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A REPRESENTACAO DA LINGUAGEM E O PROCESSO DE ALFABETIZACAO Emilia Ferreiro Do Deportamento de Pesquisas Educacionss, Centro de Pesquisas e de Estudos Avancados 4 Instituto Politecnico Nacional. México. “Treduete de Hordcio Gonzales EEE RESUMO [A autora analiza a importincia de se considerar por um lado 0 fexerta como representagio ‘da linguagem (@ no como céigo ide trantorigfo grifica de unidedes sonoras) ¢ por outro lado {2 erianga que aprende como um sujeite ativo que interage de forma produtiva com 0 objeto do seu conhecimento. Discute como $6 2 partir dessa parspectiva — e no a partir de novos métador, materiait ou teste de prontidgo ~ se poderia entre. tar sobre nows bases o problema de alfabtizagio inicial, SUMMARY ‘The author ansiyzet the importance of considering on one hand written language a a ropresentation of oral languoge (and not at 2 code for graphic transcription of zound units, and on the other hand the leafning child as an active subject {thot interacts ina productive way with the object of Knowledge. ‘She discusses how only from this perspective — and not from fnew methods, materials or reading readiness tests ~ one could fee the problem of child literacy on a new bass. —————— — Cad. Pesq., Sao Paulo (62): 7-17, fev. 1985 7 E recente @ tomada de consciéncia sobre a impor- tancia da alfabetizacZo inicial como a Gnica solugdo real Para 0 problema da alfabetizagZo remediativa (de adoles- centes e adultos) Tradicionalmente, a alfabetizagSo inicial & consi- derada em fungS0 da relacdo entre o método utilizado © o estado de “maturidade" ou de “prontido” da crian- ‘64. 05 dois polos do processo de aprendizagem (quem ensina e quem aprende) tém sido caracterizados sem que se leve em conta o terceiro elemento da relagSo: a natu: reza do objeto de conhecimento envolvendo esta apren- dizagem. Tentaremos demonstrar de que maneira este ‘objeto de conhecimento intervém no process, néo como uma entidade nica mas como uma tr/ade: temos, Por um lado, o sistema de representacSo alfabética da linguagem, com suas caracterfstices especiticas!; por ‘outro lado, as concepg5es que tanto os que aprendem {as criangas) como 0s que ensinam (0s professores) tém sobre este objeto. A ESCRITA COMO SISTEMA DE REPRESENTAGAO A escrita pode ser concebida de duas formes muito diferentes e conforme 0 modo de consideré-la 2 conseqiiéncias pedagogicas mudam drasticamente, A escrita pode ser considerada como uma representa: ‘680 da linguagem ou como um cédigo de transcrigfo gréfica das unidades sonoras. Tratemos de precisar em ue consistem as diferencas. A construgdo de qualquer sistema de representago envolve um processo de diferenciaglo dos elementos relagbes reconhecidas no objeto a ser apresentado e uma selego daqueles elementos e relagbes que sero retidos ha representagdo. Uma representago X nfo é igual & realidade R_ que representa (se assim for, néo seria uma representaco mas uma outra instancia de A). Portanto, se um sistema X é uma representago adequada de certa realidade R, reune duas condigdes aparentemente contra: ditérias; «) X possui algumas das propriedades e relagdes proprias aR; ') X exclui algumas das propriedades e relagbes préprias ar © vinculo entre X e R pode ser de tipo analégico ou totalmente arbitrério. Por exemplo, se os elementos de R so formas, distincias ¢ cores, X pode conservar essas propriedades e representar formas por formas, dis- ‘taneias por distincias e cores por cores. E 0 que acon. ‘tece no caso dos mapas modernos: a costa nfo ¢ uma linha mas a linha do mapa conserva as relagBes de proxi midade entre dois pontos quaisquer, situados nessa cos: ta; a8 diferencas de altura do relevo no se exprimem ‘necestariamente por diferencas de coloragio em R, mas podem se exprimir por diferencas de cores em X; eto, Embora um mapa seja basicamente um sistema de repre. sentago analégico, contém também elementos arbitrd- Flos; a8 fronteiras politicas podem se indicar por uma série de pontos, por uma linha continua ou por qualquer outro recurso; as cidades ndo so formas circulares nem quadredas e, no entanto, s8o estas duas formas geomé: tricas as que habitualmente representa — na escala do ‘mapa de um pais ~ as cidades?; eto. A construgio de um sistema de representagio X ‘adequado 2 R é um problema completamente diferente 8 dda construgio de sistemas de representacio alternativas (Xx, Xa, Xa...) construidos a partir de um X original Reservamos a expresso codificar para a construgio des. ses sistemas alternativos. A transcri alfabeto em codigo telegrético, a transcrigo dos digitos em cddigo binério computacional, a producéo de cédigos secretos para uso militar, etc., so todos exemplos de cconstruglo de cédigos de transcrico alternativa basea- dos em uma representacdo jd constituida (0 sistema alfa Dético para a linguagem ou 0 sistema ideogrético para os nuimeros), A diferenga essencial é a seguinte: no caso da codi- Ficag#o tanto os elementos como as relapses jf esto ‘pré-determinados; 0 novo cédigo ndo faz seno encontrar uma representaofo diferente para os mesmos elementos @ as mesmas relagSes. No caso da criapto de ume repre- sentago nem os elementos nem as relapSes estdo pré-de- terminadas. Por exemplo, na transcrigfo da escrita em ‘codigo Morse todas as configuragdes gréficas que caracte- rizam as letras se convertem em seqincias de pontos ‘tragos, mas a cada letra do primeiro sistema corresponde uma configuragio diferente de pontos e tracos, em cor- espondéncia bi-unfvoca. Ndo aparecem “letras novas”” nem se omitem distingdes anteriores. Ao contrério, a construgfo de uma primeira forma de representagdo adequada costuma ser um longo processo histérico, até se obter uma forma final de uso coletivo. ‘A invengio da escrita foi um processo histérico de ‘construpZo de um sistema de representacSo, nfo um pro- cesso de codificaggo. Uma vez construido, poder-seia pensar que o sistema de representacdo € aprendido pelos Novos usuérios como um sistema de codificagSo. Entre- tanto, no é assim. No caso dos dois sistemas envolvidos Ro inicio de escolarizagdo (0 sistema de representacdo dos ntimeros e o sistema de representagfo de linguagem) as dificuldades que as criancas enfrentam sfo dificulda- des conceituais semethantes as da construgdo do sistema por isso pode-se dizer, em ambos os casos, que a crian- a re:inventa esses sistemas. Bem entendido: nfo se trata de que as criancas reinventem as letras nem os nimeros ‘mas que, para poderem se servir desses elementos como elementos de um sistema, devem compreender seu pro: ‘08880 de construcdo e suas regras de producdo, o que co- oca 0 problema epistemolégico fundamental: qual € a natureza da relacdo entre o real e a sua representagio? No caso particular da linguagem escrita, a natureza complexa do signo lingastico torna dificil a escolha dos armetros privilegiados na representaco. A partir dos trabalhos definidores de Ferdinand de Seussure estamos habituados @ conceber o signo lingifstico camo a unigo. indissoldvel de um significante com um significado, mas ‘do avaliamos suficientemente 0 que isto pressupée para 1 Trataremos aqui exclusivemente do sistema alfabétion de [As diferencas em nimerot de habitentes dae populagSes, ou ra importéncie politica des mesma, pode se exprimir por diferencas de forma tals como quadrados ve circulot, ou ‘endo por variagdes de tamanho dentro’ da mesma forma Neste caso s8 restabelecr © analégico no interior do arbi trdri, Cad. Pesq. (52) fev. 1985 2 construcdo da escrita como sistema de representacto. E 0 caréter bifésico do signo lingiifstico, a natureza com- plexa que ele tem e a rolacdo de referéncia o que esta em jogo. Porque, 0 que 2 escrita realmente representa? Por ‘acaso representa diferencas nos significados? Ou diferen. {688 nos significados com relacdo & propriedade dos re ferentes? Representa por acaso diferencas entre signi ficantes? Ou diferencas entre os significantes com rela £0 205 significados? ‘AS escritas de tipo alfabético (tanto quanto as, escritas sildbicas) poderiam ser caracterizadas como sistemas de representago cujo intuito original — & primordial — 6 representar as diferencas entre os signi ficantes. Ao contrério, as escritas de tipo ideogréfico oderiam ser caracterizadas como sistemas de repre- sentaeSo cuja intenedo primeira — ou primordial — representar diferengas nos significados. No. entanto, também se pode afirmar que nenhum sistema de escrita ‘conseguiu representar de maneira equilibrada a natureza bifésica do signo lingUistico. Apesar de que alguns deles (como o sistema alfabético) privilegiam a representacdo de diferencas entre os significantes, e que outros (como (08 ideogréficos) privilegiam a representacio de diferencas ‘nos ssignificados, nenhum deles @ “puro”: os sistemas alfabéticos incluem — através da utilizagfo de recursos ortogréficos — componentes ideogréficos (Blanche-Ben- veniste e Chervel, 1974), tanto quanto os sistema ideo gréficos (ou logogréficos) incluem componentes fonéti- os (Cohen, 1958 e Gelb, 1976} A distingdo que estabelecemos entre sistema de codificagio e sistema de representago nfo 6 apenas terminolégica. Suas conseqUéncias para a a¢do alfabel zadora marcam uma nitida linha diviséria. Aa conce: bermos a escrita como um cédigo de transcricfo que converte as unidades sonoras em unidades gréficas, coloca-se em primeiro plano a discriminaggo perceptiva nas modalidades envolvidas (visual e auditiva). Os pro- ‘gramas de preparacéo para a leitura ¢ a escrita que deri- vam desta conceposo centram-se, assim, na exercitacdo da discriminagao, sem se questionarem jamais sobre a