, de facto, para ocultar fendmenos saciolégicos rele- vantes. O importante trabalno de Barrington Moore (1968), entre outros, demonstrou que o papel das classes agrérias na Promogao ou na oposi¢ao ao desenvolvimento da industrial aco foi bem diferenciado. € um facto que elas nem todas, @ ‘nem sempre, se opuseram e/ou foram exploradas pelo apare- Cimento do capitalismo © pelo desenvolvimento industrial & que as suas diferentes posigdes, em termos historicos @ socials, twveram um papel decisivo na caracterizagao das varias experiéncias de industralizagao, Nao devemos esquece: © papel histérico dos senhores da terra © da pequena nobreza tural no modelo classico inglés e dos «Junkers no desenvol- vimento do modelo prussiano de industrializagao, Oum ponto de vista metodolégico, a analise da acumulagao primitiva por A Difci! Detimitagao 0 -Urban Marx @ mais vulnerével, ha até slgumas contradigoes. Marx baseou a sua andlise da acumulagao primitiva do capital no ‘caso inglés, com perfeita consciéncia da importancia das senclosures» nesse proceso e, consequentemente, do papel dos sennores da terra © da pequena nobreza rural no pri- mordios do desenvolvimento capitalista. Marx conhecia tam- bem a importancia das industrias a0 domicilio na primeira fase da industria text! do pais. © cardcter representative da chamada dialéctica cidade! ‘yeampo deveria ter um valor, de certo modo, limitado (por ser imprecisa e aproximativa), mas nao ¢ aqui altura de discutir- ‘mos © significado exacto da utilizagao marxiana desta dico- tomia. Cremos que a contradicao esta principalmente ligada a concepgao que Marx tinha do campesinato, a quem acaba por atribuir sempre uma posigao conservadora, ou uma faisa consciéncia, por nao estar disposto a ser sacriticado no altar do desenvolvimento industrial. Adiante veremos mais porme= norizadamente que a realidade do desenvolvimento da agr cultura capitalista e da industralizacao rural foi sempre mais complexa @ articulada do que a aceltagao da dicotomia deixa supor. ‘A segunda questao relaciona-se com a experiéncia das Industrias a0 domicilio nao s6 nos primérdios da industria textil_inglesa, mas também no posterior desenvolvimento Capitalista noutras indistrias © noutros paises. A dicotomia Uurbano/rural admite implicitamente que a experiéncia das industrias ao domicilio foi transitéria e de duragao limitada, A experiencia da industrializacao em zonas rurais vem demonstrar que a utilizagao da identiticagao cléssica de industria com cidade é controversa e imprecisa. Num grau ainda maior, a persisténcia e recorréncia de experisncias de industria ao domicilio, ou de qualquer sistema de trabalho & pega, levanta sérios problemas relativamente @ utlizacao da dicotomia. ‘A forca deste tipo de experiéncia, em fases diferentes do desenvolvimento e com outras tecnologias, parece pertelta- ‘mente viva ainda hoje, constituindo uma das mais importantes Areas dificeis de delimitar. As indistrias ao domicilio, a indus trializagao ditusa (no urbanizada e com fracos eteitos de urbanizagdo), constituem caracteristicas especificas do pro- Ccesso de desenvolvimento capitalista que surgem em forca em determinadas regiées (em Italia, a chamaca «Terceira Italian), fem determinadas fases do desenvolvimento (incluindo a fase mais recente de maturidade do capitalism) e alguns secto- res capitalistas (ligados a bens de consumo, processos de produgao, tecnologias, etc.). 0 facto de se admitir uma intima correlagao entre industrializagao e urbanizagao acaba por 0 =Rural- 87 86 Enzo Mingione Enrico Puavese despromover estas experiéncias a um grau de importancia extremamente balxo. € por isso que, também neste caso, surge a necessidade de repensar e corrigir a utilizacao da dicotomia urbano/rural para evitar esquecer fenomenos de modo nenhum secundarios, Chegamos agora a terceira questao, ou seja, saber se as correntes marxianas ou weberianas abandonaram efectiva- ‘mente a dicotomia na interpretacdo dos acontecimentos nas sociedades capitalistas que se seguiram a primeira