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‘oujauer ap oly 4oupy 1eye7 3610¢ avtipa npundos sajuesbiwy sop jiseig QO euayg tddiq elon] Copyright © 2001, Lucia Lippi Oliveira Copyright © 2002 desta eflsto: Hoge Zakar Bdicor Lids sua Méxiea 31 sobreoja 2051-144 Ri de Jancio, R) teks QL) 2240-0126 1 fae: (21) 2262-5123 email: jre@tahar coma br ster ww ahr conube “Todos os diteizos nexcrvntos A raprestugao nio-nutecizadla desta publicagio, no tod ext om parte, constitu) viglagso ‘de dircitos auroras. (Loi 9610/98) Capay Cara $4 Sexgio Campante Hastiagio da eaps: Cartay de iia das eompanhias de navegagse italiana, mostratule 05 lias de sald para letios ptses imigeardrios, em 1906. (La Veloce, 1906.) Vineta da cologan: iustragio de Debret Compesigie eerranica: JeysTestas Ediydes Graficas Exda Tmpressio: Cromoacte Grifica e Editora Eidigio saterion: 2001 CrP atrail- Catalagugno-na fone Sinuicaso Nacional ds ketones de Liszos, RJ. Oliveiny, Laces Tapp, 1945- WANG © Bra dos migrant / Lasca Lippi Olivera. 2. 2ed, — Rio de Janeito: Jonge Zahae Ea, 2002 sil — (Descobsindeo Brasil) Apendice Inelui babliogealia ISBN 45.7110-577-4 1. frnigrantes ~ Brasil ~ [Histéria 2. Europeu Bras = tlisuiia. 3, Bratl = Coloaizagio — Miwdria, 4. Brasil ~ Histéria 1. Tico, IL. Sée ep 981 2.1624 cou aat Sumario © olbar estrangeito: de wiajante wimigeante 7 A politica brasileina frente A imagragia 13 Quem sio, sqiiantus sto? 22 Os pottugucses no Rio de Jancive 25 Os italianos em Sio Paulo 34 Os galegos em Salvador 43 Os “menos préximos” 54 Conclusio 59 Cronotogia 64 Referincias e fortes 86 Sugesthes de leitura 69 Sobre a autora 74 Ilusiragaes (enire p.40-41) Créditos das itustragées 1, 2, 3, 4,5 ¢ 6. Acervo da Memorial do Imigrante — Museu da Imigragio, Sao Paulo. 7 € 8, Documentos cedidos por Celso Castro, © olhar estrangeiro: de viajante a imigrante Durante 0 século XIX 06 europeus que visitavam o Brasil eram, em su majoria, cstudiosose cientiseas que vinhan conhecer os trépicos. Fram as chamadas “na turalistas”, ¢ foram eles os principais responsiveis pela as Nartati+ canstrucio de umna inrerpretagio de puis. § vas cém come fundamento o olhar, o fate de rerem visicado 05 lugares, ¢ com isso garantie a veracidade de suis nactativas, O objetivo mais comum erao decoletar plantas animais, se possivel vives, pera wansplancé-los para estufas ¢ zoolégicos ds mais impormates centros isa do mundo. de pesey Velamos como um visfance, « Fimoso naturalisca von Martius, descreve stia chegada a0 Rio de Janciro em 1824: Quem chege conventide de enconear este parte do mundo descoberta 36 desde teés séculos, com a nacu- reza inteiramante rude, violenta ¢ invicta, poder-se julgar, ao menos siqui a capital do Brasil, fora delas tanto fer. a influéncia da civilinagéo ¢ culrurs da velha 7 | ycun HPP QUIEIRA ceducada Furops para remover deste ponto da coléniia os caracteristicos da selvagetia americana, e dar-Ihes cunho de civilizagdo avancada, Lingua, costumes, ar- quitetura © afhueo dos produros de industria de todas as partes do mundo daa A praga do Rio de Janeiro spect europe, O gue, entretanto, logo lembra a0 viajante que ele se acha num estranho cantinente cho mundo, ¢ sobretude a turba vatiada de negros ¢ nu latos, a classe operiria com que ele topa por rods patte, assim que pde o pé em terra, Esse aspecto foi-nos mais de surpresa do que de egrado. A natureza inferion brura, destes homens importunos, seminus, fere 2 sensibilidade do europe que acaba de deixar os cos- tumes delicados ¢ as férmulas obsequiadas da sua patria. Ouna narrativa, a de um imigrante portagués, mais de 100 anos depois da primeira, expressa também 0 choque diante da figura de negro ¢ indica as possibili- dades de integragio vigentes na sociedade brasileira ‘Meu pai, Prancisco da Motta, contava © recontava a sil em 1936. Lee seu irmao, com 11 @ 9 angs, yigjavam com a mae para historia de sua viagem para o B encontrar © pai, que ji estava no Brasil. Foi no navio que, pela primeita vez, viram um negro, A imagem do cozinheiro do navio, com um enorme facto na mao, pavorou os meninos até que, vencido o susto, fizeram “8 (© ARASIL On WIGRANTES amizade com ele ¢ passaram a ajudé-lo descascando bata bites” as na cozinha, Come pagamento recebi ma refeigéo. o que muito thes agmdava ja que née 2 camiam carne de bei na aldcia ¢ chs também nie fiz parte do carelipio da terceita chisse do navio. O segun= do susto foi o de veriticar, ao parar no Recife durante o Carnaval, que existian muitos, milhates de negtos, io, camo aguele que conheceram ne ‘Ao longo do séeule 20% toda a literatura sobre o Brasil, produzida pelos estrangeires que nos visitaram, apresentou dias marcas: 0 encantumento com @ nat rean 6 choque diance da escravidio, Os ineelectuais brasileiros, por outro lad, estavam envolvidos nacons- trugio de uma identidade para o novo pais. Aidentidade do Brasil, desde meados do século Xx, € pensada como resultado da fusio das exés ragas for madoras da nacionilidade — 0 branco, 0 indio € 0 negro. A patticipagio do negro, eatretanto, apresenta- va problemas. Vindo e vivendo como escravo, conside- rade como inferior, o negro se integra A nagio através da miscigenagéo, mas nao encantra lugar na constru- (ao ideoldgica da idemidade brasileira. Um lugar cele- vance é destacado para o indio apresentado naliceratura romantica. O indio idealizado & reconhecido, ainda gue o indio histérico jé tenha sido quase disimado, A mesticagem da populagio brasileiza se coloca como um desafio, jd que a ciéncia do final do séeulo WICYA LPPT OLNEIRA xix consideravaa mistura de ragas um mal. A produgao de seres bibridos — © pior de cada uma das ragas — actenga de que © Brasil néo retd ugar entre as wes civilizadas do mundo. Para além do impasse de ter que lidar com uma populacio mestiga, foi construido um imagindrio so- bre o Brasil ¢ us brasileiros que afirmava a capacidade plistica (de se moldar, se aclaptar), a cordialidade (ga- rantida pela preximidade, pela intimidade} ¢.a demo- ctacia racial (pela iiscigenacio) como ingredientes capazes de garantir a formacio de uma grande nagio nos trépicos. A hegemonia dese process obviamence caberia ao portugués branco, latino € catdlico. Intelectuais brasileiros construtores da teorla do “branqueamento” no inicio do século XX — processo scletivo de miscigenacdo que dentro de trés ou quatro geragdes faria surgir uma populacao branca — viam a vinda de imigrances brancos como umn bem. O mestigo original poderia set_melhorade caso se introduzisse mais brancos 4 miseura original. A selecio de imigra tes obedeceu principalmence a demanda pelo bran- queamento. A possibilidade de miscigenagia ¢ a dispoX nibilidade & assimilagao sio variiveis fandamentais 5a definigao de quais imigrantes sio desejaveis. O imi-, grante, alga de vir preencher uma demanda de bragos* para 0 trabalho, tea o papel de contribuir pam o 7 brinqueamento da populscio, ao submergir na culeara brasileira por meio da assimilagio. a 10+ [D BRASIL BOS IMIcRANTES E preciso lembrar que os povos estiveram sempre se movimentandy ao longo dos territsirins, tias ¢ mares de globo, em deslocamentes continues, O curso da Gvilizagao ocidental foi movido pela existéncia de no- vos espagos — a idéia de wine Gontcita aberra —, que arraiu e possibilitou a movimentagio de grupas que se deslocavam da Europa para Oeste, em diregan ao eon tinente americano, Se isto acentecia desde os Desco imencos, um periodo de imigragao em massa da ‘ucopa para a América acontecea entre 1870 v 1930. :stima-se que 40 milhées tenham atzavessado 0 Arkin- tica, migrands do Velho para e Novo Mundo. Outras fonres falam em 31 milhoes. Ja foi dito que a emigragio ¢ uma expresso da liberdade de movimento, mas é também um produto da escassez, ja que foi © novo atranjo industrial a Europa, com grande concentragio populacional nas cidades, que produziu uma populagio excedente, agucla que wai procurar condigées de vida em outras terras, Arualmente muitos desses deslocamentes estan Yendo identificados como fendmenos de difspora. En- tretanto, este terme estd mais ligado a uma identidade garentida por un: toreio patrio w qual todos deve volear, 0 que nao tem o mesmo significado pata todos \ps grupos que se deslocaram. *” Essa viagem em massa significou um profunde rom- pimenco com a vida anterior ¢ deixou marcas naqueles que a empreenderam. O softimento pelo que estavam eit LUCIA Pe OLVERA deixando v @ ansiedade pelo que deyeriam encontrar mazcam 08 relatos daqueles que emigraram. Passam a viver a situagao de ser estrangciro, como fot maravitho- samente expresso no filme Gaijin, de'Tizulca Yamazalei Ser objeto de temor e/ou desprero é experiéncia de vida que dificilmente se apaga. Mitites remoniain ne avvo lar certas marcas trazidas da casa de origem: retratos de familia, imagens religiosas, tapetes, objeros de decora go, tudo aquilo que possa fazer lembrar o lugar de otigem. Quase todos tém o sonko de retorno, de preferéncia vitoriosos, max muitos nao conseguem rea fizd-lo, Entre os vitoriosos esto aqueles que voltam & tetra natal, mas apenas para exibir os tracos do éxito alcangada. A condigav de imigrante se acopla, assim, & de estrangeiro. Isso significa se sentir ¢ ser considerado como diferente. © grau de estrankamento depende de muitas vatidveis io, as razoes da imigracio. a situagio de viajar em familia ou 36, con- tatos anteriores com patricios que jd moram na nova o lugar de onde se ¥ cera. Isso para nfo mencionar a grande ¢ primeiza barreira enfrentada —a barreira da lingua, O compor- tamento em relacgo a nova lingua consegue definir os obstéculos, maiozes ou menores, a serem enfrentadas, © bilinguisme ou a competigio entre a Iiagua de origem ¢ 2 nova definem a construgio da identidade do imigeante como um novo brasileiro ou come um estrangeizo que vive ¢ teabalha na nova tetra, A manu ize 0 BRASIL DNS renGRATTES cengao da Hngua macema, as dificuldades de comuni- cacao com a nova sociedade, vs contlices linguisticos entre os mais velhos ea nova geracao, entre pais filhos, marcam também o fendmeno da imigragao, O desejo de ser bilinguie se apresenra como meia de o imigrante se tornar brasileiro ¢ ascender socialmente O grau de contato com os que ficiram, através de cartasca manutengio de lagosoriginais pelo casamento. pela