natureza das unidades utilizadas. A linguagem, como tal, € colocada de certa forma “entre parénteses”, ou melhor, reduzida a uma série de sons (contrastes sonoros a nivel do significante). O problema é que, a0 dissociar © significante sonoro do significado, destruimos o signo lingiiistico. O pressuposto que existe por detrds destas praticas 6 quase que transparente: se ndo hi dificuldades ara discriminar entre duas formas visuais proximas, ‘nem entre duas formas auditivas proximas, nem também para desenhé-las, no deveria existir dificuldade para ‘aprender a ler, jé que se trata de uma simples transcri¢do do sonoro para um cédigo visual Mas se se concebe a aprendizagem da I{ngua escrita ‘como e compreenséo do modo de construggo de um sistema de representacZo, o problema se coloca em ter mos completamente diferentes. Embora se saiba falar adequadamente, e se fagam todas as discriminagdes per- ‘ceptivas aparentemente necessérias, isso no resolve 0 problema central: compreender a natureza desse sistema de representagio. Isto significa, por exemplo, compreen: der por que alguns elementos essenciais da Iingua oral (a entonacio, entre outros) no sfo retidos na represen: taco; porque todas as palavras sfo tratadas como equi valentes na representacdo, apesar de pertencerem a “lasses” diferentes; porque se ignoram as semelhancas no significado e se privilegiam as semethancas sonoras; Porque se introduzem diferencas na representaco por ‘conta das semethancas conceituais, ete A conseqliencia altima desta dicotomia se exprime fem termos ainda mais draméticos: se a escrita 6 concebi da como um cédigo de transcrigo, sua aprendizagem é cconcebida como a aquisicdo de uma técnica; se a escrita & concebida como um sistema de representacio, sua aprendizagem se converte na apropriacdo de um novo ‘objeto de conhecimento, ou seja, em uma aprendizagem cconceitual. AS CONCEPGOES DAS CRIANGAS A RESPEITO DO SISTEMA DE ESCRITA. Os indicadores mais claros das exploracdes que as criancas realizam para compreender a natureza da escrita sfo suas produges esponténeas, entendendo como tal {a que nio so 0 resultado de uma cépia {imediata ou posterior), Quando uma crianga escreve tal como acredita que poderia ou deveria escrever certo conjunto de palavras', esté nos oferecendo um valiossimo docu ‘mento que necessita sor interpretado para poder ser ava- liado. Essas escritas infantis tem sido consideradas, dis- plicentemente, como garatujas, “puro jogo", o resultado de fazer ‘como se” soubesse escrever. Aprender a lé-las — isto 6, a interpreté-las — & um longo aprendizado que requer uma atitude tebrica definida. Se pensarmos que a crianga aprende s6 quando & submetida a um ensino ‘temético, e que @ sua ignoréncia esté garantida até que receba tal tipo de ensino, nada poderemos enxergar. Mas se pensarmos que as oriangas sdo seres que ignoram que deve pedir permisso para comecar a aprender, talvez ‘comegemos a aceitar que podem saber embora ndo tenha sido dada a elas a autorizacdo institucional para tanto. Saber algo a respeito de certo objeto no quer dizer, nnecessariamente, saber algo socialmente aceito como “conhecimento”. “Saber” quer dizer ter construido alguma concepe30 que explica certo conjunto de fend: menos ou de objetos da realidade. Que esse “saber” coincida com o "saber" socialmente vilido € um outro problema {embora seja esse, precisamente, 0 problema do saber” escolarmente reconhecido). Uma erianga pade conhecer 0 nome (ou o valor sonoro convencional) das letras, e ndo compreender exaustivamente o sistema de escrita. Inversamente, outras eriangas realizam avangos substancials no que diz respeito 8 compreensio do sis tema, sem ter recebido informaco sobre a denominacdo. de letras particulares. Aqui mencionaremos breverente Mencionaremos aqui apenas of provestor de produgio de texto (esrital. Em razio de limitapgo do espero, no ire mos nos ocupar dos processos de Interpretagdo de textos (iota) ombora ambos. se encontrem perfeftaments rela sionados (0 que nib significa paralelismo completa) E importante sublinhar “odnjunto de palawas", Uma escrita isolada ¢ geralmente impossivel de se interpreter, E preciso ter um conjunto de expresses escritas para poder avaliar ‘ contraret @ ¢@ levar em conta na canstrugdo do repre sentacto, A representacao da linguagem e o proceso de alfabetizacao 9 alguns aspectos fundamentais desta evolucdo psico-gené- tica, que tem sido apresentada e discutida com maior detathe em outras publicagdes*. ‘As primeiras escritas infantis aparecem, do pon- to de vista grafico, como linhas onduladas ou quebradas (zigue-zague), continuas ou fragmentadss, ou entio como uma série de elementos discretos repetidos (séries de linhas verticais, ou de bolinhas). A aparéncia gréfica nfo € garantia de escrita, a menos que se conhecam as ccondigBes