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Complexo Juridico ® CURSO DO PROF. DAMASIO A DISTANCIA MODULO I DIREITO PENAL Da Aplicagao da Lei Penal Rua da Gloria, n. 195 —Liberdade ~ So Paulo ~ SP — Cep: 01510-001 Tel./ Fax: (11) 3164.6624 — www.damasio.com.br DIREITO PENAL Da Aplicagao da Lei Penal Prof. André Estefam 1. PRINCIPIO DA LEGALIDADE 4-1. Introdugao Art. 1.° Néo hé crime sem lei anterior que o defina. Nao hé pena sem prévia cominagiio legal. Esté previsto no art. 5.°, XXXIX, CF/e art. 1.2, CP, a partir dos quais (nullum crimen, nulla poena, sine previa lege) podemos destacar os seguintes aspectos reltivos a0 principio da legalidade: a) Aspecto politico ~ 0 principio da legalidade, no campo penal, corrésponde a uma aspiragdo bésica e fundamental do homem, qual seja, a'de ter uma protegdo contra qualquer forma de tirania e arbitrio dos detentores do exercicio do poder, capaz de Ihe garantir a convivéncia em sociedade, sem o risco de ter a sua liberdade cerceada pelo Estado, a nao ser nas hipéteses previamente estabelecidas em regras gerais, abstratas e impessoais. b) Aspecto histérico — surgiu pela primeira vez na Magna Charta Libertatum, Documento de cunho liberatério, imposto pelos bardes ingleses ao rei Joio Sem Terra, em 1215, cujo art. 39 dizia que nenbum homem livre poderia ser submetido a pena ndo prevista em lei local. Tal principio foi traduzido na conhecida formula em latim nullumcrimem, nulla’ poena sine praevia lege, por Feuerbach, considerado 0 pai do Direito Penal moderno. ©) Aspecto juridico — somente havera crime quando existir perfeita correspondéncia entre a conduta praticada e a previsio legal. Sendo assim, torna-se impossivel sua existéncia sem lei que o descreva. Segundo a teoria de Binding, as normas penais incriminadoras nao so proibitivas, mas sim descritivas, portanto, quem pratica um crime nao age contra a lei, mas de acordo com esta. principio da legalidade, apesar de ser tratado como sinénimo de reserva legal por alguns autores, com este nao se confunde. O principio da legalidade € mais amplo, abrangendo a reserva legal (ndo hd crime sem lei, nem pena sem cominacéo legal) e a anterioridade (ndo hd crime sem lei anterior, nem pena sem prévia cominagdo legal). Sendo assim podemos estudar tais principios separadamente, Observagdo: as sangdes penais desdobram-se em penas e medidas de seguranga. O tipo penal e a Constitui¢ao Federal mencionam somente as penas, contudo, as medidas de seguranga, embora tenham fungo essencialmente preventiva, possuem cardter aflitivo, pelo que, diante da inexisténcia de norma expressa a respeito, sujeitam-se ao principio da reserva legal ¢ da anterioridade, ao contrério do que dispunha o art. 75 da antiga parte geral do CP. 1.1.1. Principio da Reserva Legal Nao hé crime sem lei que o defina, nem pena sem cominagao legal. Somente a lei pode descrever crimes e cominar penas. Podemos estudar o principio da reserva legal sob dois aspectos: a) Formal + Reserva absoluta da lei (lege scripta): somente a lei no sentido estrito da palavra, emanada e aprovada pelo-»Poder Legislative, por meio de procedimento adequado, poderé criar tipos e impor penas. A medida provis6ria, embora tenha forga de lei, ndo ¢ lei, pois nao nasce no Poder Legislativo, logo, nao pode veicular matéria penal. A Constituigao Federal veda.a adocao de medida proviséria sobre matéria relativa a Direito Penal (art. 62, § 1°, inciso I, alinea “b”). Lei delegada também ndo pode abordar matéria penal, uma vez que o art. 68, § 1.%, inciso, Il, da Constituigéo Federal, determina que nao serdo objeto de delegaedo as matérias referentes a direitos individuais. + Taxatividade (lege certa): refere-se A necessidade da lei descrever o crime em todos os seus pormenores. A descticfo da conduta criminosa deve ser detalhada e especifica. A lei no pode conter express6es vagas e de sentido equivoco, uma vez que formulas excessivamente genéricas criam inseguranca no meio social, pois daowao juiz larga e perigosa margem de discricionariedade. Essa proibigao, entretanto, nao alcanga os crimes culposos, pois seria impossivel ao legislador pormenorizar todas as condutas humanas ensejadoras da composigao tipica. Por isso, os tipos culposos so denominados tipos abertos ¢ excepcionam a regra da descri¢Zo pormenorizada (quase todos 08 tipos dolosos sio fechados), + Vedagao ao emprego da analogia (lege stricta): o principio da reserva legal proibe o emprego da analogia em matéria de norma penal incriminadora. Essa & a analogia in malam partem. Nao é vedado, entretanto, o uso da analogia in bonam partem, pois favorece o direito de liberdade, seja com a exclusiio da criminalidade, seja pelo tratamento mais favoravel ao réu. b) Material © tipo penal exerce também uma fungdo seletiva, pois & por meio dele que legislador seleciona, entre todas as condutas humanas, as mais perniciosas 4 sociedade, Em um tipo penal nfo podem constar condutas positivas que nao representam qualquer ameaga a sociedade. Suponhamos, por exemplo, que fosse criado 0 seguinte tipo penal: sorrir abertamente, em momentos de felicidade — pena de seis meses a um ano de detengao. No exemplo, estariam preenchidas todas as garantias do princfpio da reserva legal. Esse tipo, entretanto, é inconstitucional, pois materialmente, a conduta incriminada nao apresenta qualquer ameaga a sociedade. Nesses casos, 0 Poder Judicidrio deve exercer controle de contetido do tipo penal, expurgando do ordenamento juridico leis que descrevam como crimes fatos que n&o séjam/materialmente nocivos a sociedade. O exercicio deste controle pressupde a aplicagao de trés principios: + Adequagao social: de acordo com este principio, ndo:podem ser considerados criminosos fatos socialmente adequados, condutas aprovadas pela coletividade (exemplo: jogo do bicho, jogador de fixtebol que,machuca 0 adversério). Existem alguns obstaculos 4 aplicag’io desse principio: = costume néo revoga lei: somente a lei revoga outra lei. Admitir a aplicagdo desse principio seria aceitar que costume revoga lei; = _nfio cabe ao Poder Judiciério avocar a fungao tipica do Poder Legislative. + Insignificdncia: aplica-se ads chamados “delitos de bagatela”. Assenta-se no brocardo de minimis non curat praetor ¢ na conveniéneia da politica criminal. tipo penal cuida do bem juridico ¢ da protego do cidadao, assim, se o delito for incapaz de ofender o bem juridico, no haveré como enquadré-lo no tipo. O principio. da insignificdncia ndo deve ser confundido com o principio da adequacao social, pois um fato pode ser insignificante, em face de sua escassa lesividade, mas ser inadequado a sociedade, Aten¢do: esse principio nao deve ser adotado nos concursos de ingresso a carreira do Ministério Piblico, pois sendo este fiscal da lei, posiciona-se no sentido de que uma vez praticada a infragdo penal, mister se faz 0 cumprimento da lei. Cumpre observar, no entanto, que se a infrago for de menor potencial ofensivo, deve incidir a Lei n. 9.099/95 — Lei dos Juizados Especiais Criminais. + Alteridade ou transcendentalidade: nio podem ser punidas condutas no exteriorizadas, que nao lesionam outras pessoas, ou seja, que no transcendam a figura do infrator. Exemplos: tentativa de suicidio, Pergunta: a Lei n. 11.343/06, no art. 33 fere o principio da alteridade, ja que 0 usuario de drogas faz mal a ele mesmo? A resposta é negativa. Isto porque, para a lei, 0 simples uso da droga nao é proibido. Proibido é o porte para o uso (é a detengdo da substncia entorpecente), que gera um perigo social. Quer-se evitar a circulagdo da droga 5 na sociedade. Sendo assim, existe transcendentalidade na conduta do art. 33, porque fere o bem juridico tutelado, que é a satide publica. 1.1.2. Principio da Anterioridade (Lege praevia) Nao hé crime sem lei “anterior” que o defina, nem pena sem prévia cominago legal. A lei que descreve um crime deve ser anterior ao fato incriminado. A irretroatividade da lei é uma consequéncia I6gica da anterioridade. A lei penal s6 poderd alcangar fatos anteriores para beneficiar o réu. 2. IRRETROATIVIDADE 2.1. Art. 2.