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IWAX Capfruto It Do Estado de Natureza “ 4. Para bem compreender o poder politico e deriva-lo de sua origem, devemos con- siderar em que estado todos os homens se acham naturalmente, sendo este umn estado de Perfeita liberdade para ordenar-thes as ages ¢ regular-Ihes as posses e as pessoas con. forme acharem conveniente, dentro dos limites da lei da natureza, sem pedir permissa0 ‘ou depender da vontade de qualquer outro homem, Estado também de igualdade, no qual é reciproco qualquer poder ¢ jurisdigo, nin- guém tendo mais do que qualquer outro; nada havendo de mais evidente que criaturas da mesma espécie ¢ da mesma ordem, nascidas promiscuamente a todas as mesmas vanta- gens da natureza ¢ ao uso das mesmas faculdades, terdo também de ser iguais umas ds Sutras sem subordinago ou sujeigo; a menos que o senkor de todas clas, mediante qual quer declaragio manifesta de sua vontade, colocasse uma acima de outra, conferindo- Ihe, por indicagao evidente e clara, direito indubitavel ao dom{nio e & soberania. 5. 0 judicioso Hooker* considera essa igualdade dos homens pela natureza como ‘to evidente de per si ¢ acima de-qualquer dvida que a toma por fundamento da obriga. go de amor miituo entre os homens, sobre o qual baseia os deveres que temos uns para com os outros, donde deriva as grandes maximas de justiga ¢ caridade. Sao as seguintes as suas palavras: “O mesmo incentivo natural levou os homens ao conhecimento de que néo thes incumbe menos amar ao préximo do que a si mesmos; por verem que tudo quanto é igual deve ter necessariamente a mesma medida; se s6 posso desejar receber o bem, mesmo ‘arto das mios de qualquer um quanto qualquer pessoa possa desejar de todo 0 coraeao, como poderla eu esperar ver qualquer parte do meu interesse satisfeita, a menos que enka eu préprio o culdado de satisfazer desejo igual de outrem, que sem divvida nele existe, eis que & também de natureza Idéntica a que tenho? Oferecer-Ihe algo que the repugne ao desejo deve necessariamente afligi-lo em todos os sentidos tanto quanto a ‘mim: de sorte que, se pratico o mal, devo esperar por sofrimento, ndo havendo motive ‘algum para que terceiros revelem por mim maior amor do que eu mesmo les testenne. he; portanto, 0 meu desejo de ser amado pelos meus iguais em natureza tanto quanto seja possivel impée-me o dever natural de mostrar para com eles afeigdo igual: dessa ® Richard Hooker (15542-1600), autor de As Leis da Potica Belestéstica, ama das obras mais influntes to desenvolvimento da tori poltica a partic do pensamento medieval para‘ conceit dos direitos natura, Exeroeu profunds inluéneia sobre Locke, conforme se pode ver plas inimeras citages que fez de Hooker A obra consist de oto livros; os livros de Ta IV foram publicados em 1594, V em 1397 eos do VI ao VIII em 1648, 42 LOCKE relagio de igualdade entre nds mesmos e terceiros que so como nds, nenhum homem ig- ‘nora as varias regras e prinefpios estabelecidos pela razdo natural para a direcio da vida”: (Pol. Eel, liv.) S. Contudo, embora seja este um estado de liberdade, no 0 € de licenciosidade; apesar de ter 0 homem naquele estado liberdade incontrolavel de dispor da prépria pes. S00 ¢ posses, nio tem a de destruir-se asi mesmo ou a qualquer eriatura que esteja em Sua posse, endo quando uso mais nobre do que a simples conservagio 0 enjja, O estado de natureza tem uma lei de natureza para governé-o, que a todos obriga; e a azo, que é essa lei, ensina a todos os homens que tio-s6 a consultem, sendo todos lgvalt ¢ independentes, que nenhum deles deve prejudicar a outrem na vida, na satide, ne liber dade ou nas posses. Eis que sendo todos os homens obra de um Artifice onipotente inf nitamente sibio — todos servos de senhor soberano nico, enviados ao mundo por ordem d’Ele, por cumprir-he a missio —, sdo propriedade d’Aquele que os fer, destine. 