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‘A Obra do Espirito Santo poe Abraham Kuyper, D.D., LL.D VOLUME UM ‘A Obra do Espirito Santo na Igreja como um Todo Capitulo Quinto - A Encarnagao do Verbo «) zmas um corpo me preparaste." - Hebreus 10:5 © completar-se do Antigo Testamento nao finalizou a obra que o Espirito Santo empreendeu por toda 1 Igreja. A Sagrada Escritura pode ser o instrumento através do qual agir na consciéncia do pecador ¢ abrir 08 seus olhos para a beleza da vida divina, mas no pode imputar vida a Igreja. F assim que ela foi seguida por uma outra obra do Espirito Santo, ou seja, a preparacao do corpo de Cristo. ‘As bem conhecidas palavras: "Sacrificio e oferta ndo desejas; abriste-me os ouvidos; holocausto & oferta de expiacio pelo pecado nao reclamaste. Entio disse eu: Eis aqui venho; no rolo do livro esta escrito a meu respeito"[Salmo 40: 6, 7] - as quais Paulo se refere: "..Sacrificio e oferta ndo quiseste, mas um corpo me preparasie; ndo te deleitaste em holocaustos ¢ oblagbes pelo pecado. Entio eu disse: Eis-me aqui (no Tol do livro esta escrito de mim).."[Hebreus 10:5-7]. Nao discutimos como as, palavras "abriste-me os ouvidos" podem significar também "um corpo me preparaste'. Para 0 nosso presente propésito ¢ imaterial se alguém disser com Junius: "A orelha é um membro do corpo, pelo abrir da orelha a audicao torna-se possivel; e somente pela audicao ¢ que 0 corpo torna-se um instrumento de obediéncia’; ou, com outro: "Como o corpo do escravo torou-se um instrumento de obediencia pelo perfurar da orelha, também 0 corpo de Cristo torou-se um instrumento de obediéncia pela concepeao do Espirito Santo"; ou, finalmente: "Como o Israelitas tomou-se um servo a0 ter sua orelha perfurada, assim também o Filho Eterno adotou a forma de um servo ao compartilhar nossa carne e nosso sangue’. A exposicao infalivel de Salmos 40:7 por Paulo, nao evanta nenhhuma objecdo séria a qualquer um desses comentarios. E suficiente para o nosso presente propésito reconhecer que, de acordo com a passagem em Hebreus 10:5, a Igreja deve confessar que houve uma preparacdo do corpo de Cristo. Isto posto, ¢ tomado em conexdo com o que Evangelho relata acerca da concepcio, nao pode ser negado que na preparacdo do corpo do Senhor hé uma obra peculiar do Espirito Santo. Pois 0 anjo disse a Maria: "..Vird sobre ti o Espirito Santo, e 0 poder do Altissimo te cobriré com a sua sombra; ‘Por isso 0 que ha de nascer seré chamado santo, Filho de Deus."[Lucas 1:35] e de novo: "..José, filho de Davi, ndo temas receber a Maria, tua mulher, pois o que nela se gerou ¢ do Espirito Santo"[Mateus, 1:20], Ambas passagens, afora seus significados préprios, buscam evidentemente produzir a impressdo de que a concepcaoe o nascimento de Jesus sio extraordindrios; que eles nao ocorreram phe msec rep ancOan pgs como resultado da vontade do homem, mas como resultado de uma operagio do Espirito Santo. Como em outras obras exteriores de Deus, a preparagdo do corpo de Cristo € uma obra divina, ‘comum as trés Pessoas. E equivocado dizer que o Espirito Santo € o Criador do Corpo de Jesus, ou, como alguns o tém ‘expressado, "Que o Espirito Santo foi o Pai de Cristo, de acordo com a Sua natureza humana’, Tais representacdes devem ser rejeitadas, desde que elas destroem a confissio da Trindade Santa. Esta cconfissao nao pode ser mantida quando qualquer uma das obras exteriores de Deus seja representada ‘como nao comum as tres Pessoas. £ nosso desejo enfatizar, portanto, ndo que o Espirito Santo sozinho, mas que © Deus Tritino, ‘preparou o corpo do Mediador. O Pai e mesmo o Filho cooperaram neste ato divino. Contudo, como vimos na Criagio e Providéncia, nesta cooperacio a obra de cada Pessoa tema sua propria marca distintiva. Do Pai, de quem so todas as coisas, procedeu 0 material do corpo de Gristo, a criacao da alma humana, e de todos os dons e poderes, juntamente com todo o plano da Encamagio. Do filho, que é a sabedoria do Pai, a disposicao e a ordenagio