°, caput, do CP’ Ninguém pode:ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execucdo e os efeitos penais da sentenca condenatoria. Lei que revoga um tipo incriminador extingue o direito de punir (abolitio criminis). Assim, a consequéncia da abolitio criminis & a extingao da punibilidade do agente (art. 107, inciso IIT, do Cédigo Penal). Por beneficiar o agente, a abolitio criminis alcanga fatos anteriores, devendo ser aplicada pelo juiz do processo, se antes do seu término, o que leva ao afastamento de quaisquer efeitos da sentenga. No caso de ja existir condenacdo transitada ém julgado, a abolitio criminis causa os seguintes efeitos: a extingdo imediata de todos os efeitos penais, principais e secundarios, (ex.: a libertagaio imediata'do condenado, ndo serd considerado reincidente, retirada do nome’no rol:dos culpados efc.). Os efeitos extrapenais, contudo, subsistem como a perda de cargo ptiblico, perda de poder familiar, perda da habilitago, confisco dos instrumentos do crime ete. A competéncia para a aplicagao da abolitio criminis apés o transito em julgado do Juizo da execugdo (Simula n. 611 do Supremo Tribunal Federal: “transitada em julgado a sentenga condenatéria, compete ao Juizo das execugdes a aplicagdo da lei mais benigna”). 2.2, Art. 2.°, paragrafo unico, do CP A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentenga condenatéria transitada em julgado. A Constituigo Federal, em seu art. 5.°, inciso XL, dispde que a lei penal s6 retroagiré para beneficiar 0 acusado. Assim, em regra, a lei penal ndo pode retroagir, exceto quando beneficiar o agente. 6 2.3. Lei Processual Nos termos do art. 2.° do Cédigo de Proceso Penal, a lei processual tem incidéncia imediata sobre todos os processos em andamento, pouco importando se o crime foi cometido antes ou apés sua entrada em vigor, e se a inovagdo € ou no mais benéfica. Faz-se assim indispensdvel distinguir a lei processual penal e a lei penal. Vejamos: a) Lei processual penal — é aquela cujos efeitos repercutem diretamente no processo, ndo tendo qualquer relag4o com o direito de punir. Ex.: leis proibitivas de liberdade proviséria, prisdo temporéria etc. b) Lei penal — se relaciona,com 6 diréité"deypunir do Estado, criando, ampliando, reduzindo ou extinguindo o jus puniendi estatal. Podemos citar como exemplo de normas penais.as leis incriminadoras, as referentes a causas extintivas da punibilidade, proibitivas de anistia, graca ou indulto, normas relativas a prazo prescricional ou decadencial, notinas telativas ao cumprimento da pena, proibindo a progressiio de regime, a sangdo de perempoa0. Tratando-se de normas processtiais aplica-se 0 brocado tempus regit actum. Sendo assim, se 0 sujeito comete um crime enquanto a lei permite a concessao de liberdade provisoria e, durante o proceso sobrevém outra norma proibindo a coneéssio, esta nova lei serd aplicada ao caso, mesmo sendo prejudicial, j4 que se trata de lei processual penal. Observagdo: normas que tratam de execugio ‘da pena, (exemplo: proibem a progressio de. regime, dificultam a obtengao do livramento condicional ou o sursis, permitem ou vedam a substituigéo da pena privativa de liberdade etc.), tém inequivocamente natureza penal, jé que afetam a satisfagdo do direito de punir, tornando- © mais ou menos intenso, Nao se trata'de regras que disciplinam procedimentos ou estabelecem ritos, mas que influenciam diretamente na satisfapao do direito de punir do Estado. 2.4. Normas Mistas So as normas hibridas, regras que contém elementos de natureza material e processual (ex.: art. 366, CPP, em que a regra suspensiva do processo ¢ processual, ¢ a suspensiva da prescrigo é material). No caso deste dispositivo, uns dizem que, em relagdo aos processos em andamento, aplica-se imediatamente a parte processual ¢ no a parte penal, jd que prejudicial. Entretanto, nao é possivel dividir a lei em duas partes, pois deve-se aplicar a lei como um todo ou nao aplicé-la (essa é a posigio do STF). Assim, a parte penal da norma deve prevalecer, aplicando-se os principios a ela inerentes. Como neste caso a parte penal é prejudicial ao réu, toda a norma ndo retroagira (art. 5.°, XL, CF). A Unica, porém, relevante diferenga da norma penal para a hibrida & que esta nunca afeta a coisa julgada, mesmo se aplicando a retroatividade segundo as regras do Direito Material’. 2.4. Vigéncia da L ‘Vigéncia corresponde ao periodo de existéncia da norma, Uma vez vigente, a lei s6 deixa de produzir efeitos se outra a modificar ou revogar (art. 2.8, LICC). A revogagao pode ser expressa (quando a lei posterior contém dispositivo determinando sua revogagao), ou tacita (quando ha incompatibilidade logica com a lei anterior ou quando.a nova’ regular inteiramente a matéria tratada pela lei anterior). © fendmeno juridico pelo qual a lei penal regula todas. as situagdes ocorridas durante seu periodo de vigéncia, chama-se atividade, que € regra..Quando a lei regular situagdes fora do seu periodo de vigéncia (situagdes passadas ou futuras), ela sera extra- ativa, que € a excegao. A extra-atividade divide-se em: a) Retroatividade — quando a lei regula situagdes passadas, ocorridas antes de sua vigéncia. Ex.: quando uma lei penal mais benéfica entra em vigor, deve ser aplicada a casos ocorridos antes de sua vigéncia. b) Ultra-atividade — quando a lei penal continua sendo aplicada mesmo apés sua revogacao. B 0 caso de uma lei penal prejudicial entrar em vigor, revogando lei anterior benéfica. Nos termos do art. 5.°, XL, CF, a lei nova prejudicial ¢ irretroativa, raz4o pela qual a lei anterior benéfica, mesmo revogada, continuard a ser aplicada aos,fatos que por ela eram regulados. Observagao: existe conflito intertemporal de normas quando a infragiio é cometida sob a vigéncia de uma lei e esta vem a ser revogada por outra. Neste caso, se a lei revogada for mais benéfica, serd ela aplicada em ultra-atividade; caso contrario, sendo mais benéfica a lei revogadora, esta serd aplicada retroativamente. 2.5. Leis de Vigéncia Temporaria Art. 3.° A lei excepcional ou tempordria, embora decorrido 0 periodo de sua duragdo ou cessadas as circunstancias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigéncia. ‘ ESTEFAM, André. Direito Penal. p. 31, Ed. Saraiva, 2008, Sao classificadas em: a) Leis temporrias (sentido estrito) — foram feitas para durar por periodo pré- determinado, ou seja, contém em seu texto dispositivo expresso dizendo a data em que perderdo vigéncia, b) Leis excepcionais — criadas durante um periodo de anormalidade do Estado, razio pela qual durartio enquanto ndo cessadas as circunstancias que thes deram origem. Por isso, diz-se que seu prazo de revogagio € incerto. Sfo raras as leis penais temporérias, sendo as excepcionais um pouco mais frequentes. Pode-se citar como exemplo destas o art. 6.°, I da Lei n. 8.137/90, que pune 0 vendedor de produtos por prego superior ao previsto em tabela oficial (essa norma penal aplica-se somente a fatos ocorridos durante o “congelamento de pregos”). Possuem as segiiintes caracteristicas: a) Autrrevogdveis — as leis de vigéncia temporaria constituem excegdo ao art. 2.° da LICC, ja que a regra é a de que uma lei somente pode ser revogada por outra. A. temporiria perde eficdcia na data pré-estabelécida, ‘enquanto a excepcional, quando cessar a situagao que autorizou sua criagiio.” b) Ultra-atividade — sero aplicadas aos fatos praticados durante sua vigéncia mesmo apés 0 término desta (a lei adere ao fato, acompanhando-o), ainda que prejudique © réu. Porque sio leis de curta duragdo que perderiam toda a sua forga toria se nfo tivessem a ultra-atividade. Podem deixar de ser ultra-ativa se a lei posterior expressamente dispuser. 2.6. Hipéteses de Lei Posterior a) Abolitio Criminis (art. 2.