0s a durar enquanto a Ele aprouver e nio a uns e outros; e sendo todos provides de faculdades iguais, compartlhando de uma comunidade de natureza, nio hé possibilidade de supor-se qualquer subordinagio entre os homens que nos autorize a destrir a outrems como se féssemos feitos para uso uns dos outros como as ordens inferiores de eraturee so para n6s. Qualquer pessoa, da mesma sorte que esta na obrigagio de preservar-se, nio the sendo dado abandonar intencionalmente a sua posigio, assim também, por igual razio quando a prépria preservagio nio esta em'jogo, tem de preservar, tanto quanto Puder, 0 resto da Humanidade, no podendo, a menos que sea para castigar um one, lirar ou prejudicar a vida, ou 0 que tende a preservagio da vida, aliberdade, a sade, os ‘membros ou os bens de outrem. 7. E para impedir.a todos os homens que invadam os direitos dos outros ¢ que ‘mutuamente se molestem, ¢ para que se observe a lei da natureza, que importa na paz © ha preservagio de toda a Humanidade, p5e-se, naquele estado, a execugao da lei da natu. reza nas mios de todos os homens, mediante a qual qualquer um tem o direito de casti- Bar os transgressores dessa lei em tal grau que lhe impega a violago, pois a lei da natu. reza seria vi, como quaisquer outras leis que digam respeito ao homem neste mundo, se nio houvesse alguém nesse estado de natureza que nao tivesse poder para pr em exec ‘20 aquela lei e, por esse modo, preservasse o inocente e restringisse os ofensores. E se qualquer um no estado de natureza pode castigar alguém por qualquer maleficio que tenha feito, todos também podem fazé-1o, pois naquele estado de perfeita igualdade, em Que naturalmente ndo existe superioridade ou jurisdigo de um sobre outro, 0 que qual- quer um pode fazer na prossecugo dessa lei, todos necessariamente devem ter o-diveito de fazer também, 8. E assim no estado de natureza um homem consegue poder sobre outro; contudo, no € poder absoluto ou arbitrério para haver-se com um criminoso, quando sobre ele deitou as mos, segundo a o6lera apaixonada ou a extravagincia da propria vontadey ‘mas unicamente revidar, de acordo com os ditames da.razio calma ¢ da consci2uciasg {que ésteja em proporgio com a transgressio, isto & tanto quanto possaservir dg repara. sho « restrigao; eis que esses dois motivos so os tinieos que autorizam legitimarsente » lum homem fazer mal a outro, 0 que implica o que chamamos castigo. Transgredindo tcida natureza. o ofensor declara viver por outra resra que nao a da razio eda ealidade ‘za, tem 0 poder de matar um assassino, ndo 86 para impedir que outros leve, «faite motivo, cae aa Seguranga estabelecida pela lei da natureza, qualquer homen, or esse Bir on aa ittude do direito que tem de preservar a Humanidade em geral, ode restrin. Guem eeando necessério, destruir tudo quanto Ihe seja prejudicial, fazendovres eae Finda. essredia a lei maleticio tal que leve a arepender se de to feito exci impe- dindo-o€ a outros, pelo exemplo deste, de fazer malefciosemelhante Enos ‘caso e pelo dananeeng, © (0405 tem o dlreito de castigar 0 ofensor, torando-se exceuteres fe fo da natureca. 3, ,Nio.davido que semethante doutrina parega muito estranha a eertos homens; Cie on Bote panenem, deseo que me mostrem qual o dirito que tem qualquer pa iP: ou Estado para castigar ou condenar a morte um estrangeitn qualquer por erime sa nendg dentro das respectivasfroneiras. E certo que as lei de umn Estate ey virtude Sa cancio que recebem pela vontade promulgada do poder legislative nae atingem um Gade eich Ine fm Hem se falassem, estaria cle obrigado a escuélas Aeaeten sai tislatva, por meio da qual aquelas leis estio em vigor sobreen sain comu- x ade, ndo tem poder sobre ele. Os que tém o supremo poder de faver lec ns Inglaterra, ratocunge ona Holanda, so para um indio como o resto do mando hones tans ones Dortanto, se pela lei da natureza qualquer homem ni testo pede wenn Tae Qfensas contra ela praticadas, conforme julgue sensatamente merece 9 £280, nfo outro pale vate abitrados de qualquer comunidade possam eastigar um foracehe oe Guo Pais, visto como, relativamente a ele, nio possuem mais pode, de que 0 que qual- quer homem pode ter naturalmente sobre outro. 