prética de se mandar buscar noivas: ¢a criagiofre- forco de lagos através de associaydes e clubes marcam os grupos imigrantes. Tacos estes tages esti prescntes em grau maior ou menor nos imigrantes que aqu chegaram, assim como se fizern presentes, por exom= plo, nos brasilcires que desde os anos 80 se encontram nos Estados Unidos de América. A politica brasifeira frente 4 imigracdo No Brasil do século XIX, a politica de imigragie visava 2 atrair estrangeiros para povoar ¢ colonizar os varios demogrilicos, o que permitiria a posse do terrivérie & a produsio de riquezas. O imigrance desejado era 0 agricultor, calono @ artes#o gue aceitasse viver em col6nias, ¢ nao 0 aventurciro que vivesse nas cidades. Em 1808 foi promulgnda lei que permitia aos estran- geiros a propriedade de terras no Brasil. O governo imperial subvencionava a formagio de miicleos colo- as IOWA LiPPL GLIVEIRA rials de agriculeores em suas tertas devohitas ¢ em sistema de pequena propricdade, como foi a caso dos alemaes ne Sul ¢ Sudeste. Porém s6 em meados do sécule comegam a chegar imigsantes para suptit a carencia de mie-de-obra nos cafe pauliscas, passan- do emao a ser empregados nessa monocular de oF portacao. A subvencio também se altera, deixa de ser de exclusiva responsabilidude do governo imperial para incluir cambém os governos pravinciais € a iniciativa privada, Companhias intecnacionais de imigragio se encarregam de recrutar, transportar ¢ instalar 0s novos imigeantes no Brasil. Com 0 fim do trdfico de escravos, em 1850, alkcra-se também a legislagéo referente & propriedade de terra. A politica de colonizagao do Império, que cedia cerras de graca.a estrangciros, é encio alverada e nova lei passa a proibir a posse de cerra que nao fosse comprada. B é © fim do tréfico negreiro que comega a colocar na ordem do dia a necessidade de suibstituigae da mao-de- obra por imigrantes. A formagao de colénias isoladas, com vida social auténoma, derivada da politica gover- namental, também fol criticada. Silvie Romero foi ura dos intclectuais que, no inicio do século XX, eriticou 0 império por ter criado coldnias isoladas, pezmitindo a formagio de “quistas sociais”, ¢ filou do “perigo ale- mad As dificuldades para atcaic imigrantes a serem assen- tados em terras devolutas detivam de varias frentes: a 4s BRASIL aS IMIGRANIES existéncia do luifiindio, a vigencia da escravidie ¢ a ascociagio encre vida civil ¢ religiZo [no caso a Igreja Catdlica, que dificulrava a vinda de protestantes ¢ de ourras religides). Essas limicagées faziam com que 0 modelo norte-americano da pequena propriedade, que faria sucesso A poe, losse mais um descjo a pavoas 0 imaginario de alguns ilusteados do que realidade do pais. No caso brasileira, durante o século XIX, # encrada de itigrantes aconteceu voltada para dois feces: pequena propricdade agricola. principalmente 10s es- tados do Sul, ¢ as fazendas de café do Oeste pautista, onde cram empregados como mao-de-obra. Desde o fim da Guerra do Paraguai, quando muitos escraves tinbam ganhado a liberdade por kitar oas tropas brasileizas, ¢ da vitéria do Norte sobre 0 Sul escravista na Guerra de Secessio norte-americana, sa- biase que a escravidio 40 perduraria muito tempo mais. A Lei do Ventre Livre, de 1871, tornava clara a necessidade de substicuir ans poucos os ncgros escravos por trabalhadores brancos ¢ livres. A aboligio gradual daescravidao ea entrada de nove mao-de-obra tornam- se questdes politicas centrais, com impacto sobre = constituigao de uma nagao modema ¢ civilizada nos trdpicos. ‘A grande lavoura aumenta as pressdes para que govemos cuidem da imigracio de rrabalhadores euro- peus, cabendo assim ao Estado rectutar os rabalbada- +15) LUCIA LiPps aLIveIRA res, arcar com os custos da viagem e encaminhar essa mio-de-obra as favendas de café, Deste modo, a imi- gragio como substituta da mao-de-obca escreva foi necessidade especifica dos cafezais. A Sociedade Central de Imigragio, que funcionou entte 1883 ¢ 1891 ne Rio de Janeiro, tinka como objetivo traver imigrantes para a pequena propriedacte, visando a transformar um pais de latifiindio monacul- cor cm uma sociedade com cultura mildpla ¢ de pequena propricdaue. ‘A Sociedade Promotora de Imigragio, fundada por fizendeiros paulistas em 1886, tinha por finalidade srazcr bracos para a lavoura de café ¢ recrutou cerca de 126 mil italianos até 1896. A subvengio deixa de ser cxclusivamente do governo imperial c passa a ser tam- bém do governo provincial ¢ da iniciativa privada; ja cm 1871 tinha sido fandada a Associagio Ausiliadora da Colonizagio e Imigeagio para a Provincia de Sa Paulo. ‘Agentes a servigo de sociedades de imigragio anun- ciavam, em vitias cidades ewropéias, 0 Brasil como terra da promissio. Recebendo uma poreentagem so- bre © ntimero de embarcados, essas figuras seduiciam acqueles que, sem alternativas, embarcavamn num sonho aqne muitas vezes se rornava am verdadeiro pesadelo, ‘Ao chegas, exam recebidos na hospedaria que abri- gava os imigrantes até seu encaminhamento para as fazendas. A hospedatia funcionava também como mer- 16. OBRASIL DO IMIGRANTES cade de wabalho, jf que era onde os propriers recrucavam, mai Oeste paulista. No Rio de Janciro havia a Hospedaria da Iba das Hores A secepsa na molhoria da raga. Bduade Prada, monarquista ilustre, por exemplo, etn seu livre A iusita anericand, de 1893, ao analisar a massa operitia nos Estados Unidos, observe ser ela composta de imigrantes que deixavam a antiga patria. Se, pati el imigrantes representam sma selegao dos mais fortes, de-obra para as fazendas de caté do do im ance mio foi sempre inspivacla cer que os enérgicos ¢ audazes, ¢ também certo gue nao sao confidveis, jd que quem nie hesito em abandonar a patria de set nascimento esertipulos em per- turbar a patria adoriva Tavares Bastos, intelectual liberal, partis modernizasao ¢ do federalismo, pode ser romado fio teri ria da como detensor dos beneficios que a imigragio po- deria trazer ao Brasil. Em 1867 clabora um rexto sobre a imigragao, abordando a discussie entre ¢s~ cravidio ¢ imigragio, a agia do governo, a questio das rerras ¢ do imposto territorial, os miicleas co- loniais, os contratos de parceria, a Liberdade religiosa 0 casamento civil. Defende a “livre exploragao da tetra por todos os seus habitantes”, j4 que, para ele. “a emigracio deixou de ser, como o éxodo dos hebreus, 0 exilio forgado para se tornar o mais eficaz lizagéo do globo.” instrumento da ci alia ers Pet OLIVEERA Apésa Proclamagao da Republica, 0 gaverno deere ta que sejam considetados brasileiros todos os estean- ( geitos aqui residences a 13 de novembro de 1889 © agueles que riverem residéncia no pais por dois anos, , A Constituigio de 1891 garantia a nacionalizagao au-\ tomitica de qualquer estrangeiro que vivesse no Brasil que, num prazo de seis meses, ndo se declarasse con tnirio 2 nacionalizagav. A Constinuigio de 1891 passa fo dominio das terras devolinias para os estados, ¢ el 1894 os servigos de imigeagae & colonizagio também se tornam esfera de acto estadual. / © federalismo da Republica colocou a colonizagio’ ea imigragio sob tutela dos estados, e S30 Paulo. com maiores recursos, pade se heneficiar dessa politica. Sao Paulo consegue subvencionar a imigragio basicamente com o pagamento da passagem do imigrante, Nos anos de 1907 ¢ 1908 0 governo federal volta a agir ma imigragio, jd que maioria dos demais Estados nao 0 fazia. © migeante que chega a cidades, especialmente no caso de Sto Paulo, vai participar da industriali- zacio brasiteira como industrial e como operitio. ‘A exploracéo € a falta de qualquer proteyio 30 trabalho, par sua vez, geram movimentos de resis téncia que se desenvelvem primeiro sob influéncia do anarquismo, ¢ depois do comunismo. A prea cupacio com a defesa da “ordem” faz, aprovar a Lei ‘Adolfo Gordo, que permitia expulsar do Brasil os +18. (BRASIL DDS IMICRANTES, estrangeiros envolvidos em atividades subversivas & os criminosos. Desde a década de 1910, apés a Primeira Guerra’ Mundial, € durante 0s anos 20, sao muitos os movi- mentos nacionalistas contraries a vinda de mais estran- \ gciros, © pensamearo de Alberto ‘Torres exetee ums papel importante go defender 0 trabalhador nacional gue permanecia abandonade enquanto os governos s¢ ocupavamn em gatantir a vinda do trabalhador ests geiro. O imigrante se torna tepresentante potencial do inimigo externo passa a representar um petigo para a nagio. 7 ‘A vertente que vé problemas com 0 imigrante tem continuidade, como se pode observar em Artur Hebl Neiva, um des mais importantes conhecedores da questio da imigragao, ¢ que iria pertencer aos quadros do governo Varpas. Para ele inmigrante é sempre alguém que, pelos mais variados motivos, nfo feliz onde esta, sendo sempre um desajascado, jf que “ou tem ambigdes ccondmicas que nio pode realizar ne pais de origem, ou éum perseguide politico. ou possui conviegbes religiosas as quais nfo pode dar expansao”. Nos anos 30 a corrente migratéria da Europa para a América ja esta declinante, no Brasil comega a crescer amovimentagio intecna de populegdes, principalmen- te do nordesce para o centro-sul. Restrigdes 4 enoreda de imigrantes aparecem nas Constituiges de 1934 ¢ de 1937. Passa-se a defesa do trabalhador nacional com sig. les LPH OLIVER a reserva de 2/3 dos empregos para os brasileiros, Os debates na Ascembléia Nacional Constitutinte em 1933 dao sinais dos novos tempos em gue se discutem os limites & imigracao no Beasil. A Constituigae de 1934 estabelece um sistema de coras de 2% sobre o total dos respectives estrangeiros fixados no Brasil durante os tiltimos 50 anos, além de proibir sua concencragao. Ha intimeras dificuldades para a implementacio dessa po- Iitica de cotas, encre elas a falta de informacie estatistica qe a suporte AConstituigio de 1937 nao muctaa de 1934 no que se 1efere 20 controle da imigragin; reserva ao governo federal o diveito de limitar ou snspender a entrada de novos imigrantes proibe a formagio de nuicleos, assim camo © ensino em lingua estrangeiza a menores, © a existéncia de jornais¢ revistas em lingua estrangeira, a niio ser com autorizagao de Ministétie da Justiga. Em 1939 € criada © Consclho Nacional de Lmigragio, ¢ elaborado nove projera de Ici de iinigragio, Oliveira Viana, um dos mais importantes