°, CP) ~ € a lei posterior que deixa de considerar um fato como criminoso, fazendo com que se extinga a punibilidade em relagdo aos fatos passados, nos termos do art. 107, III do CP. Em relagdo aos fatos futuros, serio considerados atipicos. Nao havendo trinsito em julgado da decisdo condenatéria, cessam os efeitos penais e extrapenais. Mas se ja houver sentenga com trinsito em julgado, somente cessaro os efeitos penais (principais e secundarios), mas no os extrapenais. A competéncia para aplicagao da abolitio criminis, quando nio ha transito em julgado, € do juiz do processo ou do Tribunal, caso esteja pendente de recurso. Se ja houver transito em julgado, a competéncia é do juiz da execugo (art. 66, I da LEP Simula n, 611 do STF). Observagaio: nao hé que se falar em revisao criminal para o reconhecimento da abolitio, j4 que a aplicaco da lei mais benéfica no se enquadra no rol do art. 621, CPP, além de impedir o conhecimento da matéria pela instncia inferior, 0 que feriria 0 duplo grau. b) Novatio legis in mellius — ¢ a lei nova benéfica, que traz um beneficio para o agente, devendo retroagir, mesmo nos casos jd transitados em julgado. Enquanto a norma estiver em vacatio legis, ainda no pode retroagir, pois ¢ possivel que ndo entre em vigor. Paulo José da Costa Jr. e Luiz Vicente admitem a retroatividade da lei enquanto sob 0 prazo de vacatio, pois a lei, neste perfodo, nfo deixa de ser posterior, devendo, assim, ser aplicada desde logo se mais favoravel ao réu, ‘A competéncia para.a.aplicago da novatio legis in mellius seri do juiz de primeiro grau caso nao haja proferido sentenga, ou, se 0 processo estiver em grau de recurso a competéncia seré do Tribunal. Quando ja houver trénsito em julgado a competéncia sera do juiz da execugao (art. 66, I da LEP). Alberto Silva Franco entende que em alguns casos hé que se utilizar da revisdo criminal, como no caso da participagdo de menor importancia, ou na participagao em fato menos grave, jd que 0 juiz da execucdo néo disporia de meios para, do ponto de vista processual, examinar a matéria, e 0 caso necessitaria de dilagdo probatéria. Atengdo: Inconstitucionalidade da “lex mitior” ~ 0 STI decidiu pela aplicabilidade da lei inconstitucional mais favoravel, que deu ensejo a extingao da punibilidade do acusado, sob o argumento de que “fica-se diante de um conflito entre 0 interesse individual do favor libertatis ¢ o interesse A tutela da comunidade contra 0 abuso do govemno e da maioria parlamentar”. ©) Novatio legis in pejus — ¢ a lei nova prejudicial ao réu, chamada de lex gravior, que nao retroage (arti)5.°, XL, CF). Aqui também se inclui a novatio legis incriminadora, ou seja, a lei que eriaum novo tipo penal. Leis interpretativas — Nelson Hungria diz. que nem mesmo as leis destinadas a explicar ponto duvidoso de outras leis, ou a corrigir equivocos de que estas se ressintam podem retroagir em desfavor do réu. José Frederico Marques entende que podem retroagir, pois a interpretagdo auténtica, além de se incorporar & lei interpretada, nada cria ou inova, razdo pela qual deve ser aplicada ex tunc. Tempo do crime e lei aplicdvel a) Crimes permanentes ~ caso a execugio do delito tenha inicio sob 0 império de uma lei, prosseguindo sob o de outra, aplica-se a mais nova, ainda que menos benigna, pois, como a conduta se protrai no tempo, a todo o momento renovam-se a ago e a incidéncia da nova lei. 10 b) Crimes continuados ~ se uma nova lei intervém no curso da série delitiva, deve ser aplicada, ainda que mais grave, a toda a série continuada. O agente que prosseguiu na continuidade delitiva apés 0 advento da lei posterior tinha possibilidade de orientar-se de acordo com os novos ditames, em vez de prosseguir na pratica de seus crimes. O STF também entende assim: “Tratando-se de crime continuado, a nova lei aplica-se a toda a série de delitos praticados, ainda que mais gravosa ao réu, desde que a sua vigéncia ocorra durante a cadeia de crimes praticados em continuidade. Precedentes citados: HC 74.250- SP; HC 76.680-SP”. Simula n. 7LL= “A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, sea sua vigéncia é anterior a cessagao da continuidade ou da permanéncia”. 2.7. Combinagao de leis Para alguns doutrinadores, nao é possivel combinar leis, no sentido de se utilizar a parte benéfica de uma com a parte benéfica de outra, uma vez que, procedendo desta maneira, o juiz estaria criando uma terceira regra. Damasio de Jesus ¢ Frederico Marques admitem a fusdo de normas, pois entendem que © juiz no estaria criando uma lei nova, mas apenas efetuando uma integragho normativa perfeitamente possivel, ja que quem. pode aplicar o todo, pode aplicar a parte (a tese vencedora na doutrina). O STF tem uma decistio nesse sentido (HC 69.033-5). A jurisprudéneia dominante decide no sentido da/inaplicabilidade da causa de redugdo de pena, prevista na’atual Lei de Drogas (art./33, § 4.°, Lei n. 11.343/06), aos crimes de trafico de entorpecentes ocorridos antes de sua vigéncia, pois haveria indevida combinagio de leis penais (no caso, o preceito secundario do revogado art. 12 da Lei n. 6.368/76 com a citada causa de diminui¢ao). 2.8. Norma Penal em Branco E a norma cujo preceito primério est incompleto (preceito primério é a parte do tipo que descreve o crime; o preceito secundario descreve a pena). Hé duas espécies: + norma penal em branco em sentido lato ou homogénea: quando a norma é complementada por uma lei. O tipo é complementado por uma mesma fonte formal. Exemplo: 0 art. 236 do Cédigo Penal é complementado pelo art. 1.521 do Cédigo Civil; n «norma penal em branco em sentido estrito ou heterogénea: quando o complemento é ato infralegal (portaria, regulamento etc.). Exemplos: 0 art. 33 da Lei n. 11.343/06 é complementado por uma portaria do Ministério da Satide que define as substincias entorpecentes; 0 art. 6.°, I da Lei n, 8.137/90 é complementado por portaria do érgdo federal estabelecendo eventual congelamento de pregos. Atencéo: Norma Imperfeita ou Incompleta sto aquelas com preceito secundério incompleto. (ex: art. 1.°, Lei n. 2.889/56). Quanto a alteragéo do complemento da norma penal em branco podemos dizer que se 0 complemento for outra lei (lei penal em branco homogénea), a revogagio do complemento retroagira em beneficio do agente, tornando atipico o fato cometido. Quanto a norma penal’em branco heterogénea devemos fazer duas consideragdes: a) Se a norma complementadora no estiver revestida.de temporariedade ou excepcionalidade (ou seja, se durar indefinidamente), pode-se dizer que qualquer alteragdo em seu contetido acarreta a abolitio criminis, como no caso de se excluir alguma substancia da Portaria n. 344 da ANVISA. b) Se 0 complemento for tempordrio ou excepcional, como 0 complemento do crime previsto no art. 6.°, I da Lei n. 8.137/90, sua alteragao em nada acarretard nos fatos j4 ocorridos, mesmo que a alteragdo seja mais benéfica. Vale dizer, no caso da vViolagdo das tabelas oficiais, nfo interessa se 0 complemento vem, posteriormente, a ser alterado, pois isto no trar4 efeito ao crime j4 praticado. Na opinido do Prof. Damésio de Jesus, a alteragdo do complemento sé retroage quando modificar a estrutura tipica do delito, Assim, excluindo-se o langa-perfume do rol de substncias entorpecentes, o agente que vendia essa substancia ndo podera ser punido. Na hipétese do padeiro que vendeu acima da tabela, deverd ser punido pelo crime, pois a alteraco posterior do prego € irrelevante. _, Para o Prof. Fernando’ Capez, se 0 complemento tiver caracteristicas de temporariedade (exemplo da tabela de prego vigente em certo periodo), sua alteragao posterior é irrelevante, opiniaio com a qual concordamos. 