de todas as coisas na Criagdo, procedeu a disposicio santa e a ordenacio com referéncia a Encamacao. E as agSes correlatas do Pai e do Filho na Criagao e na Providencia recebem animacao e perfeigao através do Espirito Santo, de forma que exista na Encamagdo um ato peculiar do Espirito Santo através do qual os atos do Pai e do Filho nesse mistério sejam completos e manifestos. Portanto, esté escrito em Hebreus 10:7 acerca do Deus Tritino: "Um corpo me preparaste."; enquanto que também ¢ declarado aquele o qual foi concebido em Maria, ¢ do Espirito Santo. Isto, no entanto, ndo pode ser explicado no sentido ordinario, no sentido comum. Pode ser dito que nada hd de maravilhoso nisto, pois J6 declara "O Espfrito de Deus me fez, e 0 sopro do Todo- Poderoso me dé vida'J6 33:4]; e sobre Cristo lemos que Ele nasceu de Maria, tendo sido concebido pelo Espirito Santo. Estas duas verdades cobrem a mesma Area. Ambas situagSes conectam o nascimento de uma crianga com um ato do Espirito Santo. Enquanto que, com relagio ao nascimento de Cristo, nao negamos este ato habitual do Espirito Santo, o qual é essencial para o despertar de toda a vida, especialmente a vida de um ser humano, todavia sim, negamos que a Sua concepcao pelo Espirito Santo foi o ato habitual. A confissao antiga: "Creio e Jesus Cristo, Seu Unico Filho, nosso, Senhot, que foi concebido pelo Espirito Santo", refere-sea um milagre divino e um mistério profundo, no qual a obra do Espirito Santo deve ser glorificada, Consequentemente ¢ impossivel uma anélise completa desta obra. Se no, ela no mais seria um milagre. Portanto, refiramo-nos a este assunto somente com a mais profunda reveréncia, e no avancemos teorias conirérias a Palavra de Deus. O que aprouve a Deus revelar-nos, sabemos; 0 que nna Sua Palavra ha somente indicacdes, s6 podemos ter uma vaga idéia; e o que € avancado fora da Palavra, ndo passa do esforgo de um espirito intrometido ou curiosidade profana. Nesta obra do Espirito Santo, duas coisas devem ser distinguidas: Primeira, a criagio da natureza humana de Jesus, Segunda, a Sua separacio dos pecadores. No primeiro ponto, a Biblia ensina que nenhum homem poderia jamais reclamar vinculo de paternidade com Jesus. José aparece e age como uma espécie de padrasto de Jesus; mas a Biblia ‘nunca fala de um relacionamento de vida e de origem entre ele e Jesus. De fato, os vizinhos da familia de José referiam-se a Jesus como 0 Filho do carpinteiro, mas a Biblia sempre trata isso como um erro, Jodo, declarando que os filhos de Deus nascem no da vontade do homem, nem da vontade da carne, mas de Deus, indubitavelmente emprestow tal gloriosa descricdo do nosso nascimento mais elevado, do extraordinario ato de Deus, que cintila na concepgao e nascimento de Cristo. O Fato de que Maria phe msec rep ancOan page foi chamada enquanto virgem; de que José atribulou-se com a descoberta da condigdo da sua noiva; de que ele tencionava secretamente deixé-la, ¢ que um anjo apareceu-the num sonho - resumindo, a narrativa completa do Evangelho, tanto quanto a tradicéo mantida da Igreja, permitem nenhuma ‘outra confissdo a ndo ser a de que Cristo foi concebido e nasceu de Maria, a virgem; mas ndo de José, ‘seu marido prometido. Excluindo 0 homem, a Biblia coloca por trés vezes 0 Espirito Santo na érea como o Autor da concepcao. Mateus diz “Ora, o nascimento de Jesus Cristo foi assim: Estando Maria, sua mae, desposada com José, antes de se ajuntarem, ela se achou ter concebido do Espirito Santo"[1:18] ¢ rnovamente, "..em sonho Ihe apareceu um anjo do Senhor, dizendo: José, filho de Davi, nao temas receber a Maria, tua mulher, pois o que nela se gerou € do Espirito Santo'[1:20]. E depois, Lucas diz "Respondeu-lhe [a Maria] o anjo: Viré sobre ti o Espirito Santo, e © poder do Altissimo te cobriré com, ‘asua sombra; por isso o que hé de nascer sera chamado santo, Filho de Deus"[1:35]. Estas declaracdes ‘muito claras nao recebem um reconhecimento completo, a nao ser que seja plenamente confessado {que a concepgao do germe da semente de uma natureza humana no iitero da virgem foi um ato do Espirito Santo, Nao 6 expediente nem tampouco legal adentrarmos mais profundamente neste assunto. Como a vida ‘humana se origina apés a concepcio, se o embrido imediatamente contém uma pessoa humana ou se 0 ser humano ¢ criado deniro dele mais tarde, e outras questées similares, devem permanecer sem resposta, quigé para sempre. N6s podemos propor teorias, mas © Deus Onipotente néo permite que nenhum homem descubra os segredos do Seu operar nos laboratsrios secretos do Seu poder criativo. Assim € que tudo 0 quanto pode ser dito, de conformidade com a Biblia, est contido nos quatro particulares a seguir: Em primeiro, na concepgio de Cristo, nao foi um novo ser que foi chamado para a vida, como em. todos outros casos, mas Aquele que jé existia desde a etemnidade, e quem entio adentrou a uma relagdo vital com a natureza humana. A Escritura Sagrada revela isto claramente. Cristo existia desde antes da fundaco do mundo, Sua existéncia data desde os dias da etemnidade. Ele tomou sobre Si a forma de um servo, Mesmo que 0 bidlogo descobrisse 0 mistério da concepcio humana, tal nao poderia revelar nada, absolutamente, quanto & concepcao de Maria. Em segundo, néo é a concepcao de uma pessoa humana, mas a de uma natureza humana. Onde um novo ser € concebido, uma pessoa humana passa a existir, Mas quando a Pessoa do Filho, que estava com 0 Pai desde a eternidade, compartilha a nossa carne e o nosso sangue, Ele adota nossa natureza humana na unidade da Sua Pessoa, assim tornando-se um verdadeiro homem; mas ndo trata-se da criagdo de uma nova pessoa. A Biblia mostra isto claramente, Em Cristo aparece nada a ndo ser um ‘ego, sendo na mesma Pessoa ao mesmo tempo 0 Filho de Deus e o Filho de homem. Em terceiro, segue-se, daf, ndo que uma nova carne foi criada em Maria, como os Menonitas costumavam ensinar; mas que 0 fruto do ventre de Maria, do qual Jesus nasceu, foi tomado e nutrido do sangue de Maria - 0 mesmo sangue que, através dos seus parentes e ancestrais ela havia recebido desde 0 caido Adao. E por iltimo, 0 Mediador nascido de Maria néo somente compartilhou da nossa came e do nosso, sangue, tais como existiram em Adgo e como nés herdamos de Adao, mas Ele nasceu verdadeiramente ser humano, pensando, querendo, e sentindo exatamente como 05 outros homens, suscetivel a todas as emogoes e sensagdes humanas que causam os incontaveis vibragoes pulsacdes da vida humana, E todavia Ele estava separado dos pecadores. Falaremos disso no proximo artigo. Contentemo-nos com o fato da concepgao, fato do qual extraimos o conforto precioso: "Que beneficios recebes da santa concepcao e do nascimento de Cristo? - Que ele é nosso Mediador e, com a sua inocéncia e sua perfeita santidade cobre os meus pecados, em que fui concebido, para que estes phe msec rep ancOan rags desaparecam diante de Deus.'[Catecismo de Heidelberg, questdo 36] XVIIL Inculpavel e Sem Pecado. "Porque nos convinha tal sumo sacerdote, santo, inocente, imaculado, separado dos pecadores, e feito ‘mais sublime que os céus."-Hebreus 7:26 ‘A Igreja tem, no transcorrer das eras, confessado que Cristo tomou sobre Si uma natureza humana, da ‘virgem Maria, nao como tal natureza o era antes da queda, mas tal como passou a ser, aps e como conseqiténcia da queda. Isto esté claramente apresentado em: "..visto como os filhos so participantes comuns de came € sangue, também ele semelhantemente participou das mesmas coisas ... .Pelo que convinha que em ‘tudo fosse feito semethante a seus irmdos, para se tornar um sumo sacerdote misericordioso e fiel nas coisas concernentes a Deus, a fim de fazer propiciagto pelos pecados do povo'[Hebreus 2:14, 17]. Foi mesmo tal participacdo na nossa natureza humana que O faria sentir 0 aguilhdo de Satanés, pois 0 texto segue na declaracio: "Porque naquilo que ele mesmo, sendo tentado, padeceu, pode socorrer ‘208 que sdo tentados*[Hebreus 2:18}. Pela autoridade da Palavra