de produso. (© modo tradicional de se considerar a escrita in fantil consiste em se prestar atengo apenas nos aspectos gréficos dessas produgSes, ignorando os aspectos cons trutivos. Os aspectos gréficos tam a ver com a qualidade do trago, a distribuiglo espacial das formas, a orientacdo predominante (da esquerda para a direita, de cima para baixo), a orientacSo dos caracteres individuals (invers6es, rotagdes, etc). Os aspectos construtivos tém a ver com (© que se quis representar e os meios utilizados para criar diferenciagSes entre as representagGes. Do ponto de vista construtivo, a escrita infantil segue uma linha de evolucéo surpreendentemente regu: lar, através de diversos meios culturais, de diversas situa- ‘9Bes educativas e de diversas linguas. Af, podem ser dis- Tinguidos trés grandes perfodos no interior dos quais cabern multiplas sub-divisbes: — Distingdo entre © modo de representagdo icbnico eo ‘io-icdnico. — A construgdo de formas de diferenciacdo (controle progressive das variagies sobre os eixos qualitativo e quantitative). — A fonetizacdo da escrita (que se inicia com um perfor do sildbico e culmina no perfodo alfabético). No primeiro perfodo se conseguem as duas distin- Bes bisicas que sustentardo as construgbes subsequien- ‘tes: @ diferenciagdo entre as marcas gréficas figurativas eas nflo-figurativas, por um lado, e a constituiggo da escrita como objeto substituto, por outro®. A distinedo entre “desenhar”e “‘escrever” 6 de fundamental impor- tincia (quaisquer que sejam os vocabulos com os que se designam especificamente essas acbes). Ao desenhar se esté no dominio do icdnico; as formas dos grafismos importam porque reproduzem a forma dos objetos. Ao cescrever se estd fora do icdnico: as formas dos gratismos no reproduzem a forma dos objetos, nem sua ordenagio espacial reproduz 0 contorno dos mesmos. Por isso, tan- to a arbitrariedade das formas utilizadas como a ordena- ‘eo linear das mesmas so as primeiras caracter(sticas manifestas da escrita pré-escolar. Arbitrariedade no significa necessariamente convencionalidade. No entan- to, também as formas convencionais costumam fazer 2 sua apari¢do com muita precocidade. As criangas ndo empregam seus esforcos intelectuais para inventar letras novas: recebem a forma das letras da sociedade e as ado- ‘tam tal e qual. Por outro lado as criancas dedicam um grande es: forgo intelectual na construcdo de formas de diferencia- fo entre as escritas e ¢ isso que caracteriza o periodo seguinte. Esses critérios de diferenciacZo sfo, inicial- mente, intra-figura, ¢ consistem no estabelecimento das propriedades que um texto escrito deve possuir pera poder ser interpretavel (ou soja, para que seja possivel atribuir-lhe uma significagdo). Esses critérios intra-figura 10 ILUSTRAGAO 1a Excrita som diferenciaggo interigura (Adriana, 4;5) (6) 0) gate wit nw ae” — (desenha bonequinho) = 0 que voos desenhou? = Um boneco = Ponha o nome = (rabisco) (a) — 0 que voc’ pas? = Ale ( = seu irméo) — Desenhe uma casinha = (desenha) — 0 que 6 isso? = Uma casinha = Ponta 0 nome = frabisco) (b) — O que voeé pés? = Casinna = Vocd sabe colocar 0 seu nome? = (quatro rabiscas separados) (c) = O que 6 isso? = Adriana = Onde diz Adriana? = fassinala globalmente) — Porque tem quatro pedacinhos? ~ - +. porgue sim. = O que diz aqui? (19) = Adriana = E aqui? (22) = Alberto (= seu pai) = E aqui? (39) = Ale ( =seu irmo) = E aqui? (42) = Tia Picha. 5 contorme: €. Ferreiro # A. Teberosky (1979 Ferreiro (1982); . Ferreioet ali (1982); E. Fors E, Ferreiro (n0 pra). 1981); E. ro (1983); ‘ Pera compreender a passagem dat letras como objetos om si, {as letras como objetos substitutes, ver E. Ferreiro (1962) Cad, Pesq. (52) fev. 1985 ILUSTRAGAO 1b Excrita com letras convencionai inter-figura (Domingo, 6 anos) A 5S E 5 mas sem diferenciagdo a (2) a 35 E a (1) peixe (2) 0 gato bebe leite (3) galinha s2 expressam, sobre 0 eixo quantitativo, como a quant dade minima de letras — geralmente trés — que uma eserita deve ter para que “diga algo” e, sobre 0 eixo qualitative, como a variago interna necesséria para que uma série de graffas possa ser interpretada (se 0 escrito tem “o tempo todo @ mesma letra”, ndo se pode ler, ou seja, nfo 6 interpretavel) © paiso seguinte se caracteriza pela busca de dife- renciagdes entre as escritas produzidas, precisamente “dizer coisas diferentes”. Comega ento uma busca resultam ser inter-figura: as cot intra-figura se mantém, mas agora 6 necessério criar mo: (3) A S — 15) A 6) (4) franguinho (5) pato (6) patos dos sisteméticos de diferenciago entre uma escrita e @ soguinte, precisamente para garantir a diferenga de inter pretacdo que seré atribufda. As criangas exploram entdo rios que Ihes permite, as vezes, variagSes sobre 0 eixo quantitative (variar a quantidade de letras de uma escrita para