idedlogos do Estado Novo, considera que o abrasileiramento deve ser vel tica de governo, Observa ainda que se deve atenta: para, a “dosagem de elementos exsriens”, ¢ para isso ha qué se levar em conta as diferengas cntre as ernias latinas € nao-latinas, aqui incluridas as germaaicas, as cslavas ¢, principalmente, as asidticas (japonesas). Para cle os cspanhdis © portugueyes “no apresentam nenhum: problema sério do ponto devista da assimilagio, saben- 20+ U BRASIL OUS IMIGRANTES do-se que seus descendentes se mostram tig integrados nanos velha estirpe” A campanha de nacionalizagiio desenvolvida du- rante o Estado Novo atingiu. principalmente as ¢s- colas alemas, japonesas, polonesas ¢ itulianas, Ata- comunidlade nacional quanto os brasilestos de couse principalmente o ensin em ontra lingua, & volas foram também abrigadas a assumir a sememoracio dos simbolos ¢ datas nacionais bra- sileinas. A decloragio de guerra do Brasil 10 Hixo. om 1942, © a presenga signifieariva de alemaes, italianos ¢ japoneses no cerrivério brasileiro, muitos deles acusados de serem partidivios do nazismo ¢ do fascismo, produrem pesseguigbes “oficiais” a maitos imigrantes ¢ a suas associagdes, incluindo o confisco de bens de pessoas desses paises radicadas no Brasil, A Segunda Guerra ¢ a perseguicio aos judeus introduzem novas varidveis no debate sobre entrada de esirangeiros no Brasil. A posigio am- bigua do governe brasileiro frente aes juccus vem sendo estudads e questionada em estudos contem- parineos, Em datas mais recentes, 0 Brasil tem recebide novo tipo de imigeante: pessoas menos pobres, com nivel educacional mais alto; desde portugueses que fugiam do servigo militar na Africa até angolanos fugindo da guerra civil. A partir dos anos 1990 chegam ao Brasil novos estrangeiros, nas agora come donos de empresas OM LCI UPR LIVEN e técnicos de multinacionais que participaram do pro- cessa de privacizacao de empresas brasileiras. Por outro lado, nos anos 1980, o Brasil comega a “expulsur” os seus. Quem sao, quantos sie? Entre 1880 ¢ 1915, cerca de 31 milhies de imigrances chegaram as Américas, O primeiro destino dessas po- pulagés etam os Estados Unidos da América 21.4 tildes, 7090); em segundo lugar estava a Argentina, com 4,2 milhées, em terceiro 0 Brasil, com 2,9 mi- , com 2,5 milhdes. As thdes, ¢ em quarto o Cana resides exportadoras de mio-de-obra eram os paises europeus tradicionais: Inglarerra ¢ Felanda, com 10.4 milhdes, Alermanha, com 2,2 milhdes, paises escandi- navos, 1,5 milhao. As regides do Sul e do Leste europent somente se destacam como exportadoras de suas popu laches excedentes ao final do século XIX. A Irdlia, que até 1880 tivera um contingente insignificante de cmi- granites, exports, entre 1881 € 1914, cerca de 7,7 injlhGes de trabalhadozes. O inicio da Primeiza Guerra, detém essa tendéncia, que volta a subir nos anos 1920 mas diminui sensivelmente durante a década de 1930 ca Segunda Guerra Mundial. Os dados sobre a imigeacao no Brasil s40 espatsos, pouco sistematizadas ¢ mesmo conflitantes. Os ndime- 22+ 1 BRASIL DOS IMIGRANIES ros dependen das fonts consuiltadas. Nas camemerae gSes dos 500 anos do Brasil, 0 1KGE apresentou dados fichis sobre a imigragao no pais, segundo a naciona- lidade, de 1884 a 1939) | Hacenaliaae [total Alemie 170.045 | [tspanhow _P . SBLTIB Ttalianos | 1.412.263 Japaneses, 188.799 | Portuguu ~)__ 1204384 | Sinios euros | __ 98.982 Outos | s04936 C=. = Segundo os dados sobre imigrayan até o fim da década de 1930, apresentados por Artur Hebl Neiva « J. Fernandes Caimeiso, 0 Brasil teria reeebide um total de 3.523.645 imigrantes, assim distribuidos: __Totel de toigrantes. T0803 —THo08 9 1910 ~ tet 1920] 1920 4 1930 Peo) Do total de imigrantes, so 1.156.472 (quase 1/3) italianos, 1.030.666 portugueses, 551.385 espanhdis, 112.593 alemies, 108,475 russos {nao se sabe se entre B95 Wea LIPPL OLEIRA 8 russos esto os judens), 86.577 japoneses, 79.052, austriacos ¢ 73,690 sitio-libaneses. Nao se sabe ao certo quantos retornaran para os patses de origem ou mite lacam de destino e foram para outros pafses. Lstima-se que a fixagao seria de mais de 50% de permanéncia no Brasil. Do total de imigantes, 2.033.654 (57,794) foran para Sao Paulo, sendo 694,489 italianos, 374.658 espanhdis, 362.156 portugueses, 85.103 japoneses 30.507 alemes © 33.133 austriacos. Mesmo que essas estatisticas sejam prccésias, clas informam sobre um fendmeno que pode ser ahservado aotho nu por quem chega a Sito Paulo. Nao é também por ontea ra7Z0. que a matoria das pesquisas sobre imigrantes ¢ imigeagio coma Sao Paulo como caso de estudo. Irci cratar em mais detalhe de alguns casos — os portugueses no Rio de Janeiro, os italianos em Sao Paulo, os espanhdisipalepos em Salvador, Foram esses os imigrantes “desejados”, ji que, pela proximidade de lingua, de religido, de cultura, seriam mais facilmente assinvilados, como desejava a cultura nacional. Bstima- se que dos 5 milhdes de imigrantes recebidos pelo Brasil enere 1850 © 1950, 75% cram formados por pormigueses, espanhdis ¢ italianos. Outros imigrantes também tiveram presenca relativamente forte: os ale- mies, 0s sitios libancses, os judeus, 0s japuneses, entre outros. Na impossibilidace de watar de cacla umn deles +24. UGRASIL BOS MMIGRANTES nos limites deste livro, indico, ae final do volume, toxtos relevances que possam auxiliar no prosseguimen- to do estude para aqueles que o desejarem. Minha suposigfo & que 08 casos aqui apresentados poderso fornecer os rages b também as linhas gerais do comtae com. a cultura cos do grupo em questi © Drasileira. Os portugueses no Rio de Janeiro © Brasil foi o Eldorado pera Portugal, seja porque possibifitou ciqueza a metrdpole, seja porque permitiu que os pornigueses pudessem ultrapassar os finvites rertitoriais da mae piicia e vivessem fora dos contrales, da metrépole. © escritor portugué’s Nuno [idice assin se refere & importincia do descobrimento para Portugal © Brasil continua a ser uma espécie de terra da pro- missio no imuginirio portugués, Isso est( relacionados ao fato de ser ainda, ao sécalo XIX, uma terra de imigragdo. As casas ricas de Postagal sio as casus dos brasileitos, sobretudy no norte de Porrugal. Além do aspecto material, bd outro, ligado 4 idéta do Brasil como possivel reitigiv, como na época da invasto de Portugal pelas tropas de Napoledo, O Brasil é un possivel refiigio pot causa da lingua e da cultura, +25. LUCIA IPP OLIVEIRA ntve us estrangeiras que vieram viver no Brasil ao longo dos 500 anos de sua histéria, os portugueses que agai chegatam apés a Tndependéncia desiruram de sitaagio singular, Sao muito proximos dos brastieiros, irmios nicsmo, ¢ a0 mesmo tempo sio distintas. Essa zelagio tao prixima ¢ delicada enste brasileizes ¢ por- ugueses se fr. prosente inclusive nas anedotay que marcam a Uadigao humoristica dos brasilciros. Os portugueses sao relarivamente pouco estudads, pte~ dominando uma imagem de fraternidade entre os dois povos, separados pelo aceano ¢ anidos pela lingua ¢ pelo continuo fluxe migratério, F cerre que as poru- guieses foram os colunizadores, representatam a presea- ca curopéla, a civilizagao, numa tetra de indios para a gual trouxeram negros ¢ da qual fizeram um pais de mestigos. Enfrentaram ondas de aceitagio ede rejeigio, pelo menos desde que 6 j& nascidos na terra desenvel- veram o projeto de auronomia frente A metrépole. Para alguns, a Lndependéncia, em 1822, mio foi feita antre os porrugueses, mas cone os portugueses. O tato de a Independencia brasileira tex sido realizada sob 0 con- trole da dinastia portuguesa actescentou mesmo tragos peculiares 30 Brasil, como a manurengio do regime monirquico duraare 0 séctilo XIX, quando as demais ex-colénias espanholas se tornaram repuiblicas. Portugueses vinham para a Golénia ¢ viravam portugueses do Brasil, independente de rerem nas- cido ld ov cd. © Brasil era apenas uma regio do 238. (© BRASII DOS IMIGRANTES Sno Império Colonial portugués. século XIX que se inicia a definiggo de uma nagio independente, mas sempre com fronteiras muito Muidas entre Brae sie Portugal, Come nos diz a historiadora Gladys Sabina Ribeiro, esse fol um proceso longo: o de transformar 05 portugueses de Portugal em simples- mente portugueses ¢ os portugueses do Brusil em hrasileiros. Muitos vinbam ganhar a vida no Brasil. fazer fortuna, voltavam para buscar a familia © aqui permaneciam, j€ que tinham alcangade um padrio de vida superior se comparade com a pobreza © falea de perspecrivas em Portugal, Os portugueses que vieram tentar a vida no Brasil no final do século XIX ¢ inicio do XX se concentraram em atividaces urbanas nas maiores cidades do pals — entre eles o Rio de Janeiro e Salvaclor. Haziam parte de im enorme contingente que, fugindo das condigées de pentitia da Europa, veio “fazer a América” no Brasil, favorecido pelo trastade realizado por barcos a vapor que reduvia 0 tempo ¢ 0 custo das viageas maritimas. Portuguescs, espanhisis « itclianos, por serem brancos, catélicos © falances de Minguas préximas, podiam ser assimilados mais rapidamente e, como jé menciona- mos, correspondiam 20 perfil do imigrante desejado. Sua chegada foi bem-vinda pum momento em que 2 sociedade brasileira cnfrentava a0 mestao tempo a caréneia de mao-de-obra ¢ 9 desafio de se tornar uma sociedade moderna +276 LUCIA UP: OLVERA A proclamagio da Repiblica ¢ a virada do século fizeram a cultuta pormaguesa ser atacada, ja que fora sobre ela que se inham construide a sociedade ¢ 0 Império nos erépicos, Foi inclusive a forte presenga de portugueses j4 enriguecidos na propriedade de lojas comerciais ¢ de iméveis de aluguel que propiciou um intenso sentimento popular antilusitano no Rio de Janeito. Na iiltima década do século XIX ¢ nas duas primeiras do século XX aumentaram as Lensdes entre pormgueses ¢ brasilciros, ¢ novas formas de cejeigio passaram a ser insccitas no imagindrie nacional. A antiga imagem do portugues, visto pela populagio brasileira como colonizador ¢ explorador, acrescentae va-se agoraa de esirangeito, monarguista ¢ conspirador contra a Repdblica, © momento politico da Revolta da Armada, cm sctembro de 1893, produziu mesmo © rompimento das relacdes diplomacicas entre Brasil € Portugal. Isso gerou uma onda de indignagao popular contra Portugal, considerado inimigo