3. TEMPO DO CRIME Quando o crime reputa-se praticado? Existem trés teorias sobre 0 momento do crime: + teoria da atividade: considera-se praticado 0 crime no momento da conduta comissiva ou omissiva; 2 + teoria do resultado: admite-se a pritica do crime no momento da produgéo do resultado lesivo, sendo irrelevante o tempo da conduta; + teoria mista ou da ubiquidade: considera-se praticado 0 crime tanto no momento da conduta quanto no momento do resultado. O Cédigo Penal adotou a teoria da atividade “Art. 4.° Considera-se praticado 0 crime no momento da agdo ou omissiio, ainda que outro seja o momento do resultado”. Com tal teoria, podemos tirar algumas regras: a) Crime permanente — é aquele em que a conduta se prolonga no tempo. Sendo assim, se 0 agente com 17 anos inicia a execugo de um crime, ¢ durante a manutengdo do crime completa 18 anos, responder ele pelo delito, de acordo com © Cédigo Penal, e no o ECA. No’caso de.a execugo, independente da idade do agente, se iniciar sob-o! império de uma lei ¢, durante o prosseguimento do crime sobrevier outra, esta seré aplicada, mesmo que prejudicial ao réu (Simula n. 711 do STF). a Samuta n. 711 do STF: a lei penal.mais grave aplica-se_ ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigéncia € anterior & cessagao da continuidade ou da permanéncia. b) Crime continuado — se a série delitiva & iniciada enquanto 0 agente tinba 17 anos e, a0 completar 18, ele se mantém na pratica de crimes em continuidade, ex.: pratica dois fatos enquanto menor ¢ um enquanto maior, aos dois primeiros aplica- se 0 ECA € ao segundo as regras do CP. J4 em relagdo & aplicagdo da lei ao caso, vale o mesmo raciocinio relativo ao crime permanente. Tempo do crime e prescrig&o — em matéria de prescriga0, 6 cédigo adotou a teoria do resultado, ou seja, 0 lapso prescricional comera a correr a partir da consumagao, e no do dia em que se deu a ago delituosa (art. 111, I: “a prescriedo, antes de transitar em Julgado a sentenca final, comega a correr: do dia em que 0 crime se consumou”). 4. CONFLITO APARENTE DE NORMAS © conflito aparente de normas recebe outras denominagdes: concurso aparente de normas; concurso aparente de normas coexistentes; conflito aparente de disposigdes penais; concurso ficticio de leis; concorréncia imprépria; concurso ideal impréprio e concurso impréprio de normas. © conflito ocome quando existir: 1. unidade de fato (hd somente uma infragao penal); 2. pluralidade de normas; 3. aparente aplicagao de todas as normas ao mesmo fato; 4, efetiva aplicagao de somente uma das normas. © conflito existente nao é real, mas sim aparente, tendo em vista que apenas uma das normas seré aplicdvel. Esses conflitos aparentes poderdo ser solucionados por meio da observagao dos seguintes princfpios: especialidade, subsidiariedade, consungio e alternatividade. 4,1. Principio da Especialidade Lex specialis derogat generali (a lei especial prevalece sobre a geral). Se houver um conflito entre uma norma especial e uma geral, aplica-se a norma especial, tendo em vista que esta contém todos os elementos da norma geral mais alguns elementos denominados especializantes.’A aplicagiio desse principio afasta a possibilidade de bis in idem. E 0 tinico principio expressamente previsto no Cédigo Penal (art. 12). A norma especial ndo é necessariamenite mais grave ou mais ampla que a geral, ela 6 apenas especial. Uma caracteristica que distingue 0 principio da especialidade dos demais é que para saber qual norma é geral e qual é especial nao 6 preciso analisar 0 fato concreto praticado, sendo suficiente que se comparem abstratamente as descrigdes contidas no tipo penal. A norma do art. 123 do Cédigo Penal, por exemplo, que trata do infanticidio, prevalece sobre a norma do art. 121, CP, que cuida do homicidio, pois além dos elementos genéricos deste iiltimo, possui elementos especializantes: “proprio filho”, “durante 0 parto ou logo apés” e “sob a influéncia do estado puerperal”. Tipo fundamental e tipos derivados —.0.tipo fundamental é exclufdo pelo qualificado ou privilegiado, também por forga do prinefpio da especialidade, j4 que os tipos derivados possuem todos os elementos do basico, mais os especializantes. Assim, 0 furto privilegiado e 0 qualificado prevalecem sobre o simples. 4.2, Principio da Subsidiariedade Lex primaria derogat subsidiariae (a lei primaria derroga a subsidiéria). Norma primédria ¢ aquela que descreve fato maior, e a subsididria descreve apenas parte do fato maior (esta norma esta contida na priméria). Por esse principio a norma primaria prevalece sobre a subsidiéria. A norma primdria ndo é especial, apenas mais ampla. E 0 caso, por exemplo, da extorso mediante sequestro, na qual esté embutido sequestro; ou do roubo, no qual esté embutido o furto etc. A norma subsididria, segundo Nelson Hlungria, passa a funcionar como um soldado de reserva, vale dizer, tenta-se aplicar a 4 priméria, e somente quando nfo se ajustar ao fato concreto, recorre-se subsidiariamente & ‘norma menos ampla. Para sua verificagao ¢ imprescindivel que se analise 0 caso concreto, sendo insuficiente a mera comparagdo abstrata dos tipos. Na subsidiariedade ndo existem elementos especializantes, mas descrigao tipica de fato mais abrangente e mais grave. A subsidiariedade pode ser: a) Expressa (ou explicita) — a propria norma reconhece seu cardter subsidiério, admitindo incidir somente se no ficar caracterizado fato de maior gravidade, como é 0 caso do art. 132 do CP (expor a vida ou a satide de outrem a perigo direto e iminente: pena — deteng@o... se 0 fato no constitui crime mais grave), ou do art. 21 da LCP. b) Implicita (ou tacita) ~a norma nada diz, mas, diante do caso concreto, verifica-se a subsidiariedade, como'no caso de se subtrair coisa alheia mével com violéncia. Aplica-se ovart. 157, CP, que é mais amplo do que furto ¢ o constrangimento ilegal. i Diferenga entre especialidade e subsidiariedade “na especialidade no é preciso analisar o fato concreto, sendo suficiente a comparagao abstrata dos tipos penais, ao passo que na subsidiariedade basta a andlise do fato concreto. Além disso, enquanto a norma subsidiaria é sempre menos grave, a especial pode ter pena maior ou menor. 4.3. Principio da Consungao Lex consumens derogat consuptae. 9 principio segundo 0 qual um fato mais amplo e mais grave consome (absorve) outros fatos menos amplos ¢ menos graves, que funcionam como fase normal de preparago, execugo, ou mero exaurimento. Nao ha conflito entre normas, mas fatos conflitando entre si, sendo‘que'um fato absorve o outro. Esse principio ¢ utilizado, para evitar o bis in idem, pois 0 fato menos grave estaria sendo punido como parte do todo e como crime auténomo. Vale ressaltar que somente é aplicével quando os fatos se derem no mesmo contexto fiitico. Pode ser aplicado nos seguintes casos: a) Crime progressivo — é aquele em que o agente, querendo, desde o inicio, produzir resultado mais grave, pratica, por meio de atos sucessivos, crescente violagio a0 bem juridico. O agente s6 responde pelo resultado mais grave, que absorve os atos. anteriores. E 0 caso de querer matar, e para isso desferir varias facadas na vitima, causando, em cada uma delas, diferentes lesdes corporais. Somente responde por homicidio. 'b) Crime complexo — resulta da fusdo de dois ou mais delitos auténomos, que passam a funcionar como elementares ou circunstancias no tipo complexo. O fato complexo absorve os fatos autdnomos que o integram. E 0 caso do latrocinio, figura tipica que contém 0 roubo e o homicidio. 