fase da Industrializagao. Como nao cabe aqui fazer uma analis critica de determinadas correntes interpretativas, a resposta a esta uestao serd apenas preambular, aproximada e impressionista, Com todas estas reservas pode, no entanto, dizer-se que a dicotomia urbano/rural, mesmo com interpretagoes muito elaboradas continua a ser de uso corrente. € uma especie de droga que muitos sociélogos tomam, a principo so em Pequenas doses spara experimentar» © para fins exclusiva mente descritivos, mas da qual acabam por ficar dependentes. Esta ideia pode ser contirmada pelas mais recentes descob tas tedricas resultantes das exporioncias feitas pela «nova sociologia urbana» (Saunders, 1981; Mingione, 1988) que demonstraram que 0 factor «urbano», embora rejeitado & par- tida, acaba sempre por so afirmar outra vez Foi precisamente por esse motivo que resolveros consa- ‘grar este artigo as fronteiras imprecisas, as areas esbatidas ‘onde essa dicotomia se dissolve. Julgamos que essas areas foram sempre importantes e que actualmente tendem a sé-Io ainda mals. Assim sendo, a utiizagao da diade torna-se mais arriscada ainda, por esconder certos momentos da actual transformacao social © acentuar determinadas clivagens da Sociedade que ja nao oxistem ou nunca existiram. Resumindo 0 que ficou dito até aqui, mas proponde, a0 mesmo tempo antecipadamente, algumas conclusoes de con- junto, convem fazer uma teflexao teorica prévia, A utilizacdo classica correcta do par dicotomico urbano/~ rural pretende representar 0 conflito ontre duas realidades sociais diferentes (uma em declinio, outra em ascensao) como uma fungao do processo de desenvolvimento industrial & cepitalista. E inegavel que existiam, de facto, duas polariza- 00s estereotipadas e que utiliza-las simplificava a explicagao de processes socials multo complexos @ inter-relacionados, A constante simplificagao e a falta de precaugao condiciona- das por essas complexas realidades, para nao falar nos limites Imprecisos entre ambas. redundaram na criagao de precon- ceitos e de distorcdes cada vez maiores dos paradigmas de Interpretacao. Isto aplica-se tanto aos nossos dias como a sociologia classica. Neste sentido, ha que ter em conta a cti= ‘A Diticil Detimitagao 0 «Urbano: e do Aurals tica & intorprotagdo do desenvolvimento capitalista por Marx fe Weber expressa nas obras de Polanyi (1944). Quando este autor acentua o efeito das contra-correntes e resisténcias para explicar 0 desenvolvimento industrial (e para evitar 0 risco de as forgas de mercado, se aplicadas total e radicalmente, resulterem em consequéncias ainda mais desastrosas @ incontroliveis do que as que efectivamente surgiram), Polanyi insiste especificamente nessas realidades @ complexidades ‘nos limites imprecisos @ nas ambivaléncias. De facto, seria {facil afirmar que, na opinigo de Polanyi, 0 capitalismo @ a industrializagao se caracterizaram mais pelos obstaculos © resistencias ao longo dos tempos do que pelos seus meca- nismos endogenos de propulsdo @ difusdo. Adoptar esta interpretagao, suprimindo a utiizagao do par dicotomico & invertendo a analise baseada nos limites imprecisos, nas ambivaléncias @ na comploxidade dos processos de desen- volvimento, ¢ um passo fundamental, embora especialmente illel por nao haver atalhos nem simplificagses. 'Na segunda parte deste artigo vamos analisar algumas reas esbatidas de fronteira e a sua importéncia actual sem, ‘contudo, termos a preocupagao de que a5 nossas retlexdes ‘sejam sistematizadas ou exaustivas. Referiremos. nomeada- mente, 08 recentes aspectos @ alteragdes dos processos de produgao e dos mercados de trabalho, focando sobretudo a agricultura @ a sua integragao noutras industrias. Em contra partida, outras areas de limites mal detinidos as suas impli cagoes tedricas, assim como a estruturacao das classes socials e a acgao politica de massas, no sero aqui aborda- ‘das, nao s0 por obvia falta de espago, mas principalmente por {alta de dados de investigagao e de experiencia, Finalmente, nao sera referida sendo aqui