1, a do crime que consist na volago dali ena dvergénia degre pesia sesando,em vrtude da qual um individuo se oma degenerado ¢ desis shee brinipos da natureza humana, tomando-se criatura prejudial, hi somone e crmngrendar a D8 Ou Obie, ¢ um trai poderk wi a set pejudiondo ror meee, titer, brciudicou. E qualquer outra pessoa, que o achar justo, pode tanbén ane jun Shai timliando-o a recuperar do ofensor tanto quanto posse compensé ie elo dano softido, one eres direitos dstntos — um de eastigaro crime restringindo e preve- indo ofensa semelhante,direto este que esta em todos: 0 outro de revi Tepara: Frade penta Smente & parte prjudicada — chega-se a conclusio de que.e race, rier: usl Por ser magistrado, tem em suas proprias mfos o divens corn nn Gaines Pod tuitas veres, quando o bem piblico nlo exige a exccusie da ot ence satisfacne ceenensts criminals pela sua prépriaautoridade, mas ndo the € dade velar g im tem o poder de castigar o crime para impedir-ihe a (enagito, Palo dircto que tem de preservar toda a Humanidade edecrenter eee quan: reais zodvel a favor desse objetivo; e assim & que qualquer homnem, me extade ee natu: ‘ers temo poder de matar um assessino, nio s5 paraimpedic que outroslevem « chevy 44 LOCKE dano semethante, que nenhuma reparaglo pode compensar, pelo exemplo do castigo que 0 espera por parte de todos, mas também para garantr os homens das tentaivas de um criminoso que, tendo renunciado & razio — regra comum e medida que Deus deu sos homens —, devlarou guerra contra a Humanidade, pela violencia injusta e eamificine Por ele cometidas contra outrem, podendo, portanto, ser destruido como leio ou tigre, uum desses animais selvagens com os quais os homens nio tém sociedade ou seguranee, E nessas consideragdes baseia-se a grande lei da natureza: “Quem derramar 0 sangue vo homem, pelo homem verd seu sangue derramado”. E Caim estava tio inteiramente con- veneido de que qualquer um tinha o direto de destriclo, que, depois de ter assassinado 0 irméo, exclamous “Quem quer que me encontre me mataré”, tio claramente estava esta verdade gravada no coragio dos homens 12.. Pela mesma razio pode um homem no estado de natureza castigar as infrages ‘menores daquela lei. Talvez perguntem: com a morte? Respondo: Qualquer transgressio pode ser castigada a esse ponto e com tanta severidade que baste para torné la mau negécio para o ofensor, fazendo com que se arrependa e infundindo receio a outros que pretendam proceder de igual maneira. Qualquer ofensa que se venha a cometer no estado de natureza pode por igual ser castigada nese mesmo estado, bem como em qualquer Comunidade; embora ultrapasse o meu objetivo atual entrar aqui nos detalhes da let da ‘atureza, ou nas suas medidas de castigo, certo é que tal lei existe, sendo ela, igualmente, ‘Go inteligfvel ¢ clara para uma criatura racional que a estude como as leis positivas das comunidades, ainda mais, possivelmente mais clara, tanto quanto mais facil é entender. se a razio do que as fantasias ¢ as maquinagGes intrincadas dos homens, seguindo inte. esses contrarios ¢ ocultos formulados por meio de palavras, visto como assim ¢ verda. deiramente a maior parte das leis municipais dos paises, as quais somente so verdadeiras quando se basciam na lei da natureza, que as regula e interpreta. 13. Nao duvido que se venha a objetar a esta estranha teotia, isto é que no estado de natureza todo o mundo tem o poder executivo da lei da natureza — que nio é razed vel sejam os homens juizes nos seus priprios casos, que o amor-proprio tomard os fe. ‘mens parciais para consigo mesmos e seus amigos, c, por outro lado, 2 inclinagaio para ‘omalva paixdo ¢ a vinganga os levardolonge demais napunigio a outrem,dai se seguindo {o-somente confusdo e desordem:; ¢ que, por conseguinte, Deus, com toda certera, esta. beleceu 0 governo com o fito de restringir a parcialidade e a violéncia dos homens Aquiesco finalmente em que o governo