outra, para obter escritas diferentes), © as vezes, sobre o eixo qualitativo (variar 0 repertério de letras que se utili posigdo das mesmas letras sem modificar a quantidade) ‘A coordenago dos dois modos de diferenciago (quan tativos e qualitativos) é t8 dificil aqui como em qual- ‘quer outro dominio da atividade cognitiva. A representagao da linguagem e o processo de altabetizagio W ILUSTRAGAO 2 Escrita com diferenciagzo wer-figura (Carmelo, 6 ; 2) Qj. b QikeE (1) Carmelo Enrique Castillo Avellano (uma letra para cada nome). (2) vaca (3) mosca Nestes dois primeiros perfodos, 0 escrito nfo esté regulado por diferencas ou semethancas entre os signifi- ‘cantes sonoros. E a atengéo as propriedades sonoras do significante que marca o ingresso no terceiro grande pe- rfodo desta evolugo. A crianga comeca por descobrir que as partes da escrita (suas letras) podem corresponder a outras tantas partes da palavra escrita (suas sflabas). Sobre 0 eixo quantitativo, isto se exprime na descoberta de que a quantidade de letras com a que se vai escrever uma palavra pode ter correspondéncia com a quantidade de partes que se reconhece na emisséo oral. Essas “par- tes" da palavra so inicialmente as suas silabas. Inicia-se assim 0 perfodo silébico, que evolui até chegar a uma exigéncia rigorosa: uma sflaba por letra, sem omitir sila- bas © sem repetir letras. Esta hipétese sildbica é da maior 12 gi\fe (4) borboleta (9) cavalo (6) mamae come tacos importancia, por duas razSes: permite obter um-critério eral para regular as variagées na quantidade de letras que devem ser escritas, e centra a atengSo da crianca nas variagSes sonoras entre as palavras. No entanto, a hipéte- se silabica cria suas proprias condigdes de contradi¢do: contradiego entre o controle silébico e a quantidade mi- rnima de letras que uma escrita deve possuir para ser “‘interpretivel” (por exemplo, 0 monoss{labo deveria se eserever com uma Gnica letra, mas se se coloca uma letra 56, 0 escrito “no se pode ler”, ou seja, nfo & interpreté- vel); além disso, contradigdo entre a interpretacSo silabi- ca e as escritas produzidas pelos adultos (que sempre te- "io mais letras do que as que a hipotesesilébica permite antecipar). Cad. Pesq. (52) fev, 1985 ILUSTRAGAO 3a Escrita silébica (letras de forma convencional mas utilizadas sem seu valor sonoro convencional): cada {otra vale por uma sflaba (Jorge, 6 anos) 1Kh, (2) 3) SIlg A . C KIA IIMS (0) ga-t0 (2) ma-ri-po-sa (3) ca-ba-tlo (4) pez (8) mar (6) el-ga-to-be- be - le - che 88 foram mantides no original espanhol pare que ‘© procesto aqui lustrado fara sentido. No mesmo perfodo — embora nfo necessariamente ‘a0 mesmo tempo ~ as letras podem comegar por adqui: fir valores sonoros (silébicos) relativamente estéveis, 0 ‘que leva a se estabelecer correspondéncia com 0 eixo qualitative: as partes sonoras semelhantes entre as alavras comecam a se exprimir por letras semelhantes. E isto também gera suas formas particulares de conflito. Os conflitos antes mencionados (aos que se acres centa as vezes @ ago educative, conforme a idade que tenha a crianga nesse momento), vlo desestabilizando Progressivamente a hipétese sildbica, até que a crianga ‘tem coragem suficiente para se comprometer em um novo processo de construgéo’. O periodo silébico-alf bético marca a transigo entre os esquemas prévios em via de serem abandonados 0s esquemas futuros em vias de serem construfdos. Quando a crianga descobre que a sflaba nfo pode ser considerada como unidade ILUSTRAGAO 3b Escrita silébica (vogais com valor sonoro convencional): cada letra vale por uma sflaba (Francisco, 6 anos) FR j Ow ALLOA. » AOA , AAO ” AOE ° o o (2) ma-ri (3) pa-lo-ma (4) pa-ja-ro (8) ga-to (6) pa-to (7) pez (8) pez (2? temativa) mas que ela é, por sua vez, re-analisivel em elementos ‘menores, ingressa no ultimo passo da compreensfo do lecido. E, a partir dal, desco- bre novos problemas: pelo lado quantitativo, que se por um lado no basta uma letra por sflaba, também no se 7 Utiizamos aqui © modelo piagetiano da equilibragso (Piaget, 1978) A representagao da linguagem e 0 processo de alfabetizacao 13 ILUSTRAGAO 4 Escrita silébico-alfabsética (Julio Cesar, 6 anos) Valo « MY PS a Cagllo » PSa ° Gar B Ichy° (1) gato (2) mariposa (3) caballo. (4) pez (5) @f gato bebe leche) (As palavras foram mantides no ori rocesso aqui ilustrado faca sentido) pode estabelecer nenhuma regularidade duplicando a ‘quantidade de letras por silaba (j4 que ha sflabas que se ‘escrevém com uma, duas, trés ou mais letras); pelo lado qualitativo, enfrentard os problemas ortogréficos (a iden- tidade de Som nfo garante identidade de letras, nem a Identidade de letras a de sons). AS CONCEPCOES SOBRE A LINGUA SUBJACENTES APRATICA DOCENTE. Tradicionalmente, as discusses sobre a prética alfabetizadora tém se centrado na