da causa nacio- nal republicana ¢, por extensio, do povo brasileiro. As diferentes percepgses sobre o portugues podem ser observadas ao romance O cortiga (1890), de Aluisio Azevedo, que apresenta os esterestipos sobre 0 porttt- gues. A imigragao em massa na vitada do século coincidin com transformacées econdmicas e politicas no Brasil, com 2 Abvligao a proclamagio da Republica, Essa leva de imigrances trouxe para o Brasil pessoas pobres 28+ © BRASIL DUS InnGRANTES otiginérias do norte ¢ nordeste de Portugal, vindas principalmense do Minko, de Douro ¢ de ‘Tris-os- Montes, assim como de areas rurais da Hspanha e da Iralix, Enquanto os icalianos espalliaram-se pela Lavon ra cafeeira, os portugueses conventrarans suas ativids- des no pequeno comérciy urbano ou ingressaram nas fileiras da massa operdria que se formava no Rio ¢ ent Sio Paulo, Nesse mesmo periode outta correare imi- eatéria chega av ceatro-sul, vinda de Nordeste, onde uma grande seca levava os agricultores « abandonar suas terras. ‘Lemos, assim, ao Rio de Janeiro, a cocxis- téncia de trés grupos que chegavam quase simuleanea mente 3 cidade — libertos, nordestinos ¢ estzangeiros —, ajudando a criar 0 cendtio dos conflivos urbanos que tiveram hugar na cidade Os imigrances europeus, longe de corresponder 2 visio idealizada de branco superior, tiakam pouco conhecimento dos eédigos urbanes. preciria quali- fcagdo profissional ¢ lagas de familia enfraquecidos. ¢ vieram engrossar a populagio pobre que se ceunia no Rio de Jancieo. A cidade cstaya vivendo um proceso de transformagie que envolvia a moder- izagio urbana, a abercura de novas vias, ¢ fazia parte do projeto de suas elites afastar os pobres € a populacio de cor que se acumulava nos cortigos do centro da cidade. A histéria dos processos de expulsio permite acompanhar o gue estaya acontecende com muitos +295 ucla LPP ALE dos estrangeires que aqui chegavam. Entre 0s indi- viduos pobres gue chegavam ao Rio, destacam-se os portugueses que se somavam aos “indesejiveis”, aqueles que s6 com sua presenga ameagavum a or- dem. Alguns tornavam-se anarquistas, mas a maioria chegava 4 pobreza pela falta de qualquer perspectiva de vida. Os anarquistas, os militantes operérios, ou os vadios, ladrées, vigaristas, jogadores, bébados © mendigos compunham a massa urbana da capital. ¢ cram vistos pelo discurso oficial como perigoses € capazes de contaminar 0 eecido socials levando i desordem uel a. sve melo toma como base 0 Tevaace conbecide como Revelta da Vacina, que alimencou e produziu uma politica repressiva ¢ pro- filitica capa de transformar o Rio em capital “ci- vilizada’. A participacao de imigrantes esirangeiros entze eles os portugueses, nos conflitos urbanos leva Q aplicagao da legislagao criada especialmente para permitir o banimento de agitadores estrangeiros que Sconraminavam” © prolctariado brasileiro. Entre o8 portugueses pobres que aqui chegaram, consttuiu-se uma categoria convam & época: os caixel- inhos porsugueses ou galegos que, jovens, chegavarn a cidade e, sem lagos familiares, passavam a teabalbar, dotmir, viver nos locais de trabalho. Diante das condi- g6es adversas de vida, tornam-se agtepados. Quando perdiam 0 emprego, perdiam tudo, Nesse caso passa- +30 ~ fe | “Ske 4 BRASIL DOS IMIGRANTES varn a se somar 4 massa de jovens fora da lei. Sio mais conhecidos os casos de sucesso do imigrante, como o dos fundadores da Confeitaria Colombo, mas os eases de fracasse sic pouce estudados. Os portugueses pobres que chegavam ao Brasil e a0 Rio de Jancira, por sere bra preferidos aos irabalhadores nacionais, negros eamuta- tos. O discurso da itmandade entre portugueses € beasileiros facilirou esse intereambio, ao mesmo tempo cm qe 0s portugueses paderam se incegrar na discri- miinagdo & chamada populagao de “cor”. Eran traba- Iiadores © se opunham aos nacionais, considerados preguigosos: Tinham sido os exploradores, agora cram também explorados. Os preconceitos iam sendo cons- truidos: exam vistos como sovinas, que atrapalhavam 0 progresso pela maneira tradicional, familiar, com que lidavam com seus negécios ¢ seus empregados nascidos neps € europeus, cram aqui. Shae 1830 ¢ 1930, cerca de um milhae de portu- gueses migraram para o Brasil. Considerando que @ populagao portuguesa ema 3911 era de 5.960.056 ha- bicantes, ¢em 1920 de 6,032.99] habicantes, podemos ter uma idéia do significado, em Pormugal, dessa saida, ntre 1919 e 1930, o total de emigrantes portugueses com destino ao Brasil era de 337.723. O censo de 1920 apontou 433.577 portugueses residentes no Brasil Esse miimero seria maior, néo fosse a lei de nature giv de 1891. Depois de um perfodo de certa estagna- “a. LUCTA UIPPL QUVEIRA, io, a corrente imigratéria volta a crescer, De 1950 aré 1963, do rotal de imigrantes recebido pelo Brasil, 40% ram portugueses Durante 0 sécula XIX, multos portugueses se ocupa- ram em manter a ideotidade cultural ¢ defender os incetesses de toda a colbnia. Isso levou uma elite a organizar associagbes, clubes ¢ sociedacdles de assistén- cia, fundar jornais ¢ pattocinar obras literitias que defendessemz 0 ponto de vista da colénia, Vinere as stituigdes Fundadas ¢ sustentadas pelos porcapueses bern Linanceiramente esrio o Real Gabinere Portugués de Leitura (1837), a Beneficéncia Portuguesa (1840), a Caixa de Socorros de Dorm Pedro V (1863) ¢ 0 Liceu Literirio Portugués (1868) Os movimentos nacionalistas ¢ contra estrangel- ros que se desenvolvem apés a Primeira Guerra Mundial acentuam os esteredtipos do portugues como bronco, analfabezo ¢ adulterador de pesos ¢ medidas. Into se acentua especialmente nos momen- tos de ctise social no Brasil, © controle sobre at vidades comerciais o fax ser também identificade como imigrante indesejivel, jé que. em ver de se ditigit para o campo ¢ cultivar « terra, ficava nas cidades especulando com 05 géneros alimenticios, alugando habiragSes 4 precos exorbitantes e peaci- cando a agiotagem. Como imagem positiva contra- posta encontra-se a de ser trabalhador, ahediente, respeitador das autoridades +32, (© BRASIL BOS IMGRANTES Assim, os portugueses sufreram toda sorte de preconceico, principalmente aquele que se dirigia contra 0 imigrante pobre. Nos dias de hoje ainda encontramos uma presenga maciga de portugueses como donos de padatia no Rio de Janciro. Seus empregados, balconistas, sio em sua maiotia nor- destinos que vicram substituir o imigeante pobre nessa atividade de baixo status Em tempos mais recentes « preconceito se arenua, wo muitos os jd que a directo da imigragio se inverte ¢ brasileiros que vie para Portugal e que, por outro lado, 08 portugueses que aqui chegam so, em sua mailoria, pessoas com maior grau de instrucio ¢ qualificacio. Muitos vém ocupar altos postos em empresas muftina- cionais. Foi no espace doméstice que se preservaram mui tas das rafzes portuguesas — a imagem de Nossa Senhora de Fatima, o galo de Barcelos, a aldeia fembrada em quadros oa em pratos de parede. O imigrante bem-sucedido vai introduzir melhora- mentos em sua aldeia mas, ao voltar a terra, é chamado de “brasileiro”. A proximidade de lingua, de religito, de tipo fisico ¢ até de nomes facilita a integragao dos portugueses no Brasil, ainda que agos culturais com Portugal se mantenham, Cons- tituem 0 caso mais nitido de duple pertencimento Ma geracao que imigrou: em Portugal sZo “brasilei- ros", no Brasil sio ainda “portugueses” +336 LUCIA TEE OLVERA Os italianos em Sao Paulo. © aumenro da importéncia do papel de Si0 Paulo dos paulistas na histéria brasileira rem lugar nos pri- meiros anos do século XX. Esse € rambém eo momento de desenvolvimento econémico advindo da cafeiculen- rae do fantastico crescimento da cidade de Sao Paulo. A populagao da regiio ¢ da cidade se tornava mais diversificada pela chegada de estrangeizos e pela cons- tituigio de novas camadas sociais. E oxatamente nese context que se ieconstt6i uma narrativa histériea cstabelecenco uma suposta estirpe aristoctitica paulis- ta, Fla teserva ao branco portugués mestigado com 0 indigena — © bandeirante — um papel central na condugao do proceso colonizador. E consteuida uma imagen: de uma sociedade maledvel com uma culzura dinamica, nascida da mescla entre 0 portugués © 0 indigena, berco da aventura do bandeitante, que seria também capaz de integrar 0 imigrante. Com isso, huscava-se recenciliar pobres ¢ sicos, brasiteitos © es- srangeiros, passade v presence, tradigao ¢ modernidade, Assim, scré no momento em que a populagio da regio apresenta mais diversificagao éunica ¢ social (imigragio estrangeira, surgimenco do operariado) que se procura assegurar o primado da suposta aristocracia paulista sobre os grupos recém-chegados & vida na cidade, Nos anos 20, apogeu do culo ao moderna em Sao Paulo, apareciam juntos bandeirantes, caipiras e cabo- 345 0 BRASIL DOS HnIORANTES clos descendentes de indies ¢ “novos mameluces” — 05 “catrangeiros paulistanizados”, 1 expressio do es- ctitor Alcintara Machado. O negro foi sempre 6 gran- de exclutdo desse painel paulista de época. ‘Tanco os modernistas paulistas quanto os italianos de Sao Paulo viviam a confianga ¢ o enrusiasmo que 0 fantéstico crescimenco urbano possibilitaya. Muitos italianos en- contraram em Sao Paulo o espage para fazer desde um pequicno peciilio até as grandes fortunas de um Mata- azo ou de um Crespi. © italiano que chegou a Sao Paulo nese perfodo vinba cm sua maioria do Sul da Itdlia — Cosenza, Salerno, Potenza —, regio onde predominava a agri- cultura camponesa. Deixou o lugar de otigem nio por revolsa contra as condigdes de vida, ¢ sim porque a “ma sorce” o perseguia ¢ ele fora obrigado a tentar a vida cm outra tecra, Aqui chegando para substituir 9 negro, & considerado pela sociedade que 0 reeebe coma quali ativamente superior, por set branco ¢ catélico. ainda que pertencesse as camadas mais baixas da sociedade de origem, devido A sua condigio de camponés. de trabalhador bragal. Qcupar uma posigio subalterna nao surpreende o imigrante, jd que eta essa a condicio que conhecia no seu higar de origem. Importada pasa substituir o brago esctavo, © italiano veio trabalhar como assalariado nas fazendas de cafe. Os primeitos imigrantes tiveram que enfrentar condigées de trabalho muito duras ¢ dificcis, © 6 as LUCIA LiPPE OLIVEIRA endividamento pela viagem © a mentalidade escra- vista de muitos proprictitios de terra chegou a levar © goverto italiano a proibir a vinda de novas ievas de imigrantes para o Brasil. Muitos, nio rendo espao nem jugar para se rornarem propriecdtios de tertas, se ditigem para a cidade, onde encontcam patricios que ja tinkam percorrido 0 caminho para © mundo urbano, Na cidade procuravem ocupar atividades que pudessem garantir rendimentos eco- némicos para realizar 0 sonho de voltar para a comunidade de origem — jornaleiro, garraiviro, comerciante de peixes, verduras © cereals, Eran atividades que podiam ser realizadas por pessoas sem nenhuma qualificagao, com pouco capital ¢ mesmo por aqueles que falavam apenas um dialoto, Os imigrantes encontram aqui um campo novo ¢ praticamente sem concorrentes. O rapido desenvalvi- mento da cidade criava a demanda por esses servigos, E cles souberam aproveitar 0 novo espaco, Fazendo tiso da rede de sclagies que tinham ou que criavam. Dai que as relagSes pessoais, familiares, entre membros originatios da mesma aldeia cra fundamencal. Muitos se agrupavam, se ajadavam e mesino rectiavam a socie- dade de sua aldeia de origem. A presenga maciga de italianos na cidade gera senti- menios contraditérios, ji que muitos brasileiros pase m1 a se sentit vivende em uma cidade italiana, Em Sao Paulo desenvolveu-se uma imagem preconceicuosa +36. 