divina nés néo podemos duvidar, fentdo, que 0 Filho de Deus tornou-se um homem, com a nossa natureza cafda. Fa nossa miséria, através da culpa herdada de Addo, que ndo possamos viver e agir sendo como participantes, compartilhando da came e do sangue corrompidos pela queda, E desde que, como filhos compartilhamos da carne e do sangue, assim também Ele tornou-se participante dos mesmos. Por isso 6 que nfo hé como enfatizar demais que o Filho de Deus, caminhando entre homens, possuia a mesma natureza na qual nés passamos as nossas vidas; que a Sua carne tinha a mesma origem que a nossa came; que o sangue que corria nas Suas veias é 0 mesmo sangue que corre nas nossas, e chegou até Ele tanto quanto chega a nds, a partir da mesma fonte, em Adao. Devemos sentir, e ousar confessar, que no Getsémane 0 nosso Salvador agonizou na nossa came e no nosso sangue; que foi a nossa came e © nosso sangue que foram pregados na cruz. O "sangue da reconciliagao" é tomado do, ‘proprio sangue que tem sede apés a reconciliacao. Com seguranca igual, no entanto, reverenciando a autoridade da Biblia, confessamos que esta unio {intima do Filho de Deus com a natureza humana cafda nao implica na minima participagao do nosso pecado e da nossa culpa, Na mesma epistolana qual 0 apéstolo mostra distintamente o relacionamento de Jesus com a came ¢ o sangue humanos, ele também apresenta um testemunho claro da Sua absoluta falta de pecado, de forma que seja evitada qualquer compreensao errada. Como ‘em virtude da nossa concepcao e do nosso nascimento nés somos pecadores, culpados e poluidos, pecadores com pecadores, ¢ portanto oprimidos com a condenacao do infemo, também foi o Mediador concebido e nascido santo, sem pecado, sem culpa, imaculado, separado dos pecadores, feito mais alto que os céus. E com énfase igual o apéstolo declara que o pecado nao penetrou nEle através das tentagdes, pois, embora tentado em todas as coisas, como nés o somos, todavia Ele foi sempre sem nenhum pecado. Portanto o mistério da Encaacéo permanece na permanente contradi¢do da uniao de Cristo com a nossa natureza humana cafda, a qual por um lado é tao intima que O faz suscetfvel as suas tentacoes, ‘enquanto que por outro lado Ele 6 completamente separado de todo e qualquer relacionamento com ‘0 seu pecado. A confissao que enfraqueca ou que elimine qualquer desses fatores deve, quando desenvolvida logicamente, degenerar em séria heresia. Ao dizer, "O Mediador foi concebido e nasceu nna nossa natureza, como ela o era antes da queda’, nés cortamos o relacionamento entre Ele ¢ nés; € 20 permitir que Ele tivesse a minima participacao pessoal da nossa culpa e do nosso pecado, nbs corlamos 0 Seu relacionamento com a natureza divina, ‘A Biblia ndo ensina, entao, que o Mediador foi feito pecado e carregou a maldicdo no nosso lugar, € "como verme e no homem’ sofreu a agonia mais profunda? phe msec rep ancOan pagers Respondemos: Sim, certamente, sem isto ndo terfamos nenhuma redencio. Mas em tudo isto Fle agiu ‘como 0 nosso Substituto. Sua prépria personalidade nao foi afetada nem 0 minimo por causa disso. O Seu arquear-Se sob o peso do nosso pecado foi um ato Sumo Sacerdotal, executado vicariamente. Ele foi feito pecado, mas jamais um pecador. Pecador quer dizer quem é pessoalmente afetado pelo ‘pecado; a pessoa de Cristo nunca o foi. Ele nunca teve qualquer relacionamento com 0 pecado, a nao ‘ser aquele de amor e compaixdo por nés pecadores, para suportar o peso do nossos pecados como 0 nosso Sumo Sacerdote e Substituto. Sim, embora Ele fosse excessivamente afligido mesmo até a morte, embora Ele estivesse severa e extremamente tentado que até clamou ‘passa de Mim este alice’, no centro do Seu ser pessoal Ele permaneceu livre do mais mfnimo contato com 0 pecado. Um exame detalhado da maneira pela qual nos tornamos participantes do pecado projetara mais luz neste assunto, Cada pecado individual nao é somente do nosso préprio cometimento, mas uma participagao no pecado comum, o grande pecado