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Joao Ricardo W. Domelies OQUEE CRIME a-brasiliense seine — Apresentacdo .......... — Comportamento humano: ou criminoso? .......-. — Aconstruc3o da figura do minoso nato — Asociologia criminal .... As “cifras negras” da del me do colarinho branco” Posicdes criticas sobre o minologia a criminologia — Enfim, o que écrime? .. — Indicagédes para leitura . . — Oconceito liberal do crime ............+.. Crime e realidade social brasileira .......... normal, desviante aetna die. WE F%.8 12 21 delinqiiente: o cri- wis 25 ete nee eee eees 34 ingiéncia e o “cri- beeen eee e tenes 40 crime: da nova cri- radical .......... 50 61 919: Bn one: ia wWSCOrRIRR 73 80 Para minhes filhas, Renata e Julia, € pera minha companheira, Eileen APRESENTACAO No dia 26 de agosto de 1987, dois dos principais: jornais do Rio de Janeiro e de So Paulo estampa- fam as seguintes manchetes: ‘PIXOTE’ MORRE BALEADO PELA PM EM SAO PAULO (Jorna/ do Brasil); ATOR DE PIXOTE MORRE EM TIROTEIO; PO- LICIA DO RIO INVADE © MORRO DONA MARTA (Fotha de S. Paulo). Acontecimentos dessa natureza passam a fazer Parte do cotidiano das grandes cidades brasileiras, da vida, da realidade de crise e da politica nacional. ‘semanas antes outra favela do Rio de Janeiro, a da Rocinha, explodiu em revolta contra tudo e contra todos — contra a PM; contra os auto- 7 8 a. Jodo Ricardo y Do : Doreties méveis dos moradores da clas: i ros de S40 Conrado e Barra da Thuos 8 208 bait as pistas da auto-estrada Lagoa—Barra. Emo ee vez a imprensa identificava 0 ocorride com 7 ae nalidade incontrolavel, com 0 trafico de entars ae tes e o crime organizado. Hpecen. Outros acontecimentos se somama @ atuacdo dos grupos de exterminio fos ae drées da morte”), condenando a morte pessoas marginalizadas e agindo nos bairros periféricos das grandes cidades. Como devemos montar esse quebra-cabeca? Que ligacdo existe entre todos esses acontecimen- tos? Como compreender a chamada violéncia crimi- nal que passou a fazer parte do dia-a-dia de nossas cidades? E como compreender que esse tipo de fa- tos produziu uma série de estudos, de explicacdes académicas, de praticas politicas, de noticias na im- prensa, de manipulagées e de opinides diversas? E sobre esse fenédmeno, o crime, e as pessoas consideradas perigosas, os delingientes, que fala- remos, tentando também abordar alguma coisa a respeito da Criminologia como 4rea do conheci- mento que estuda e tenta explicar essas realidades. Assim € que as questées da violéncia urbana, da criminalidade e da seguranca publica tem sido prensa @ pelas tadas como realidades unicas pela im prc rend autoridades. Esquecem-se de que a violén Fas sensacao de inse- ‘os fatores n3o se restringe ao crime e que 2 guranga nas grandes cidades engloba out | | | Insevido na vida humana e social, 0 crime é uma expe- ‘mela que todas as pessoas viveram ou viverdo, seja como vftima, seja como autor. ~~ Jodo Ricardo W. p, les que afetam a vida dos individuos, como prego, a falta de moradia, os acident © transito cadtico, a poluigao ambien ee, cia das repartic6es publicas etc. ‘ —e A violéncia criminal @ apenas a pot ie berg. Ela & apenas uma das formas coin ese pressa a violéncia nas grandes cidades — principal- mente em paises como 0 Brasil, com enormes desi- gualdades sociais. Ao falarmos de crime e de violéncia, nos per- guntamos qual 0 mecanismo que define determina- dos comportamentos humanos como passiveis de sofrer um tratamento dos 6rgaos de controle social (policia, justi¢a etc.), Por que algumas pessoas sio consideradas suspeitas? Por que a acao policial sele- ciona os individuos que ser&o considerados perigo- sos? Por que apenas algumas 4reas urbanas mere- cem a zelosa atencdo da protecZo policial, enquanto outras s&o invadidas por tropas? E por que apenas alguns individuos séo punidos pelos seus crimes, quando sabemos que existe impune ochamado “‘cri- me do colarinho branco””? Ao tocarmos nesses pontos, estamos juntando as intimeras pecas do quebra-cabeca. Estamos ten- tando entender que a realidade do crime no se res- tringe a fatos isolados na sociedade e que, para qualquer explicacdo, 6 necessario buscar compreen- der minimamente 0 tipo de sociedade onde ocorrem tais comportamentos considerados criminosos. Para buscar essas explicagdes surgiv a Crimr © desem. O que é Crime nologia, almente estudando o ser humano delin- qiiente. As explicagSes n3o pararam por ai, mas se- guiram a0 sabor das investigacdes, das lutas politi- cas e ideolégicas, dos conflitos sociais € do con- fronto com outras éreas do conhecimento, englo- bando a realidade social, a forma como se organiza a sociedade, sua estrutura econdmica, sua cultura, enfim, sua maneira de viver. Escrever sobre o crime, portanto, além da pos- sivel importancia politica e académica, passa a ser também uma forma de desabafo, de vivéncia, de prazer e mesmo de paix4o. Estranho esse tipo de sentimento, nao é verdade? Principalmente quando lidamos com um fenémeno que normalmente é mal- visto na sociedade. Talvez esteja exatamente ai a seducao. Exatamente pelo seu lado estranho, pelo seu lado perigoso, pelo seu lado “malvisto”’. A lou- cura, o crime, a violéncia — coisas téo presentes na vida de cada um de nés que muitas vezes no perce- bemos 0 quanto fazemos parte dessas realidades. COMPORTAMENTO HUMANO: NORMAL, DESVIANTE OU CRIMINOSO? O crime talvez seja uma das manifestagdes mais. presentes no cotidiano das pessoas. Quem jé no foi assaltado ou n&o conhece alguém que viveu esta experiéncia? Quem ja n&o teve o automével arrom- bado ou © toca-fita furtado? Ou, entéo, quem néo cometeu um crime chamado recepta¢3o ao comprar ulsque ou um video contrabandeado? Quem néo en- trou numa livraria e levou, assim por acaso, sem mais nem menos, um livrinho escondido? Também poderiamos perguntar: quem n&o teve uma expe- riéncia — direta ou indireta — com a maconha? E o aborto, 0 adultério, a emiss’o de cheques sem fun- do? Euma poredo de coisas que fazemos ou de que temos conhecimento que nos dé a impressdo de que O que é Crime B todos somos criminosos. E é exatamente este o pon- to importante. Como se define o crime? Como sur- giu tipo de conduta humana que recebe uma punic&o? E por que muita gente comete esses atos e n&o sofre nada? Pois bem, comecemos por deixar claro que _o_ cia, Seja Como vitima, seja como autor, seja Como. alguém que tem conhecimento de fatos criminosos ese omite de denuncia-los, Tudo isso faz com que a gente pense um pou- quinho nos comportamentos dos seres humanos, Como inventaram esse negécio chamado crime? © crime seria um comportamento sempre igual em todas as sociedades, em qualquer momento da historia? Se muitos dos nossos comportamentos po- dem ser considerados criminosos, por que, entlio, apenas algumas pessoas est&o na pristio? Estranho, no 6? Mas 6 exatamente toda essa realidade que envolve 0 objeto de estudo do que se convencionou chamar de Criminologia. Isso que os estudiosos cha- mam de Criminologia vai, através de métodos dife- rentes, tentar estudar o crime, saber as condicSes de sua existéncia nas sociedades. Outra coisa importante @ perceber que muitos comportamentos humanos, hoje considerados nor- mais nas sociedades ocidentais, j& foram considera- dos criminosos em outros momentos. Durante a dé- cada de 20 do nosso século, por exemplo, existiu oy nos Estados Unidos a famosa “lei ‘“ siderado crime fabricar, comerdisier 6 ce aa bebidas alcodlicas. E duro, mas 6 @ pura veda E de se imaginar a quantidade de gente presa sé = bares de Ipanema, Leblon e Copacabana.Muita Head te boa seria criminosa por ser “‘pau-d’agua”: Sats politicos famosos, passando pela turma do poire e chegando até a Turma do Funil. ‘ E, o que € pior, por causa de esses comporta- mentos serem considerados criminosos, formaram- se quadrilhas, 0 trafico de bebidas era clandestino, @ muitos outros crimes foram cometidos. E uma ca- deia sem fim. o que teria de criminoso na praca nao esta no gibi. E conveniente analisarmos cada uma dessas si- tuacdes exatamente para entendermos que o com: portamento criminoso nao tem um carater natural, it vel, absoluto, como muita gente ‘boa pensava ainda pensa. Para muitos tedricos: da Crimino- logia_o delito era natural e fund Jamentava-se numa manifestagao da natureza degenerada de alguns se- res humanos, marcada por uma personalidade ance mal, problemética, estranha ou inferior. A pat um entendimento desse tipo — que veremos me ee mais adiante —, desenvolveu-se toda uma a aed co do crime e do criminoso através dow os are mos de Criminologia Positivista, ou Crimino oor aes dicional, que passou 4 sera oficial criminalidade. Joao Ricardo W. Dy E bom nem falar nada sobre o adultério, pois ai~ Qcrime, como podemos perceber, nao aparece como uma conduta inerente & natureza anormal de alguns individuos. Ao contrario, uma realidade va- riavel,no tempo 6 No és) é relativo por aspectos socioculturais. Qs comportamentos humanos néo so valora- dos igualmente em todas as sociedades e em todos os tempos. A valoracdo sera determinada por todo um complexe proce: je formacao da sociedade, em que as relacdes de poder desempenham um papel muito importante. A cults, encuaera-soniunte-e-Simiboiss re- presentacées e valores, também é fundamental na avaliag3o dos comportamentos humanos. E 6 atra- vés de um processo de adaptac&o social — sociali- zacg3o — que os individuos séo marcados em sua personalidade por um tipo de cultura. Assim, um in- dio xavante, com normas morais e comportamentais eee néo. oe ca a socializada & nossa cul- urbano-industrial. OCESSO ializagao se dara através de diversos mon: cincationae +eli- giosos, familiares etc. _ Assim, 0s seres humanos-desempenham papéi: variados em sua vida. Como numa pega de tomo, tém de decorar diferentes textos, atuam em maltti- plos papéis na sociedade em que vivem. Pode-se re- pecoonitsr © papel de pai, de filho, de marido, de pro- os de aluno, de esportista, de torcedor, de poll- ico, de escriter, de amante, de policial, de patr&o, detrabalhador. Enfim, uma quantidade infindvel de 16 Joao Ricardo W. Dornelles O que é Crime " papéis, com textos e dialogos préprios. Esses papéis que cada um de nés desempenha vincula-nos a uma série de direitos e obrigagdes. Representamos bem um papel quando cumprimos as obrigagdes dele de- correntes. Como o papel de ser pai requer uma res- ponsabilidade em relagdo ao filho, o papel de escritor requer responsabilidades e obrigacdes em relagao ao editor e ao leitor. Existe uma expectativa dos outros em relacgado ao desempenho que teremos em cada um de nossos papéis. Devemos, portanto, cumpri-los a contento. Uma conduta dentro do esperado pelos outros, ou dentro das normas