0 BRASH. DOS IhVGRANTES dos italianos —a figara do careamano—, que destaca a suposta ignoréncia, fala de polider e de honestidade do imigrante, As coldnias deram erigem aos bairros iralianos de Sie Paulo, como Beas, Boxiga, Bom Retiro, Barrs Funda, Belenzinho. Em muitos rerrenas baratos com 0s vales insalubres do rio ‘Tieté ¢ “Jamandustel, mas servidos por ramais de estrada de ferso, foram inscaladas Fabricas ¢ scus baicros operirios, onde se acomodaram muitos imigrantes, ‘A comunidade de origem rural se reorganizava nos bairros onde encontrava protegio para os mo- mentos dificeis da chegada. As festas du santo pro- retor indicam os lugures de origem. No Bexiga a festa cra de Nossa Senhora de Acheropita, venerada em Rossano, Calibria, na provincia de Cosenza. No Bras o festejado ¢ Sao Vito Martir, vencrado pelos origindrios de Polignane a Mare. © impor- tante livia de contos de Aledntara Machado Bris, Bexiga © Barra Funda apresenta retracos, flagrantes da vida humilde dos imigrantes italianos uo periodo de 1900 a 1920. As atividades urbanas de alfaiace, sapateito, pedrei- 10, escultor, jornaleiro, vendedor de géncros alimenti- cios estie entre aquelas de que os italianos souberam Jangar m&o no momento de expansio da cidade. Al- guns depoimentos nos permitem tomar conhecimento das vivencias desses imigrantes de diferentes aldcias da peninsula italiana a0 chegar a So Paul 37+ WeH8 Leer ouvelRA L. de B. chegau a $20 Paulo em 1899 com a fanibia © pai e um irmio comegaram a vender peixe, outro inmio tomnou-se gaerafeire (. © pai falou com um amigo jomaleito, que o tomou ae seu servigo: de manha 0 pace The dava ura certa siimero de exem- plates para vender © pagavalhe um tanto por dia. Depois de algum tempo, comegou a trabalhar por conta prdptia, nao tinha fieguesia fixa, limitava-se a vender no centro. Em 1936 formou a primeira bane nia praga de Se e com ele trabathava a filly mais velho (L. de B. casara cm 1912). Agora que a circulagio de jornais © reviseas aumencou muito 3 banca fica aberta dia ¢ noite e, akim do fio, mais dois empregados al ceabalbam, 1, chegou a Sao Paulo em 1893 com 20 anus, Com- prou uma carroga ¢ a clientela do irmio, estabelocido cm Sao Paulo desde 1890, e comegou avendet verdu- ras. Em 1900 cedeu a sua clienteli © passou a viajar pelo interior como mascate; sendo sew itinenirie Si0 Paulo, Jandiaé, Campinas, Cravinhos, Ribeitia Preto, Batatais. Venda ow crocava merccclorias, contiorme o caso, De valia a Sao Paulo, deixava os sacos de cercais na estagio, levando consigo apenas uma amostra da meteadoria, Quanda perccbeu que © comércio de cereais era mais rendoso alugou uma “porta” na tua Santa Rosa ¢ dedicou-se completamente a isso. 38+ 9 BRASIL BOS IMIGRANTES ‘A passagem de comerciante de ceteais varcjista a atacadista cra sinal de melhoria de vida do imigran- te, ¢ isto 86 se tornava possivel pela pritica comum entre os membros do grupo de confiar as economias aqueles conterrancos que tivessem maior prestigio. Estes passam a ser depositérios das economias de seus patricios, o que thes dava acess a somas muito superiores as suas préprias economias. O comer- Giante de cereais, per sua posigi econémica, pas- sava a exercet ouitias fungées que The aumentavan © prestigio no grupo As fesias dos padzociros ofereciam a opertunidade para 0 grupo reforgar seus lacos internos ¢ marcar sua posicgéo na comunidade maior. Em 1927 nosso pai alcangou o dpice da sua casreira de atacadisca de cereais e nesse mesmo ano comprou um palacere perto da Avenida Paulista. Na nova cass eta proibido falar dialeto: “todos”, dizia meu pai, “deve falara lingua de Dante”. Atéos seus velhos amigos que iam visité-lo em casa devia falar italiano; no escrité- rio, a0 conteirio, o dialeto cra ainde permitide, Essa sua mania causouthe muitas inimizades e dentro de poucos anos encontrou-se isolado, rante que, depots do casamento dos seus filhos (em geral com descen- dentes de italianos do Norte, “gente fina’), voltou a tesidir no Bris. +395 {WCIA LPP) ouive A mudange de lingua ¢ sentida como necessidade Para afirmar a muclanga de status. O uso do dialeto, aos olkos da classe média italiana, permanece come, frago das camadas mais inculas e pobzes da populagio, O casamento entre italianos do norte ¢ do sul rambem desencorija © uso do dialer em familia, jd que o italiano do norte se considera superior. Ositalianos que aqui chegavam constieulam um grupo heterogéneo. A unificagao italiana cra muito recente ¢ ainda ako pro- duzira uma identidade nacional; 0 que prevalecia nzo crea Telia, nem mesmo a provincia, mas sim a aldeia, ® povondo, Assim, near a lingua os unia, jd que falavam, muitos dialetos. Em coutaro com a terra brasileira, os costumes camponases ou aldedes sio abandonados, de inicio, em nome de ama culeara ital liana, ¢ nao a faver da cultura local, ¢ isso porque a ideia de voltar ui dia A pavia levava os imigeantes a tentar subir na conside- Facto de seus compatriotss, Conhecero italiano passou a set necessirio toda vez que o imigrante precisava entrar em contaro com autoridades poltticas e consi. {ares iralianas. Dusanteo governo fascista de Mussolini, essa relacso foi forvalecida, j4 que pela primeita ver o governo comesa a apoiar 93 itallanos que viviam no exterior, ¢ multos da colénia se tornam ou se dizem Tascistas. Ser teabalhador bracal c desprestigiado no Brasil faz © imigrante desenvolver uma consciéncia éinica cm ome da quai descobre que é italiano. E importance 1. Desembarque de iragrantes no porto de Santos, c.1907, Santos fi 4 princypal via de entrada de imigrantes no Brasil, vindos de eiversas partes do mundo, 2. Desembareue de imigrantes ne estagao lerrovidria da Hospedaria dos Imigrantes, onde permeneciam ate sere encaminhados aos novos trabalhos, «1907 HOSPEDAR Ane [MMIGRANTES. ao ESTADO ne Maal 3. Vista geval do Departamento de Imigragéo ¢ Colonizacao, antes de 1911: (1) Edifieie central: Administragéo v dormitérias, (2) Refeitoria & cezinha,{3) Entermaria, (4) Hospital, (5) Depésita de frutis, (6) Sanité- 5. Operarins de uma das indislrias Matarazzo, ¢.1910. 0 erescimento das rios, (2) Triayer medics, (8) Cstagaure baganeiro, (9) Partae principal, atividades industrais permitiu que es imigrantes pessassem a inteqrar a (10) Agencia eftcial de calecaedo, (11) Agencia postal, telégrate c cambio, (12) Fort3o da rua Almeida Lima. massa operaria brasileirs 6 Getlio Vargas em visita 4 Hospederia de Imigrantes, 1940. Durante Fstada Novo, tresceu © controle to gavema sobre a entrada de imigrantes 4A lavoura de café Foi, até o final das anos 20, 0 principal destino dos imigramies, Interessade ng mo-de-obra abundante c barata, o governa incentivava essa vinda através de propegandas como esse cartan postal, divuigada na Europa, sid. no pals. Baa 08 ee ends act Fcowecciitoe: aa repet ae wig ae . Ey meee Papp tt Bia al & 8 ae 7 ¢ 6, Passaporte e passager de navio de 3° classe de Antonio dos Santos Casto, imigrante portugues de 15 anus que embarcou na cidade 9 Porto pare o Rio de Janeiro em 8 de novembro de 1921 pe 0 BRASIL O05 IRAIGRANTES destacar que o imigrante aqui se toma italiano: no proceso de consctucio da cidade de Sao Paulo ¢ de uma classe média urbana Os italianos sda representados por inimeras obras de literatura como aquele imigrante capaz de ser rapi- damente integrado a cultura brasileira — os pobres poderio s¢ rornar ricos através do trabalho, os rivos serie accitos através do casamento corn famifias tradi- cionais empobrecidas —, ainda que seja criticada a agressividade ¢ petulancia tipica do imigrante em as- censio. Por outro lado, a integragao ji existente dos italianos a vida da cidade torna menor a perseguigio a esses imigrantes durante a Segunda Guerra, se compa- rada aos alemaes ¢ japoneses. Durante a guetta ¢ quan- do 0 Brasil entra no conflico, os italianos, principal mente aqueles que cinkam aderido aos sonhos grandic~ sos de Mussolini, passaram a sofrer ageessbes anterior mente desconhecidas. Iralianos, mas principalmente alemaes. japoneses, passaram a ser chamados de “quin- ta-coluaa’, ou seja, aqueles que ajudavam aos exércitos do Lixo (Alemanha, Iedlia ¢ Japao). Se x insergao na sociedade paulisca foi possivel por varios caminhos, a identificacio coma sociedade maior sé se dard, de fato, para aqueles que ultrapassam 0. grupo social mais restrito, principalmente para aque- Jes que chegam & universidade. O éxito ccondmico obtido pelos primeizos imigrantes, na maioria analfa- betos, contribui para diminuir aos seus olhos ¢ aos “al. HCW LPeF OLIVEIRA olhos des filhos 0 valor da inset econdmice levava ¢ imigra de “fazer do filo um doutor” ea desejar, em vez disso, io em geral. O éxito te a abandonar a aspiragao ques filkos continnassem a trabalhar com ele, ou pelo mebos no campo que o tornon, rico, O sucesso ebtido pelo exercicio de oficios humildes no pasado zeabili- tava 0s préprios olicios aos seus ollios. Os italianos participaram de proceso