de toda a raga, contra o qual aira de Deus é incendiada. Nos néo ‘somente participamos deste pecado por um ato da vontade na medida em que crescemos; ele jé era nosso no bergo, enquanto no ttero da nossa mae - sim, mesmo na nossa concepcao. "Concebido e nascido em pecado" é a terrivel confissdo que a Igreja de Deus, redimida, pode jamais negar. Por esta razo a Igreja sempre depositou tal importancia na doutrina da culpa herdada, como declarado por Paulo no quinto capitulo da Carta aos Romanos. A nossa culpa herdada nao surge do ‘pecado herdado; ao contrério, nés somos concebidos e nascemos em pecado porque permanecemos na culpa herdada. A culpa de Adao ¢ imputada a todos os seus descendentes. Adao viveu e caiu ‘como a nossa cabeca natural e federal. A nossa vida moral encontra-se numa relagdo de raiz para com a sua vida moral. Nés estavamos nele. Ele nos carregava em si mesmo. O seu estado determinou 0 nosso estado. Daf que pelo julgamento justo de Deus a sua culpa foi imputada a todaa sua posteridade, pois tanto quanto, pela vontade do homem, todos deveriam sucessivamente nascerem a partir dele. Em virtude dessa culpa herdada, nos somos concebidos em pecado e nascemos na participagao do pecado. ‘Deus € o nosso Criador, e das Suas maos nés viemos puros e ndo corrompidos. Ensinar 0 contrario € fazer de Deus 0 Autor do pecado individual, e destruiro sentido de culpa da alma. Assim é que 0 pecado, especialmente o pecado original, nfo se origina na nossa criacdo pelas maos de Deus, mas através da nossa relagdo vital com a raca pecadora. A nossa pessoa ndo procede dos nossos pais. Este um conflito direto com a indivisibilidade do espirito, com a Palavra de Deus, e a sua confissio de que Deus ¢ 0 nosso Criador, ‘que também me fez." Porém, nem toda a criagio 6 a mesma. Ha a criagdo imediata e mediata. Deus criou a luz através da criagio imediata, mas grama ¢ relva mediatamente, pois estas brotam do solo. A mesma diferenca ‘existe entre a criagao de Addo e a da sua posteridade. A criagao de Adao foi imediata: ndo do seu corpo, 0 qual foi feito do p6, mas a da sua pessoa, o ser humano chamado Adao. Sua posteridade, no centanto, é criacdo mediata, pois cada concepsao ¢ feita para depender da vontade do homem. Assim, ‘enquanto nés procedemos das méos de Deus pura e imaculadamente, tornamo-nos ao mesmo tempo participantes da culpa imputada e herdada de Adao; ¢ pela virtude desta culpa herdada; através da nossa concepsio e do nosso nascimento, Deus nos traz. ao relacionamento com 0 pecado da raca. Como isto ocorre é um mistério impenetravel mas 6 um fato; que nos tomamos participantes do ‘pecado da raca através da geracdo, a qual inicia-se com a concepgao ¢ termina com o nascimento. E agora, com referencia a Pessoa de Cristo, tudo depende da questao se a culpa original de Adao foi imputada ao homem Jesus Cristo. Se 0 foi, entdo, como todos os outros homens, Cristo foi concebido e nasceu em pecado, em virtude desta culpa original. Onde esté a culpa original imputada, deve haver a corrupcio pecaminosa. Mas, por outro lado, onde ela ndo esta, a corrupgao pecaminosa nao pode ser; assim é que Ele, que é ‘chamado santo ¢ inocente deve ser também imaculado. A culpa de Adao no foi imputada ao homem phe msec rep ancOan rast Jesus Cristo. Se o fosse, entdo nao poderia haver o sangue da reconciliagdo. Se a culpa original de ‘Adao foi imputada 20 homem Jesus Cristo, entio em virtude da Sua concepcio e nascimento pecaminosos Ele também esteve sujeito a morte e a condenacio, e Ele ndo poderia ter recebido a vida sendo através da regeneracio. Entio também segue-se que ou este Homem carece Ele mesmo de um Mediador, ou que nés, como Ele, também podemos adentrar a vida sem um Intermediatio. Mas toda esta representagio é sem fundamento, e deve ser rejeitada sen qualificacao. A Biblia toda sse opde a ela. A culpa de Adao é imputada a sua posteridade. Mas Cristo nao é um descendente de Adio. Ele existia antes de Adao. Ele nao nasceu passivamente como nés nascemos, mas Ele proprio tomou sobre Si a came humana. Ele ndo se encontra sob Ado, como Addo sendo a Sua cabeca, mas Ele mesmo € uma nova Cabeca, tendo outros sob Si, a respeito de quem Ele diz: "..Eis-me aqui, e 08 filhos que Deus me deu."