Você está na página 1de 19
og ACADEMIA BRASILEIRA DE » DIREITO PROCESSUAL CIVIL HIERARQUIA DAS FONTES POSITIVAS Marcio Louzada Carpena Doutorando em Direito Processual Civil Professor de Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da PUCIRS Advogado em Porto Alegre e Brasilia SUMARIO: |, Introdugio 2. Hieraquia das fontes no plano horizontal 3. Hierarquia das Fontes no plano vertical. 4 Bibliogratia INTRODUGAO: Nao s6 nos paises de tradig4o romanfstica, mas, ainda que em menor escala, também naqueles que possuem seu sistema juridico baseado na common law - onde 0 Direito possui como fonte muito mais o uso, os costumes ¢ a jurisdigao, do que propriamente o trabalho abstrato ¢ genérico do legislador -, as fontes positivas (assim aqui consideradas as normas legais impressas) tém recebido cada vez mais atengao especial(1), abandonando-se paulatinamente a antiga perspectiva(2) de que, com excegio de normas penais, a vida econémica e social da humanidade pode e deve se resolver sem recurso & regulamentagao legal escrita. Langa-se mao da legislagao positivada em favor da idéia de que ela fornece as garantias essenciais para todas aquelas liberdades que sao tidas como vitais para a "vida adequada” numa democracia social(3). Sem se perquitir sobre a corregao ou nao da opinigo filos6fica de rejeigéo & imposigao de uma "ordem” legislativa a uma sociedade, ou sobre isso ser um mal necessério a que ela deve estar submetida enquanto nao for capaz de se mostrar justa, © fato € que, contemporancamente, se valoriza muito a norma esctita, sendo sua auséncia fruto de desconforto social. em razao disso, aliado a mudangas no quadro sécio- cultural - derivadas também de uma atual "revolugao” cientifico-tecnolégica e ecénomico- globalizadora, que exigem novas regulamentacées - que se constata um macigo e significativo aumento de disposigdes legais impressas, chamado inclusive por alguns de “inflagao 7? ACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL legislativa", a qual, no entanto, parece ser inafastvel ou incontomavel ante & propria via positivista ideolégica entao eleita Frente a isso, hé um cada vez mais crescente interesse a respeito da hierarquia que entdo paira entre as fontes positivas, compreendidas como aquelas "normas" criadas pelo Poder Legislative e aquelas que, excepcionalmente, exaram do Poder Executivo, na desincumbéncia, em tese, de suas atividades para manutengio do desenvolvimento social ¢ do ‘bem comum no estado democratico de direito, O estudo relativo A hierarquia entre as fontes positivas, principalmente no que conceme ao direito pitrio - objeto de nosso estudo mostra-se questo de grande pertinéncia, nao s6 em nivel tedrico, como também pratico, pois € imprescindivel & interpretagao compreensio do sistema juridico como um todo, guardando ainda profunda repercussio em determinados ramos do direito, como, por exemplo, 0 constitucional ¢ tributério, onde se verifica indispens4vel ostentar-se uma clara inteligéncia sobre 0 assunto, sob pena de se incorrer em imprecisées ou consignagées de ordem equivocada. Quando se fala em hierarquia entre as fontes deve-se ter em conta a perspectiva de supremacia existente entre elas; ha hierarquia quando, pela esséncia da norma, denota-se predisposigao de superioridade e, via contréria, de subordinagao, no plano da eficécia, de uma diante de outra—(4), A valorizagao hierarquica das fontes positivas tem natureza politica e decorre de uma necessidade légica de se dar sustentagdo ao sistema normativo, a partir de um plano axiolégico, Para bem a compreender, imaginariamente, pode-se criar uma estrutura piramidal, onde, de cima para baixo, se colocam normas com maior carater subordinante, a fim de imprimir, no campo da eficdcia, a orientacéo conseqiiente da hegemonia ¢ preeminéncia ideol6gica. A hierarquia pode ser analisada a partir de duas perspectivas: a horizontal, cuja andlise leva em conta o espago e 0 federalismo; e, a vertical, cuja andlise est4 envolta a predisposi¢ao da qualidade da norma, Vejamos: “f ACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL 1, HIERARQUIA DAS FONTES NO PLANO HORIZONTAL: No sistema normativo nacional, temos normas vélidas em todo o territério nacional ¢ normas vélidas apenas em determinadas partes deste territério. Aquelas séo as normas federais, classificadas como centrais(5), a0 passo que essas silo as normas estaduais, do distrito federal ou dos municipios, classificadas como parciais, cuja validade se restringe a esses Ambitos, Frente a esses diferentes planos normativos, caberia indagar se existe hierarquia entre as normas centrais e as parciais. A resposta complicada requerendo aten¢io ¢ andlise precisa: a principio, tendo por base que a Constituigao é uma lei federal, ficar-se-ia propenso a responder positivamente, pois, conforme se vera mais adiante, todo o sistema juridico se encontra subordinado a Carta Magna. Contudo, como as normas estaduais, do distrito federal ¢ dos municipios néo obedecem & Constituigdo apenas pelo fato de serem o que so, normas parciais, tanto isto 6 verdade que as normas federais, centrais, também a ela se subordinam, nao se mostra adequado afirmar qualquer hierarquia com base, apenas ¢ tao somente, no argumento de que a Carta Magna é uma lei federal Assim, cabe afastar, por ora e de maneira abstrata, a Constituigio da Reptblica enquanto lei federal do raciocinio aqui desenvolvido, para se verificar a existéncia ou nao de hierarquia entre leis centrais ¢ parciais. As leis federais, estaduais ou municipais ocupam, cada uma, um determinado espaco, referente ao seu campo de atuagio dentro do ordenamento juridico, sendo cedigo que ha uma reserva de competéncia a cada uma delas. A prépria Constituigaéo da Reptiblica define a reserva de competéncia nos seus artigos 22, 23, 24, 25, 30, inc. Le Il, e 32 § 1.