polémica sobre os métodos utilizados: métodos analiticos vs. métodos sintéticos; fonético vs. global; etc. Nenhuma dessas discusses levou em conta o que agora conhecemos: as concepgdes das criangas sobre o sistema de es- crita, Daf a necessidade imperiosa de recolocar a dis 14 cussé0 sobre novas bates. Se acsitarmos que a crianca fo & uma tébua rasa onde se inscrevem as letras e as palavras segundo determinado método; se aceitarmos que 0 “técil” ¢ 0 “dificil” nfo podem ser definidos 2 partir da perspectiva do adulto mas da de quem apren: de; se aceitarmos que qualquer informaglo deve ser assimilada (e portanto transformada) pare ser operante, entdo deveriamos também aceitar que os métodos (co: mo seqiiéncia de pastos ordenados para chegar a um im) no ofereoam mais do que sugestBes, incitacdes, quando nfo préticas ritusis ou conjunto de proibigSes. método nifo pode eriar conhecimento. ‘A nossa compreensfo dos problemas tal como as criangas 0s colocaim, ¢ da seqiéncia de solucBes que elas consideram aceitéveis (e que dio origem a novos proble- mas) 6, sem divide, esséncia para poder ao menos ima- inar um tipo de intervencfo adequada 4 natureza do processo real de aprendizagem. Mas reduzir esta interven- 480 20 que tradicionalmente denominou-se “o método Ltilizado” 6 limitar demais nossa indagaeSo. Gril se perguntar através de que tipo de préticas 4 crianga é introduzida na lingua escrita, e como se apre- senta este objeto no contexto escolar®. Hé préticas que lovam & crianga & conviceo de que o conhecimento é ‘algo que 0s outros possuem ¢ que s6 se pode obter da boca dos outros, tem nunca ser participante na cons truco do conhecimento. Hi préticas que levam a pensar ‘que “o que existe para se conhecer" jé foi estabelecido, como um conjunto fechado, sagrado e imutével de coisas @ nfo modificével. Hé préticas que levam a que o sujeito {a crianga neste caso) Fique de “fora” do conhecimento, como espectador passivo ou receptor mecinico, sem fhunca encontrar respostas aos “?porqués” e aos “para qués” que jé nem sequer se atreve a formular em voz alt Nentuma prética pedagogica 6 neutra. Todas esto apoiadas em certo modo de conceber 0 provesso de aprendizagem e 0 objeto dessa aprendizagem. S50 prov velmente essas préticas (mais do que os métodos em si) que tém efeitos mais perduréveis a longo prazo, no do- rminio da lingua escrita como em todo os outros. Con- forme se coloque a relaggo entre o sujeito e o objeto de conhecimento, e conforme se caracterize a ambos, cortas préticas aparecero como “normals” ou como “aberran- tes. E aqui que a reflex psico-pedagogica necessita se apoiar sobre uma reflexdo episternolégica Em diferentes experiéncias que tivemos com pro- fissionais de ensino? apareceram trés dificuldades pais que precisam ser inicialmente colocadas: em pri- rmeiro lugar, @visf0 que um adulto, j alfabetizado, tem do sistema de escrita; em sogundo lugar, a confusto entre © Um extudo de uma dettar préticas — 0 ditado ~ encont Vérias agdet de capacitagso de profestores da primeira st do Primeico. Grau ® da Pré-Escola no México (Secretaria de Educagfo Pabllea). Experiéncas semethantes se realizaram por Ano Teberosky om Barealona, por Délia Lerner em (Caracas, por Liliana Tolchinsky om Telavv, pela autora deste ‘artigo (com logopedisas) na Sulca, asim como também por ‘ris persone que trabalham estes temas om Buenos Ares m0 México. Cad. Pesq. (52) fev. 1985 eserever e desenhar letras; finalmente a redugo do co- rnhecimento do leitor a0 conhecimento das letras e seu valor sonoro convencional Mencionaremos brevemente as duas primeiras, iremos nos deter mais na terceira Nao hé forma de recuperar por introspecefo a visfo do sistema de escrita que tivemos quando éramos analfabetos (porque todos fomos analfabetos em algum momento}. Somente 0 conhecimento da evolucdo psico- ‘genética pode nos obrigar a abandonar uma visio adulto- Céntrica do processo. Por outro lado, a confusfo entre escrever e dese- nnhar letras (Ferreiro e Terosky, 1979, vol. 8) é relativa- mente diffcil de se esclarecer, porque se apdia em uma jo do processo de aprendizagem segundo a qual @ cbpia e @ repetico dos modelos apresentados so os provedimentos principais para se obter bons resultados. ‘A andlise detalhada de algumas das muitas criancas que so “copistas” experientes mas que no compreendem ‘0 modo de construgSo do que copiam é 0 melhor recurso. para problematizar a origem desta confusSo entre escre- ver e desenhar letras. (Os adultos jé alfabetizados tam tendéncia a reduzir ‘© conhecimento do leitor para o conhecimento das letras ‘seu valor sonoro convencional. Para problematizar tal reduco utilizamos, reiteradas vezes, uma situagfo que favorece uma tomada de consciéncia quase que imediata: formamos pequenos grupos (por volta de 5 pessoas em cada um) e entregamos