15 ©) Progresso criminosa — pode ser das seguintes formas: > Em sentido estrito — o agente deseja produzir um resultado (ex. lesionar) e, apés atingi-lo, decide prosseguir e produzir resultado mais grave (ex. matar), respondendo apenas por este. Distingue-se do crime progressivo porque neste ha unidade de vontade, ou seja, desde o inicio o agente deseja produzir certo resultado, enquanto na progressio ha pluralidade de vontades. © Fato anterior (ante factum) no punivel — ocorre quando um fato tipico anterior menos grave é praticado como meio necessério para a realizagao de outro mais grave, absorvendo este o fato anterior. E 0 caso do porte ilegal de arma quando realizado para a pritica de homicidio. Somente pode haver a absoredg, quando o evento se der no mesmo contexto fiitico ¢ quando o fato anterior for menos grave. Nesse sentido}’a Sumula n. 17 do STJ: “quando 9, falso se exaure..no estelionato, sem mais potencialidade ofensiva, é por este absorvido”. Esta simula nao séaplica no caso de o sujeito falsificar documento de identidade (art. 297, CP) e cometer com este documento um estelionato (art. 171, CP), respondendo, portanto, pelos dois crimes, pois poderd continuar cometendo outros estelionatos com a carteira falsa, pois o falso ndo se exauriu no estelionato. A stimula se aplica no caso de © sujeito falsificar, por exemplo, uma assinatura em um cheque e cometer o estelionato, respondendo somente por este, j4 que ele no poder cometer outros estelionatos com aquele cheque (adotou-se a progressao criminosa, na modalidade fato anterior nao punivel).. © Fato posterior (post factum) nao punivel ~ ocorre quando depois de realizada a conduta, o agente pratica novo ataque contra 0 mesmo bem, visando apénas tirar proveito da pritica anterior, considerando-se este fato posterior mero ‘exaurimento (apés 0. furto o agente vende a coisa ou a destréi). 4.4. Principio da Alternatividade Ocorre quando houver uma s6 norma contendo varias condutas, ou seja, varias formas de realizagao de um mesmo crime. A pritica de varias condutas ou de apenas uma configura um crime tinico. Tais normas denominam-se tipos mistos alternativos e descrevem crimes de ago miltipla ou contetido variado. Exemplo: 0 art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06 descreve 18 formas de praticar o trAfico ilicito de entorpecentes. Critica-se esse principio, pois nfo hé propriamente conflito entre normas, mas conflito intemo na prépria norma. Além de que, 0 prinefpio da consungo resolve com 16 vantagem 0 mesmo conflito. Assim, se o agente importa heroina, transporta maconha ¢ vende dpio, comete trés crimes diferentes em concurso material. Nao ha que se falar em alternatividade, pois nao existe nexo causal entre as condutas. Ora, se 0 agente compra, transporta e vende maconha, ha um iinico crime, no por aplicagao da alternati mas por aplicagaio da consungao. 5. TERRITORIALIDADE DA LEI PENAL BRASILEIRA Art. 5.° Aplica-se a lei brasileira, sem prejuizo de convengoes, tratados e regras de Direito Internacional, ao crime cometido no territério nacional. § 1° Para os efeitos penais, consideram-se como extensiio do territério nacional as embarcagdes e aeronaves brasileiras, de natureza piiblica ou a servigo do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves ¢ as embarcacies brasileiras, mercantes ou.de propriedade privada, giie se achem, respectivamente, no espaco aéreo correspondente ou em alto-mar. § 2° E também aplicdvel a lei-brasileira aos crimes praticados a bordo de aeronaves ou embarcacdes estrangeiras de propriedade privada, achando-se aquelas em pouso no territéria nacional ou em voo no espaco aéreo correspondente, e estas em porto ou mar territorial do Brasil. 5.1, Componentes do territério + ‘Solo ocupado pela corporagiio politica; + Rios, lagos, mares interiores, golfos, baias e portos; + __ Faixa de'mar exterior ao longo da costa, denominada territorial (12 milhas maritimas de largura, medidas a partir da baixa-mar do litoral continental e insular brasileiro, de acordo com o disposto no art. 1.° da Lei n, 8.617, de 4 de janeiro de 1993); + Espago aéreo; + Navios e aeronaves. 5.2, TERRITORIALIDADE E EXTRATERRITORIALIDADE a) Territorialidade ~ é a aplicagao da lei brasileira ao crime cometido no territério nacional. Néo adotamos o principio da territorialidade absoluta, mas o da territorialidade temperada, pois a lei brasileira aplica-se, em regra, ao crime cometido no territério nacional. Excepcionalmente, porém, a lei estrangeira é aplicavel a delitos cometidos total ou parcialmente em territério nacional, quando 7 1e assim determinarem tratados e convengdes intemacionais (a isso denomina-se intraterritorialidade). © Territorialidade absoluta — segundo este principio, somente a lei penal brasileira é aplicdvel aos crimes cometidos no territério nacional. Nao foi adotada, b) Intraterritorialidade — & a aplicagdo da lei estrangeira ao crime cometido no territério nacional (em outras palavras, determinado pais julgar4, aplicando a sua prépria legislagao, um crime cometido no Brasil). Esté contida na ressalva “dos tratados e convengées internacionais”, feita pelo art. 5.°, CP. Nao significa que 0 juiz brasileiro aplicara a lei estrangeira. Trata-se da adog&io do principio da territorialidade temperada. ©) Extraterritorialidadé — é a aplicagdo da lei brasileira a0 crime cometido fora do territério nacional. Nao significa que o juiz estrangeiro aplicara a lei brasileira. Quer dizer que, reunidas algumas condigSes, o Brasil julgard o delito cometido no exterior. d) Extenso do territério nacional — 4.1, Navios piiblicos: s4o‘os nayios de guerra, em servico militar ou (postos a servico de. chefes de Estado ou representantes diplométicos). Onde quer que se encontrem, so considerados parte do territério nacional; 4.2. Navios privados: stio os mercantes ou de propriedade privada. Em mar territorial estrangeiro, submetem-s¢ a lei do pais correspondente; quando em alto- mar, submetem-se & lei do pafs cuja bandeira ostentam de acordo com o principio da bandeira ou pavilhdo. “Ao crime cometido em aguas territoriais do Brasil a bordo de navio mercante de outra nacionalidade se aplica a lei penal brasileira, tanto mais quando os paises de nacionalidade do autor e vitima e da bandeira do navio nao sao signatarios da Convengio de Havana)de 1928” (STJ, RT n. 665/353); Observagdo: Crimes cometidos a bordo de navios: competéncia da Justiga Federal (STJ, RHC n. 1.386, DJU de 9.1.1991, p. 18044). “Compete a Justica Federal de grau processar e julgar os crimes comuns praticados, em tese, no interior de navio de grande cabotagem, autorizado e apto a realizar viagens internacionais, ex vi do inciso IX, art. 109, da CF” (STJ, 3." Seco, CComp n. 14.488-0/PA, rel. Min, Vicente Leal, v. u., DIU de 11.12.1995). d.3. Aeronaves publicas e privadas: valem as mesmas regras, considerando-se, nas privadas, o espao aéreo correspondente ao alto-mar ou ao mar territorial do pais sobrevoado. As piiblicas so consideradas extensio do territério do Estado a que pertencem. 18 Observagdo: Crime cometido a bordo de aeronave brasileira no espago aéreo correspondente ao alto-mar: competéncia da Justiga Federal brasileira do Estado- membro em cujo aeroporto primeiro pousou o avido (TER, RITFR 51/46). ©) Sedes diplométicas — nfo séo consideradas extensdo do territério do pais em que se encontram, muito embora sejam dotadas de inviolabilidade como garantia dos representantes estrangeiros, no podendo ser objeto de busca, requisigzio, embargo ou medida de execugao. 