°, Dessa forma, como de regra nfo concorrem no mesmo plano, na mesma Area de atuaco, nio se poderia falar, por conseguinte, em sobreposigao hierdrquica de uma perante outra. Se houver a invasao de uma lei na competéncia(6) de outra(7), essa serd nula, em razio da competéncia ser reservada, nada tendo a ver com hierarquia. “f ACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL No entanto, h4 casos em que, por disposigao expressa, ocorre uma competéncia concorrente ou comum para legislar, ou melhor, tanto a matéria poder ser tratada por lei federal quanto estadual(8). Nesse caso, por expressa referéncia constitucional (art. 24 § 4.°), as normas federais (centrais) quando publicadas prevalecerao sobre as parciais, suspendendo as fic as dessas dltimas na parte em que Ihes for contréria. Hé, portanto, hierarquia em matéria de competéncia legislativa concorrente, se se partir do principio de que a legislagao federal € reveladora de linhas essenciais ao estado federativo, devendo assim se sobrepor quando em conflito com outras de cardter regional. Mas reprise-se para evitar confusdo: quando se fala em sobreposigao hierérquica, deve-se deixar clara a orientagdo de competéncia concorrente, que significa potencialidade de dois ou mais entes federativos legislarem de maneira "valida" sobre determinado assunto. A legislagao federal, por exemplo, que se destina a dispor sobre assunto de interesse estritamente particularizado de um local especifico, nao se sobrepde a legislagao dese, pois, quanto a isso no h4 "concorréncia", mas, sim, exclusividade, in casu, dos municfpios para legislarem. Nesse caso, haveria inconstitucionalidade da lei federal, sendo, portanto, nula, © constituinte foi téenico: a lei central superveniente nao revoga a parcial nem a derroga no aspecto contraditorio; essa apenas perde a sua aplicabilidade, porque fica com sua eficdcia suspensa. Isso quer dizer, também, que sendo revogada a norma central pura simplesmente, a parcial recobra sua eficécia e passa outra ver. a incidir.(9) Entdo, em concluso répida, é licito afirmar a existéncia de uma hierarquia entre as normas centrais sobte as parciais, respeitados os limites de competéncia concorrente que se traduzem pela possibilidade de mais de um ente federativo legislar sobre determinado assunto, 2, HIERARQUIA DAS FONTES NO PLANO VERTICAL: A Carta Constitucional é o pilar do sistema juridico, estando contidos nela a estrutura da unidade politica, 0 alicerce da organizagao estatal, a formagao dos poderes piblicos(10), as garantias basicas os sustentéculos dos anseios sociais afirmados pelo constituinte, enquanto representante do povo, sendo por isso considerada a lei fundamental e suprema de um Estado(11), ¢, justamente por assim ser, resta evidente que, dentro da nogao hierérquica, “f ACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL nenhuma outra norma se mostra de maior relevancia a ponto de poder a ela se sobrepor validamente. Bem refere Ferdinand Lassalle que a Constituigao de um pais é a esséncia, a soma dos fatores reais do poder que rege esse pais(12). Por sua vez, com preciso José Afonso da Silva também, de forma explicita, alude a sua importincia na medida em que é a exteriorizagao de preceitos normativos fundamentais valorados pela comunidade: "certos modos de agir em sociedade transformam-se em condutas humanas valoradas historicamente e constituem-se em fundamento do existir comunitério, formando os elementos constitucionais do grupo social que 0 constituinte intui e revela como preceitos normativos fundamentais: a constituigao". E, em fungao disso, afirma mais adiante a sua preeminéncia enquanto lei fundamental ¢ suprema do Estado, sendo que toda a autoridade s6 nela encontra o fundamento e s6 ela confere poderes ¢ competéncias governamentais. Concluindo, afirma o ilustre jurista: "significa que a Constituigdo se coloca no vértice do sistema juridico do pafs, que se confere validade e que todos os poderes estatais slo legitimos na medida em que ela os reconhega e na proporgao por ela distribuidos. H enfim, a lei suprema do Estado, pois é nela que se encontram a propria estruturagéo deste e a organizagdo de seus 6rgios, € nela que se acham as normas fundamentais do Estado, e s6 nisso se notaré a sua superioridade em relagao as demais normas juridicas." (13) Dessa forma, tem-se que as demais regras juridicas so dispostas obedecendo ¢ complementando aos princfpios e as disposigdes que sio referidas na Carta Magna - os quais nao tém hierarquia entre si-(14) -, estabelecendo as balizas do Estado ¢ do sistema politico imposto. A preeminéncia hierérquica da Constituigao deriva de sua propria natureza, pois € ela o elemento principal ¢ de maior relevancia para o sistema juridico, estabelecendo os contomos das relagGes no Estado Democritico. A esséncia da Constituigao Nacional verifica- se pela sua prépria amplitude de garantias, fundamentos ¢ organizagao estatal, Assim, tem-se que, na estrutura piramidal imaginéria, a Constituigao Federal encontra- se no Apice, sendo que nenhuma fonte positiva teré maior forga que ela; todas estaro em grau de subordinagao, sendo ainda que, as que com ela conflitarem serio consideradas inconstitucionais, nao podendo, a priori ter seus efeitos como vilidos. 7? ACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL Mas, se se esta tratando de hierarquia, cabe indagar quais so as normas que se situam abaixo da Constituic¢io? Serao as Emendas Constitucionais? As Leis Ordindrias? Talvez as Leis Complementares? A doutrina diverge muito a respeito dessa resposta, no havendo até hoje um posicionamento claro ¢ undnime. Segundo nossa concepgao, que ndo se coaduna com grande parte do entendimento doutrinério, encontram-se no mesmo patamar, abaixo da Carta Magna, todas as fontes dispostas no art. 59, vale dizer: Emendas Constitucionais; Leis Complementares; Leis Ordinérias; Leis Delegadas; Medidas Provisérias; Decretos Legislativos; ¢, Resolugdes. E que, data venia, cada uma dessas fontes é destinada a uma finalidade diversa, nao se sobrepondo no mesmo plano de atuagao. Se nao detém identidade de fungdes, ou seja, se cada ‘uma atua em um campo diferente, como se pode falar em hierarquia entre elas, 0 que pressuporia a hegemonia de normas que atuam numa mesma érea? Note-se, verbi gratia, que a matéria restrita A Emenda Constitucional néo pode ser regulada por Lei Complementar, pois, essa nao alcanga a finalidade que expressamente 6 exclusiva daquela. A matéria que é resttita & Lei Complementar nao pode ser objeto de Lei Ordinaria, pois aquela é reservada... Cada regra tem um cardter auténomo e uma area de atuagdo, ndo se verificando possibilidade de escalonamento, superioridade, subordinagao: ‘uma nao se sobrepée a outra, exatamente por terem campos de atuagao diferentes. A essas fontes, que se consideram dispostas no mesmo patamar - sem hierarquia entre elas -, abaixo do dpice onde se encontra a Carta Federal, classificam-se como fontes primérias, pois somente Constituicao esto subordinadas. Entretanto, a doutrina e os tribunais, por vezes, tracam paralelo entre essas fontes positivas que induz, permissa venia, de maneira equivocada, uma hierarquia falsa existente entre elas, mormente em relagao a Lei Complementar ¢ Lei Ordinéria. que sustentam, praticamente com base na dificuldade de criagio de uma e outra regra (quorum), a diferenca hierdrquica entre elas. Tendo em vista que, para aprovacio de uma Lei Ordinéria, se necessita de maioria simples (metade mais um dos presentes na cs ACADEMIA BRASILEIRA DE » DIREITO PROCESSUAL CIVIL votagio), ao passo que, para aprovagio de uma Lei Complementar se torna indispensavel maioria absoluta (metade mais um de todos membros do Congresso Nacional), conferem a esta uma maior valoragao, isto 6, um maior patamar hierarquico que aquela. A iés, Pinto Ferreira, em seus Comentérios & Constituigao Brasileira de 1988, analisando o art. 69 da Carta Suprema, refere justamente este posicionamento: "A Lei Complementar ocupa uma posigio intercalar¢ intermedia no ordenamento juridico. Vale menos que a lei constitucional ¢ mais que a lei ordingria, (..) Na gradagio da ordem jurfdica, as leis complementares se situam entre as leis constitucionais e as ordinérias, Abaixo das leis constitucionais se situam as complementares; abaixo das leis complementares se colocam as ordinérias. Daf a posigdo intermedisria, intermédia ou intercalar das chamadas leis complementares. Tém, assim, as leis constitucionais, no sentido de gradagdo das normas jurfdicas, ‘uma superioridade evidente sobre as leis complementares, ¢ estas, por sua vez, sobre as leis ordindrias. A lei ordinaria, néo pode, destarte, revogar a lei complementar, sendo evidentemente nula toda lei ordinéria, ou parte dela que contrasta com a lei complementar. A maneira inversa, as leis complementares, por forga de sua posigio hierérquica, revogam as leis ordindrias, impondo-lhes homogeneidade ¢ integragao & sua letra e seu espirito."(15) professor Manoel Gongalves Ferreira Filho percorre essa mesma esteira(16), com a qual nao se concorda, dizendo: do se sustentar, portato, que @ loi complementar & um ‘ertium genus’ interposto, na hierarqin dos alos normativos, entre a lei ordinsra (eos atos que tém a mesma forga que esta - lei delegada e o decret-lei) © a Consttuigio (e suas emendas), Nao 656, porém, o argumento de autoridade que apéia essa tese: a propria ligica o fez. A Jei complementars6 pode ser aprovada por maioria qualificada, a maior absoluta, para que nio seja nunea, 0 fruto da vontade de uma minoria ocasionalmente em Condigdes de fazer prevalecer sua vor. Hissa maioria é assim um sinal certo da maior ponderagio que 0 consttuinte quis ver associnda a0 seu estabelecimento, Paralelamente, deve-se convir, nio quis 0 consituinte deixar ao sabor de uma decisio ocasional a desconstiuigao daquilo para cujo estabelecimento exigiu ponderagio especial. Aliés, 6 principio geral de Diresto que, ordinariamente, um ato 6 possa ser desfeito por outro que tenha obedecido & mesma forma.."(17) HA de se consignar que esse pensamento sobre a hicrarquia entre fontes primarias, v.g. Lei Ordindria ¢ Lei Complementar, por virtude da questo referente dificuldade de suas instituigdes (quorum) nao se limita A doutrina, podendo ser vislumbrado tal posicionamento em varios julgados. A propésito, o Superior Tribunal de Justiga mais de uma vez chancelou tal perspectiva, mencionando, a partir da verificagao de necessidade de tratar-se de Lei “f ACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL Complementar ou Ordinéria para regular determinada situagio (questio de competéncia de norma), a situagdo sob o foco da hierarquia, consignando que as "leis ordinérias so hicrarquicamente inferiores a uma lei complementar." (18) Tal concepgio nio nos parece acertada e gera perplexidade, mormente quando aplicada em determinados casos, tal como no Recurso Especial n.