materiais impressos em escritas desconhecidas para eles (érabe, hebraico, chinés, etc.) com a orientago de tratar de lé-los. A primeira reacéo = obviamente — 6 de rejei¢do: como ler se no conhecem essas letras? Insistimos em que tratassem de ler. Quando afinal decidem explorar os materiais impressos comegam, de imediato, os intercdmbios nos grupos. Primeiro, 2 respeito da categorizago do objeto que tém entre as imifos: isso 6 um livro (de que tipo?), um jornal, uma revista, um folheto, etc. Conforme a categorizago com- binada, apresenta-se de imediato a antecipaclo sobre a ‘organizagio do seu contetido: se é um jornal, tem de ter seqSes (politica, esportes, etc); se é um livro tem de ter 0 titulo no infcio, 0 nome do autor, a editora, o indice no infcio ou no final; etc. Em todos os casos se supde que as paginas estZo numeradas, 0 que permite encontrar a diferenca gréfica entre nameros e letras. Em alguns ca 405, a orientaggo da escrita ndo esté clara (vai da esque dda a direita ou da direita & esquerda?) e se buscam in cadores para poder decidir (por exemplo, ver aonde aca- ba um pardgrafo e comeca o seguinte). Supde-se que haja letras maidsculas e mindsculas e sinais de pontuacso. Supde-se que no jornal apareca a data completa (di ‘més e ano), enquanto que em um livro se busca apenas ‘0 ano de impress. Se hé Fotografias ou desenhos, ante- cipa-se que 0 texto mais proximo tem a ver com 0 dese- nhado ou fotografado e, em se tratando de uma persona- gem piblica (homem politico, ator, esportista, etc.) pressupde-se que seu nome escrito. Se a mesma ersonagem aparece em duas fotografias se procura de ediato, nos textos que se supdem ser legendas das fo- tografias, alguma parte em comum; caso seja encontrada, se supe que af esta escrito o nome da personagem em (questo, E assim se prossegue. No final de certo tempo de explorago (uma hora aproximadamente) os grupos ‘confrontam suas conclus6es. Todos consaguiram chegar Repensando a prética de alfabetizagao — as idéias de Emilia Ferreiro . 4 conclusfies do tipo “aqui deve dizer. . .”, “pensamos que aqui diz . . . porque ‘Os que mais avangaram. nas suas tentativas de interpretagdo so os que encontra- ram fotos, desenhos ou diagramas sobre os quais apoiar a interpretagfo dos textos. Foi explicado a eles que as criangas pequenas fazem mesma coisa. Todos se sentiram muito desorientados a0 explorar esses caracteres desco- Inhecidos, e em particular, descobriram como pode ser diffeil encontrar dois caracteres iguais quando no se conhece quais so at variagSes irrelevantes e quais as variagdes importantes. Explicamos a eles, ento, que as oriangas também se sentem assim no inicio da apren- dizagem. Mas todos puderam fazer antecipago sobre 0 significado porque um livro, como esté ‘orgenizedo @ que tipo de coisa pode estar escrito nele (o mesmo vale para os jornais, revistes, etc). Esse tipo de conhecimento geralmente as criancas nfo tém. Des- ram que construir antecipagdes sobre o significado fe tratar depois de encontrar indicagSes que permitam justificar ou rejeiter a antecipagdo é uma atividade inte- lectual_complexa, bem diferente da pura adivinhacdo ‘ou da imaginago no controlada. Assim descobrem que ‘0 conhecimento da lingua escrita que eles possuem, por serem leitores, no se reduz a0 conhecimento des letra Uma vez esclarecidas estas dificuldades conceituais. iniciais, 6 poss(vel analisar a prética docente em termos diferentes do metodolégico. A titulo de exemplo realiza- remos a seguir a analise das concepodes sobre a lingua subjacentes a algumas destas préticas 'A) Existe uma polémica tradicional sobre a ordem fem que dever ser introduzidas as atividades de leitura as de eserita. Na.tradi¢o pedagigica norte-americans 2 leitura precede regularmente a escrita. Na América La- tina, a tradigfo tende a utilizar uma introdugo conjunta das duas atividades (e por isso tem se imposto a expres- fo lecto-escritura®®). No entanto, espera-se habitualmen- ‘te que a crianca possa ler antes de saber escrever por mesma (sem copiar). A inquietagSo dos professores sub- siste: esta é uma das perguntas que formulam freqdente- mente (as oriancas devem ler antes de escrever?). Se ppensarmos que 0 ensino da Iingua escrita tem por objeti- ‘v0 0 aprendizado de um cédigo de transcrigo, & posstvel saciar o ensino da leitura e da escrita enquanto apren dizagem de duas téonicas diferentes, embora complemen tares. Mas esta diferenciagdo carece totalmente de senti- do quando sabemos que, para a crianga, trata-se de com preender a estrutura do sistema de escrita, ¢ que, para conseguir compreender 0 nosso sistema, realize tanto atividades de interpretacdo como de produgfo. A propria idéia da possibilidade de dissociar as duas atividades 6 inerente a visfo do ensino da escrita como o ensino de ‘6enica de transcrieSo. B) Nas