e convengées previstas para 0 bom desempenho do papel representado, passa a ser considerada para o grupo social, em que estamos socializados, uma conduta normal. Esperada social- mente, portanto. O contrario seria n&o seguir o texto, seria uma conduta desviante. Aquela que ndo 6 espe- rada pelas pessoas e pela sociedade, dentro dos pa- drdes culturais predominantes num determinado pe- hist6érico. eee maneira, as obrigagées que seve cumprir, seja como professor, como aluno, ae pai, como amigo, como profissional, como tral . dor, como cidadao etc., se expressam em. espacs tivas sociais. E quando essas expectativas $40 a0: toma na sociedade, se transformam em norma: Oe assim, 0s comportamentos humanos so ve rados e avaliados dentro de uma realida a > dada, onde a validade de normas — sejam sociais, morais, religiosas ou juridicas — no depende de que elas sejam justas ou legitimas. A validade dependera do seu significado cultural na sociedade em questdo, do padrao de juizo de valor e das expectativas predo- minantes entre a populacdo. E, nesse quadro, as rela- ¢des de poder impostas desempenham um papel fundamental. Enesse quadro complexa de relagdes entre os individuos, e de relagGes de poder, que se desenvol- vem os diferentes comportamentos humanos, os inumeros papéis que vivemos em nossa existéncia. E, assim, alguns de nossos comportamentos cum- prirdo perfeitamente as expectativas dos outros, en- quanto outros comportamentos serao malvistos ou mesmo rechacados por estarem defasados do espe- rado socialmente, Quando se fala de conduta humana desviante, pode-se pensar numa gradacao que chega em ultimo grau a0 comportamento criminoso. © que 6 crime, portanto, continua a ser uma questao de dificil resposta. N&o existe um conceito uniforme sobre o crime. O crime pode ser entendido de diversas formas. E cada maneira de explicar o crime vai ser fundamentada a partir de diferentes concepc¢ées sobre a vida e o mundo. O crime pode ser visto como uma transgress&o a lei, como uma manifestac3o de anormalidade do criminoso, ou como 0 produto de um funcionamento inadequado de algumas partes da sociedade (grupos sociais, clas- 18 ses, favelas ete.), Pode ser visto ainda de resisténcia, ou COMO O resultado de ui ¢&o de forcas em dada sociedade, que pa =. © qué é crime e a seleci: " Como um ato apareceram por scan Nee pins ‘reine especul. académicas das “‘cabegas iluminadas”’ de ae ricos que s6 conhecem crime por meio de livro. As concep¢6es sobre o crime se fundamentam em pos: tulados que acabam por representar interesses poli ticos e econédmicos. Além disso, surgem para expli- caro crime a partir de circunstancias histéricas parti- culares. Enfim, todas as explicagdes cumpriram — e cumprem ainda hoje — um papel politico e ideolé- gico nos enfrentamentos que se desenvolvem nas sociedades e na formacio dos aparatos de controle social e dominagao politica. E importante nao deixarmos de notar a existén- cia de uma dimens&o que muitas vezes se identifica com 0 sociocultural, mas que, por outras, se desliga dele. Ea dimens&o da lei, da norma juridica. E esta se vincula apenas as expectativas sociais ou ao padréo cultural dominante em uma sociedade, mas ie senta uma relagdo direta com a forma de ume do poder na sociedade. Expectativas sociais que a tornaram normas sociais podem, ou nao, se tank formar em lei, em normas impostas pelo poder. O que é Crime sa maneira, a determina¢ao de uma conduta como desviante n3o a torna necessariamente transgres- sora da norma juridica ou criminosa. Como pode também ocorrer o inverso: uma conduta que 6 defi- nida legalmente como criminosa e que socialmente passa a ser tolerada ou aceita como normal. Talvez seja © caso do adultério em alguns locais do mundo ou aemissao de cheques sem fundo. A homossexualidade, por exemplo, em muitos paises é considerada uma conduta negativa, que néo cumpre as expectativas sociais acerca do amor, do prazer, da afetividade entre os individuos e da cons- tituicfo da familia. No entanto, 0 comportamento homossexual em sociedades como a brasileira n3o & legalmente considerado ato criminoso. O fato de ser uma conduta desviante do ponto de vista social traz uma marca, um estigma nas relagSes que se estabe- lecem entre os individuos ¢ os segmentos da socie- dade. Pode ser, inclusive, considerado perigoso do Ponto de vista dos costumes, em relag&o ao padrio. moral dominante. Mas por nao ser definido legal- mente como crime, n&o transforma o homossexual em delingiiente. O controle social sobre o homosse- xual sera exercido por outros meios. Talvez cultural- mente. O mesmo se pode dizer em relag8o ao adultério, que em algumas sociedades nao é crime. Em outras, como a do Brasil, permanece como crime definido no Cédigo Penal. No entanto, a sua pratica 6 t8o difundida na sociedade que tornou-se relativamente 20 Jodo Ricardo w. De tolerada (pri ipalmente no caso do ad x lul lino). 0 controle passou para o Ambito Privad O crime, como um dos ti a viante, tem uma definic&o Tegel, exon re Penais. Mas a sua importancia social anscen spd realidade objetiva da lei, chegando a essénci: nae coisas. E chegando a esta esséncia podemos fala zn Pouco das diferentes for sdou x mas de explicar o crime ‘sistemas penais organizados para o seu controle. = Itério mascu- O CONCEITO LIBERAL DO CRIME Antes mesmo do advento da Criminologia como: ciéncia, 0 crime ja era objeto da preocupagao de es- tudiosos e de governantes. Nas sociedades européias do periodo feudal chegou a ser considerado uma afronta as leis e princi- pios divinos. A vontade de Deus inspirava as acdes do poder existente. O soberano exercia na Terra a vontade divina, € os comportamentos criminosos eram considerados uma heresia a ser expiada e elimi- nada. O crime era identificado como pecado e apli- cavam-se as penas diretamente sobre 0 corpo hu- mano, marcando-0. nei | plar. Q sistema penal da Idade ostentacZo do suplicio como axareia reito virio de punirdo soberano. O controle soci | adotado: se restringia 4 dominacao direta, sem mediacSes ou a Joao Ricardo W, Do, en mnelles reconhecimento de liberdades, ea i ny macabros de execucées publicas, Pratica de rituais - _Atransi¢ao do mundo feudal ‘ a = { social burguesa foi intensament Para a organizacaio te vivit | século XVIII. O chamado “século iouees ° jrou © terreno politico, ideolégico e social pain ae | transformac6es que levariam a ascenso da bur hd | sia ao poder e a construgao do seu tipo de Estee, |Foi justamente nesse século de efervescéncia que | pensadores como Jean-Jacques Rousseau propuse- j ram uma nova maneira de entender a sociedade, o poder e o Estado. A sociedade seria formada pelo consenso dos individuos livres, com base no Con- | trato Social, como um somatério de vantades e inte- | resses individuais manifestos no exercicio do livre- ' arbitrio, da responsabilidade individual, da livre ini- | ciativa econdmica. Eo conjunto das vontades do ho- mem burgués liberal que, através dos seus interesses egoisticos, convencionaré a criagdo da sociedade politica organizada, isto 6, do governo. _ Pois bem, durante esse século de transforma: des, um outro pensador, 0 aristocrata milanés Ce- sare Bonesana, marqués de Beccaria, escreveu no ano de 1764 um pequeno livro chamado Dos rice e das Penas. Este trabalho causou grande Se melon intelectuais da época, principalmente n@ Italia ena Franca. O texto de Beccaria cons! ao sistema punitivo feudal e propde u! - ‘ tal iste numa critica fron ma radical re forma penal. Q que é Crime B Beccaria partia da idéia da forma¢éo de um novo sistema penal baseado nos principios liberais conti- dos no Contrato Social, em que homens livres con- vencionam viver em harmonia e em que cada um é responsavel pelos seus atos, expressando livremente asuavontade. O crime nesse contexto passa-a-ser-entendido como o rompimento da harmonia social, uma afronta a0 Contrato Social, uma viola¢So voluntaria e.cons- ciente de um individuo que age exercendo absoluta- mente a-sua liberdade. Ocorre, no entanto; que o exercicio absoluto dessa liberdade individual se cho- ca com as liberdades de cada um dos outros indivi- duos e com o interesse geral expresso pelo Estado. Aacio criminosa consiste, dessa maneira, no rompi- mento com a base da convivéncia pacifica e consen- sual, Entendido dessa forma, o crime seria um mal injusto causado a vitima e a toda a s0% , COM O descumprimento do pacto de paz consagrade-ne-tei. A esse mal injusto, ado conscientemente,. a sociedade imporia a0 ¢ , inoso — através do Es- tado — a punicdo correspondente. A pena aparece, assim, como-@justa retribuig&o imposta pela Socie- dade-Estado ao mal causado. Essa punigao seria justa e legitima por estar prevista na lei elaborada por uma Assembléia representativa do Povo. E aqui interessante notar que o povo sdo os cidaddos do sexo.masculino com renda ou propriedades, ou $eja, ohomem burgués. a Joao Ricardo W. Dornelles No seu estudo, Beccaria também defendia a proporcionalidade entre a puni¢do e o dano causado pelo crime, além de ser contra a pena de morte, o supiicio e as mutilagées. A pena deveria estar pre- vista na lei como uma forma de adverténcia aqueles que tivessem a intengao de cometer acdes crimino- sas. N&o seria, portanto, imposta arbitrariamente pelo soberano. Essa suposta “humanizacao” do direito de punir do Estado encobria uma nova estratégia de controle social, mais eficaz, mais adequada a nova ordem bur- guesa que se constitula na Europa a partir de fins do século XVIII. Aconcepgie liberal do crime ainda tem influén- cia entre as diferentes explica¢Ges contemporaneas. No entanto, a partir de fins do século XIX outras explicagdes sobre a criminalidade se desenvolveram como surgimento da Criminologia. ~ A CONSTRUGAO DA FIGURA DO DELINQUENTE: O CRIMINOSO NATO No decorrer do século XIX a sociedade burguesa européia apresentou as suas primeiras grandes con- tradigdes. Depois da Primeira Revoluc&o Industrial consti- tuiu-se a classe operaria e apareceram os primeiros conflitos sociais da nova sociedade. A competicao no mercado capitalista se acirra, os mercados nacio- nais j4 se encontravam organizados, eo capital passa 8 se concentrar aceleradamente, formando grandes corporacSes monopolistas. Durante o século pas- sado deu-se a passagem da economia capitalista libe- ral, baseada no capital concorrencial, para uma eco- nomia capitalista de corte monopolista, com base nas grandes corporagdes econdmicas. Iniciava-se & era do imperialismo classico, cor mM a ex; mercados para todas as part Pansio dos es do A consolida 2 reds ; s icA0 do modo de lista produziu tambéma concentrago a faria industrial e as primeiras f, "1 sindical e de luta grevista contra as con raenza6B0 tas