° 169.661/SP, oportunidade em que o Eminente Relator, Ministro José Delgado, acabou por consignar que por o art. 151 do CTN ter natureza de Lei Complementar, "exerce hierarquia sobre o poder geral de cautela outorgado ao juiz pelo Cédigo de Proceso Civil." Ora, com 0 devido respeito, entendimento nesse sentido levaria, em tiltimo caso, a se julgarem prejudicadas todas as normas de natureza processual, mesmo as de indole material ¢ de conotacao imprescindivel - como por exemplo 0 poder geral de cautela previsto no art. 798 do CPC(19), referido no acérdao -, frente a outras normas - como por exemplo o CTN -, somente pelo fato dessas serem de natureza legislativa Complementar. Tal situagdo, de fato, mostrar-se-ia perniciosa, sobretudo porque deixaria o jurisdicionado desprovido de atuagao processual efetiva contra matérias reguladas por tais, normas Complementares. Tolher, verbi gratia, o poder geral de cautela, deixando de deferir a medida acautelat6ria quando preenchidos os requisitos do fumus boni juris e o periculum in mora, com base na alegagao de ser ele fulcrado em uma Lei Ordindria, que nao pode ser deferido contra situagdes reguladas por Lei Complementar é concepgdo, data venia, inaceitavel, por gerar notével injustica ante as imimeras situagdes que a riqueza da vida pode oferecer. Tanto a doutrina quanto a jurisprudéncia acima referidas, salvo melhor jufzo, incorrem em inegavel equivoco, confundindo competéncia com hierarquia. O Professor Pinto Ferreira, ao mencionar que "a lei ordindria, nao pode, destarte, revogar a lei complementar” por virtude da hierarquia, deixa bem claro o engano neste sentido. Ora, a Lei Ordinaria ndo pode revogar Lei Complementar nao € por causa da hierarquia, mas sim, por causa da competéncia. Como poderia uma Lei Ordinéria estipular regras, v.g., sobre tributos, revogando legislacio em vigor, se ndo tem competéncia para regular a matéria? Também carece de razio nesse caso 0 mesmo mestre ao sustentar que "A maneira inversa, as leis complementares, por forga de sua posigo hierérquica, revogam as leis ordinarias", pois nao € por virtude da Lei Complementar ser superior & Ordinéria que ocorrerd a revogacao. Jamais terao elas o mesmo campo de atuagao: se a matéria é reservada & “f ACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL Lei Ordindria, nao terd espago a disposigao de norma Complementar para regular a questo, e, ainda que isto ocorresse, por qualquer contingéncia, a lei Complementar seria pelo princfpio da economia legislativa, considerada Lei Ordindria ¢ jamais Complementar, somente revogando as disposigdes anteriores por virtude do tempo (lex posterior derogat priori), nunca por razo da hierarquia, ‘As mesmas consideragSes cabem para o julgado acima referido do Egrégio Superior Tribunal de Justiga. Entre Lei Ordindria e Complementar nao hi disposigao hierérquica nenhuma, vez que cada uma é destinada a uma finalidade diversa, de forma a se verificar por imprépria a assertiva de escalonamento entre regras que nao dispdem modo de se apresentarem superiores entre si, jf que nao coadunam identidade de fungdes. Marcos Bemardes de Mello, em que pese perceba o campo especifico reservado a cada norma ¢ 0 fato de que a hierarquia pressupée superioridade de uma perante a outra no mesmo plano aplicvel, sustenta: "No caso da lei complementar, em razio de que se adotou o critério de indicagao do campo especifico reservado a cla, a sua hicrarquia relativamente & lei ordinéria somente existe quando se trata de matéria a ela reservada.” E, em seguida, acrescenta que: “dentro de sua reserva especifica, a lei complementar tem posigio de superioridade em relagdo & lei ordinéria e demais atos de natureza legislativa (leis delegadas, decretos leis, decretos legislativos, resolugdes, decretos, etc.)(20) Ora, se a matéria é de competéncia especifica de Lei Complementar, nao ha espago para as outras fontes e, por conseguinte, para a subordinagao dessas perante aquela, cis que sequer cabfveis sio para regular matéria reservada exclusivamente aquela. Qual seria pois, a hierarquia da Lei Complementar sobre a Lei Ordinéria, que sequer atua na matéria que 6 reservada somente a primeira José Souto Maior Borges tem o grande mérito de denunciar com propriedade o equivoco da concepcao da doutrina e da jurisprudéncia acima criticada: 0 quorum entre as Leis Ordindrias e Complementares é elemento indispensivel para a criagio da norma, para sua existéncia; sem quorum minimo a Lei Complementar nao nasce, nao passa a existir. Esté- se, portanto, no campo da existéncia, Para valoragao hierérquica de uma norma sobre a outta, nao se indaga a sua existéncia, mas to somente o plano de sua eficécia, vale dizer, sua capacidade de irradiar efeitos. Conforme bem explana o mestre, o quorum “nao acrescenta a cs ACADEMIA BRASILEIRA DE » DIREITO PROCESSUAL CIVIL lei complementar um ‘plus’ de eficdcia com relagao a lei ordinéria", o quorum "é requisito de existéncia ¢ nao de eficécia que, na sua auséncia, a lei complementar nao chegaré a existir enqueanto tal"(21), Outrossim, leciona com precisao ¢ clareza: ‘Nao se nega a procedéncia da afirmagao de que a lei ordinétia nao pode revogar Iei complementar. Todavia, partindo dessa afirmagio no é possivel extrair a conclusio pela superioridade formal da lei complementar porque a reeiproca é igualmente verdadeira: a lei complementar néo pode revogar a lei ordinéria. E nao o pode em virtude basicamente de dois argumentos: 1.”) os campos da lei complementar e da lei ordindria, em principio, nfo se interpenetram numa decorréncia da técnica constitucional de distribuigo ‘ratione materiae’ de competéncias legislativas. 2.