de inchisteia lizagio de $40 Paulo. Formaram. boa parcela da mao- de-obra; alguns criaram pequenas Fibricas familiares; outros se declicaram & importagao-exporlagio asso ciando essa atividade as fébricas; reinvestiram os Lucros da exportacio nas inchistrias; abriram casas bancdrias, bencficiando-se dos recursos que os patticios descja- vam enviar para as familias na Itdlia; empregaram seus patricios cm suas empresas. Os indusisiais italianos, entretanto, se solidarizaram com os paulistas na defesa de seus interessos frente as greves. As profundas dife- Fengas sociais que marcavam acol6nia italiana se faziam. Presentes toda vee que interesses econdmicos estavam sin jogo. Tais interesses acabavam por sobrepujar uma identidade nacional italiana, A presenga dos descendentes italianus na vida de $i0 Paulo € incomensurivel. Fla se expressa no furebol, campo em que fundaran os primeiros clubes popula. res, Corinthians e Palestra Itdlia, hoje Sociedade Espor- tiva Palmeiras; no jornalismo e na inchisttie de comu- nicagao; nas profissdes eraiss na ind istria, quer como 2425 fo SRASIL OOS IMIGRANTES empresirios, quer como operirios ¢ lideres sindicais. Considerados herdeizos de uma forte cultura musical 2 aruistica, of italianos se fizeram presentes no veatro quiterura, na operirio © burgués, no cinema, na caricatura. E, por fim ¢ no menos importante, na culinaria ¢ no sotaque pautistano. Os galegos em Salvador Conscientes de que o Brasil nascew na Bahia, orgulho- sos de terem sido os consolidadures da independéncia (0 finn da luta pela independéncia acontecew na Bahia cm 1823, determinando 0 feriado de 2 de jullio}, os baianos viveram as elérias do passado colonial expres sas nay igrejas barrocas, na arquitetura fantistica de Salvador — uma Lisboa nos tépicos — como su primeira capital. : A descoberta das minas ¢ a transferéncia da capical para o Rio de Janciro em meados do século XVII apontam pata um processo de perda de importincia cconémica ¢ politica gue se acentua principalmence com a chegada da familia real em 1808. Sua imporvin- Gia econdmica diminui mas a politica ainda perma- nece. ‘As grandes farnilias baianas consticufram uma pri meiza nobreza na colonia © geraram uma marca pro- fandamente elitista da sociedade brasileira, A forca 143+ LUCIA UPI ot Veta simbélica do comportamento aristocritico permanece adepencentemente da decadéncia da vida econdmica, ‘Terra do bacharelismo, caractesizado como figura cujo saber de fachada, sem finalidades préticas, marcava a vida social. A figura do depusado baiano aparece no anedoxério nacional como um dos tipos catatesisticos do brasileiro. A maior figura da baianidade culea foi ¢ € Rui Barbosa (1849-1923) Por outro lado, a enozme presenca de negros ¢ mesrigos em sua populacio ¢ a manutencio de tragos culturais afzicanos (candumblé, capoeira, co- ida, miisica) definem um perfil da cultura popular que vai aos poucos ganhando espago coma ingte- diente bisico da cuttura nacional. Nao por acaso é na Bahia, profundamence impregnuda de precon- ceitos raciais, que se desenvolve a Hscola Baiana de Medicina, com Nina Rodrigues a frente. absorvende de Europa a ciéncia racialisea que classifica os povos a partir de cragos raciais! E também na Bahia, pela obrade Jorge Amado, que Se reconsttdi nova versio da mistura das crés ragas originals ¢ se produz a imagem de paraiso racial, Os Personagens de seus romances, na maiotia figuras po- pulates, mesticas, falam da alegria, da sensualidade, da sexualidade, do sincretismo religioso. Jorge Amado, entre outros, pode ser comado como romancista, como intelectual, que produzit: uma mudanga de sinal na interpretag3o dos cragos da cultura baiana, 44s ‘9 BRASIL DOS IMIGRANTES Desde os anos 30 intimeros académicos norte-ame- ricanos ¢ franceses vieram ao Brasil ¢ a Salvador para estudar as condigdes de convivéncia entre brancos ¢ negros, Era a democracia racial confirmada por ewes novos viajantes do sécule XX. O imagindrio do parafso racial, entretanro, enfrenta dilemas que até hoje se fazem prescntes, vatendo lerm- brar a mésica de Cactano Veloso composta apés obser- var a “massa de pretos” ser espancada pela polfcia militar, também composta por “pretos’, durante um show no Pelourinho. A revista Veja de 2.6.99, por exemplo, apresenta materia comentando a segregagio do carnaval baiano: A primeira vista, 0 Carnaval de Salvador parece um exemple de democracia racial ¢ alegre convivéncia entre pessoas de todas as ragas eclasses socinis(...) Basta obscrvar a festa na rita (..} para ver que, ali, a demo- cracia racial nfo é to grande como se imagina. Hi blocos sé de brancos, outros apenas para aclasse média alta e ainda aqueles restritos aos negros. O tradicional bloco afro He-Aiy@, por exemplo, nao aceita brancos. (..) °O Carnaval reflete 6 racisine que estd enctavado na sociedade haiana” diz.0 antropdlogo Anténio Rise tio, E nesse mar de muitos negros ¢ mestigos ¢ brancos “nobres" gue aportam outras figuras: portugueses, ita- 45. LUCIA LPP purvetea Tianos, judeuse espanhdis. A maioris desses imigrantes se catranhou na vida da cidade ¢ do estado e se dedicou a adividades comerciais, A imigragio de espanhdis para Bahia aptesenta tragos interessantes, na medida em que € uma imigngto que aio se dirige pars 0 eixo Rio/Sio Paulo ¢ para o Sul do pais, Les provinham em sua matoria de una regiae da Espanha — a Galiza, Regio pobre, colonizada, sufocada pelos governos de Madi. a Galiza nio apresenrava perspectiva para seus habirantes. Isolados, poles, os camponeses galegos emigram primciro para outras regides da Espanha ¢ para Portugal, E uma emigragio tempordtia, jd que a proximidade permite a volta tao logo os “ventos me- lhorem”. No final do século XIX comecam a emigracao para 2 América, atraides pelo sonho de coriquecimenco. Vicram principalmente para Argentina, Cuba, Brasil, México, Uruguaie Vencruels, e se localizaram nas dreas urbanas; cerca de 20% dos galegos que deixaram a Espanha vieram pars o Brasil, destino mais procurado depois da Argentina e da Venezuela, Entre 1891 1915 a Galiza dispatou com a Iranda o primeino logar entre as regibes cutopdias de maior cmigracao. O sistema de heranga na Galiza facia com que sé um dos filhos herdasse a propriedade ¢, diante da falta de condicées econémicas para desenvolver outras atividades, sé ca- bia aos desetdacos um destino: a emigragao. Desenvol- ve-se uma imagem do galego como viajante, desbra- vador... “AB. 6 BRASIL DOS INICRANTES O ntimero de imiganres na populagio de Salvador ¢ inexpressivo, nao mais de 1% da populagio. O que chama a atencac € 0 deslocamento ¢ a concentrayiio da populagdo origindria de uma mesma microtregiio. Entre 0s espanhdis de Salvador hé predominio de zalegos, ¢ quase 60% sairara do porte de Vigo. F dificil saber o local de ofigem des imigrantes mais anrigos, ja que os registros 86 indicam a nacionalidade ¢ 0 porte de saida, mas foi basicamente uma imigragao masculi- na, nrigindria da provincia de Pontevedra (irea carspo- nesa, pobse ¢ de larga radigfo emigratéria). Os ho- mens que cmigravam, 0s deserdados, quando alean vain alguma posigae, mandavam buscar mulheres na para © Galiza para se casar ou voltavam 4 Galiza casamento, 0 qué petmitia renovar os vinculus com a. rerra natal, As relagdes com mulheres negtas existiam, mas quase nunca produrian lagos estiveis airavés de casamento. ‘A cscolha de Salvador como porto de destino teria se dado através do contato dos gelegos com Portugal (principal destino dessa populagio aré 1830) ¢ com. portugueses jé estabelecides na Bahia. © évito alean- ado pelos primeizos galeges que kaviam chegado 4 Cidade incentiva © luxe imigeatério, Os novos imi- grantes galegos chegam na nova terra ¢ vae uaballar no comércia de seus patricios: secos ¢ molhados, pada- rigs, pastelarias. Chegam sazinhos, com passagem fi- nanciada por parente ou patricio, poucas bens, sujeitos 2 aR Wein Ure oUvEIRA, a inspegao alfandegdria, com dificuldades de comuni- cago e receio de deportagio (principalmente no perio~ do de repressée 20s anarquistas) Na Bahia ow em outra parte do Brasil, néo importa, muitos deles rém a primciro contato com negros. Segundo a escritors Nelide Pifton, cla mesma uma galegs, “os negtos esto ali, como uma apaticio espan- Cosa, expressande a descoberta de que 0 seu mundo, até entio conhecido, antagonizava em aberto a tude que passava a conhecer” Os galegos trabaiharn no ramo de alimentos ¢ bebi- das, moram nos fandos do estabelecimento comercial, trabalham entre 12 ¢ 16 hotas por dia. Os estabeleci mentos galegos se caracterizam pela presenca de pa- des, familiares, parenves, empregados, tdos traba- Ihando juntos com 0 objetiva de vencer, de cntiquecer. Predomina uma valorizago exacerbad do trabalho, gue envolve grande sacrificio ¢ economia em fungio do fim a alcangar: veneer na vida ¢ retorna Nos anos 1940 ¢ durante a Segunda Guerra Mun- dial a posigio dos espankwis fica mais vulnerivel, © Estado Novo esta agindo contra “quistos” estrangeiros no Sul ca coldnia espanhola na Bahia acentua seu lado “oficial”, procurando mostrar as autoridades que apdia © governo © projeto do emigranie galego pode ser sinteti- zado na meta: volear vitorioso. Para isso desenvolve uma forte associagio entre capital ¢ erabaiho. Mé- rico. +48. BRASIL O05 ImiGRANTES todo: muito trabalho, muito sacrificia com condi- gOes subumanas de sobrevivéncia. Estabelecem no- vos padrées de trabalho, diferentes dos da terra de otigem, que cra baseado em relagdes comunais de uma sociedade camponesa onde trabalho estd asso ciado a festa. A yalorizacio exacerbada do trabalho, a dedicagio ¢ entrega completa ao trabalho, a defesa de cada milimetro alcangado para ampliagio de scus nepécios marcam 0 comportamento do galego na nova tera. Para alcancar seus objetivos, acabar por fazer uso tanto de procedimentos legais quunto de ilegais. E. dese modo a teapaga passa a set marca da representagao da atuagio dos galegos no comér- cio de Salvador, assim como dos portugueses no Rio ¢ das italianos em Sa0 Paulo! © capital acumulado pelo grupo ¢ investido nas casas comerciais, erm propriedades urbanas em Salva- dot © em propriedades na Galiza. A ascensio social, entretento, é dificultada pela diseriminacao que en- frentam, Em situate de crise de abastecimento 30 acusidos pelo