ne modelo de desenvolvimento. Sr aneneoe ‘Nquanto se desenvolviam a mulacao capitalista, Utllzavam-secon eae dade as inovacées tecnolégicas, visando o aumento da rentabilidade do capital investido. Com o desen- valvimento da producao houve uma valorizag&o da ciéncia, que transcendeu o simples espaco das rela- ¢6es econémicas e passou a se espalhar cultural- mente por todo o espaco social. No decorrer do sé- culo XIX, portanto, observou-se um processo de “cientifizagao do social’. A ciéncia passava a ser encarada como uma espécie de “nova religiao” que explicaria todos os fenémenos e resolveria todos os problemas, dando maior eficdcia 4 moderna socie- dade industrial. O novo quadro do capitalismo, em sua fase monopolista-imperialista, necessitava de uma redefi- ni¢do da classica ideologia liberal, e foi a ciéncia que veio dar a base dessa nova orientacao. | A influéncia da ciéncia na redefinicao da ideolo- lucdo capita. la classe gia liberal construiu a idéia de que a sociedade indus- trial seria 0 estdgio mais avangado da civilizac3o hu- mana. Uma nova ordem, perfeita, racional, cienti- fica, em que as dificuldades existentes na sociedade, como a miséria, 0 conflitos sociais, 0 resultante da introdugdo da maquina na producdo, p criminalidade, a delinquéncia juvenil, a loucura etc. seriam os “resquicios do passado feudal” que sobre- viviam ameagando a organiza¢do superior da socie- dade industrial. Ao se entender as contradi¢gdes e os conflitos existentes como uma continua¢ao do passado que ameagava a estabilidade da vida e da producZo capi- talista, propunha-se a eliminag3o ou, pelo menos, a neutralizacao desses focos desestabilizadores. Os problemas sociais, a desigualdade material, a misé- ria, a criminalidade n3o eram, assim, entendidos come conseqiiéncias das contradicgées do sistema, mas sim como uma amostra da inferioridade biolé- gica e moral de certos segmentos sociais que teima- vam em colocar em perigo a ordem existente. A filosofia positivista de Augusto Comte apa- rece como a solucdo ideolégica que possibilitara a explicac3o cientifica dos fendmenos humanos e so- ciais. Seria o meio de resolver os problemas que per- sistem na sociedade. Asociedade industrial baseada no lema ‘‘Ordem @ Progresso’ — que, por sinal, esta na nossa ban- deira republicana — identifica qualquer manifesta- ¢30 fora do seu controle como uma ameaga a segu- ranga e ao modelo de desenvolvimento organizado com base na acumulac&o ampliada do capital. Dessa maneira, a ciéncia deve atacar tudo 0 que perturbe as relacdes entre o capital e otrabalho. Ss —, ae NeSse contextg » Daseadas no Positivismo, L'Uomo Deli i Uma obra que segue @ orlentacin placa em 1876, Prop6e 0 estudo das causas do crime a pate one mem criminoso. © 2 Partir do ho.- Lombroso partiu de uma orit - orient determi. nista baseada noe conhecimento das creer biopsiquicas do individuo considerado criminoso. Fez pesquisa nas prisdes, estudando todos os deta- lhes da constituic&o organica e fisiolégica dos indi- viduos condenadas, para concluir que o criminoso. seria uma pessoa problematica cujas agées sao o re- flexo direto da sua inferioridade bioldgica. Essas acées seriam impulsos incontrolaveis determinados por tragos anormais de sua personalidade, expres- sando-se em comportamentos estranhos, violentos, descontrolados. O estudo de Lombroso chegou @ definir que os delinqiientes teriam uma apialed diferente da dos individuos normals, advinda de a malias adquiridas hereditariamente. individuo criminoso, desta forma, era um ser \ima pessoa fora dos padrées do desenvolvi- ico normal, assemelhado aos selva- s, negros e orientais, ou com tragos semelhantes osdo macaco. Era, assim, identificado com olouco, ‘co doente. Era uma espécie particular do género hu- mano. i O ser humano criminoso, ao contrario da idéia liberal classica, n&o agia livremente, no exercia seu livre-arbitrio, n&o era responsdvel por seus atos. Sua Oi inferior, uma mento biopsiqui aco violenta era motivada por impulsos reflexos incontrolaveis provenientes de uma constitui¢3o anormal. O delingiiente agiria instintivamente. A acao criminosa, assim, no consistia no resultado da livre manifestac&o consciente da vontade de alguém que resolve nao cumprir a lei, mas sim numa tendén- cia inata manifesta em um conjunto de caracteris- ticas anormais de sua constitui¢do organica. Com o surgimento da Criminologia, construiu- se a figura do delinqiiente, do criminoso nato, mar- cado por caracteres genéticos degenerados. Um in- dividuo anormal que nasceu com um potencial de periculosidade. Sendo o criminoso um individuo anormal, pro- blematico, com caracteristicas fisicas, fisiondmicas e psiquicas determinadas, naturalmente perigoso, | caberia ao Estado conter seus impulsos incontrolé- | veis. Assim, medidas de seguranca restritivas e con- troladoras passam a ser previstas nas leis penais e nas praticas policiais. 30 I ~ odo Ricardo wy. Toda a ar. = e é Crime 3 vista gumentacdo da Criminol, oe investe contra os Principios da lei Oia posi a0 entendé-la como in a Penal fit XIX, pelo estudo criminolégici qiente. Com ‘imi i itivi: i jeune Bika Griminotogia Positivista tradicional inicia. S SCUFSO que se reproduziré na Pratica dos Orgaos oficiais e extra-oficiais de controle social ( licia, Justiga, Forcas Armadas, meios de comuniea. Gao, opiniso publica etc.), baseando as suas agdes numa visdo Preconceituosae racista, em que a figura do criminoso nato coincide com as caracteristicas fisicas ou comportamentais dos segmentos popula- res, dos pobres. Ou seja, identifica-se 0 “elemento perigoso’’ com as pessoas e classes sociais n3o-pro- prietarias, a parte Subordinacda de sociedad sendo pabres Or sua infetioridade biolSgicae moral. tau tado Si as afa k superior da civilizag3o urbano-industrial. Sao, assim, consideradas seres perniciosos, um pore ae “sociedade saudavel”. E esse perigo € ameac: para um tipo de ordem social baseada na eoleco capital-trabalho, na exploracao da forca de trabal a no modelo de progresso da acumulacao do capi num mundo mercantilizado. inologia positivista apre- L A explicagao que a Crimi “J ae a senta para as causas do crime passou a justificar até os dias de hoje uma prética repressiva por parte da policia. Junto com a figura do criminoso nato apa- rece a figura do suspeito, a figura do contraventor, a figura do “elemento perigoso” (termo que o tora coisa). No Brasil do inicio do nosso século, por exem- plo, reprimiam-se a roda de samba, o candomblé e a capoeira, como manifestacdes de uma cultura violenta e inferior. Os negros, ex-escravos, eram (e ainda s&o) o alvo preferencial do controle, por sua condic4o social e por serem considerados biolégica e moralmente inferiores. Sdo parte dos segmentos perigosos que atentam contra o status quo. Tais comportamentos considerados estranhos por uma ética oficial deveriam ser controlados, vigiados, re- primidos. Hoje, as operagdes policiais, as rondas, as ope- racées pente-fino identificam 0 suspeito que rece- bera uma “‘geral’’ e seré humilhado e detido para averigua¢3o por suas caracteristicas fisionémicas e fisicas e por seu comportamento social. Escolhem- se, adedo, 0 negro, 0 nordestino, o travesti, o men- digo etc. As prostitutas, ja no final do século XIX e inicio do século XX, eram obrigadas a se registrar na poli- cia, embora o seu comportamento n&o estivesse pre- visto na lei como crime. O controle ea conten¢o dos grupos de comportamento perigoso chegavam a fi- xar areas para a sua moradia e exercicio da prosti- ~ 32 Crime B Jo8e Ricardo W, Dor, le, 29%6 é A Criminologia como "‘ciéncia”, portanto, tem sentido nesse contexto, no momento da transnacio- nalizacdo do controle social, acompanhando as ten- | Gencias do desenvolvimento do capitalismo mundial. tuicdo. As prosti i suas atividades none ae controlada. Dai vem o termo ea | local de Prostituig3o. Vem et ma I que tem como doutrina “cientifi te Criminologia Positivista. = que se constitui ii tivista sobre as cousee doen tte deen pow estratégia de controle social aden ol uma nova etapa a le social adequada auma nova etapa do desenvolvimento Capitalista, basead. internacionalizac&o e monopolizacao do cay it i - que o Estado deixou de ser mero arbitro das rela : Bes sociais € passou a intervir diretamente na sociedade Faz Parte, portanto, de uma redefinic3o ideolégica do liberalismo, em que a Criminologia, juntamente com outras ciéncias humanas e sociais, passou a de- sempenhar um Papel fundamental na manuten¢gio da ordem social e da seguranga publica, numa socie- dade que exige controle total dos segmentos peri- | | gosos ou potencialmente ameacadores, sob o manto ideoldgico do tratamento, do bem-estar, da reabili- taco, da reeducacao e da recuperacio dos indivi- duos considerados estranhos e problematicos. O que poderiamos perguntar 6: recuperar esse individuo para que sociedade? Para esta? Para voltar a ser desempregado, marginalizado, ganhar um sa- lario de fome, ser sempre suspeito nas blitz policiais, ny @ ser um eterno paria? Para ser discriminado por ser pobre, negro, favelado, egresso do sistema carce- | | rario? Que recuperacao 4 esta? Re My © exercer ag eterminada » para designer Pratica policiaj © principios da As explicagdes criminolégicas sobre a inferiori- dade fisica e moral do criminoso reforcam a ideologia dominante e justificam as desigualdades sociais e o poder de controle do Estado sobre os segmentos so- ciais marginalizados numa sociedade que se funda- menta no mito da igualdade, da liberdade, da opor- tunidade e da prosperidade. ssa: _~ Assim, a Criminologia surgiu no fifial do século passado como o meio de legitimacao (em nome da ciéncia “‘neutra’’) da intervenco estatal contra os individuos resistentes ao sistema, contra os n&o-con- \formistas, os segmentos potenciaimente questiona- dores da ordem estabelecida. _ 7 A SOCIOLOGIA CRIMINAL O discurso sobre o crime Pessoa imi- Noso ganhou nova roupagem ain a eecioog servadora, que, a partir de uma base teérica do posi- tivismo filoséfico de Comte, associado com 0 posi- tivismo biolégico de Haeckel, Procurava descobrir a8 causas ambientais do crime. Produziram-se teorias vulgarizadoras em que, a partir de andlises acerca da Ocupag3o do territério urbano e da utilizag3o desses espacos, as causas dos comportamentos desviantes, entre eles o crime, se- riam explicadas. Constituiram-se, assim, modelos biolégicos, considerando a sociedade como um organismo es- truturado por relacdes de competitividade (luta pelos fecursos) e cooperatividade (equilibrio). Existe, portanto, uma analogia com o orga- nismo biolégico. A ordem social passa a ser enten- dida como um corpo humano, composto de partes, com fun¢des determinadas. Cada