1) Principio da passagem inocente — se um aviio particular estrangeiro estiver de passagem pelo territério nacional, cometendo-se, neste momento, um crime a bordo, nao sera aplicavel a lei brasileira, se o crime nada afetar nossos interesses. Ex.: briga entre dois estrangeiros, 8) Asilo— pode ser conéedido ao individuo que o procura em navio nacional, em caso de crime politico, de opiniao ou puramente militar, Nos\demais delitos, nao. 5.3. Hipéteses de Nao Incidéncia da Lei a Fatos Cometidos no Brasil a) Imunidades diplomdticas — 0 principio da tervitorialidade significa que a lei penal se aplica a todas as pessoas, nacionais ou estrangeiras, que estejam no territério brasileiro. Nao se aplica, entretanto, a algumas pessoas que gozam de imunidade. Nao hé ofensa ao principio da isonomia porque o privilégio é concedido em razdo do exercicio da fungfio, ptiblica ou intemacional, e nao da pessoa. Assim, os representantes diplomaticos de governos estrangeitos gozam de imunidade penal, no Ihes sendo aplicdvel lei brasileira em relagdo as infragdes penais cometidas no Brasil. A Conyengao de Viena, aproyada entre nés pelo Decreto Legislativo n. 103/64 ¢ ratificada em 23de fevereiro de 1965, tendo, portanto, forga de lei, dispde nesse sentido. Sao abrangidos pela imunidade diplomatica: © Agentes diplométicos — embaixador, secretarios da embaixada, pessoal técnico e administrative das representagdes. Os empregados particulares dos agentes diplomaticos nao gozam de imunidade, ainda que sejam da mesma nacionalidade deles. > Componentes da familia dos agentes diplomiticos. © Funciondrios das organizagées internacionais. © Chefe de Estado estrangeiro que visita o pais, inclusive os membros de sua comitiva, b) Jmunidades parlamentares — os parlamentares sio inviolveis, no exercicio de seus mandatos, por suas opinides, palavras e votos (art. 53, caput, da CF). Essa garantia de 19 inviolabilidade denomina-se imunidade material, acarretando a atipicidade da conduta. Nesse sentido, Cericchiaro”. A imunidade material sé estara presente, quando a opiniao for emitida em decorréncia do exercicio da fungao. Deve, portanto, guardar relagdo com o desempenho do mandato. O STF jé decidiu pela exclusio da imunidade material, “se a ocasidio, o local, 0 propésito ou outras circunstincias relevantes evidenciarem a total desconexo do fato com o exercicio do mandato ou a condigao parlamentar” (RT n. 648/321). As imunidades formais ou processuais esto previstas nos §§ do mesmo artigo (foro por prerrogativa de fungdo no STF, desde a expedigéo do diploma, somente poderdo ser presos em flagrante por crime inafiangdvel e possibilidade de sustag4o do processo pela sua Casa). A partir da EC n. 35/2001, ampliou-se a imunidade para que, além de penal, incluisse a civil — significa que © parlamentar néo pode mais ser processado por perdas e danos materiais morais, em virtude de suas opinides, palavras ¢ votos no exercicio de suas fungdes. Observagdo: vereador no goza de imunidade processual, mas apenas material. ©) Inviolabilidade do advogado — 0 art. 133 da CF estatui que “o advogado € indispensdvel 4 administragao da justiga, sendo, inviolivel por seus atos e manifestagdes no exercicio da profissdo, nos limites da lei”. A Lei n. 8.906/94 (Estatuto da OAB), no § 2.° do art. 7°, dispée que “o advogado tem imunidade profissional, nao constituindo injuria, difamagéio ou desacato’ puniveis qualquer manifestag%o de sua parte, no exercicio de sua atividade, em Juizo ou fora dele”. A jurisprudéncia tem entendido que essa imunidade no alcanca a calinia, mas tao somente a injiria e a difamacdo e, mesmo assim, quando irrogadas em Juizo, aplicando-se o disposto no art. 142, 1, do CP (cf. STF, HC n, 69.085-8, DJU de 26.3.1993, p. 5003). Do mesmo modo, nfo abrange ofensa dirigida ao juiz da causa, limitando-se as partes litigantes (STF, RO n, 69.619-8, DJU de 20.8.1993, p. 16319; STJ, RHC n. 2.035-4, DJU de 28.9.1992, p. 16434). 6. EXTRATERRITORIALIDADE DA LEI PENAL BRASILEIRA Art. 7.° Ficam sujeitos & lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: I-os crimes: @) contra a vida ou a liberdade do Presidente da Repiiblica; 4) contra 0 patriménio ou a fé piiblica da Unido, do Distrito Federal, de Estado, Territério, Municipio, de empresa piiblica, sociedade de economia mista, autarquia ou fundagdo instituida pelo Poder Ptiblico; ©) contra a administragao publica, por quem esté a seu servico; d) de genocidio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil; Hos crimes: ? Op. cit Direito Penal na Constituigdo. p. 183. * O STF declarou a inconstitucionalidade da expresso "desacato", constante do dispositivo (ADIn n. 1127-8). 20 a) que, por tratado ou convengéio, o Brasil se obrigou a reprimir; b) praticados por brasileiro; ©) praticados em aeronaves ou embarcagées brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em territ6rio estrangeiro e ai ndo sejam julgados. § 1.° Nos casos do inc. I, 0 agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro. § 2.°Nos casos do ine. Il, a aplicagdo da lei brasileira depende do concurso das seguintes condigées. Delito permanente e crime continuado’ — nas agdes consideradas juridicamente como unidade, o crime tem-se por praticado no lugar em que 8¢ verifica um dos elementos do fato unitirio. =>" Crime habitual — 0 locus delicti € 0 de qualquer dos fatos (singulares, andlogos ou repetidos) que pertencém A figura delitiva, pois o tipo serve de elo entte os diversos atos. 8. CONTAGEM DO PRAZO Art. 10. O dia do comego inclui- no:¢Omputo do prazo. Contam-se os dias, os meses e os anos pelo calendario comum. Os prazos podem ser de Direito Material ou de Direito Processual. Prazos de Direito Material (art. 10 do Cédigo Penal): na sua contagem, computa-se 0 dia do comego como o primeiro dia, qualquer que seja a frago. Exemplo: se 0 réu é condenado a dois meses e inicia 0 cumprimento da pena as 23h59 min de 7 de outubro, o prazo terminaré as 24 horas do dia 6 de dezembro. O prazo nao se prorroga quando termina em domingo ou feriado (0 sdbado € considerado feriado), portanto, no se estende até o dia util subsequente, Sao prazos considerados fatais. Prazos de Direito Processual (art. 798, § 1.°, do Cédigo de Processo Penal): no se computa 0 dia do comego; o primeiro dia ser o dia util subsequente a data do inicio (Samula n, 310 do Supremo Tribunal Federal: “quando a intimagdo tiver lugar na 26 sexta-feira, ou a publicagao com efeito de intimagdo for feita nesse dia, 0 prazo judicial tera inicio na segunda-feira imediata, salvo se nao houver expediente, caso em que comegaré no primeiro dia titil que se seguir”); 0 prazo prorroga-se até 0 dia Util seguinte quando terminar em domingo ou feriado. 8.1. Tipos de Prazo Todo e qualquer prazo que acarretar a extingao da punibilidade ser prazo de Direito Penal. Sao eles: prazo decadencial: & 0 periodo no qual o ofendido ou seu representante legal pode ingressar com a queixa ou oferecer a representagiio. E prazo de Direito Penal, uma vez que acarreta a extingao da punibilidade. prazo prescricional: também é um prazo de Direito Penal, visto que acarreta a extingdo da punibilidade. perempedio: & uma sangiio processual; é a perda do direito de demandar do querelante decorrente da sua inércia para dar andamento a6 processo (art. 60 do Cédigo de Processo Penal). Exemplo: 0 prazo de 30 dias para dar andamento ao processo é considerado um prazo de Direito Penal, pois 0 seu decurso acarreta a extingdo do processo ¢, consequentemente, a extingao da punibilidade. : Todos os total ou A violacao dos direitos autorais caracteriza crime descrito na | em vigor, sem prejuizo das sangées civis cabive itos reservados. E terminantemente proil a reprodugao cial deste material didatico, por qualquer meio ou processo. 27 EXERCICIOS DIREITO PENAL 1. Nao ha crime sem lei anterior que o defina. Nao ha pena sem prévia cominacio legal. O art. 1.° do Cédigo Penal abriga os seguintes principios: a) legalidade e irretroatividade da lei penal; b) oficialidade e abolitio criminis; ©) reserva legal e anterioridade da lei penal; 4) novatio legis in mellius ¢ tipicidade. 2. Segundo o Cédigo Penal considera-se praticado o crime quando: a) 0 Cédigo Penal nao dispoe a respeito; b) no momento da ago ou omissio ainda que seja' outro o momento do'tesultado (teoria da atividade); ©) no momento da produgao do resultado (teoria do resultado); 4) tanto no momento da ago quanto do resultado (teoria mista ou da ubiquidade). 3. Assinale as afirmagies incorretas: a) Consungio trata-se de principio que visa dirimir o conflito aparente de normas, segundo o qual o fato mais grave absorye 0 menos grave. b) . Na hipétese de progressio criminosa, aplica-se 0 concurso material de crimes. ©) Post factum impunivel; por si sé, enseja a aplicagao de medidas de seguranga, d) Segundo o principio da especialidade, prepondera a norma especial sobre a geral, porquanto, aquela contém todos os elementos da geral e outros especializantes. 