aumenta do custo de vida. Os galegos sao bode cxpiatdrio, como antes fora o portugues, Tém lingua enrolada, pior que os portugueses: sio oxplomdores do povo da terra; sovinas, nao gostam de gastar dinheire nem para se vestir; vivem encte os pobres ¢ como pobres, mas destes se afastam pelo preconceito; nao querem se identificar com os negros, 10. Gidadaos de segunda classe. Softem jf que estes +49 LUCIA UP| OLIVEIRA pressfo muiro grande. Galego passa a ser sindnimo de ignorante, bruco e sem higiene! Waldir Freitas Oliveira, jornalisca de Salvador. assim cxplica essa relagio entre galegos e a populaao local: Nio sei de baiane que haja nascide © vivido nesta cidade do Salvador (...) que nao haja conhecide gale- gos. Ainda meninos ouviamos filur mal deles & nos disiam que no mereciam conflanga nos pesos ¢ con tas, clementos bisicos do cips de sew relacionamenta com seus fregueses (...) cstanda, por isso, todos cles, sempre devendo aos galegos pelas compras feitas em suas vendas. Donde o habito de falar mel dos galegos haver resultado de momentos de dificuldades maiores ou menores sentidas pelos seus devedores para pagac- hes © devido. Alguns ndo conseguem realizar 0 sonho de enti- quecimento ¢ voltam pobres. Outros tiunfam e retorniam vitoriosos! Outros, ainda, vencem mas fi cam na nova sociedade. Permanecem galegos, mas jd sio também baianos. Rerornam 1 Galiza nao para ficar, mas para mostvar seu sucesso, rever seus pa- rentes. Os que io voltam passam a set “os galegos da Bahia”, ¢ 08 que retornam para a Espanha so os “brasileires na Galiza’. Os galegos enfrentaram a resistencia da sociedade que os recebia organizando campanhas pela itaprensa, 50. (© BRASIL DOS innIGRANIES fazendo propaganda de estabelecimentos comerciais, anunciando a morte de figuras notiveis da comunida- de, dando contribuigées para 0 carnaval, ctiando clu bes de furebol. H, principalmente, através «le associa ges. Até recentememte, incorporavam a tendéncia as- similacionista da culeura brasileira; Iotavam. para vea~ cer a posigio de inferioridade: negavam a. origem: tomavam o eastelhano lingua oficial: proclamavam-se espanhdis. Enquanto galego cra expressio pejorativa, eles nao queriam ser identificades come tal, Agora, isso nao é mais assim ¢ cles voltam a set galegos. Entre as associagdes criadas em Salvador uma das mais importantes foi a Real Sociedade Espanhola de Benefictncia, crinda em 1885, Em 1942 essa sociedade doou um aviio pata a formayau de pilotos brasileiros no Aeraclube de Paraguacu (SP), participando da cam- panha ozquestrada por Assis Charcaubriand, O aviio foi batizado de Sanciago de Compostela. Durante a guerra © Hospital da Real Sociedade [’spanhola de Beneticéncia dz Bahia foi colocade & disposigao das aucoridades. Era importance apresentar a comunidade como perfeitamente integreda © radicada no meio brasileiro, Qutra associagio importante ¢ © Centro Espanhol, criado em 1929 para cuidar do lazer, e que foi exclusive para espanhdis até 1942. OQ Galicia Es- porte Clube, criada também nos anos 30, foi campeio baiano em 1938 © aparece na memétia coletiva como um dos clubes que primeiro incluiu negros cntre seus weil LUCHA LPP GUIVEARA jogadores. Mais recenzemente, 1966, nova associugio Gctiada, os Caballeros ce Santiago, agora para congre- gar edifundic a cultura galege, separada c diferente da espanhola, A Galiza foi sempre marcada pela emigracao. Vala-se mesmo de uma “didspora” galega e dessa populacao como marcada pela “morrinha”, 2 recordagao perma- neute da terra ¢ de seus entes queridos (versio galega de saudade?). A lingua passa « ser 6 instramento defi- nidor da identidade tegional gulega no processo de renascimento cultural que soma forma edinamismo na América. Fssa lingua tio misteriosa, tao préxima do percugués de hoje € 20 mesmo tempo tio distance. A fascinagio por essa lingua ja “pegou” inximetos brasi- leivos, inclusive o poeta baiano Godofredo Tilho que com stla Musa Galega despercou mnitos para a forea da poesia galega cde seus nexos com o sertio, A similaridade da Galiza com o sertio, até pela sonorida- de vias palavras, permite inclusive a associagao do gale- g0 com a produgio de Guimaraes Rosa! Os novos imigrantes, assim como os deseendentes dos anteriores, puderam participar do processo de transformagio econdmico por que passa Salvador, Nos primeitos 2nos do-século Xx, os galegos foram ocupan- do o cumercio de secos © mothadus, ctiando ligecses com a comunidade local, Scus filhos foram escudar em colégios baianos ¢ criaram-se clos com a sociedade. Nos anos 50, momento em que surgiram as primeiras ini- wgdi 8 @aAS Ds inAORARTES Gativas de implantacao de supermercadas, as armaréns salegos foram atingidos diretamente. Muitos gaiegos vio participer dessa nova forma de comercializagio, outros vo mudar de ramo © armaréns se rornam restaurantes, Ianchonetes e padarias iuais equipadas, Liles participam das cransformacées por que passe a cidade, e, assim, deixam de ser um grupo grande ¢ pobre para se tomar um grupo pequeno mas com presenca significativa na economia baiana. O ndmero de galegos diminud, mas sua visibilidade parece au- mentar. A constusio ¢ reconstrugio da identidade gale Ba, assim como sua diferenciag3o da comunidade espanhola, aquela constituida pela velha imigracao, estd em curso, Os gulegos niio querem permanecer identificados como imigrantes, expulsos de uina Espanha na qual a Galiza era uma das provincias ‘mais pobres; querem, sim, set vistos como participes da Espanha moderna. Sera nesse novo contexto que os galegos encontrarao espago pura a valorizacdo de sua cultura, E preciso lembrar que a Galiz deixou de ser uma regio pobre na Espanhae que a cidade de Santiago de Compostela passou a ter conotagao altamence positiva, seia por transformagies na propria Galiza, seja pela imporrancia de Compostela no imaginirio do fim do sécullo XX, como se observa na divalgagao das peregri- nagdes em livros de sucesso como 0 de Paulo Coellin 53. LUCIA LIPPL OUIVEIRA Sansiago de Compostela ¢ 0 Caminho de San- slago constituem, nos dias atuais, expresses cultu- rais universalmente difindidas da identidade palega. © Caminho de Santiags. reconhecido pela Unesco como patriménio da humanidade, ¢ a roc que permi de conhecimentos, gue contribuiram para criar 0 espitico de cristandade na Europa. “Santiago de Compostela ¢ certamente um dos lugares onde nio 56 se recebe © impacto do mito, mas onde se pode também constacar sua verdade’, disse 6 pocta bra- sileiro Murilo Mendes. E nesse pracesso que os galegos deixam de ser os descendentes de imigrantes espanhdis pobres pata se tomarem “os filhos de Santiago”. Fles conseituem um interessante caso da nova relacze entte a globulizagao € iu dutante séctilos © intercambie de idéias, 4 cultura local, que vem produzindo um interesse continuo pela recuperagao de sragos regionais, levan- tamentos de histérias de familias —valorizagav de um mundo de rtadigées quea modernidade julgava em fase de desapare: inento. Os “menos préximos" A assimilagio foi a estratégia privilegiada, 0 cricério, para a admissao de estrangeiros pelas auroridades go- vernamentais e pela cultura brasileira na construcéo da @ Ba. BRAS BOS IMIGRANICS nacionalidade no Brasil, Nesse sentido € gue algumas emias € nacionalidades foram privilegiadas em detri- mento de outras. A cultura ¢, nela, a religiao, foram ingredientes importantes na aceitagio maior ou menor dos estrangeiros. Os alemies, brancos mas protestantes, faram os primeiros a vir para o Brasil para viver em colénias. Sao { copoldo, no Rio Grande do Sul, fandada em 1824, Blumenau, Santa Catarina, em 1850, sao exemplos dessa experiéncia implementada pela politica imperial. © sul do Brasil também recebeu italianos, russos ¢ polonsses na década de 1850, Vivendo cm colénias, os alemdes tinham pouco contaro com a sociedade brasi- leita ¢ puderam constrnir uma idencdade prépria — a germanidade, Formularam uma identidade étnica baseada em uma cultura que vinculava lingua e espirico nacional, Criando organizagbes, fundande escolas, jor- ais ¢ revistas, os alemes se transtormaram em exen- plo maximo de “enquistamenco" ¢, nes anos 30, foram considerados uma ameaga a0 futuro da nagio brasilei- ra, Acusades de representar 2 patria germanica ¢ a presenca do navismo em territério nacional, os ale- mies, junto com os japoneses, foram, por assim dizer, assimilados a forga. De imigragao mais recente, os japoneses vieram para o Brasil a partir de 1908, ¢ representavam, na década de 40, uma populacgo em toro de 190 mil, send 759% entrado no Brasil entre 1925 ¢ 1935. Ou seja, Ee LUCIA LIFPT OLVERA censtituem um geupo nascido no Japio c enquanto ‘al, enfrentaram as medidas nacionalizadoras do gover ny brasileiro. A entrada do japonés, nao-litine € nao- branco, produziu intimeros debates. Pat um lado, sua presenga foi vista como prejudicial 20 branqueamenco © 4 uniformizagao da raga, Por outro, cram aceitos © defeaclidos sob 0 argumento de que, embera muito 0 ¢ fipo fisiea, ¢ consideri- los tie dificil assimilagio, serium capazes de conttilouir disrantes em lingua, religi com seu. trabalho para o progresso do pats. © Brasil possi amaior comunidade de japoneses fora do [api0, © seus integramtes foram responstveis por imimeras transformagoes na produgao agricola. Sua vinda cra ben recebida, na medida em que cles vinham produzis riquezu na agricultura, ¢ nao engrossar 0 comércio nas cidades, atividacle ocupada por sirio-libaneses ¢ pelos judcus. Os sfrio- rigncia mais pedaima 4 des imigeantes italianos ¢ espa nhdis no Brasil. Vindos de paises ou segi6es distintas come L bane, Siria, Tarquia, lraque, Egito e Palescina, os drabes que para o Brasil se dirigiram tinkam, em sua maiotia, vivido problemas de perseguigio religiosa. O Libano, por exemplo, fer parte do Impétio Otomano, de fé islimica, aré 1926, e cua populacao recebia pas- saporte turco 20 emigrar. Essa situaggo os incomodava muito, ji que os identificava com o opressor mugulma- no. As diferengas religiosas do cristianismo oriental — baneses de roligido catdlica iverarn expe- + Bes BRASIL Das iMIGRANIES maronitas, ortodoxos, melquites ¢ coptas — se fizeram. presentes nos iinigranses arabes que vierum para 0 Brasil que se fixaram principalmente em Sav Paulo, no Rio de Janeiro ¢, cm menor