uma dessas partes cumpre papéis em fun¢%o do todo, em fung’o do proprio corpo. . Como no corpo humana, o corpo social requer que seus 6rg4os funcionem bem, para manter a sua estabilidade e a sua sadde. A sociedade, portanto, & entendida como um organismo vivo, passivel de estados patolégicos. Anormalidade seria 0 corpo social com os seus 6rg3os em perfeito e harménico funcionamento. O normal é entendido como o estado natural da socie- dade, confundindo-se com o status quo. A situac3o patolégica, a doenga do corpo social, seria a altera- ¢40, em maior ou menor grau, do estado natural da sociedade, onde a ordem oficial estaria ameacada. A situac3o anormal seria medida por sintomas de crise social, de aumento da criminalidade, de au- mento da prostituig¢do, de consumo exagerado de drogas, de miséria, de tensdes politico-sociais, de greves etc. Seria como a febre que alerta 0 corpo para © perigo da doenca que poderé se alastrar e destruir o organismo social. O crime seria entendido aqui, juntamente com Outros comportamentos desviantes, como o produto de umn desajuste do organismo (sociedade), pela defi- ciéncia funcional de seus 6rgaos. O crime consistiria na violagao das expectativas de bom funcionamento dos 6rg3os que constituem a sociedade. Haveria, 36 Joao Ricard; 5 arde W. Domes gue Crime a ent3o, a desestabilizacio do status n3o mais de defeitos genéticos do eaivide — noso (causas individuais), mas sim de defeitan desarranjos organicos da sociedade (causas aoe O crime nao seria apenas o produto da acag de a individuo anormal, mas uma patologia social a duto do mau funcionamento de partes da socit aa A criminalidade entendida como doenca social, como patologia social, requer medidas terapéuticas para salvar 0 corpo social ou pelo menos para pro. tegé-lo das ameagas, afastando o perigo de desesta- bilizaco da ordem. Tais medidas justificam as prati- cas de repress&o, controle, vigilancia e contengSo dos segmentos degenerados do corpo social. Esses “focos de contagio” devem ser identificados e isola- dos a fim de evitar que o mal se alastre para as partes saudaveis do corpo social. A favela, os bairros popu- fares, as areas de comércio ambulante (camelé), as areas de prostituig&o, de trafico de drogas, de gays, os aidéticos etc. serao os alvos de controle, vigilancia e contencdo. Sao, segundo os crimindlogos dessa corrente, a expressao da doenga social, do desvio, do perigo e do crime. Trata-se das partes degene- radas ou ameacadoras do corpo social. Devem, por- tanto, ser extirpadas ou pelo menos neutralizadas, para evitar a expansao do contagio. Todo o discurso divulgade a nivel de senso co” mum pelos meios de comunicacdo de massas passe a identificar 0 crime, 0 desvio, a favela etc. como “cancer da sociedade”, tendo como fundamen doutrinario a identifica¢do da sociedade como orga- nisme, um corpo social composto de 6rgdos funcio- nais. Euma visio medicalizada do social, que, inclu- sive, utiliza uma série de termos de origem médica, como: doenca, patologia, profilaxia social, focos pe- rigoses, contaminacao social, diagnéstico, segrega- So, tratamentoetc. Aprocura das causas do crime na patologia indi- vidual (visdo do positivismo tradicional) ouna patolo- gia social (visio do positivismo socioldgico) apre- senta o inconveniente de se prender a uma analogia biolégica, na medida em que trabalha com conceitos de normalidade e doenga, de satide e patologia, no quadro da sociedade. Exclui um enfoque histérico- estrutural das contradicdes internas da formacao so- cial. O crime e o desvio passam a ser apenas uma patologia social, um estado doentio desagregador decorrente da disfuncionalidade de alguns érgdos do corpo social, ¢ no o produto das proprias contradi- cdes da organizac&o social. Sao fendmenos entendi- dos como resultado de uma degeneracéo de partes da sociedade que se organizam em subculturas des- viantes, como comportamentos sociais diferentes do esperado pelo padrao cultural dominante. O jogo, a prostituig’o, o homossexualismo, 0 crime, as contravengées, o uso de drogas, 0 desern- prego, a doenca mental seriam expressdes desse estado perigoso para o corpo social, identificadas com as classes subalternas, dominadas e expropria- das pelo capital. "sesame individual do delinqiente, trabalha com a aparéncia da realidade, n3o aprofundando o estudo sobre 3 estrutura da sociedade, das relagdes econdmicas, politicas, sociais e ideoldgicas existentes. Abstrai, portanto, qualquer referéncia as contradi¢des de classe dentro de uma sociedade determinada. E um enfoque que trabalha com a suposi¢&o de que a nor- malidade consiste na ordem estabelecida, nao admi- tindo uma ordem social alternativa. O anormal seria tudo o que nao se enquadra nessa ordem existente. Assim, 0s comportamentos criticos, as condu tas resistentes, as-propostas dé mudancas-da real dade, um novo modelo de desenvolvimento e de or- -ganizacéo social séo considerados express6es da anormalidade, uma ameaca por fugitém ao padrao cultural normal. ' que se agrava quando no se aplicam medi % tivas. E as medidas curativas propostas a or | mento da repressio policial, a Pena de morte, a se- | gregacio e o controle coercitivo dos segmentos | doentes da sociedade. Leia-se as classes populares: Os sem-terra, 0s favelados, os ambulantesetc. A culpa pela desorganizac&o social é identifi- cada néio na forma de organizacio desse tipo de so- ciedade, mas sim na responsabilidade dos préprios segmentos ameacadores da ordem existente. Esse enfoque, embora bem mais sofisticado do que a simples explicagao do crime pela anormalidade | AS “‘CIFRAS NEGRAS" D. L. A. DELINQUENCIA E O “CRIME DO COLARINHO BRANCO” A Criminologia tradicional, de orienta: iti- vista, estuda o crime partindo de ean, comprovados: o conhecimento e a classificago do ser humano que infringe as normas penais por ser anormal ou a busca das causas do crime nas partes doentes da sociedade. Usa todo 0 aparato cientifico que vai dos estudos antropométricos, antropologia, psiquiatria, psicologia, aos estudos do ambiente so- cial, buscando identificar as causas da criminalidade. po ia seive ee t8h sobre os individuos condenadgs-e pres que n&o representa a totali- dade delitiva.emdadasociedede. Existe uma delingiiéncia oculta, nao quantifi- cada, nfo estudada pela Criminologia oficial posit a vista. Como também existe uma delingiiéncia nao- convencional que nao se enquadra nos padres pre- yistos na lei penal. Essa realidade questiona frontalmente os postu- lados do discurso oficial sobre o crime. O crime n3o 6 um fenédmeno igual em todas as sociedades e em todos os momentos da histéria. Em certas sociedades, por exemplo, as jovens que mantinham relagées sexuais antes do matri- ménio deveriam ser sacrificadas. A lei judaica tradi- cional considerava delito as relagdes sexuais man- tidas com mulher menstruada. A tentativa de suicidio no @ crime no Brasil, mas é punida na Inglaterra. Em sociedades como a japonesa o suicidio, em cer- tas circunstancias, é a conduta esperada, enquanto a tentativa fracassada pode ser uma vergonha para 0 individuo. © adultério é crime no Brasil. Nos pal- ses islamicos permite-se a bigamia. A publicidade de meios anticoncepcionais era delito na Espanha franquista e em Portugal sob o regime salazarista. No Brasil j4 foi contravenctio penal, até recente- mente, e hoje em dia nao édelito. Nao existern, portanta, crimes naturais, ou seja, condutas humanas naturalmente criminosas em. to- das as sociedades e-em todos os momentos da his- ‘dria, Mesmo 0 homicidio & um comportamento que sera criminoso em circunstancias determinadas, nfo existindo o crime quando praticado em casos espe ciais permitidos ou tolerados, como no exercicio do dever legal no caso do policial que mata alguém den- 2 tro do estrito cum soldado na | Portanto, 9 delito 6 relative, dependendo das varla¢Ges da reacdo social sobre determinado com. portamento. humano, Sob esse Ponto de vista nfo existiriam diferencas naturais entre os delinqiientes e 0s nao-delingiientes. Se o homicidio, o adultério, o homossexualismo, 0 abortamento, 0 consumo de substancias entorpecentes sao delitos em dado lugar e n&o em outro, tais condutas humanas néo diferen- ciam uma pessoa da outra. O que faz com que uma pessoa seja considerada criminosa em um lugar, e nao em outro, nio é o :,comportamento em si. A.diferenca entre os _delin- ) aUentes e.06- néo-delingiientes é produzida pelas rea- | cBes sociais em-relacio_a cada um dos comporta- {mentos. ~ ~="" Assim, em paises islamicos um homem que bebe alcool é um criminoso e poderé sofrer duras penas, enquanto outro que fuma haxixe tem um Popularizado como “colarinko branco”’, este tipo de cri- e € cometido por pessoas de alto status sécio-eco- némico. comportamento permitido, O Brasil, por ex mesmo nao jade, 4 : : Senda Sane an Score ng ne 0 controle social (policia, Justica etc.). quente e 0 ndo-delingtente s erente entre o deh rains 46 rr loga venezuelana Lola Aniyar de Cas a lente o fato de agi; line fi .e quando a policia langa a co! : : agir ou 2 afirmar que q rdo com a expectativa social representa na ee no sdo os peixes pequenos que escapam, tiva dew Pressa na lei pena, padrao cultural dominante e ex; constata-se que as acédes consid no s&o apenz i leradas criminosas || g estdo condensdhe sures Por aquelag pessoas que || @ que aparece registra sticas, rior de pessoas na Presas. Um numero bem supe- quando se condena alguém por um crime. Por outro 3 io detectadas p autoridades e lado, existe uma criminalidade aparente, que sena a pela Comunidade pratica agées que seriam ae detectada pela policia, e mesmo pela Justica, mas rIMIN: i, H - = ceitual da Cri eink ora ae ae aelaboragao con- que no resulta na cone de sou responsé icional cai por terra ad vel pelo rite gala dala Oe . : sua existéncia seja con! AK buscar as causas do crime na generali caracterizagdo do criminoso sieve da Sebi criminosa de uma personalidade anormal ou da exis- téncia de focos perigosos contaminados no espaco social. a Também se questiona a Criminologia positivista pelo seu método de an4lise, através. da mera obser- vagao empirica, da classificac&o dos individuos ex- pressa nas estatisticas ofic (Os ndmeros estatis- ticos sobre a criminalidade numa sociedade revelam apenas pequena parcela da realidade criminal. As es- tatisticas trabalham apenas com o criminoso proces- existe uma grande sado ou condenado. No entanto, § diferenga entre a conduta criminosa e a punicZo de 80. O estudo que massim os maiores. ue nao chegam ao conhecimento dos uma criminalidade legal, que é Existe, portanto, u e ue da nas estatisticas oficiais, ferentes motivos levam ao nao aparecimento do res- ponsavel pelo crime conhecido: a