[Hebreus 2:13). E verdade que em Lucas 3:23-38 encontramos a genealogia de José, que encerra-se com as palavras: "..(filho) de Adao, e Adao (fitho) de Deus."; mas 0 Evangelista acrescenta enfaticamente *..(como se cuidava).."[vv.23]; dai que Jesus nao erao filho de José. E no Evangelho segundo Mateus, a Sua genealogia para em Abraao. Embora no Pentecostes Pedro disse que Davi sabia que Deus levantaria a Cristo do fruto da sua descendéncia, todavia ele acrescenta esta limitacao, "segundo a carne" (N.T.: em Romanos 1:3, ¢ Paulo quem escreve: ‘acerca de seu Filho, que nasceu da descendéncia de Davi segundo a carne"), Mais ainda, compreendendo que 0 Fitho nao assumiu uma pessoa humana, mas sim a natureza humana, de maneira que 0 Seu Ego 6 0 da Pessoa do Filho de Deus, necessariamente segue-se que Jesus no pode ser um descendente de Adao; pois a imputagdo da culpa de Adao a Cristo aniquilaria a Pessoa divina. Tal imputacio esta completamente fora de questio. A Ele nada é imputado. Os pecados, Ele os tomou sobre Si voluntariamente, vicariamente, agindo como 0 nosso Sumo Sacerdote e Mediador. XIX. O Espirito Santo No Mistério da Encarnagio. "Bo Verbo se fez came, ¢ habitou entre n6s, cheio de graca e de verdade; e vimos a sua gloria, como a gloria do unigenito do Pai." - Joao 1:14 ‘Ha mais uma questao no tratamento deste tema. Qual foi a extraordindria operacdo do Espirito Santo, ‘que capacitou o Filho de Deus para assumir a nossa natureza caida sem ser corrompido pelo pecado? Embora concedamos ser ilegal bisbilhotar no que o véu oculta, o que Deus néo abre livremente para rigs, ainda assim podemos buscar o significado das palavras que incorporam 0 mistério;e é isto que tencionamos fazer na discussao dessa questao. A encamagio de Cristo, com referéncia a Sua absoluta falta de pecado, esté relacionada com o ser do ‘pecado, o caréter do pecado original, a relacao entre corpo e alma, regeneracdo e 0 operar do Espirito Santo nos crentes. Assim é que € necessério, para uma mais clara compreenséo, ter uma visdo correta da relagio da natureza humana de Cristo para com esses temas importantes. Pecado nao é um bacilo espiritual que se esconde no sangue da mae ¢ ¢ recebido nas veias do filho. Pecado nao ¢ algo material e tangivel; a sua natureza 6 moral ¢ espiritual, pertencendo as coisas invisiveis cujos resultados podemos perceber, mas cujo ser real escapa a deteccao. Por conseguinte, ‘em oposicao ao Maniqueismo e heresias similares, a Igreja tem sempre confessado que o pecadio nao € uma substincia material na nossa carne e no nosso sangue, mas que consiste da perda da retidao original na qual Adio e Eva floresceram e prosperaram no Paraiso. Nem os crentes diferem deste onto, pois todos reconhecem que o pecado € a perda da justica, da retidao original. No entanto, tracando o préximo passo na rota do pecado, encontramos uma série diferenca entre a Igreja de Roma e a nossa propria. Aquela ensina que Addo surgiu perfeito da mao do seu Criador, antes mesmo de ser favorecido com a retidao original. Isto implica que a natureza humana é completada sem a retidao, a justia original, a qual ¢ colocada sobre ela como um roupao ou um ornamento. Como a nossa natureza presente ¢ completa sem phe msec rep ancOan ragts vestimenta ou ornamentos, 0s quais sto necessérios somente para parecermos respeitéveis no ‘mundo, assim também era a natureza humana, de acordo com Roma, completa e perfeita em si mesma sem retidao, a qual serve somente como vestimenta e j6ia. Mas as igrejas Reformadas sempre tém se oposto a este ponto de vista, mantendo que a retidao original é uma parte essencial da natureza humana, pelo que a natureza humana em Addo nao era completa sem ela; que nao foi meramente acrescentada a natureza de Addo, mas