ntimero, em Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Bahia. Concentraam-se em determinados bairros ¢ rues, com Lojas de vecidos a varejo ¢ armarinhos, ¢ se dedicaram « atividades de mascates, vendendo principulmente para populacdes do intesior. Introduzindo novas préticas comerciais, considerados como criadores do “comércio popular” 10 Brasil, os mascates, 08 “turcos da prestagio”, subs: rinuftam os porcugueses ¢ italianos nessa atividade. Os 38 na atividade imiyeantes arabes se destacarun 3 comercial, mas investicam também na escolaridade de seus filhos. Os campos da advocacia, medicina ¢ enge- nharia foram privilegiados pela colénia drabe, assim como a politica, muitos comeyanda suas eatreizas em cidades do interior. Os judeus, ao contrdtio dos japoneses, cram classi- ficados como brancos assimilaveis ¢ foram, de mado geral, bem accitos. Segundo Artur Hehl Neiva, havia entre cles as indesejéveis — asquenazim da Europa central ¢ oriental » ~ ¢ 0s aceitiveis — sefardim, de raizes ibéricas, muitos dos quais, como “eristiosno- vos", participavam da formagio brasileira desde os xempos coloniais. Qs dados sobre a entrada de judeus vém sendo reconstruldos a partir de diversis fontes, jd que 2 Hi © WOR FPL DUIVEIRA estatistica oficial privilegia a nacionalidade, Estima-se aexisténcia de 150 mil individuos classificados como judeus, somando-se os imigrantes ¢ o8 aqui nascidos, sendo que 100 mil vivem em Sio Paulo ¢ no Rio de Janeiro ¢ 20 mil, no Rio Grande do Sul. Pata além das diferengas incernas entre sefacdim e asquenasim, encte discita ¢ esquerda, ecligiosos ¢ laicos, sionistas © anti- sionistas, os judess enttaram no Brasil em pequeno € constante miimero Sua visibilidace na sociedade brasifcira é entretanto, muito maior que seu miimero. Pata além das atividades urbanas, principalmente no comércio de confeogbes, os judeus se dedicaram a profissées liberais ¢ intelec- cuais, dando continuidade 3 tradigao de serem um povo destbios. Lissa tradigao os ajuda 2 enfrentaro problema do anti-semitismo, Por outro lado, o preconceito oci- dental de que o judeu ¢ évido por dinheiro come que © obriga a patticipar de causas nobres; lurando por valores mais altos, es judeus se destacam patrocinando: atividades culturais e causas da bumanicade, © anti semitismo vigente na cultura das sociedades ocidentais, existe no Brasil, mas nfo impossibilitou que os judeus sc inserissem em diversos campos, entre eles o invelec~ tual ¢0 politico, conseguindo diminuis, minimizat, os efeicos do preconceito. A cultura assimilacionisea bra- sileira facilita sua insergao na vida social, inclusive com, casamentos fora do grupo, ao mesmo tempo em que dificulta a manutengao de sua identidade singular 88+ © BRASIL DOS MMAIGRANTES Conclusao Podemos supor que a imagem consteuida no Brasil sobre oy imigrantes tem a yer com @ contato concreto com 05 grupos que aqui chegaram & com as imagens existentes sobre essas etnias ¢ nacionalidlades na culeura das sociedades ocidentais, O Japao, por exemplo, ji foi considerado a Inglaterra da Asia, 0 “perigo amareio” durante a Segunda Guerra Mundial, ¢ 0 modelo do novo progresso capitalista. O imigrante japonés ¢ seus descendentes no Brasil softem as conseqiiéncias posi- ivus ou negativas dessa oscilagio de imagens posi- Ges. Os imigtantes estiveram na linha de frente da inrrodugio, na cultura brasileira, de dois tragos ou comportamentos dos mais relevantes. © primeiro tem a ver com a superagio da barteira contra 0 caballo bracal/manual, heranga dos quase 400 anos de escravidao. © imigrante que aqui chegou como mio-de-obra assalariada participou do processo que permitiu coavencer as pessoas de que deveriam ven- der sua forga de trabalho, domesticar © tempo ao rinmo da indtisttia. Por outro lado o imigrante tam- bem acentuou a versio do trabalhadar nacional como pregutigoso ¢ incapaz, versio essa parcilhada pela elite macional. A capacidade de erabalhe do imigrante ¢ seu, sucesso reforcam a crenga da suposta preguiga dos brasileiros. 8G CIA UP: OLWEIRA A segunda importante contribuigao do imigtante foi produsir verta superacgio de barreizas contra a arivi- dade comercial — 0 comércio visto como atividade de sanguessugas. A barreira contra a atividade comercial lucrativa rem longa histétia no Ocidente — assina como s civilizatétia, A pritica do imigrante— muito trabalho © ambicdo de ascensio social répida —sempre forneven aos nacionais buse para discrimins los. Para inisneros imigrantes oriundos dos povos comerciantes do Medi- cetsneo, principalmente judcus, sicios¢ libaneses, que aqui chegaram, “mascacear” foi atividade primeira av chegar 4 nova terra. Ao vencer 0 precunceito contra o trabalho e © comézcio, conzribuftam para a implant so e desenvolvimento do capitalismo comercial no Brasil Estudos mostram que.aripida mobilidade social dos italianos no Brasil ¢ na Argentina, diferentemente do que acontecea nos Hstades Unidos, tom a ver com 0 Momento ccondmice no qual se deu a chogada desse grupo a pais. O mesmo acomteceu com os sirio-liba neses, Aqui havia ainda espaco para aquisigio de pro- Priedades agricolas, comerciais ¢ industriais, No caso Norte-americano, outros grapos ja tinham tomedo a diantcita das atividades comerciais urbunas demanda- das pelo capivalismo, ¢ os italianos, por exemplo, per- maneceram cm empregos de baixo status nas cidades do leste. © fechamento do espaco empresarial © a UL vonteaponto, a atividade comercial como 60+ (0 BRASIL DUS IMIGRANTES existéncia de atividades que pagam bem, se compara- das com o jugar de origesn, mesmo que desprestigiadas, levam o grupo imigrante a investir sua poupanca no lugar de origem Estudos recentes sobre os brasileiros que emigracam para.os Estados Unides mostram. como esse pacleia se repete: muico trabalho — atividades desprestigiadas, suldvios cazoaveis, se comparados com os no Brasil — ¢ cavio de dinhelzo para movimentar o comércio ¢ a construgio civil em cidades como Governador Valada- tes (MG), por exemple, Precisamos lembrar que 0 imigrante ¢ desprestigiado na sociedade que o acollie ¢ que sofre também cam o preconceito de quem Rea, jé que a emigragio é sinal de pobreza antiga. Quando resulta em sucesso, no entanzo, passa a ser sinal de prosperidade provinciana recém-adquitida! Os imigrantes trouxeram regras de convivio social bascadas em lagos familiares, ¢ estas enconeraram am- pla acolhida no Brasil — se aceitarmos como principio cstruturante de sociedade brasileira a familismo, © paternaiismo ¢ 0 clientelismo, segundo as formulagées de Gilberto Eteyre. Intimeros ditados conbecidos na socicdade brasileira expressam esses principios: “Aos amigos tudo, 40s inimigos a lel”; "Quem tem padcinko no morte pagio”; “Amigos de meus amigos, meus amigos sic”. O mundo culruzal da maioria dos imi- grantes — mediterr’neos, campuneses, pobres — nao se difezenciava muito de que aqui encontraram. - 61+ (UCHR HPP OLVERA, Se a cultura dos imigrantes, Jonge de entrar em choque com a cultura brasileira, a cla se agregou, ha que se observar que essa nova face da sociedade brasileira ado alterou © preconeeito nacional contra negtos & mestigns, nem mesmo a mesticagem em curso na sociedade brasileira. Se no inicie do século XX a elite desejava a imigragao como caminho para embranquecer a populagao brasileira, agora, no ana 2000, pesquisa realizada pela Universidade Federal de Minas Gerais a partir do exame de DNA de uma amostra de 200 pessoas permite estimar que 45 dos 160 milhoes de brasilciros (cerca de 28%) tém uma india em sua ascendéncia, ¢ 40 milhes (cerca de 25%) tém ancestral materno africana. Ou soja, 85 milhdes de brasileiros, mais de 50% da populacao, setia considerada nio-branca, segundo padraes clas sificatérios mais rigidos. Lissa distribuigio certamen- we tem a ver com a imigragio, ji que, nio fosse ela, © peso da presenga indigena e africana através da mestigagem seria muito maior. Durante 0 século Xx, ¢ principalmente na era Var- gas, desenvolveu-se uma idcologia que privilegiava a assimilagao ¢ a mestigagem. [esejava-se ctiar um Upo brasileiro — mestigo embranquecido pela presenga lo imigrante latino, Assim, accitou-se o estrangeito na medida em que havia a perspectiva de ele deixar de ser estrangeiro e poder se rornar, em poucas geragSes c em primeiro lugar, brasileiro. ies 0 BRASIL Ons inmeranTES Essa historia passada constitu um importante com- ponenre da cultura brasileira de hoje, como se pode ver com os brasileicos que emigram para os Fstades Uni- dos, ou mesmo com os brasileiros descendentes de faponieses que voltam ao Japio. Agora, em tempos de slobuliaagio ¢ de busca de ralzes émnicas, muicas dese- jam que o Brasil deixe de se pensar como uma nacao mestiga para ser considerada como multirracial, se- guindo o exemplo norte-americano, Em qualquer caso, a releitura da experiéncia da imigragio se comna Fanda- mental! bal: Cronologia 1824 Fund.cdo de Sao Leopoldo, Rio Grande do Sul 1836 Fundacio da Colénia Nova Indlia, Santa Cacarina 1880 Pundagie de Blumenau, Santa Catarina. Abolicao do trifico de escravos c aprovagio de nova Lei de Teccas 1850 Fundagio de Brusque, Santa Catarina 1871 Lei do Ventre Livre. Criagao da Assaciagio Auxi- Jiadora de Colonizacao e Imigracio (St) 1874 Chegada dos primeiros imigtantes italianos para a Javoura du café em Sao Paulo 1883 Comegam a fiuncionar a Sociedade Central de Imigragio ¢ « Hospedaria da Tha das Hotes no Rio de Janeiro 1886 Pundada a Sociedade Prematora da Imigragio (SP) 1888 Abolicao da escravidéo. 1889 26nov Decreto de naturalizagao de estangeiros 1902 Decrcto Prinetti do governo italiane, rescringindo a viagem subsidiada de italianos para o Brasil 1907 Aprovadaa Lei Adolfo Gordo, que permitia expul- sar do Brasil os estrangeiros enwolvides em arividades subversivas ¢ os criminosos +64. 0 BRASIL DOS iHaaRANTES 1908 Aporta em Santos o navia Kosato-Mamu, com os primeitos imigrantes japoneses 1934 A Constituicdo reserva 2/3 dos empregos para os brasileiros e estabelece um sistema de cotas para recebi- mento de esttangciros 1938 Criacao do Conselbo de Imigragao e Colonizagao, que se corn Conselho Nacional de Imigracao em 1939 1942 Decreto que permnitiu © confisco de bens de pes- soas fisicas c jurtdicas dos paises do Bixo radicadas no Brasil SBE

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