4, O crime complexo: a) éaquele que exige maior habilidade do sujeito ativo; b)_possibilita que o prazo do inquérito policial na hipétese de indiciado preso seja duplicado; ©) €a fusdo de dois ou mais crimes; 4) persegue-se mediante ago penal privada. 5. Para a contagem do prazo de Di a) inclui-se o dia do comego; b) no se observa o calendério comum; ©) inclui-se o dia do final; d) € prorrogado quando termina em domingo ou feriado. GABARITO Exercicio Objetivo Direito Penal c BIC Complexo Juridico O} CURSO DO PROF. DAMASIO A DISTANCIA MODULO IT DIREITO PENAL Teoria Geral do Crime Rua da Gléria, n. 195 ~ Liberdade — So Paulo — SP - Cep: 01510-001 Tel:/ Fax: (11) 3164.6624 — www.damasio.com.br DIREITO PENAL Teoria Geral do Crime Prof. André Estefam 1. Introdugao Segundo a doutrina, o termo “infragéo penal” é utilizado genericamente, englobando os “crimes” e as “contravengSes"..Crime é sindnimo de delito. 0 Cédigo Penal usa as expressées, finfragao",_*c 4 contravengao", sendo que aquela abrange estas. O Cédigo\de Processo Penal algumas 'S utiliza o termo “infragéo”, em sentido genérico, abrangendo os crimes (ou delitos) € as'contravengées (exemplos: 70, 72 etc.) € outras vezes 0 termo “delitos” é empregado como sinénimo de (exemplos: arts. 301 e 302). z 1.1. Crime e Contravengao Como visto, crime e contravengao $40 espécies do género infracao. Nao ha, contudo, diferenca ontolégica entre crime (ou delito) e contravencao. O mesmo fato pode ser definido como crime ou contraven ritério do legislador. O fato que hoje 6 definido como, contravencao pode, no futuro, vir a ser um crime. O critério mais eficiente para distinguir crime e contravengao é 0 de analisar a pena: se for de priséo simples ou multa (ou ambas, alternativa ou, cumulativamente), trata-se de contravencao; se for de detencao ou reclusao, trata-se de crime. % Pe 2. Conceito de Crime. ae Nao existe, na lei, um conéeito de crime, a0.cofttrario. do que previam os Diplomas de 1830 e 1890, o legislador atribui 4 doutrina tal’ missdo. O crime pode ser conceituado a partir dos seguintes aspectos que néo se excluem e, sim, se complementam: © Material; * Formal; * Analitico. Desses trés, predominam dois: o material e 0 analitico. 2.1. Conceito Material de Crime “E aquele que busca estabelecer a esséncia do conceito, isto é, 0 porqué de determinado fato ser considerado criminoso e outro nao. Sob esse enfoque, crime pode ser definido como todo fato humano que, propositada ou descuidadamente, lesa ou expée a perigo bens juridicos considerados fundamentais para a existéncia da coletividade e da paz social."[1] 2.2. Conceito Formal de Crime Formalmente, crime € a agao ou omissdo proibida por lei, com ameaga de pena criminal, que pode ser prisdo ou pena alternativa. 2.3. Conceito Analitico de Crime = aquele que busca;'Sob, um prisma jutidico, estabelecer os elementos estruturais do crime. A finalidade deste enfoque é propiciar a correta é mais justa decisao sobre a infragao penal e seu autor, fazendo com que o julgador ou intérprete desenvolva o seu raciocinio em etapas. Sob esse Angulo, crime’é todo fato tipico e ilicito,"12] Crime € um fato tipico e antijuridico. A culpabilidade constitui pressuposto da pena. 3. Analise e Caracteres do Crime sob o Aspecto Analitico O crime € um fato ao qual se agregam caracteristicas. Para fins didaticos, o crime € dividido em requisitos ou caracteristicas € costuma ser estudade em etapas: fato tipico, antijuridicidade e culpabilidade. Ha, contudo, uma grande divergéncia na doutrina sobre quais os elementos que compéem 0 crime, Como ja foi dito, para alguns, crime é fato tipico e antijuridico, sendo a culpabilidade pressuposto de aplicacdo da pena, ao passo que, para outros, crime € fato tipico, antijuridigo e culpavel (dentre 9s autores estrangeiros, essa concepgao é amplamente dominante)izui= Como podemos perceber, existem,‘entre as consagradas, duas teorias que estudam a estrutura do crime sob 0 aspecto analitico, de acordo com a concepgao por elas adotada a respeito do conceito de conduta, a qual é um dos elementos do fato tipico. Cumpre observar, portanto, que, a depender da teoria adotada, diferentes serao 08 requisitos de existéncia do crime. Cumpre dizer que se costuma denominar como classico o autor que sustenta ser © crime fato tipico, ilicito e culpavel, finalista aquele que afirma ser fato tipico e ilicito. [1] CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 2.9 ed. Sao Paulo: Saraiva, 2001. vol. 1. [2] Ibidem. Tal assertiva, no entanto, nao é precisa, e, por conta disso, devemos reservar as qualificagdes de classicos e finalistas para nos referimos aos adeptos, respectivamente, da teoria causal ou naturalista da ago (e psicolégica da culpabilidade) e da teoria finalista da aco (e normativa pura da culpabilidade). Dessa forma, 6 mais adequado denominar a primeira posigao como teoria tripartida ou tricotémica, e a segunda, teoria bipartida ou dicotémica. 3.1. Das Teorias Bipartida e Tripartida A teoria tripartida ou tricotémica entende que crime é fato tipico, antijuridico e culpavel. Segundo seus adeptos, o dolo e a culpa estdo na culpabilidade, razao pela qual nao haverd crime caso estejam ausentes. A teoria dicotémica ou bipartida, por-sua vez, preceitua que crime é fato tipico e antijuridico. A culpabilidade, segundo essa corrente,< pressuposto para a aplicagdo da pena. ; 2 Verifica-se, dessa forma, que a teoria bipartida demonstra-se coerente com a reforma penal operada no ano de 1984,-uma vez que, para 0 Cédigo Penal, a auséncia de culpabiidade acarreta a isencao de pena (subsistindo 0 crime, em todos os seus elementos, comio tipico e ilicito). Crime & fato, e a culpabilidade recal sobre 0 sujeito e nao sobre o fato, ou seja, nao ha fato culpavel, mas sim sujeito, culpavel. A culpabilidade nao faz parte do conceito de crime, pois é um pressupasto de aplicacao da pena. e Quando alguém pratica uma conduta ndo punida por qualquer lei penal, quer dizer, que nao se subsume a nenhum tipo penal incriminador, pratica um indiferente penal, um fato que ndo é tipico. A mesma certeza temos com relagdo 4 ilicitude, que também integra 0, conceito de crime, no havendo que se falar em orime quando a conduta € cometida ao abrigo de uma causa excludente de ilictude ou no estrito cumprimento de um dever legal (art. 23). ‘ Diferentemente, haveré crime, ainda que nao se vetifique, quando uma pessoa pratica um fat tipico ¢ antijuridico, mas sem a culpabilidade, haja vista que o Cédigo diz que é “isento de pena’, rn [1] CAPEZ, Femando. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 2. ed. S40 Paulo: Saraiva, 2001. vol. 1. [2] Ibidem, 3.1.1, Direito Penal do Cidadao e Direito Penal do Inimigo “Trata-se de concepeao criada por Giinther Jakobs, professor catedrético em Direito Penal e Filosofia do Direito na Universidade de Bonn. O Direito Penal do cidadéo teria como escopo garantir a vigéncia da norma (o individuo que comete o crime desrespeita a norma, a qual, por meio da pena aplicada, mostra que permanece incdlume). J4 0 Direito Penal do inimigo (isto é, de individuos que reincidem constantemente na pratica de delitos ou praticam fatos de extrema gravidade, como ag6es terroristas) tem como finalidade combater perigos. Neste, o infrator no € tratado como pessoa, mas como inimigo a ser eliminado e privado do convivio social”. SILVA SANCHEZ qualifica 0 Direito Penal do inimigo como a terceira velocidade do Direito Penal. “Cuida-se de concepgo polémica, tejeitada pela maioria dos autores, os quais sustentam que jamais se pode. deixar de considerat um, individuo como pessoa” (ANDRE ESTEFAM, Direito Penal: Parte Geral. Colegao Curso ¢ Concurso). 