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Cartões Corporativos, corrupção e democracia.

Américo Neto
LONDRES

Há cerca de 5 meses Ian Clement era considerado um dos políticos mais influentes de
Londres tendo, inclusive, viajado à vários países com a missão de representar a cidade como, por
exemplo, na escolha da sede das olimpíadas 2012. É por isso que sua foto, estampada num tablóide,
usando colete de trabalho comunitário e pincel na mão cumprindo pena, cause tanta estranheza
àqueles que, como eu, estão acostumados com a impunidade em seu país de origem. Principalmente
em se tratando de figura política tão influente.
Após envolver-se em escândalo ao usar cartão do governo para pagar contas particulares –
semelhante ao caso dos cartões corporativos no Brasil – ele foi condenado a 12 meses de reclusão,
trocado por cem horas de trabalho comunitário não-remunerado e toque de recolher as 21h
utilizando, para isso, uma tornozeleira com sensor igual a qualquer criminoso no país. Dessa forma,
sua carreira política sofreu grave abalo, possivelmente irreversível. Aí reside a grande diferença
com o Brasil.
Suspeitando de engano no pagamento de suas contas, Ian Clement fora advertido do “erro”
mas, ao manter sua postura, foi processado, julgado e condenado, considerando sua arrogância para
com o dinheiro público, segundo o juiz. Essa é a postura de um país com longa tradição
democrática, intolerante à corrupção, à desonestidade e que preza pela integridade da classe
governante. Posição extremamente importante para manutenção da democracia, bem como da
confiança depositada no próximo inerente à ela.
Na edição de 13 de novembro de 2009, do London Evening Standard (www.standard.co.uk),
encontra-se fotos do ex-braço direito do prefeito de Londres pintando banheiros públicos. Cena
completamente impensável no contexto brasileiro, onde casos de escândalos e corrupção são
tolerados pela população, isso quando não servem de trampolim eleitoral, demonstrando conivência
e suporte a tais atos.
De fato, a fragilidade da postura democrática brasileira é verificada na baixa confiança da
população nas atitudes da classe política e do próximo. A autoridade é vista com desconfiança,
como a origem do mal, da espoliação. Por tanto, no entendimento de que dinheiro público é
dinheiro do governo, não da população, o cidadão, ao ter acesso, deve se aproveitar, levar sua fatia,
corromper ou “vender seu peixe”, como alguns preferem, tornando legítimo pilhar aquele que nos
espolia.

Américo Neto é mestre em Ciências Sociais pela Unesp.

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