falta de provas, 0 arquivamento do inquérito policial, o desconheci- mento do acusado, a corrupeaio, 0 trafico de influén- cias etc. Por fim, temos a_criminalic , a verda- deira quantidade de crimes cometidos em determi- nado espaco de tempo. E esses sdo infinitamente mais numerosos do que aqueles punidos ou que ape- nas chegam ao conhecimento dos érgdos oficiais & que nao s&o resolvidos. A diferenga entre o total de crimes cometidos na sociedade (criminalidade real) ¢ 68 crimes conhe- cidos das autoridades (criminalidade aparente e cri- minalidade legal) revela a existéncia de uma orate lidade oculta que nao ¢ conhecida na sociedade uma pessoa que cometeu @8sa ago. © 0S. 7 analisa apenas quem esta na prisao 6 distorcido e oa afere a multiplicidade de atos criminosos pratica a pe oe chamada “cifra negra da delingiéncia” obscura em que se encontra . aegncie 2 comportamentos criminosos, que 55 or ermento Publico, permanecendo ‘impunes, ‘ara se ter idéia da dimensdo dessa criminay; dade oculta que nao chega ao Sohoan ae oe cia e dos juizes, em pesquisas realizadas da por. leste dos Estados Unidos constatou-se quetaca 60% dos furtos em grandes lojas de Gonatananen so resolvidos “‘privadamente”, sem a interferéncia da policia ou da Justic¢a. Alguns tipos de crime apresentam cifras Negras altissimas, como o aborto, o contrabando, o furto simples, 0 consumo de maconha e cocaina, o adul- tério, as agressdes, as violéncias sexuais, os estelio- natos etc. A maior parte dos acidentes de transito também é resolvida por vias “privadas’”; indimeras brigas eagressées fisicas nao sofrem interferéncia das auto- ridades. Por outro lado, muitas vezes as vitimas ficam desestimuladas de recorrer & policia, devido 3 buro- cracia a ser enfrentada, por ser mais facil e répido acionar 0 seguro no caso de furtos de radios em auto- méveis. Também existem o medo das represélias 2 desconfianca em relaco a policia. , Tudo isso demonstra o claro papel seletivo do Sistema Penal, que elege a sua clientela privilegiog® “entre os segmentos despossuidos da soci vor | Acabam recaindo sobre os pobres a forca ¢ © Co Je i ‘ lode Ricardo W. p que Crime i ue constituem © principal alvo da oe Sie oe contingente que enche as pris6es. i postulados da Criminologia tradicional tam- bem foram questionados com 0 conceito de ‘crime do colarinho branco”. Este termo foi utili pela 1949 pelo americano Edwin Suther- primei zem r land, ‘wn discurso proferido na Sociedade Ameri- cana de Criminologia. . Sutherland partiu de pesquisas realizadas sobre aconduta das grandes corporacbes econémicas dos Estados Unidos, que desrespeitavam constante- mente a lei antitruste que combate a formacdo de monopélios ¢ a concorréncia desleal no mercado. Percebeu que essas grandes empresas praticavamre- gularmente manipulagdes no mercado, atuando de forma combinada para eliminar. as concorrentes me- nores. Os precos das mercadorias dessas grandes empresas nZo eram determinados pelas leis do mer- cado, mas sim por acordos sigilosos entre os empre- sérios. A pesquisa concluiu que os grandes empresé- rios tinham condutas semelhantes as do crime orga- nizado. Qs resultados dessa prética empresarial causé- vam enormes danos aos pequenos e médios empre- sérios e aos consumidores. Emuito dificil elaborar estatisticas sobre os “‘cri- mes do colarinho branco”, em que a cifra negra 6 enorme. Diferentes condutas poderiam se enquadrar na categoria de crime nBo-convencional. Entre elas, 8 i: evasdo de impostos, a manipulacées contabeis fi an : : ron sa be beis feitas Por 6 a icas desonestas das ey ros, sconeoréncia desleal etc. " um tipo de crime cometi ¢ metic alto status S6cio-econémico rioesee sila e808 de vidade empresarial. Trata-se de ui rare kd ngo-convencional que causa grandes doeramenta & econdmicos, infinitamente mais elevaden ies prejuizos causados pelos crimes convencionals ¢ um crime realizado por um tipo de pessoa que 901 de uma imagem positiva perante a sociedade, 0 an presario nao é identificado publicamente com a ima. gem do criminoso. O delin Uente de “colarinho bran. co” no é uma pessoa estigmatizada socialmente, Por fim, percebe-se uma imunidade dessas pessoas lentas, TGBOS finances Présas de segy. bater esse tipo de delingiiéncia n&o-convencional. Ao contrario, 0 sistema penal existe para controlar, reprimir e punir o crime convencional, normalmente praticade por pessoas de baixa renda. E, portanto, um tipo de crime que se manifesta |) do com a légica de acumulac3o e compet porque 0 sistema penal nao foi organizado para com- || Jot i , - os que € COE S faléncias fraudul ‘urtos, roubos, assaltos praticados em todo o pais, teriamos um custo do que um simples desvio de ime so ee a Suica, ou de uma “magica’ contabil al milavel pela opinido publica. | a4 a 0 puiblico € mais facil perceber como crime a M0 na padaria ou o furto de uma carteira na 4 eds da noite do que uma fraude de instituigées oeceres a luz do dia, envolvendo milhdes de d6- lares. Como também é mais facil para a opinido pu- blica identificar 0 “Zé Mané”, negro, desdentado, feio, mal vestido como um perigoso criminoso do que uma figura esbelta, limpa, cheirosa, de terno e gravata, bem falante, e com o carro doano. 0 “crime do colarinho branco” desvendou um tipo de criminoso ndo-convencional que esté fora do dos os fi ambito da preocupac3o dos estudiosos e da ag3o policial e judiciéria. E um crime que nZo pode ser ex- plicado pela pobreza, nem pelas caréncias da vida, nem pelas condicdes pessoais, nem por caracteristi- |, cas de uma personalidade anormal, nem pela ameaca 49 joie ————> seus estudos nos métodos \ gia oficial, ee or esificacso e controle do delin- de identificace® tos considerados perigosos da | quente @ Se pusca identificar a ordem social € @ . sociedade, M2* 0 como determinante na selecdo | order leg recon 'e grupos sociais a serem contro- de compen’ ae um processo criminalizador. . arenes de criminalizagao expressa oo de poder & jnteresses em sociedades com visiveis desigualdades entre as classes socials. ‘enti: ‘Ao questionar os aportes pretensamente olen ficos da Criminologia oficial e a sua funcdo politica delegitimagao é reproducao da ordem social, passa a centrar a sua atencao no estudo do Estado, das rela- des de poder e da constituigao de um determinado sistema de controle social e domina¢ao politica. A importancia dos mecanismos formais de con- trole social (policia, Justica) se combina com a exis- téncia de uma imensa rede informal de controle nao- estatal que se estende através da sociedade civil, onde o papel de formacio de opinido e a divulgacao de idéias pelos meios de comunicagao social, pelo sistema educativo, pela religiio, séo fundamentais No processo criminalizador e estigmatizante dos seg- mentos considerados perigosos para a ordem vi- gente. __ Sob o manto da Nova Criminologia podemos identificar as iniciativas politico-culturais desenvolvi- das a partir da década de 60, inicialmente nos Esta- dos Unidos, e posteriormente na Inglatarra e nos de- | | —_ Te r 5 | oque | POSICOES CRITIC ( ‘AS SOB CRIME: DA NOVA CRIMINOL OA CRIMINOLOGIA RADICAL ___ Aexpressao Nova Criminologia | rie de concepgées oriminologicas satent ‘dos he pios da Criminologia tradicional. Constitui-se como um amplo movimento cientifico heterogéneo com um eixo central de identidade baseado no questiona- mento da velha Criminologia, tanto em sua vertente clinico-antropolégica corno na sociolégico-ambien- tal, que se revelaram como a versio oficial sobre as causas do crime, utilizando conceitos de patologia (individual ou social), normalidade e correcao. Para a Crirninologia tradicional o individuo trans- gressor 6 0 objeto da preacupacio do estudioso @ das politicas estatais de conten¢ao e recuperacéo. A Nova Criminologia, ao contrério da Criminolo- ies, = Feder Ric Mais paises da a O process: 4"°P8 Ocig Criminot PSS de criticg oe interpretene Oficial lavou alan POStuladog taCko marxis UNS crimingign Criminalizacko pons N8°-Ortodoxa qo O08 8 AS condicdes py capi 8 Processog nvolvimernns histéricas srg a taScontais, bali Pad tendéncias rte Mento «8 0, iMeNtOS Sécio-politicos we e™ Que marcaram COS das doen ‘uptura com ™ to predominantes. * P&4"Ses culturais até on, Na América Latina, houve a R, liées nos cérceres de Attica, San Quenti @S revoltas estudantis. Na Europa, SG iue ot em Paris, as rebelides na Itdlia, a Primavera de Praga. Durante a década de 60 vivia-se um clima poll- tico de conscientizacao da existéncia de crimes mais violentos para a humanidade do que os crimes con- vencionais: ‘crimes do colarinho branco”, Water- gate, crimes ambientais, guerreirismo, sexismo, ra cismo etc, O ambiente politico tondia a abalar pro- fundamente os pilares da cultura existente e questi nava diretamente a forma de organiza¢ao - oe tura social, levando ao desenvolvimento cnt montos de contracultura, dos hippies, 32s 2 pnts i radicais como & istenciais e de movimentos © ‘s6cio-politico dos anos 60 era propicio desenvolvimento das tendéncias criticas no es- a0 da sociedade Inclusive no estudo da criminali- a primeiro enfoque de caréter radical sobre o desvio @ 8 criminalidade surgiu, nos anos 60, nos Estados Unidos dentro do movimento politico deno- minado New Left (Nova Esquerda), com base nos estudantes universitérios eno movimento negro. Eles questionavam & ortodoxia da esquerda tradicional reformista e integravam-se na luta de diferentes gru- pos de minorias, como 08 negros, latinos, mulheres, homossexuais, presos etc. A partir do movimento do New Left, questiona- vam-se o papel imperialista da politica externa ame- ricana, as relagdes autoritarias do poder, a ameaca nuclear, a corrida armamentista da guerra fria, a cor- rup¢3o governamental, a discriminaco racial e a de- sigualdade social. Nesse clima politico, a gerag3o de novos crimi- nélogos encontra na Escola de Criminologia da Universidade de Berkeley, na Califérnia, 0 espaco para a organizac3o do Union of Radical Crimino- logist, sob a influéncia de jovens professores como Tony Platt, Barry Krisberg, Paul Takagi, Herman e Julia Schwendinger, entre outros. . ‘0 grupo de Berkeley combatia violentamente o ‘sistema de controle social e dominag&o politica im- Plantado nos Estados Unidos, a politica externa ex- cnr MOOS! ———__* Pansionista e imperial Periali @ dente, preconceituosac a, além da estrutuy dlo american way of lite. © esmente democset- além de teérico, umativie Jireitos Humanos, integrado 908", ciais de transformacaio da realid - ; Aexperiéncia de Berkele e a do foi reprimida e extinta, obrgan et 1976, qua fa Basocar cute - Obrigando seus saguidan ‘8 espacos par: “aS S@guidores epolitica, aa atuacado Académica Na Inglaterra, no : , No ano de 1968 