a area talvez mais importante de redefinigao © sobreposigao das delimita- 'G0es da dicotomia urbano/rural, isto 6, 0 impacto do proceso Ge terciarizacao e 0 desenvolvimento de diferentes formas do Estado/Providéncia. Relativamente a este, talvez seja conve- niente mencionar dois pontos a sorem aprofundados numa utura investigacdo comparativa. Os destinatérios dos servicos de bem-estar social, sejam eles camponeses pobres, traba- Inadores rurais ou pobres das cidades, estao submetidos a jogos e processos politicos em que tanto a dicotomia urbano/ /eural como a divisao entre os diferentes sectores econdmicos se diluem para dar lugar a outras logicas. A cistribuigao geo- gratica de servigos de bem-estar social relativamente eficien- tes nao coincide com 0 mapa representativo da dicotomia urbano/tural. Contrariamente a um preconceito bastante difundido, nem sempre as areas rurais sao esquecidas e pre- judicadas nos sistemas de bem-estar, como nem sempre as 89 90 Enzo Mingione Enrico Pugliese 2—A impreci- 80 das deli- mitagoes eo desenvolvi- mento capi lista Areas urbanas sao eficientes e privilegiadas. Polo menos relax tivamente ao caso italiano (Bagnasco, 1977). esta bem docu- mentada a existéncia duma distribuigao da eliciéncia © da Ineficiéneia relativas dos servigos de bem-estar social que ultrapassa largamente a dicotomia. A escola estrutural © funcionalista da sociologia rural dedicou-se ao estudo da comunidade rural e da familia/ex- ploragdo camponesa. Considerava os camponeses, os agri- cultores e as suas exploragdes agricolas inseridas numa aldeia ou noutro agrupamento territorial que representava um mundo antitético da realidade social industrial e urbana. Independen- temente de a andlise so basear numa dicotomia real ou num hipotetico continuo rural-urbano, estava implicito que o mundo rural tinha caracteristicas de produgao diferentes porque os processos de trabalho e de produgao obedeciam a uma lgica muito diferente das que predominavam no contexto urbano industrial: de facto um processo de trabalho que pouce tinha ‘2 ver com 0 que estava a difundir-se no mundo capitalista, Por se considerar que os Unicos assuntos que valia pena estudar eram, por um lado, a vida da comunidade e, por ‘outro, 0s valores @ as atitudes dos camponeses @ dos agri’ ‘ores familiares, acabou por descurar-se outros aspectos igualmente importantes como 0 mercado de trabalho agricola, © proceso de trabalho agricola, a estrutura de classes © os efeitos da nova tecnologia na sua modificagao. Estes temas foram ja dignos de estudo no pasado, mas hoje em dia si0 {ainda mais importantes dado que a sua evolugao acaba por para acentuar que se trata de um novo processo, uma inversao das tendéncias ja consolicadas. (© trabalho por conta propria @ a pluri-actividade, a0 contrario {40 que antes se passave, nao sao como poderia parecer um residuo da situagao anterior, mas novos fenémenas que tam- bom estao ligados & consolidagao desse vasto agregado que inclui a agricultura em si mesma e outras actividades que the estao ligadas © @ que hoje se chama «agribusiness-. Neste ‘contexto é corrente a subcontratacao de outros produtores © fa concessao a terceiros de determinadas fases da producac, que de outro modo teriam de ser efectuadas internamente, Isto reproduz o numero total de assalariados e de empregados pela explorago agricola, A reabilitagao e a persisténcia do trabalho por conta prépria pode também interpretar-se neste sentido. Contrariamente &s opinides anteriores sobre 0 assunto, baseadas na concepcao tradicional da snatureza especifica da agricultura», trata-se dum resultado multo moderno, relacionado com as recentes tendéncias do pro- ‘e880 de produgao industrial no ambito do «agribusiness © com a necessidade decrescente de mao-de-obra (que por sua vez decorre também da generalizagto de tecnologia que dispensam mao-de-obra). A mao-de-obra que nao fol substi tuida por maquinas ao longo dos processos de reestruturacao fe de modernizacao —em ultima andlise, de industrializagao— encontra-se