°) a superveniéncia da lei complementar somente suspende ou paralisa a eficscia das leis ordinérias em casos excepcionais. (art. 18 § 1°, 19 § 2°)" Nao hé "preeminéncia" de eficécia entre Lei Ordinéria e Complementar. Hé diferenga de requisitos formais. Alis, os aspectos formais da Lei Complementar sao dois - a) expressa previsio constitucional a exigindo; e, b) quorum mifnimo para ser considerada existente, aspectos esses que, uma vez. no observados, ocasionam sua nao considerag4o como tal, gerando os efeitos daf decorrentes: declaragao de inconstitucionalidade ou aproveitamento da norma como Lei Ordinaria, caso possivel. No mesmo sentido, entre outros(22), Michel Temer bem refere que o fato de o constituinte ter requerido quorum qualificado & Lei Complementar, 6 demonstra que valorizou mais umas matérias reguladas por ela. "Nao hé hierarquia alguma entre a lei complementar ¢ a lei ordindria. O que h4 sio Ambitos materiais diversos atribuidos pela Constituigdo a cada qual destas espécies normativas."(23) Todas as fontes descritas no art. 59 da CF/88, denominadas fontes primérias, encontram-se, pois, com sua 4rea de atuagao definida, cada uma operando em um campo proprio. Por inexisténcia de subordinagéo ¢ supremacia, as Leis Ordinérias, as Leis Complementares, as Leis Delegadas, as Medidas Provisérias, as Emendas Constitucionais, os Decretos Legislativos, ¢ também as Resolugées nao possuem qualquer grau hierarquico entre si. Todas encontram-se apenas subordinadas & Constituigao, cs ACADEMIA BRASILEIRA DE » DIREITO PROCESSUAL CIVIL Mas, afora as fontes descritas no art. 59 da Constituigao, cabe indagar: e os tratados internacionais, omitidos deste rol sem prejuizo de serem fontes positivas, estio em que posigao hierérquica? A resposta j4 gerou muita controvérsia e, de fato, restou definida em mais de uma oportunidade pela Suprema Corte no sentido de que inexiste uma primazia do direito intemacional pablico sobre o direito positive intemno, muito menos sobre a Constituigao. Aliés, € posigao do STF, desde 1977, quando julgou o Recurso Extraordinério n.° 80.009 (em anilise da hierarquia da Convengao de Genebra sobre 0 Dec.-Lei 427/69), que 0 acordo internacional obriga os particulares e os tribunais, tendo, no ordenamento juridico interno, a mesma hierarquia de lei, podendo tanto revogar norma juridica interna, como também ser revogado por ela. Ao tratado, aplica-se o principio da especificidade e temporariedade das normas (art. 2, § 1.° da LICC), sendo considerado como lei interna. Aliés, constou do voto vencedor do Min. Cordeiro Guerra, nos autos desta ago: "...incorporagao dos tratados do direito positivo brasileiro, apés a aprovacao pelo 6r; competente, ¢ posterior promulge através da qual adquirem os acordos forga de lei. Nesta qualidade — valendo como leis ~ apés a sua recepgao ao direito interno — as normas do diteito internacional ou as disposigdes de tratados serao aplicadas pelos tribunais ‘com a mesma extensio e obrigatoriedade proprias & aplicagao do direito interno.’ " A propésito, o STF, recentemente, ratificou dito posicionamento: “Tratados e convengdes internacionais — tendo-se presente o sistema jurfdico existente no Brasil ( RTJ 83/809) — guardam estrita relagao de paridade normativa com as leis ordinétias editadas pelo Estado Brasileiro. A normatividade emergente dos tratados internacionais, dentro do sistema jurfdico brasileiro, permite situar esses atos de direito internacional pablico, no que concerne 2 hierarquia das fontes, no ‘mesmo plano e no mesmo grau de eficécia em que se posicionam as leis internas do Brasil. A eventual precedéncia dos atos intemacionais sobre as _normas infraconstitucionais de direito interno brasileiro somente ocorrerd — presente © contexto de eventual situagio de antinomia com o ordenamento doméstico — nio em virtude uma inexistente primazia hierérquica, mas sempre, em face da aplicagio do critério cronol6gico (lex posterior derogat priori) ou, quando cabivel, do critério da especialidade.(24) Na realidade, os tratados, quando ratificados ¢ publicados, passam a deter a mesma forma da lei necesséria a regular a matéria a que se destina, Por serem considerados como lei “f ACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL interna sem maiores consideragdes, esto sujeitos ao principio cronolégico, podendo ser revogados por norma interna posterior em sentido contrério, sem prejuizo da responsabilidade imternacional do Estado pela revogagao unilateral do que acordado, Nio existe, portanto, qualquer hierarquia deles frente as demais fontes elencadas no art. 59 da Carta Politica: encontram-se em mesmo grau hierérquico delas, abaixo da Constituicdo, sendo também considerados fonte priméria, Seguindo a ordem escalonada, abaixo dessas fontes primérias antes referidas, logo abaixo da Constitui io, tém-se na estrutura piramidal as fontes secundérias que sio os dectetos regulamentares, portarias, instrugdes normativas, convénios, enfim, atos da administragao piiblica (25), editados para complementar aquela . as primarias, ‘As fontes formais secundérias so aquelas que contém um comando geral do Executivo, visando & correta aplicagio da lei. Como lembra Hely Lopes Meirelles(26), 0 objetivo imediato de tais atos é explicitar a norma legal a ser observada pela administragao ¢ pelos administrados, expressando em mimicia o mandamento abstrato da lei. Nao so leis em sentido formal, mas to s6 no material, j4 que proveniente do executivo. Por assim serem, constituem espécies hicrarquicamente inferiores(27) As primétias, criadas para complementé-las, sendo inexoravelmente vinculadas ¢ subordinadas, nao podendo criar obrigagdes ou 6nus nao previstos nessas, pois, se assim o fizessem, estariam no mesmo patamar delas, o que levaria a concluir que caberia & administracao publica substituir © legislativo, o que nao é aceitével.