Deviancy Conferency, no Instituto de i de Cambridge. Aiguns dos Principais oe an experiéncia eram lan T; ate Young, aylor, Paul Walton, Jock O grupo de crimindlogos criti D crit questionava principalmente a poses pat Hert formista e correcional da Criminologia tradicional off cial européia, além do pragmatismo das politicas cri- minais praticadas pela social-democracia da Europa Ocidental. Em setembro de 1972, em Florenca, Itélia, se constituiu 0 chamado Grupo Europeu para os Estu- dos do Desvio e do Controle Social, com a publica: ¢%o de um manifesto denunciando a ideologia r cista, preconceituosa e classista que impregnava © estudo do crime e o tratamento do ees Q marxismo ndo-ortodoxo & a base téorica esi MOvimentos so. giu a National fod Ricardg W. p, Piles Rupe ‘ . . P em 1975 publica-se a revista La Questione Crimi 5S f 0 que é Crime Bolonha, formade por lossi, Franco Bricola, ingrao etc. Tambem 30 marxista acerca do sistema de con- de | ale, aglutinando o Grupo ‘Atessandro Baratta, Dario Mek Guido Neppi Modona, Pietro Ii buscam formular uma interpreta da violencia, da criminalidade e i mporanea. ole eco pom rupo de Bolonha era ela- Oobjetivo politico do G 2 n borar uma politica criminal alternativa, vinculada as necessidades de constituigde de um novo poder com base no movimento operario italiano. Uma politica criminal alternativa sob 0 controle do movimento po- pular organizado, tendo come base profundas re- formas estruturais como primeira etapa de amplas transformac6es sociais que avancassem No sentido dosocialismo. A definicdo legal de crime, da Criminologia traci- cional, liga-se a uma idéia de neutralidade do direito e do Estado, apresentando-os como instrumentos do bem-estar, da justica social e da protec&o do inte- resse comum. Exatamente se contrapondo a esta vis3o é que os criminédlogos radicais procuram elabo- rar uma conceituaco critica ligada a uma pratica transformadora, 0 direito e o Estado, portanto, néo seriam neutros, mas sim espagos de luta que expres- sam uma determinada correlagdo de forcas entre as classes fundamentais da sociedade capitalista. A base de atuacao dos crimindlogos radicais sao 0s Direitos Humanos, definidosconcretamente como igualdade social, seguranga pessoal e coletiva, e con- di¢des de vida. 56 Joao Ricardo w. Dornell elles oO desenvolvimento da Ci sibili ilitou © exame de Praticas crn Nao Previstas pela lei, como ° s © guereirismo. a = , 0 ecocidia, a i i racdo de ; }, O Imperialism do capi Classe, Ou seja, as diferent or Seto: capitalismo contemporaneo. et ettieas Assim, a Crimi i tes ta-se com claro omen Critica-Radical gualdades sociais, apontsnds a aboligio das dest nova organizac3o social co vain ase bathe econémi m © fim da exploracZo que oe € a opressio politica. E um movimento combate a antiga Criminologia da Repressdo (tradicional) com uma nova rpoae criminologica de libertagao. Parte de um compromisso politico e ideolégico na sua elaborac@o tedrica ena sua pratica militante, e questiona as praticas de moralizac&o so- cial, de correcionalismo repressivo e da reabilitacao, como instrumentos meramente modernizadores da estrutura social que apenas mantém em funciona- mento o sistema existente. A Criminologia Radical confronta a ordem do sistema, Ndo propéea sua modernizacaio @manuten- Gao, questiona as politicas assistencialistas no trata- mento dos problernas sociais letra ates: ° ed icas oficiais fazem Entende que inaco- ; 30 da ordem, de domi estratgi de role 20 i trério, busca pat fticae fcipar na substituig30 dessa 1 a pe cualitar “g livre, mais justa, mais igualitaria, mais o adi Assim, percebe 2 existancia de contre inologia Critica iminosas até crits exisMO, 0 racismo, apresen- O que é Crime sesnas sociedades capitalistas, & nfo separa a teoria criminolégica das teorias politica, econémica & So- cial. A pratica dos criminéloges radieais desmascara a idéia do direito penal igualitario. Desmistifica 0 sis- tema de controle social, revelando a sua natureza de classe. Questiona as condicdes criminégenas do capitalismo monopolista, identificando-o como pro- dutor da criminalidade, que inclusive € funcional ao sistema por justificar a existéncia de todo um mo- derno aparato de repressdo controle e a sua pratica de vigilanciae intimida¢o social. ‘As contradigdes do sistema capitalista explicam oprocesse criminalizador com base na légica de fun- cionamento da relacao capital-trabalho. A forca de trabalho diretamente integrada a producdo vive a de- sigualdade da relacdo entre o seu esforgo eo benefi- cio recebido, entre a energia gasta e a recompense pela cess3o do seu tempo de trabalho ao capital. A forca de trabalho excedente, desempregada, se vé obrigada a garantir a sua existéncia através de arti- ficios e de estratégias de sobrevivéncia que vio do biscate ao crime. E a utilizagio de meios ilegitimos para compensara falta dos meios legitimos de sobre- vivéncia. O sistema de controle social atua diretamente sobre o segmento da forca de trabalho marginali- zada, sob o pretexto de dar protec ao cidadao ho- esto. Essa atua¢do produz um efeito multiplicador de controle sobre toda a sociedade e, principal- s7 58 Enquant O ae: Problemas sociais ua 0 capitalismo Criminalidade. Ties oSemPrego, ee Dosicées ean, Prostitui¢go — 5 Estaneinalizacto, , present: i o inverte as das crises econdmices fealdade como causadors de prevengao e micas e Sociais, e , @ Sugere medid, vi repre: i we ® reabilitacdo d ee gica produz u lo delingiiente. &: ginalizada, alvo preferencial d ma estigmatizag! processo de estigmatizacao se estende a forca de tra- balho ativa, temerosa da criminalizac&o e da prisSo, mantendo a estal n idade da producao e da ordem social. Assim, a critica tem como conseqiiéncia politica negar o mito da igualdade de tratamento do direito penal, entendendo que a criminalizaco depende da posicao de classe do autor’ da conduta transgressora, independentemente da gravidade do delito cometido do dano social causado. ; en Os movimentos radicais presenters eae © j- uestior cepgaio anti-status Sete egou-5e a afirmar que uma papel do crimindlogo ee Se igualitaria exti- sociedade verdadeiral ere nga sempre a a Criminolo: i 8 O que é Crime ° Instrumente cientifico justificador do controle, da re- pressao e da dominagao de classe, utilizando um ins- trumental de conhecimento reprodutor das relagdes sociais desiguais, elitistas e autoritarias em socieda- des hierarquizadas e baseadas no privilégio de uma minoria ena opressao de uma ampla maioria. Como surgimento dos movimentos radicais nos Estados Unidos na Europa Ocidental, desenvolveu- se na América Latina uma reflexao propria, adequada & realidade das sociedades periféricas dependentes. Na Venezuela, as contribuicdes de Rosa del Olmo e de Lola Aniyar de Castro, no Panama, a con- tribuig’o de Carmem Antony, e na Argentina, com Rail Zaffaroni e Elias Neuman, trouxeram grandes contribuicSes para o desenvolvimento deumaanalise critica em nosso continente. No Brasil temos as contribuigées de Roberto Lyra Filho, de Juarez Cirino dos Santos, de Ester Kosovski, de Wanda Capeller, de Elizabeth Susse- kind, de Eliane Junqueira, de Nilo Batista, entre ou- tros valiosos nomes. Oesforgo desempenhado por todos esses crimi- nélogos apresenta como resultado uma metodologia de andlise e interpretacao do problema delitivo vincu- lado com um claro compromisso de transformac8o social, afirmando a insuficiéncia das reformas penais @ tendo como fundamento a filosofia critica, que, além de compreender a realidade, busca modificd-la, rompendo com a ordem existente. E uma Crimino- logia critica por buscar alternativas transformadoras. gine apcoratp CRIME E REALIDADE SOCIAL BRASILEIRA Falar de crime em uma sociedade como a brasi- leira é uma das tarefas mais complicadas. E um ver- dadeiro desafio. E antes de tudo tracar 0 perfil de uma das mais violentas sociedades existentes. Falar de crime no Brasil é falar de uma poreSo de coisas: as fraudes da Previdéncia Social; os escin- alos financeiros; a péssima distribuic3o de renda; a arbitrariedade ea violencia policial; os esquadrées da morte; 8 mortalidade infantil; a desnutric3o; Cuba- Bo; 0 desmatamento indiscriminado; a seca do Nordeste; as enchentes; a usina nuclear; 0 acidente de “Goianoby!”; o trem da Central; os “trens da ale- gria” dos marajés; a ferrovia Norte-Sul; as cidades monstruosas; 0 transito infernal; os acidentes de transito; os acidentes de trabalho; o massacrede Ser- 62 dos mi itares; a @. om i De ea, chrabtais: 0 latifinai ae © imobiligria *cOMstanig IO : i tricas ato tan Poe indigengcs 2? mazosce M0, do racism, DEM da burs MTaNdes pig 2 Pri ‘smo rocr, rele. nidade. UF" "° 88Umido, do eine © mace Enfim, falar de crime @impy. enorme cop NO Bras; ba somente nos lente se espalhand, OS individuos oer? P2las rolacdes existene ©: OS GTUPOS € as Classes sociaj Onde se criou © SOCiais. E 0 pais Costume do exercici do arbitric onde devemos sempre "saber com qu ieee lando”’, onde © “jeitinho” quem estamos fa. Sarat Jeitinho” n&o é somente Produto da criatividade do povo, mas também representa ¢ me neira de exercer Privilégios. __ Crime, numa sociedade como a nossa, nao pode deixar de estar relacionado com a forma de organi- zac&o social, com o modelo de desenvolvimento eco- némico imposto, com o tipo de relaco existente entre o Estado e a sociedade civil, com os privilégios que s&o mantidos a todo custo, com as presses € repressdes que se reproduzem atingindo prefere cialmente os excluidos, os chamados — aide. segunda categoria, as diferentes abelty q lidade so uma grande maioria silenciade. aparatos estata; O que 6 Crime O Brasil é um pais que, mesmo numa conjuntura de crise, ostenta a posi¢3o de oitava economia do mundo capitalista, e ao mesmo tempa & um dos cinco maiores produtores e exportadores de material bélico (produz e exporta a martee o crime). Um pais que vergonhosamente ocupa a 57? po- sic3o no mundo, em condicées sociais, 0 que de- monstra a desigualdade na distribuig3o dos benefi- cios advindos desse capitalismo ao mesmo tempo promissor, dependente e selvagem. Uma sociedade com cerca de 140 milhdes de habitantes, com o menor salario minimo da América Latina, com cerca de 60 milhdes de individuos vi- vendo em absoluta miséria, ndo-assimilados pelos modernos mecanismos de producdo e distribuig3odo capitalismo, ou seja,fora do mercado nacional de consumo. Um paiscomaproximadamente 40 milhdes de menores carentes, com cerca de 50 milhes de analfabetos ou semi-analfabetos (aqueles que so- mente sabem assinar 0 nome). O Brasil é um pais com uma multidao de indivi- duos marginalizados das modernas relagdes capita- listas de producdo e consumo, sem direito a moradia, sem