geralmente nas exploragoes agricolas © nas ‘empresas subcontratadas; estas empregam pessoas que exe- ccutam trabalnos no especializados om qualquer exploracao agricola © também individuos especializados cujas habilita- A Diicil Detimitacao 0 sUrbande @ do =Rurale {¢bes profissionais podem ser consideradas como industria. Acresce ainda que parte deste pesssoal empregado pelos Subcontratadores s8o, do facto, trabalhadores por conta de ‘outrem, enquanto outra parte sao trabalnadores por conta Prépria, apesar de, pelo menos nesta fase de desenvolvimento tecnolégico, trabalharem, na grande maioria, em empresas familiares. As vezes, acontece também que as empresas deste tipo pertencem a agricultores por conta propria ou a agricul~ tores a tempo parcial que fornecem a terceiros a utilizagao de maquinas em excesso (dado que estas vao alam das necessi- dades das suas exploragdes) e que oferecem também a pres- tagao de servicos de trabalhadores altamente profissionali- zados. (© resultado desta associagac ¢ 0 aparecimento de tipos que, cum ponto de vista social @ profissional, sao diticeis de classificar. De facto, para além de terem um pé no lado dos trabalhadores por conta de outrem, @ 0 outro no lado dos trabalhadores por conta propria esto divididos entre a agr cultura e outros sectores. Refira-se aqui o exemplo, bastante frequente, do alugador de maquinas que trabalna com o seu proprio tractor em varias exploracdes agricolas e que recebe um salério diario. Sao multiplos os seus papdis: ¢ um traba~ Inador agricola assalariado relativamente & exploragdo age cola em questao, tal qual como varias outras categorias de trabalhadores temporarios, apesar de ser o dono do equipa- ‘mento; 6 0 gestor duma ompresa quo utiliza o seu oquipa- mento proprio e que tem padross de trabalho proprios; & também trabaihador por conta propria e, simultaneamente, gestor @ trabalhador da sua empresa. Além disto tudo, asst melha-se mais a um mecanico do que a um campones, do mesmo modo que hoje em dia o agricultor tende a preocu- ar-se mais com questoes comercials do que com o crescl- mento das culturas em si No entanto, estes sao apenas exemplos de todo 0 pro- ‘eesso de desaparecimento das delimitagoes protissionais. cada vez menos corrente ter em toda a vida uma inica pro- fissao. A extensao excepcional do segmento secundario no mercado de trabalho @ uma manifestagao deste proceso, Devido & procura decrescente de mao-de-obra nas grandes empresas industriais, as prerrogativas e a seguranca da mao- ‘obra do segmento primario diminuiram @ os valores do femprego a tempo inteiro tem tendéncia a diminulr. A capaci dade de produzir quantidades cada vez maiores de bens com cada vez menos mao-de-obra ¢ uma caracteristica do sector industrial. Por outro lado, jé verificdmos como é cada vez menos necessério que esse emprego esteja concentrado em ‘grandes empresas. & flexibilidade da forga de trabalho atingiv| 7 98 Enzo Mingione Enrico Pugliose ‘um grau completamente inesperado. Um conjunto de activi dades mulliesectoriais no curriculum de qualquer pessoa, ‘especialmente por periodos muito curtos, @ a crescente gene. ralizagao do segundo omprego (de que os trabalhadores que acumulam actividades agricolas e industrials s80 apenas um exemplo) significa que as «fronteiras imprecisas» s40 uma caracteristica estrutural da sociedade presente. . (tradugao de Taresa Lelio) Referéncias Bibliograticas Bagnasco A Bartington Moore Friedland W. Frieaiana Wi, Kautsky K. Newoy H. Gans H. Mingione E Polanyi K. Saunders P. Szoleny! | rts. ser7 1966 1971 1980 1968 1906 94a 1981 r908 A Dic Detimitacao do «Urano: edo fural. Le tre Malia, Bologna, t Mulino Social Origins of Dictatorship and Democracy, Boston. Beacon Press Manulacturing Green Gold, Barkley, Univers of California Press: * " Tne end of rural society and the future of rural 99 Sociology. Aural Sociology. nea La questions agrarie, Milano, Fettrineli Aural Sociology @ Trend Report, Current Sociology. 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