que Adao foi criado na possessio dela como a manifestacio direta da sua vida. Se a natureza de Adao era perfeita antes que ele possuisse a retidao original, segue-se que a sua natureza permanece perfeita também apés a perda dela; caso no qual descrevemos o pecado simplesmente como "caréncia da justica [retidao] original" [N.T. 0 autor utilizou-se da expressa0 latina "carentia justitix origiralis"] ie. a falta da retidao [justica] original. Isto costumava ser expresso assim: A retidao original € um bem natural ou sobrenatural? Se natural, entaio a sua perda faz com ‘que a natureza do homem seja inteiramente corrupta; se sobrenatural, entao a sua perda pode levar consigo a gloria e a honra daquela natureza, mas como uma natureza humana ela guardou quase todo 0 seu poder original. Bellarminus disse que desejo, doenca, conflito, etc,, naturalmente pertencem & natureza humana; € {que a retidao original era uma rédea dourada colocada nesta natureza, para checar e controlar este desejo, doenga, conflito e etc. Assim quando esta rédea dourada foi perdida, perdeu-se o controle sobre a doenca, 0 desejo, o conflito ¢ etc. (lomo IV, capitulo V, col. 15,17, 18). Tomés de Aquino, para ‘quem Calvino tinka um grande débito, e a quem o Papa atual tem ardentemente recomendado aos seus padres, tinha uma visio mais correta. Isto é evidente na sua definicdo de pecado. Se doenca, desejo, etc, existiam no homem quando ele veio da mao de Deus, e somente a graca sobrenatural pode restringi-los, entao pecado é simplesmente a perda da retidao original, assim puramente negativo. Mas se a retidao original pertence a natureza humana ¢ nao foi simplesmente acrescentada, a ela de forma sobrenatural, entio 0 pecado divide-se em duas partes: primeira, a perda da retidao original; segunda, a ruina e corrupcio da propria natureza humana, desorganizando-a e desmembrando-a. Tomas de Aquino reconhece este tiltimo aspecto, pois ele ensina (‘Summa ‘Theologiae", prima secunde, ix, sect. 2, art. 1) que 0 pecado nao é somente perda e privacdo, mas também um estado de corrupcao, na qual deve ser distinguida a falda do que deveria estar presente, ie. a retidao original; e a presenga do que deveria estar ausente, ou seja, uma desordem anormal das partes e dos poderes da alma. Nossos pais tinham quase que 0 mesmo ponto de vista. Eles julgavam que o pecado néo é material, mas a perda da retidao original. Mas desde que a retidao original pertence a natureza humana 8, a perda néo deixou aquela natureza intacta, mas danificada, desconjuntada, e conrompeu-a. Para ilustrar: uma linda flor de gerdnio que adomava a jancla foi morta pela geada. Folhas e flores murcharam, deixando somente uma massa de mofo e putrefacao. Qual foi a causa? Simplesmente a perda da luz edo calor do sol. Mas foi o bastante; pois estes pertencem a natureza da planta, e S80, cessenciais para a sua vida e beleza. Privada deles, ela no mais permanece o que é, mas asua natureza perde sua sadde, isto causa decadéncia, putrefacao, bolor, e gases venenosos, 05 quais, logo a destruem por completo. Entao, da natureza humana: No Paraiso Adao era como a planta vvigosa, florescendo no calore na claridade da presenca do Senhor. Em decorréncia do pecado ele fugiu daquela presenca. O resultado ndo foi meramente a perda da luz e do calor, mas desde que ‘esses eram essenciais & sua natureza, aquela sua natureza degenerou-se, abateu-se, e feneceu, O mofo da corrupcao formou-se sobre ela; e 0 processo positivo de dissolucao estava iniciado, para terminar ‘somente na morte eterna, s fatos e a histéria ainda agora provam que o corpo humano tem se enfraquecido desde os dias da Reforma; que maus habitos de um certo cardter algumas vezes passam de pai para filho mesmo onde ‘a morte prematura daquele previne a propagacao através de educacio e de exemplo. Por conseguinte a diferenca entre Adao, corpo e alma, antes da queda e seus descendentes apés a queda nao é a mera perda do Sol da Justica, o qual por natureza ndo mais brilha