direito 4 educac&o, sem direito 4 satide, sem Gireito a formar uma familia, sem direito ao lazer. Em um pais como esse 0 crime e a violéncia também se espalham pelo campo, de forma impune. Apropriaestrutura da propriedade agraria é um fator determinante da extrema violéncia no meio rural, A Concentracdo das terras nas maos de grandes (e pou- Sia me acini in do dos grandes proprietarios rurais, agi conivéncia da policia e dasautoridades. °°" ® Um verdadeiro massacre ocorre no campo, reve- lando a face de opressiio e violancia de nossa socie- dade, demonstrando que a democracia esta longe de atingir as relac6es que se estabelecem na area rural. Na noite do dia 29 de dezembro de 1987 ocorreu um dos maiores massacres de nossa historia. Mais de quinhentos soldados da PM do Para atacaram cerca de trezentos garimpeiros com suas familias, na ponte rodoferrovidria sobre o rio Tocantins. Eram garimpel- ros de Serra Pelada que reivindicavam melhorias nas rde- i de trabalho. O saldo da aco policial, oF orn. do Estado, foia morte de ma nada pelo governador t a de cem pessoas, entre elas mulheres arévidas » fato nao teve grande repercussao oo i cipalmente no eixo centro-sul. Inclusiv O que é Crime 6s Me — cial somente admite a morte de duas pessoas. Para se ter uma idéia da gravidade do ocorrido, seria inte- ressante ler a revista Senhor n° 355, de 12 de janeiro de 1988, cuja capa mostra a manchete: O MAIOR MASSACRE — MAS QUEM SE IMPORTA? Talvez tenha sido o nico érg&o da imprensa que relatou com profundidade o crime ocorrido. Vivermos numa soviedade tio perversamente desigual que produz uma cidadania diferenciada, de acordo com a posi¢lo de classe de cada brasileiro. Uma sociedade de tantos contrastes que com- bina o Brasil “Ocidente"” moderno, urbano-indu: trial, com o Brasil “Oriente”, terceiro-mundista, vi lento, onde milhSes de individuos vivem em condi- ges subumanas. E a “Belindia” & qual se referiu o economista Edmar Bacha, durante a década de 70. Uma Bélgica moderna cercada por uma India mise- ravel, €essa.a sociedade que chegou a inventar 0 mito de se autodenominar cordial, alegre, pacifica, tole- rante, democratica, sem preconceitos. Uma grande mentira regada a sangue, samba e cerveja. Uma ma- nobra ideolégica encobridora de toda uma histéria de quatro séculos e meio de violéncia, de repressao, de injustica, de desigualdade, de autoritarismo, de exclusdo e de crimes. Uma sociedade em que o individuo pobre, ne- g'0, nordestino é um suspeito eterno, um criminoso potencial, um “bode expiatério” para os males exis- tentes. uUH————. O que é Crime dade infantil é solenemente ignorada. Evita-se, ele- gantemente, falar da poluig30 das grandes indus- trias. Enfim, a atenc&o da opiniao publica é direcio- nada para um dos intmeros aspectos da violéncia social, e centra a acdo dos brgiios de Estado € 0 dio da populacao sobre a figura do criminoso comum, Normalmente o assaltantezinho pé-de-chinelo. Cria-se a falsa impressto de que a violéncia ur- bana 6 a mesma coisa que o crime. E que o crime & sempre igual aos comportamentos de apenas alguns segmentos suspeitos da sociedade. A eleic&o da criminalidade como um dos gran- des problemas nacionais ocorreu a partir de 1979 com a politica de abertura do general Figueiredo, Como processo de transi¢’o democratica, a existén- cia dos érgdos de repressio e controle social do Es- tado no mais se justificava Para a ago contra as atividades subversivas. A falta de uma justificativa para a manutencio. de todo 0 sot fos anos da ditadura militar, produziu a necessidade de intensa propaganda sobre o perigo do cresci- mento do crime. Os meios de comunicacao desem- Penharam — eainda desempenham — um Papel fun- damental ao criar um clima de terror @medo, ao di- vulgar a idéia de que vive-se uma situago de incon- trolavel violéncia criminal. Elabora-se, assim, a justi- ficativa para a existéncia dos érgaos Tepressivos, le- gitimando as acdes de intimidacao indiscriminada a centrais de nossa le is i: Deixa-se de falar ha deg lbneta, reforma agraria, nas verdadeiras. causeedh dae tema, nas condigbes de vida e tebare eae 2a¢do do Estado, elegendo como problema oo meira grandeza a questo da Criminalidade nas pas des cidades. Utiliza-se © artificio de no se discutirem todos os aspectos violentos do tipo de ‘organizag3o urbana que temos, o que levaria, sem duvida, ao questionamento global da estrutura social brasileira, Uma falsa relacdo se estabeleceu ao se identifi. car a violéncia urbana apenas com a violéncia crimi- nal. Ao se eleger a criminalidade como o fendmeno mais importante da violéncia dos centros urbanos, deixa-se de falar que o Brasil 6 recordista mundial em acidentes de trabalho, com mais mortes do que o total de homicidios praticados por delinqiientes. N&o se fala dos mais de 2 milhGes de pessoas ee be empilhadas nas favelas cariocas, sob a ala despencar com qualquer chuvinha. Fica wy norte maravilhoso sal4rio minimo que temos. 68 Joao Ricardo W. contra a 2 a laciio 2g populage?: principalmente con Curiosamente um como fim da ditadura franquista re Cope hes fim da ditadura militar na Argentina Spanha eeamo com 9 retorno ao regime democrétioa fortsleeen a divulgacSs do cotatisticas acbrala sunnaneor trolvel da criminalidade urbana justifeande posed nutencdo intacta do aj oe Gn parato re} rae acaraneio secbo cients petteonane acao violenta e pretensamente eficaz como resposta ao crime. Procura-se, assim, id jentificar a democracia com umn quadro de inseguranga e instabilidade. Tenta-se demonstrar que a garantia das liberdades publicas eo respeito dos direitos humanos estéo relacionados com © aumento da taxa de violéncia criminal. £ 2 saida propostaéa repressao violenta. Cria-se o clima propicio para que as classes mé- dia e alta suspiremn de saudades do passado de paz, de ordem, deseguran¢a, de estabilidade. . Sob o impacto desse clima de terror, de panico coletivo e de parandia, @ populacao é ganha ideolo- gicamente para a legalizag&io da pena de morte, ety a tortura, paraa diminui¢do da idade de response! ol lidade penal, para armamentismo, passando a a : uma histeria coletivaem quea desconfianca ¢ 0 vidualismo sé fortalecem exacerbadamente- sis do ‘As classes média € alta vivem um proc i em militarizagdo do seu espace, privado, MOAN in veradeiros “fortes Apaches”, tra @ popu- com Dornelles 0 que é Crime dios selvagens” que podem descer dos morros para Ihes roubar as riquezas € aS mulheres. E um sistema theid nao assumido (a brasileira), em que 2 de apart! { i classe média-alta passa a viver em condominios & to com a realidade brasi- ruas fechadas, sem conta’ leira que esta na rua. E a rua passou a ser o lugar i i sto Os Negros & pobres nao do- mesticados, 0 mendigo, @ prostituta sem |uxo, os vicios, asujeira, os homens e mulheres maus. Dentro das fronteiras do condominio vivern os bons, os ho- nestos, os mocinhos € mecinhas, os brancos {ou pelo menos com a alma branca), num mundo assép- tico, limpo, claro, colorido, florido, bonito, se posst- vel louro e de olhos azuis. A artificialidade dessa realidade esta para pro- duzir as primeiras geragdes de “filhos de condomi- nios”, que nasceram, cresceram, estudaram, namo- raram, fumaram maconha, treparam, @ casaram den- tro do condominio. Quase sem contato com o mun- do hostil. Nossa sociedade esta produzindo uma ge- taco potencialmente atemorizada, conformista, apatica, acritica, afastada da realidade do duro dia- a-dia do brasileiro. As politicas criminais implantadas apresentam caracteristicas preventivas OU repressivo-terroristas. no combate a marginalidade social, dependendo da capacidade que as classes dirigentes tm de dar res- postas aos problemas da sociedade, integrando ou excluindo amplas camadas da populag3o do pro- cesso produtivo e construindo, ou nao, um projeto oo O que é Crime n "0 Joéo Ricardo W. Dornelles hegem6nico de sociedade. ‘0 que observamos no Brasil dos anos 80 6 um quadro de profunda crise social que desmascara as Qa distorcées de um modelo de desenvolvimento de- a | pendente, concentrador da tiqueza nacional, dentro dos marcos da mais grave crise do capitalismo inter- 1 —_— nacional. Essa realidade leva ao desiocamento deum imenso contingente de trabalhadores para as a’ ivi- dades informais da economia (biscates, pequenos | servigos, comércio ambulante etc.). Esses encon- | tram-se, portanto, nao diretamente integrados aos setores mais dinamicos da produgio capitalista mo- derna. Nessa realidade de crise, 0 controle sobre as classes subalternas n&o se da pelos mecanismos da ! produgao, mas sim através de mecanismos pura- mente repressivo-terroristas sobre um enorme exce- dente de m4o-de-obra nao assimilada pelo mercado. Essa massa marginalizada, potencialmente trans- gressora da lei e ameagadora a propriedade, passa a receber um tratamento de choque, sem a mediac&o dos processos institucionais das garantias e dos di- 1 | reitos de cidadania. Basta lembrar que no Brasil exis- | te a contravengao penal denominada vadiagem, que | | { consiste no fato de uma pessoa estar ha mais de trés meses sem carteira de trabalho assinada regular- Son 2 mente por um empregador. E isso é meio ridiculo, ou tragico, quando sabemos que as taxas de desem- t Podemos pensar em @ quando falamos em geno- Prego sio altissimas e que boa parte dos trabalha- cfdio, destruicdo da natureza ete. [EE f 72 Joao Ricardo Ww. Dornettes E nesse contexto que se verificam o Fecrudesej. mento da pratica policial, a atuacao impune dos gru- pos de exterminio, os linchamentos etc. Por outro lado, © quadro de crise leva aos Cortes de gastos sociais para conter o déficit public. E logi- camente néo faz parte das prioridades do Estado uti- lizar recursos com politicas sociais para Menores, drogados, delingiientes etc. O pragmatismo Oficial considera mais eficaz 0 controle social baseado na segregacao territorial, com a formagio de grandes guetos urbanos em que a populacio marginalizada passa a ser institucionalmente controlada em seu proprio espaco de vida através de programas assis- tenciais e da ac8o direta da policia. Evita-se uma politica criminal de natureza pre- ventiva, pois essa requer um investimento de longo prazo para o Estado, cujos resultados n3o sao ime- diatos, Isso tudo se relaciona com o crime. Até porque falarmos de crime abstratamente n&o contribui em nada para entendermos como num pais como 0 Bra- sil sempre se trataram as questées sociais. Parece que ainda vivemos no inicio do século, quando o social era uma quest&o de policia. ENFIM, O QUE E CRIME? Mais uma vez perguntamos: o que 6 crime? E a pergunta volta a ficar no ar. Volta a nos perturbar, Volta anos cobrar uma resposta. Euma pergunta que nos embaraca, poistemos a tendéncia