civil € 0 remédio acertado para os inconvenientes do estado de natureza, os quais devem, com toda certeza, set grandes se 0s homens témn de ser juizes em causa propria, pois é facil imaginar que quem foi tio injusto, que se ton nou capaz. de causar dano a um irméo, raramente ser tao justo que a si se condene por isso; mas desejaria que quem fizer essa objegdo se lembre serem os monareas absolutes somente homens, ¢ se 0 governo iver de ser 0 recurso para os males que necessariamente deeorrem de serem os homens juizes em causa prOpria, ndo sendo pot isso de supottar se © estado de natureza, desejo saber que espécie de governo devera ser este, e quio melhor ser do que o estado de natureza, em que um homem, governando uma multidao, tem « liberdade de ser juiz em seu prOprio caso, podendo fazer aos siditos tudo quanto The aprouver, sem que alguém tenha a liberdade de formular perguntas aos que Ihe executarn a8 vontades ou de controlé-os, devendo todos a ele submeter-se, seja lao que for que ele faga, levado pela razéo, pelo erro ou pela paixéo? Muito melhor seré no estado de nate re2a, no qual os homens nio estio obrigados a submeter-se & vontade injusta de outretn: ¢ se aquele que julga julgar erroneamente no seu proprio caso ou no de terceiros, & responsével pelo julgamento perante o restante dos homens. SEGUNDO TRATADO SOBRE 0 GOVERNO. 4s Ii, Perganta-se muitas vezes como objepio relevante: “Onde estio ou onde estive come gum {ia homens em tal estado de natureza?” Ao que pode bastar por enacante toda a pene eet Como todos os principes ¢ governantes de Estados independentes por {nia & Parte do mundo se encontram em um estado de natures, claro nue o nates oF cava ives nem nunca estaré, sem ter muitos homens nesse estado. Referi-me a todec Guo nde 2 net Ge Comunidades independentes, estejam ou nio em liga com outros; por. aue néo é qualquer pacto que faz cessaro estado de natureza entre os homens megs ape- nas o de concordar, mutuamente ¢ em conjunto, em formar uma comunidade,fundatao vga’ Politico; outras promessas e pactos podem os homens fazer entre si, conser, Jac, enttetanto, o estado de natureza. As promessas e trocas para intereimbie enue fois homens em uma ilha desert, mencionadas por Garelaso de ia Vega, ne hinoehe as Peru? ou entre um suigo eum indio nas florestas da América, os vinculsin emo se 2am perfeitamente em estado de natureza entre si; visto como a confianga'¢ a mansren, $0 da palavra pertencem aos homens como homens e nao como membros da wentne 15. {Aes ae dizem que munca houve homens em estado de natureza, nfo s6 oporei @ autoridade do judicioso Hooker, Pol. Eel, liv. I sec. 10, onde di. [As lets até agora mencionadas (isto 6, as lets da natureza) obrigam em absoluto be gos homens, mesmo tdo-s6 como homens, embora ndo tenham tido munea quelques : camaradagem esiabelecida, nem qualquer acordo solene entre si sobre o que fase ou det 7 2a" de fazer; pols que ndo somos eapazes por nds mesmos de nos prover de quantidades ae omemaratt ie tudo quanto precisamos para viver conforme a nossa natureza o exige, ge de mancira digna de homens; portanto, para suprir os defetose imperfeigses que ew ok ues éstdo, ao vivermos isolados ¢ somente por nés mesmos, somos naturalmente lndisidon g . Procirar eomuhio e eamaradagem com outros individuos. Tal a causa por que os ho, Ib ‘mens comecaram a unir-se em sociedades polfticas” ‘A estas consideragoes acuzo que todos os homens estio naturalmente naquele esta- Soc beie Permanecem até que, pelo proprio consentimento, se tornam membros de alg. 7 ma sociedade politica; e nfo duvido que possa vir a esclarecé-Io na continuagio deste ensaio, racalaso de a Vee (15399-1616), chamado O Inca, hstorador do Peru cus obras compeendem: La Florida del Inca: Misoria del A delatado Hernando de Soro (1605) Comentarior Rede tue Tree ne oot Ferls Angas pare I hisria dos Incas, publicada em 1609; parte, «congas fo Pere poshcon, Post-mortem ers W617.

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