sobre eles, mas o estrago causado a raga phe msec rep ancOan pager humana por esta perda, no corpo e na alma, 0s quais por essa razao se enfraqueceram, adoeceram, corromperam-se, ¢ perderam 0 equilibrio. Esta natureza corrupta do pai para o filho, como a Confissdo de Fé a expressa no artigo XV: "Este pecado (N-T. 0 pecado original) ¢ uma depravacio de toda a natureza humana‘ e um mal heteditério, ‘com que até as criancas no ventre de suas maes estdo contaminadas . F a raiz que produz no homem todo tipo de pecado'[N.T. O autor refere-se a Confissio de Fé Belga (As referencias Biblicas conforme aquele documentos sao !-Rm 3:10; J6 144; S151:5; Jo 3:6). No entanto, a relagdo entre uma pessoa ¢ seu ego deve ser levada em consideragio. A condicéo, desordenada da nossa came e do nosso sangue inclina e incita ao pecado, um fato que tem sido observado nas vitimas de certas doencas terriveis, como seu efeito. Mas isto néo poderia resultar no pecado se néo houvesse 0 ego pessoal para permitir-se ser excitado. Novamente, embora o desequilibrio dos poderes da alma, que causa o obscurecimento da compreensio, o embotamento dos sentidos, eo despertar da vontade estimulasse as paixGes, ainda assim isto nao poderia resultar ‘em pecado, se nenhum ego pessoal fosse afetado por tanto. Por isso, 0 pecado coloca a sua propria marca sobre esta corupedo, somente quando o ego pessoal se afasta de Deus, e naquela alma desordenada e corpo doentio, encontra-se como condenado perante Ele, Se, de acordo com a lei estabelecida, o impuro produz o impuro, e se Deus fez com que o nosso nascimento dependa da geragao por homens impuros, deve seguir-se que por natureza nascemos - primeiro, sema retidao original; segundo, com todo o corpo arruinado; terceiro, com uma alma fora de harmonia consigo mesma; e por iltimo, com um ego pessoal que se desviou de Deus. Tudo isso se aplicaria a Pessoa do Mediador se, como um de nds, Ele tivesse nascido uma pessoa shumana pela vontade de homem e nao de Deus. Mas desde que Ele ndo nasceu uma pessoa humana, ‘mas tomou sobre Si a natureza humana, ¢ foi concebido nao pela vontade de homem, mas através de uma operacdo do Espirito Santo, nao poderia haver nEle um ego desviado de Deus, nem poderia a fraqueza da Sua natureza humana por um momento ser uma fraqueza pecadora. Ou para colocar em ‘termos concretos: Embora houvesse naquela natureza humana alguma coisa para incits-LO ao desejo, todavia nunca tomouse desejo. Ha uma diferenca entre as tentacGes e conflitos de Jesus e aqueles de rnés mesmos; enquanto os desejos da nossa natureza e do nosso ego sao contra Deus, 0 Seu Santo Ego ‘opés-Se a incitacio da Sua natureza adotada e nunca foi derrotado. Portanto a propria obra do Espirito Santo consistiu nisto: Primeiro, a criagdo nao de uma nova pessoa, mas de uma natureza humana, a qual o Filho assumiu ‘em unio coma Sua natureza divina, numa Pessoa. Segundo, que 0 Ego divino-humano do Mediador, que, conforme a Sua natureza humana, também possufa vida espiritual, foi mantido em separado da corrupgio a qual, em virtude do nosso nascimento afetou 0 nosso ego ¢ a nossa personalidade. Assim é que regeneragio, a qual afeta ndo a nossa natureza mas a nossa pessoa, esta fora de questi ‘com referencia a Cristo. Mas do que Cristo precisava era as dadivas do Espirito Santo para capacitar a Sua natureza enfraquecida, em escala crescente, para ser Seu instrumento no executar do Seu santo des{gnio; ¢ finalmente para transformar a Sua natureza enfraquecida ndo por regeneracdo, mas pela ressurrei¢do, numa natureza gloriosa, desnuda do mais infimo traco de fraqueza e preparada para desdobrar sua gloria mais elevada. (1). Devido a recente publicagao da obra do autor, "A Encarnagdo do Verbo", este tema é aqui apresentado numa forma resumida. ‘Traducio livre: Eli Daniel da Silva phe msec rep ancOan rgtrs VOUNEUM: captlagunt:AOba tiie sess Belo Horizonte-MG, 21 de Fevereiro 2003. phe msec rep ancOan rast

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