de definir o crime apenas como os com- Portamentos previstos na lei penal. Ou entlio vendo como criminosos todos os comportamentos desvian- tes, ou anormais, moral ou culturalmente nio-acei- taveis. Mas comportamento anormal significa com- Portamento que n&o se enquadra nas normas, sejam juridicas ou morais. E essas normas nfo existem ao acaso. S8o produzidas por interesses. O que pode- riamos perguntar seria quais os interesses que fazem com que uma conduta humana seja considerada boa ou negativa. O que se esconde por detrés desta pre- tensa neutralidade que determina as pessoas estig- leg 1" Jodo Ricardo W. Dorneles matizadas merecedoras de um castigo. Podemos também pensar em crime quando fala- mos de genocidio, destruicdo da natureza, guerrei- rismo com a valorizacio das aces beligerantes entre as nagées, de sexismo numa sociedade machista, de violéncia contra as criancas, de violéncia contra os velhos, de violéncia contra os animais. Nao seriam criminosas as ameacas internacio- nais de boicote econémico, corte de créditos, reta- liac¢ées comerciais aos produtos dos paises depen- dentes? Afinal, um pais utiliza o seu poder militar e econémico para impor vantagens politicas ou co- merciais. Também poderiamos pensar nas acdes de ex- clusdo e exterminio de grupos étnicos, religiosos, culturais. Ou observar as acées de grandes grupos econémicos no campo brasileiro, expropriando mi- Ihdes de pessoas, inclusive mantendo trabalho es- cravo no interior da Amazonia. Poderiamas também considerar criminosa a politica fiscal que todos os anos abocanha “na mao grande” boa parte dos salarios através do imposto de renda, apertando o cinto dos assalariados que na verdade vivem de salario e nao de renda. Eas expectativas criadas em milhdes de criangas com antincios de brinquedos sofisticados e carissi- mos, inacessiveis ao poder aquisitivo dos pais? E 0 envolvimento dos grandes banqueiros do jogo do bicho na politica e na vida cultural do Rio de Janeiro? ao w O que é Crime oo Reagan e Gorbatchev tém um arsenal que pode simples- | mente assaltar todo o mundo. ; . | ase sn its ee Jodo Ricardy Ww, Dornetie, ——___. : 0 que € Crime ” m Rte een, crime pode ser m 0 tempo. Pode ser entendi trita visio legal, ou emplene penescom uma res- dutas danosas, incluindo os famosos “crimes a ad larinho branco”, praticamente impunes. #8 do co- Talvez 0 Mr. Reagan seja mais bandido do que 9 Escadinha. O poder que concentra em suas mos @ aameaca que isso representa para o mundo todo é infinitamente maior do que qualquer bandidinho da Baixada Fluminense pode sonhar. Ele tem simples- mente um arsenal que pode assaltar todo o mundo com sua pratica imperialista, como pode destruir todo o planeta. £ 0 que falar do apartheid na Africa do Sul, da politica israelense para os palestinos das 4reas ocu- padas da Cisjordania, da guerra Ira-lraque, das dita- duras no Paraguai e no Chile? Sao crimes terriveis contra a humanidade, tratados impunemente como elementos da politica internacional. E a fome no mundo? Somente o Brasil exporta milhdes de délares em soja para servir de racdo ani- mal, enquanto milhdes de pessoas morrem oe mente de fome, tanto no Brasil como no mun\ . Quando vamos agregando todos esses see tos, achamos no minimo curiosa a discussdo oo ae crime apenas centrada na figura do crimino: uitas coisas, , 8O mes- 2 a negativas ou positivas de acordo com os interesses dos detentores do poder. Adefinicg&o do que é crime, portanto, vai variar de acordo com as diferentes formas de entendimento sobre o pais eo mundo. Como também ira variar com a correlacdo de forcas existente dentro de uma socie- dade. Com uma correlac&o de forcas favoravel aos setores populares, os crimes contra a economia po- pular seriam considerados mais graves e mereceriam punic3o, em vez de pequenos delitos como a vadia- geme ofurto simples. Dessa forma, a caracterizagéo do que é crime sofre uma determinacao politica e ideolégica. Avioléncia realmente existee ameaca cada uma das pessoas no seu cotidiano. O medo de sofrer uma violéncia existe de verdade. Mas o que passa des- percebido para todos 6 que a ameac¢a nao 6 apenas do individuo mal-encarado que esta na esquina, mas muito mais da maneira como se organiza a vida em: sociedades divididas em classes desiguais. Ameaca- dos pelo poder econdmico, pelo mercado, pelo Es- tado, pelo saber etc. E todos se esquecem, ou mini- mizam, da ameaca da usina nuclear de Angra dos Reis, da ameaca dos rombos no mercado financeiro, da ameaca dos militares (que para alguns 6 a salva: ¢&o). Esquecem-se dessas umeacas @ vivenciam, com certo prazer sadomasoquista, a ameaca do ban- dido de rua. A opinido publica fica mais “grilada”’ ” niin sk een mone Jégico que os meios de comunicacéo vate com 0 assalto a um apartamento em Ipanema, noti- ados @ we onopalizados manipulam a infornty robes ciado em cores para todo o Brasil pelo Jornal Nacio- z dando conote vulgando os aconte' imentos & O que ¢ Crime Joao Ricardo W. Dornelies nal, do que com o ma: Ali fecha olivro, te pregam na cruz, Depois chamam os urubus. 'ssacre de Serra Pelada. 0 pu- O marginalizado, aquele suspeito por tudo de ruim que ocorre, aquele que sempre seré pego nas blitz da policia, o elemento perigoso, é 0 povo, que tem que se submeter as humilhantes condicdes de vida como trabalhador mal remunerado ou como um equilibrista utilizando todos os meios disponiveis para sobreviver, inclusive o crime. Terminamos como comecamos, perplexos com apergunta no ar: o queé crime? Crime? Ora, é coisa de bandido. como disse 0 Chico sao”: Se tu falas muitas palavras sutis E gostas de senhas, sussurros, ardis, A lei tem ouvidos pra te delatar Nas pedras do teu proprio lar. Se trazes no bolso a contravencao, Muambas, baganas e nem um tostdo, Alsi te vigia, bandido infeliz, Com seus olhos de raio-X. Se vives nas sombras, freqientas porées, Se tramas assaltos ou revolucées, A lei te procura amanha de manha ‘Com seu faro de doberman. E se definitivamente a sociedade sé te tem desprezo e horror, E mesmo nas galeras és nocivo, és estorvo, és um tumor, see INDICACOES PARA LEITURA Este pequeno livro tem 0 objetivo de fazer uma apresentagio sobre o fendmeno da crime e da violdncia, possibilitando despertar a curiosidade dos leitores para outras publicagS A bibliografia sobre o tema ¢ muito ampla. Poderia- mos listar uma infinidade de livros de autores brasileiros @ estrangeiros, de livros classicos e de obras modernas. No entanto, pretendo apenas apontar algumas suges- tes, propondo inicialmente a leitura de outro tivrinho da Coleg’o Primeiros Passos, intitulado O que é Violéncio Urbana, de Regis de Morais (Editora Brasiliense, 1964). Outro livra importante para o iniciante, pelas informagdes claras e precisas dos conceitos emitidos, @ a obra Oven so os Criminosos?, de Augusto Thompson (Editora Achi- 16, 1983). ome iguns autores de S80 Paulo t8m se destacado ne produgio de livros @ na realizagao de pesquisas ss tema do crime, violéncia, controle social e segu' M 0 que & Crime a Entre eles poderiamos suyerir os Sequintes levies: Crimae Cotidiano, de Baris Fausto (Editors Brahieree, 1964), em que 0 autor realiza uma andtiee clare sobre a criminalidade ha cidade de S80 Paulo entre 1880 ¢ 1924; Crime, Violén- cis e Poder (Editora Brasiliense, 1963), uma coletines de textos de diferentes autores, organizada por Paulo Sérgio Pinheiro, estudando a questo da violencia criminal ndo apenas na sociedade brasileira como também na argen- tina ¢ européie; O Direito da Populagéo 4 Seguranga, de Rosa Maria Fischer (Editora Vozes/CEDEC, 1985), resul- tado de uma pesquisa realizada junto 4s comunidades pe- ritéricas da Grande S30 Paulo ¢ relacionando a questo da violancia criminal com 0 exercicio da cidedania (a leitura é acessivel e clara nos conceitos); Violéncia, Povo e Policia, de Maria Victéria Benevides (Editora Brasiliense/CEDEC, 1983), em que a autora analisa como a questiio da violén- cia criminal é tratada ne noticibrio da imprensa, Para uma leitura dentro dos marcos da escola clas sica poderiamos indicar Dos Delitos @ das Penas, de Cesar Beccaria (Edi¢Ses de Ouro). A importancia deste livrinho reside na representag3o do pensamento liberal classico Sobre o crime. A leitura é facil. __Especiaimente recomendaveis para o iniciante que se interesse pela Criminologia sao as seguintes obras: As Rolzes do Crime, de Juarez Cirino dos Santos (Editora Forense, So Paulo, 1984); Criminologia Radical, também de Juarez Cirino dos Santos (Editora Forense, Sio Paulo, 1981); Criminologia da Reacao Social, de Lola Aniyar de Ser, traduzido por Ester Kosovski (Editora Forense, = Paulo, 1983); Criminologia Dialética, de Roberto Lira ho (Editora Borsoi, Rio de Janeiro, 1972). Todos esses livros s80 interessantes, e 6 recomendavel a sua leitura, Principalmente pelo enfoque eritico. No caso desses li- 7 82 vros, Caro pena Ceitual na area das livro de Michel Foucault vj guintes: América Latin Olmo, publicado em 1981, diferentes concepeées criminol i Criminolog| Mtica en Materia Crim ns Sen meaty Po. Dominacién — Teorias Criminolégit igicas Burguesas y Pro. yecto Hegeménico, do italiano Massimo Py i cado em 1983, No entanto, Sobre a questio peni te uma infinidade Editora Siglo Veintiuno eco chamada “Nueva Criminole. femos destacar os se- 2 ¥ Su Criminotogia, de Rosa del Muito esclarecedor sobre as /, de Denis Szabé, 1980; Control y ini, publi- Essas 80 apenas algumas sugestdes. Cal lombrar que cada livro traz uma bibliografia ue pode ser consul- tada peloleitor, leitor: do autor. opinides expressas neste livro sao as podem ndo serassuas. Caso vocé ache que valea escrever um outro livro sabre © mesmo tema, a publicagao stamos dispostos a estudar su i a one mesmo titulo como “segunda viso Jodo Ricardo w. Dorneit. les Sobre o autor ‘Sou carioca, nascido em 1955, Gradueime em Direito pe- la PUC-RJ em 1979. Sou mestra em Ciéncias Juridicas pela mesma universidade, onde defendi a tese “Ensaio sobre Conflito Social e Dominagao Politica no Capitalismo Brasi- lwiro”, em 1984. Protessor @ pesquisador, dou aulas de Criminologiae Di- reitos Humanos na PUC-RJ @ sou membro da Congregago do Instituto de Reiacdes Intemacionais, vinculado a univer. Sidade. Além disso, coordeno, no Brasil, o projeto “Educa gio @ Direitos Humanos", do Instituto interamericano de Derechos Humanos, com sede em San José, Costa Ric Em 1965, ful membro-suplante do Consetho Penitencia "lo do Estado do Rio de Janeiro. Tenho colaborado com as revistas Temas-Imesc e Socie ade. Direito @ Satide, ambas do Instituto de Medicina So- cial @ Criminologia de S80 Paulo, e Contextos, do Departa mento de Ciéncias Juridicas da PUC-RJ

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