(28) Cumpre destacar que as fontes secundérias néo possuem uma relagdo direta de subordinacao a Constituigao, mas tao s6 as fontes primérias, razdo pela qual, quando dispondo de questao afrontosa ou contréria 4 Carta Magna nao podem ser declaradas inconstitucionais. Ora, se essas nascem para complementar as fontes primérias, se existe inconstitucionalidade, hé de ser nessas ¢ nao naquelas que sé meros "acessérios": séo passiveis de ataque por inconstitucionalidade nao as instrugdes_normativas, as portarias, enfim, os atos regulamentares, mas, sim, as fontes primérias para as quais as fontes secundérias se dispSem. wy ACADEMIA BRASILEIRA DE © DIREITO PROCESSUAL CIVIL lids, bem esclareceu a questdo o Supremo Tribunal Federal no julgamento do Agravo Regimental em Acao Direta de Inconstitucionalidade n.° 365/DF, que teve como Relator o Min. Celso Mello, in verbis (29) "As instrugSes_normativas, editadas por érgio competente da administragio ‘wibutéria, constituem espécies juridicas de cariter secundério, cuja validade & eficicia resultam, imediatamente, de sua estrita observincia dos limites impostos pelas leis, tratados, convengGes internacionais, ou decretos presidenciais de que devem constituir normas complementares. Essas instrugdes nada mais sto, em sua configuragio, jurfdico-formal, do que provimentos executives cuja normatividade esté diretamente subordinada aos atos de natureza priméria, como as leis e as medidas provisérias, a que se vinculam por um claro nexo de acessoriedade & dependéncia.” (30) Pode ocorrer, no entanto, de a fonte priméria nao ser inconstitucional, mas a secundaria demonstrar-se profundamente afrontosa 4 Constituigéo Federal, situagao em que deve ser entendido que a fonte secundéria é, na verdade, ilegal e nao inconstitucional, pois se a fonte da qual deriva (priméria) e é dependente nao é, ela que é mero acessério nao pode ser; no méximo, seré ilegal por decorrer de mé interpretagao daquela. A propésito, nesse sentido, também definiu com preciséo 0 Supremo: "Se a instrugio normativa, em decorréncia de mé interpretagdo das leis e de outras, espécies de cariter equivalente, vem a positivar uma exegese apla a romper a hierarquia normativa que deve observar em face desses atos estatais primérios, 20s quais se acha vinculada por um claro nexo de acessoriedade, viciar-se-4 de ilegalidade — ¢ nio de inconstitucionalidade -, impedindo, em conseqiiéncia, a utilizagio do mecanismo processual da fisealizagio normativa abstrata, Precedentes: RTT 113/69- RTJ 134/559. O eventual extravasamento, pelo ato regulamentar, dos limites a que se acha materialmente vinculado poder configurar insubordinagio administrativa aos comandos da lei. Mesmo que desse vinculo jurfdico resulte, num desdobramento ulterior, uma potencial vielagio da Carta Magna, ainda assim estar- se-4/em face de uma situaglo e inconstitucionalidade meramente reflexa ou obliqua, ccuja apreciagio nao se revela possivel em sede jurisdicional concentrada.” (31) As fontes secundérias estdo, assim, claramente subordinadas as primérias; melhor dizendo, s40 criadas no interesse ¢ para 0 acessoramento dessas que ficam logo em um patamar de superioridade ACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL Estd-se aqui estipulando a superioridade das fontes primérias sobre as secundérias no mesmo plano, vale dizer, 0 da eficdcia, que € 0 que, de fato, se apresenta como critério coerente para fixar a hierarquia. Nestes termos € que, entdo, se vislumbra a disposigao hierérquica das fontes positivas no ordenamento patrio, revelando sua anélise, a importéncia do tema e, principalmente, sua relevincia na vida juridica pratica, BIBLIOGRAFIA: ALMEIDA, Elizabeth Accioly Pinto de. O Destino do Mercosul: Mercado Comum ou Zona de Livre Comércio, Revista Juridica da UEPG, Ponta Grossa, ano I, vol. I. p. 33, 1997 ARAUJO, Luiz Alberto David. Curso de Direito Constitucional. 4*. Ed. Sao Paulo: Saraiva, 2001. ARAUJO, Luis Ivani de Amorim, Curso de Direito Internacional Piblico. 7, ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992. BARROS, Humberto Gomes de. Sistema de Recursos Civeis do STJ. Revista Juridica, Porto Alegre, Notadez, n. 207, p. 5-18, jan., 1995 BORGES, José Souto Maior. Eficacia e hierarquia da lei complementar. Sio Paulo: Revista dos Tribunais. EDUC, 1975. Lei Complementar Tributéria. Sio Paulo: Revista dos Tribunais, EDUC, 1975. BUEHLER, Ottmar. Principios de Derecho internacional Tributario. Madrid: Derecho Financeiro, 1968. CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1993. CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado. Rio de Janeiro: Forense, 1997. ACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributario. 6* ed. Sao Paulo: Saraiva, 1993, COELHO, Sacha Calmon Navarro. Comentarios a Constituigao de 1988: Sistema Tributdrio. 7*. ed. Si Paulo: Forense, 1998. CRETELLA Jiinior, José. Comentarios Constituicéo Brasileira de 1988. vol. I. Rio de Janeiro: Forense Universitéria, 1992 FERREIRA FILHO, Manoel Gongalves. Curso de direito Constitucional. 2°. ed. Sao Paulo, 1971 Do processo Legislativo. 3°. ed. Sio Paulo: Saraiva. 1995. FERREIRA, Pinto. Comentarios 4 Constituigao Brasileira. vol. III, Sao Paulo: Saraiva, 1992. FILIPPI, Rejane Brasil. Conflite entre Tratado Internacional e Lei Interna posterior no tempo. Revista da Ajuris. Porto Alegre, n, 34, p. 226-235, jul., 1985, KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradugio Joi Baptista Machado. 6a. ed. Sao Paulo: Martins Fontes, 1998. LASSALLE, Ferdinand. Que es uma Cosntituicién? Siglo Veinte, 1946. idugao W. Roces. Buenos Aires LLOYD, Dennis. A idéia de lei. Traducéo Alvaro Cabral. 1°. ed. Sao Paulo: Martins Fontes. 1985, MACHADO, Hugo de Brito. Isengées tributarias no Mercosul. Revista IOB, caderno I, n. 1, p. 269-279, jun., 1997 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 16", ed. Sa Paulo: Malheiros, 1993. MELLO, Marcos Bernardes de. A lei complementar sob a perspectiva da validade. 