3.1.2. Sistema Funcionalista (Trecho extraido da obra Direito Penal, Parté Geral. Coleco Curso, e Concurso, de nossa autora) “No Direito Penal modemo tem-se travado um, debate ainda sem solugio definitiva: deve a dogmdtica penal ser entendida & luz da\fungao (missiio) do Direito Penal (funcionalismo) ou deveria ela ser estrutuwrada’a partir de dados empiricos (causalismo e finalismo)” A iltima opedo, além de ser aquela tradicionalmente aceita, tem a seu favor a seguranga juridiea que advém de seus critérios bem definidos (V. g., ago, nexo causal, dolo ¢ culpa). Contra ¢la se aduz a injustica de algumas de suas solugdes (ex.: regressus aad infinitum), adotadas em,nome da “harmonia do sistema”, A primeira revoluciona 0 Direito, Penaliie propde que mais importante que a “beleza estética” do sistema é a busca de solupdes justas. E’a mais aceita na Europa e tem ganhado corpo na América Latina. Pesa contra ela a critica de que se apoia em critérios fluidos, por vezes nao delimitados completamente (ex.: risco permitido). Essa concepc&o € denominada fimcionalismo, isto é, a tese segundo a qual a dogmitica deve ser interpretada & luz da fungdo do Direito Penal. No seu contexto € que se deu o desenvolvimento da teoria da imputagdo objetiva: “a imputagao objetiva, a0 considerar a ago tipica uma realizagdo de um risco permitido dentro do alcance do tipo, estrutura 0 ilicito luz da funcdo do Direito Penal. Esta teoria utiliza-se de valoragdes constitutivas da ago tipica (risco no permitido, alcance do tipo), abstraindo de suas variadas manifestagdes énticas” (Claus Roxin, Sobre a fundamentagao politico-criminal do sistema penal. In: Estudos de Direito Penal, trad. Luis Greco, p. 79-80). Seus principais seguidores so Claus Roxin (funcionalismo racional-teleolégico) Ganther Jakobs (funcionalismo sistémico). Esses penalistas divergem, entretanto, quanto & fungdo do Direito Penal, 0 que reflete decisivamente em seu modo de pensar a dogmitica penal (embora sejam ambos adeptos da teoria da imputagao objetiva, com pequenas variagdes). A grande disting&o entre as teorias de Roxin e Jakobs funda-se no fato de que aquele propée limitagdes expressas ao direito de punir estatal, o que no se vé neste. Comparem-se, abaixo, as palavras de cada um dos citados autores: Roxin: “os limites da faculdade estatal de punir s6 podem resultar da finalidade que tem 0 Direito Penal no ambito do ordenamento estatal. (...). Penso que 0 Direito Penal deve garantir os pressupostos de tima €onvivéncia pacifica, livre e igualitéria entre os homens, na medida em! que isso ndo seja possivel’ por meio de outras medidas de controle sociopoliticas’ menos gravosas” (Claus Roxin, Que. comportamentos pode o Estado proibir sob ameaga de pena? Sobre a legitimagio das. proibigées penais. In: Estudos de Direito Penal, tad. Luis Gteco, p. 32).Complementa 0 autor; “... a finalidade do Direito Penal.(..) € caracterizada como ‘protegdo:subsidiéria de bens juridicos’. Sao chamados bens juridicos todos os dados que sao pressupostos dé um convivio pacifico entre os homens, fundado na liberdade ¢ na igualdade;e subsidiariedade significa a preferéncia de medidas sociopoliticas menos gravosas” (p. 35). Jakobs:-*.,. a garantia juridico-penal da norma deve garantir a seguranga de expectativas”. Nesse sentido, “a pena deve reagir mediante um comportamento que nao possa ser interpretado como compativel com um modelo de mundo esbogado pela norma” (Giinther \Jakobs, A proibigfio de regresso nos delitos de resultado. Fundamentos do Direito Penal, trad. André Luis Callegari, p. 93). Em outras palavras, finalidade da pena ¢ a manutengao estabilizada das expectativas sociais dos cidadaos. Essas expectativas so 0, fundamento das normas, ourseja, dos modelos de conta orientadores do contato socials.A pena, consequentemenite, tem a fungao de contradizer desautorizar a desobediéncia da norma..O;Direite Penal, portanto, protege a validade das normas e essa validade € 0 ‘bem juridico do Direito Penal’” (Enrique Bacigalupo. Direito Penal: parte geral, trad. André fam, p. 184 — grifo meu)”. 3.2. Caracteres do Crime Conceituamos 0 crime como fato tipico e antijuridico. Para que haja crime, é preciso uma conduta humana positiva ou negativa (ago ou omissao). Nem todo comportamento do homem, porém, constitui delito. Em face do principio da reserva legal, somente aqueles comportamentos previstos na lei penal é que podem configurar 0 delito. Imaginemos a seguinte situagao: A esfaqueia B, causando-lhe a morte. O art. 121, caput, do Cédigo Penal assim define o crime de homicidio simples: matar alguém. Dessa forma, a conduta de 4 corresponde ao fato que a lei penal descreve como crime. Ocorreu nesse exemplo a subsun¢do do fato a ima norina-penal incriminadora, ou seja, ocorreu fato tipico, primeiro requisito do crime. Como vimos, érime é fato tipico e antijuridico. fe Para que.exista crime, além de ser tipico 6'fato deve ser €ontratio ao direito, ou seja, antijuridiéo (ou ilicito). Um fato pode ser tipico’e licito, quando, por exemplo, 0 agente age em legitima defesa. Se A mata B em legitima defesa comete um fato tipico (matar alguém), mas licito, pois a legitima defesa € uma das causas de exclusio da antijuridicidade, Logo, excluida a ilicitude, nao ha crime. Quando:alguém pratica um fato tipico ¢ ilicito deve ser punido. Mas, para isso 0 infrator deve ser culpavel. Assim, para que o agente seja punido é necessdrio incidir sobre ele um juizo de reprovagao social, o qual € pressuposto para aplicagao da pena. Destarte, um sujeito pode praticar um crime, mas nfo ser culpavel, como ocorre com 0 menor de 18 anos. ‘ 3.3. Fato Tipico, Antijuridicidade e Culpabilidade 3.3.1. Fato Tipico nt lt g Fato tipico é a conduta (positiva ou negativa) provocadora de um resultado (em Tegra) que se amolda perfeitamente aos elementos constantes do modelo previsto na lei penal. fato tipico é composto dos seguintes elementos: + conduta dolosa ou culposa; + resultado (salvo nos crimes de mera conduta); + nexo de causalidade entre a conduta e o resultado (salvo nos crimes de mera conduta); + relagdio de imputagio objetiva (limitando 0 nexo causal); + tipicidade (enquadramento do fato material a uma norma penal). No exemplo do item anterior, “A esfaqueou B”, logo: A praticou a conduta esfaquear (conduta); B morreu (resultado); B morreu em consequéncia das lesdes produzidas pelas facadas (nexo causal); todo esse acontecimento se enquadra no art. 121 do Cédigo Penal (tipicidade). Adotando-se a teoria da imputagao objetiva, ela se insere como o quinto elemento do fato tipico, devendo ser analisada logo apés 0 nexo causal. Atengdio: nos crimes formais ndo se exige a produgao do resultado. 3.3.2. Antijuridicidade E arelagdo de contrariedade entre 0 fato e 0 ordenamento juridico. “A conduta desérita em norma penal incriminadora‘seré ilicita ou antijuridica quando nao for expressamente declarada licita. Assim, o conceito de ilicitude de um fato tipico ¢ encontrado por exclusio: € antijuridico quando nao declarado llicito por causas de excluso da antijuridicidade (CP, art! 23, ou normas. permissivas encontradas em sua Parte Especial ou em leis especiais)"". 3.3.3. Culpabilidade z F a reprovacio da ordem juridica, em face de estar ligado 0 homem a um fato tipico ¢ antijuridico. E reprovagao qué recai sobre 0 Sujeil®. Por isso, no € requisito do crime, mas condigdo de imposigao da pena. 4, PUNIBILIDADE A punibilidade também nao é requisito. an ‘rime, mas a consequéncia juridica. ‘Nada mais é que a possibilidade juridica de se aplicar Zncto Se alguém praticar um fato tipi¢o ¢ ilicito, praticou um crime. Se o agente for culpavel, deverd ser punido, exceto se existir uma causa de extingo da punibilidade, as quais, subtraindo a anistia e a abolitio criminis, nao afetam os requisitos do crime, mas somente excluem a possibilidade de aplicagao da sangao. " JESUS, Damisio de. Direito Penal: Parte Geral, 24* ed. Sao Paulo: Saraiva, 2001. vol. 1

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