2°. ed. Sio Paulo. ACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL MELO, José Eduardo Soares, Curso de Direito Tributario, Sao Paulo: Dialética, 1997. MIRANDA, Pontes de. Comentarios ao cédigo de processo civil. 2°, ed. Rio de Janeiro: [sn], t. 9, 1969. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. Sio Paulo: Atlas, 2001 MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituigao. Coimbra: Coimbra Editora, 1991 REALE, Miguel. Ligoes Preliminares de Direito. 23°. ed. Sao Paulo: Saraiva, 1996. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positive. 9°. ed. Sio Paulo: Malheiros, 1994. SILVA, Ovidio Baptista da. Ago cautelar inominada no direito brasileiro. 1*. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. SOARES, Guido Fernando Silva. Common Law Introducio ao Direito nos EUA, 1°. ed., So Paulo: RT, 1999, TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 17* ed. Sao Paulo: Malheiros, 2001. 1-Mesmo na common law cresce dia a dia a influéncia do processo legislative impondo-se, progressivamente, o primado da lei, conforme bem adverte Miguel Reale (Ligdes preliminares de direito. 23. ed. Sao Paulo: Saraiva, 1996, p. 153) Sobre a influéncia das fontes positivas na commom law, Guido Fernando Silva Soares leciona sobre o Statute Law, dircito nao criado pelo juiz, mas sim pelo Legislador, pelo Executivo, ou pelo Judiciério (como 0 Code of Procedure Civil), enquanto drgaos legiferantes, nos Estados Unidos, também referindo as alteragdes do sistema da Inglaterra em razao da sua participagao na Comunidade Européia, em que existe um direito escrito elaborado supranacional, nao mais existindo uma Commom Law pura, (Comom Law Introduco ao Direito nos EUA. 1. ed. Sao Paulo: RT, 1999, p. 37 e segs.) 2-Lloyd, Dennis. A idéia de lei. Tradugao Alvaro Cabral. 1. ed. Sao Paulo: Martins Fontes. 1985, p. 291. 3-Lloyd, op. cit. p. 291 4-Hans Kelsen com precisao refere: -A ordem jurfdica nao & um sistema de normas juridicas ordenadas no mesmo plano, situadas umas ao lado das outras, mas é uma construgio escalonada de diferentes camadas ou niveis de normas juridicas. A sua unidade é produto da og ACADEMIA BRASILEIRA DE » DIREITO PROCESSUAL CIVIL conexio de dependéncia que resulta do fato de a validade de uma norma, que foi produzida, de acordo com outra norma, se apoiar sobre essa outra norma, cuja produgao por sua ver, é determinada por outra; e assim por diante, até abicar finalmente na norma fundamental - pressuposta. A norma fundamental - hipotética, nestes termos, é, portanto, o fundamento de validade tiltimo que constitui a unidade desta interconexao criadora.~ (Teoria pura do direito. Tradugio Joio Baptista Machado. 6. ed. Sao Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 247) 5-Coelho, Sacha Calmon Navaro. Comentarios & constituigdo de 1988, Sistema tributério. 7 ed. Sao Paulo: Forense, 1998. p. 115. 6-J4 decidiu o STF a respeito de invasdo de competéncia e inconstitucionalidade: Habilitagao para dirigir veiculo automotor a menores de dezoito anos Inconstitucionalidade de Lei Estadual, por invaséo da competéncia legislativa da Unido (art. 22, XI, da Constituigao Federal). Precedentes do Supremo Tribunal. Acdo direta julgada procedente. (STF ADI 474 RJ TP Rel. Min. Octivio Gallotti DJU 03.05.1996) 7-Leciona Humberto Gomes de Barros: O Brasil - todos 0 sabemos - é uma federacio. Isto significa: no Estado brasileiro convivem tés planos de competéncia nommativa (legislativa) executiva (administrativa), Com efeito, vivemos sob o império de leis municipais, estaduais federais. E necessario, porém, que as regras provenientes destas trés origens se mantenham em harmonia, Do contririo, verfamos instalado 0 caos. Para que isto acontega, instituiu-se 0 sistema de reserva de competéncia: cada uma das entidades estaduais baixa leis sob determinada matéria. Assim, reservou-se ao Municfpio, competéncia para legislar sobre o imposto predial urbano; ao Estado, para tibutar operagdes de circulagao de mercadorias; & Unido, para instituir o imposto de renda. Esta distribuigao de competéncia fixa limites rigidos, insuscetiveis de ultrapassagem. Scr4 nula qualquer lei promulgada com invaséo de competéncia. De nada valeré uma norma emanada da Camara dos Vereadores, fixando alfquotas para o imposto sobre a renda gerada no municipio. Em contrapartida, serd nula lei federal instituindo isengGes relativas ao imposto territorial urbano. Outro fator de harmonia é a coeréncia na interpretagao do Direito. (Sistema de Recursos Civeis do STJ. Revista Juridica, Porto Alegre, Notadez, n. 207, p. 5-18, jan., 1995.). 8-Alexandre de Moraes refere com perspicécia: A inércia da Unido em regular as matérias constantes no art. 24 da Constituigao Federal nao impediré ao Estado-membro ou ao Distrito Federal a regulamentacao da disciplina constitucional (competéncia supletiva). Note-se que, em virtude da auséncia de Lei Federal, o Estado-membro ou o Distrito Federal adquirirao competéncia plena tanto para a edi¢o de normas de cardter geral quanto especifico. Em relagio a inércia legislativa da Unido, em sede de competéncia concorrente, decidiu 0 STF que enquanto nao sobrevier a legislagao de carter nacional, é de admitir a existéncia de um espago aberto & livre atuagao normativa do Estado-membro, do que decorre a legitimidade do exercicio, por essa unidade federada, da faculdade juridica que lhe outorga o art. 24 § 3°, da Carta Politica. ( STF Pleno ADin. n.° 903-6/MG medida liminar Rel. Min. Celso Mello, Diario da Justiga, Segao 1, 24 out. 1997, p, 54.155).(Direito Constitucional. Sao Paulo; Atlas, 2001, p. 288) 9- SILVA, José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positive. 9. ed. Sao Paulo: Malheiros, 1994, p. 441. 10-Canotilho, J.J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1993. p. 54. 11-MOREIRA, Vital. Fundamentos da constituigéo. Coimbra: Coimbra Editora, 1991, p. 41 ACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL 12-Lassalle, Ferdinand. Que es uma cosntituicién? Trad. W. Roces. Buenos Aires, Ed. Siglo Veinte, 1946, 13- SILVA, op. cit. p. 47. 14-Ainda que dentro da Constituiggo Federal existam normas que pela sua importéncia disposi¢ao se apresentam num grau axiolégico superior a outras (devendo isso ser relevado para fim de interpretagio da Carta), isto nao quer dizer que essas sejam inconstitucionais, muito menos sob a perspectiva da hierarquia das fontes, que entre elas sequer se verifica, ainda que levando a questo para a ceara das cléusulas pétreas, O STF ja decidiu: Agao direita de inconstitucionalidade. Parégrafos 1.° e 2.° do art. 45 da Constituicio Federal. A tese de que ha hierarquia entre normas constitucionais origindrias dando azo a declaragio de inconstitucionalidade de uma em face de outras € incompossivel com o sistema da constituigfo rigida. Na atual Carta Magna compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituigo (art. 102, caput), 0 que implica dizer que essa jurisdigao Ihe é atribufda para impedir que se desrespeite a Constitui¢do como um todo, ¢ nado para, com relagio a ela, exercer o papel de fiscal do Poder Constituinte originatio, a fim de verificar se este teria, ou ndo, violado os principios de direito suprapositivo que ele proprio havia inclufdo no texto da mesma Constitui¢éo. Por outro lado, as cléusulas pétreas nao podem ser invocadas para sustentaco da tese da inconstitucionalidade de normas superiores, porquanto a Constituigao as prevé apenas como limites ao Poder Constituinte derivado ao rever ou ao emendar a Constituicao elaborada pelo Poder Constituinte originario, e nao como abarcando normas cuja observancia se imp6s ao proprio Poder Constituinte originério com relagdo as outras que nao sejam consideradas como cléusulas pétreas e, portanto, possam ser emendadas. Agao nao conhecida por impossibilidade juridica do pedido. (STF Pleno - ADin 815/DF, Rel. Min, Moreira Alves, Didtio da Justiga, 10.05.1996, pp. 15131.) 15-FERREIRA, Pinto, Comentitios & constituigao brasileira. Sao Paulo: Editora Saraiva, vol. IIL, 1992, p. 382. 16-No mesmo sentido ainda: CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributario. Si Paulo: Saraiva. 1993. p. 46-47 ¢ 133-134. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. Sao Paulo: Atlas, 2001, p. 533 17-FERREIRA FILHO, Manoel Gongalves. Do processo Legislative. 3. ed. S40 Paulo: Saraiva. 1995, p. 236. 18-STJ, 1a. Turma: REsp 232.842/CE, Min. José Delgado. 16.11.1999, 19-A respeito do poder geral de cautela enquanto direito material vide: Miranda, Pontes de. Comentarios ao cédigo de processo civil (de 1939), 2.ed. Rio de Janeiro: (s.n.], 1969, t. 9, p. 373, SILVA, Ovidio Baptista da. Agao cautelar inominada no direito brasileiro, 1.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 158. 20-MELLO, Marcos Bernardes de. A lei complementar sob a perspectiva da validade. 2.¢d. Sao Paulo, p. 60. 21-BORGES, José Souto Maior. Eficécia e hierarquia da lei complementar. Séo Paulo: RT. EDUC, 1975, p. 102. ACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL 22-Melo, José Eduardo Soares. Curso de Direito Tributério. Sio Paulo: Dialética, 1997, p.103; Aratijo, Luiz Alberto David. Curso de Direito Constitucional. 4. Sao Paulo: Saraiva, 2001, p. 296. ER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 17 ed. Sdo Paulo: Malheiros, 2001, 24-STF, Pleno, EXT 662/PU, Relator Min. Celso de Mello, DJ 30.05.1997, p. 23716. 25-Paulo de Barros Carvalho ressalva: Os instrumentos secundérios so todos os atos normativos que estio subordinados a lei. Nao obrigam os particulares e, quanto aos funcionérios piiblicos, devem-lhe obediéncia nao propriamente em vista de seu contetido, mas por obra da lei que determina sejam observado os mandamentos superiores da Administragio.(Curso de direito tributério, 6.ed. Sao Paulo: Saraiva, 1993, p. 58) 26- Meirelles, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 20. ed. S40 Paulo: Malhciros, 1995, p. 160. 27-STJ, 2a. Turma: Tributério. Convénios. Natureza. Os convénios so normas complementares das leis (CTN, art. 100, IV), hierarquicamente inferiores a estas, de modo que sua violagio nao autoriza 0 Recurso Especial; 0 Convénio n.° 66 de 1968, tem situagao peculiar porque fundado no art. 34 § 8.°, do ADCT, tem forga de Lei até que seja editada a Lei complementar ali prevista. Agravo Regimental Improvido. (AG 86.637/SP. Rel. Min. Ari Pargendler, 06.12.1995). 28- STJ, 6a. Turma, REsp 46.501/PR, Rel. Min. Adhemar Maciel, 31.05.1994 29-STF, Pleno, AGRADI 531/DF, julg. 11.11.1991 30-Neste mesmo sentido ainda: Agio direta de inconstitucionalidade Dispositives dos provimentos n°s. 08/95-CGJ, 34/95-CGJ E 39/95-CGI da corregedoria-geral da justica do Tribunal de Justiga do Estado do Rio Grande do Sul Pedido de liminar Esta Corte ja firmou o entendimento de que sé é cabivel ago direta de inconstitucionalidade para verificar-se se hé ofensa ao principio constitucional da reserva legal ou de invasdo de competéncia legislativa de um dos membros da Federacao, quando o ato normativo impugnado é auténome, ou seja, alo normative que nao vise a regulamentar lei ou que nao se bascie nela, pois, caso contratio, a questo se situa primariamente no ambito legal, ndo dando ensejo ao conhecimento da acao direta de inconstitucionalidade. (STF ADIMC 1.383 RS T-P Rel. Min. Moreira Alves DJU 18.10.1996) 31- STF, Pleno, ADIMC 1347/DE, Rel. Min, Celso de Mello, DJ 01.12.95, p. 41685.

Você também pode gostar