decisées metodolégicas a forma de se apre- sentar as letras individuals ocupa um lugar importante (é preciso dar © nome ou 0 som?) bem como a ordem de jpresentago tanto de letras quanto de palavras, © que implica em uma seqiiéncia do “facil” a0 “dificil”. No vamos considerar aqui a questo da definico de “técil ou “dificil” que se esté utilizando, ainda que seja um 10 Lectoeseritura, em eattlhano: leitura @ excita (nota do twaduton) 15 EE EE EE problema fundamental!?, fonte dos primeiros fracassos a comunicago entre aquele que ensina e aquele que aprende. Me permito reproduzir aqui uma ilustracdo que sintetiza maravithosamente esta ruptura inicial da_comunicagio'*. (traduzase a diferenga entre os animais como diferenca entre os “sistemas” disponiveis para ambos e a relago de dominagSo que essa diferenca encerra). Vamos considerar unicamente as suposigdes ‘No que diz respeito & informaco disponivel. A lingua escrita é um objeto de uso social, com uma existéncia social (e no apenas escolar). Quando as criangas vivem em um ambiente urbano, encontram escritas por toda arte (letreiros da rua, vasilhames comerciais, propa: gandas, andncios da T.V., etc.). No mundo circundante esto todas as letras, no em uma ordem pré-estabelecida mas com a freqiiéncia que cada uma delas tem na escrita da lingua. Todas as letras em uma grande quantidade de estilos e tipos gréficos. Ninguém pode impedir & erianca de vé-las e se ocupar delas. Como também ninguém pode honestamente pedir & crianga que apenas peca informa- 0 @ sua professora, sem jamais pedir informagio a Outras pessoas alfabetizades que possa ter & sua volta (iredos, amigos, tios...) Quando no ambito escolar se toma alguma deci- 380 sobre o modo de apresentagdo das letras costuma-se tentar — simultaneamente — controlar 0 comportamento dos pais a respeito disso (os cléssicos pedidos de colabo- ago dos pais em termos de proibigBes, com autorizagdo expressa de fazer exclusivamente o mesmo que se faz, na escola, de modo a nfo criar conflitos no processo de aprendizagem). Pode-se talvez controlar os pais, mas é ilusério controlar a conduta de todos os informantes ‘em potencial (irmBos, amigos, tios, avés. ..), e & total: mente impossivel controlar a presenca do material escr ‘to no ambiente urbano. ‘Muitas vezes tom se enfatizado a necessidade de abrir a escola para a comunidade circundante. Curios ‘mente, no caso onde ¢ mais facil abrila 6 onde a feche- mos. A crianga vé mais letras fora do que dentro da escola: a crianga pode produzir textos fora da escola enquanto na escola s6 autorizada a copiar, mas nunca 2 produzir de forma pessoal. A crianca recebe ‘¢80 dentro mas também fora da escola, e essa inform: ‘80 extra-escolar se parece & informagéo lingistice geral que utilizou quando aprendeu a falar. E informagio variada, aparentemente desordenads, a vezes contradi- tbria, mas é informagao sobre a lingua escrita em contex- tos sociais de uso, enquanto que a informacgo escolar é freqdentemente informacdo descontextualizada. Por trés das discuss6es sobre a ordem de apresen- tago das letras e das seqiiéncias de letras reaparece a concepeio da escrita como técnica de transcrigfo de sons, mas também algo mais sério e carregado de conse- ‘qiéncias: a transformaego da escrita em um objeto esco- lar e, por conseaiéncia, a conversfo do professor no tni- 0 informante autorizedo. Poderiamos continuar desta maneira com a andlise de outras préticas, que sfo relevadoras da concepeo que ‘0 que ensinam tém acerca do objeto e do procesto de aprendizagem. A transformacSo destas priticas é que é realmente dificil, jé que obriga redefinir o papel do pro- fessor e a dindmica das relagSes sociais dentro e fora da 16 "1 em viriss publicagdes anteriores enfatizel que nade pode \efinir-se em si como fail ou diel, Que algo 6 fell quando ‘corresponde 20s esquemas attimiladores ditponiveis ¢ diffi! ‘quando obriga a moditicar tals exquemes, Por isso hi coisas fm _um momento’ 8 diffosiy poucoe mesee ‘depois. Por exemplo, o reconhecimento de certs letra some 8 inicia! do proprio nome ¢ facil quando ela ¢ interpretade como ‘a minha etre” ou “a letra do Rt ‘mento em que te constr6i a hipStese sldbica¢ se comoga = dar a essa letra incial 0 valor da primei ' primeira letra do sou nome compreende porque sue col Inicil quando deveri usar "o ro 12 Tratese de uma propaganda que circulou hé muitos anos ra Europa, como pare de uma promogio de cursor de lingua estrangeira. Cad. Pesq. (52) fev. 1985 sala de ule. € importante indicar que de maneiraalguma odemos concluir do que foi dito anteriormente que o professor deveria se limitar a ser simples espectador de tum processo espontaneo. Foi Ana Teberosky, em Barce: ona, a primeira em se atrever a fazer uma experiéncia pedagéoica beseeda, a meu ver, em tras idéias simples mas fundamentais: ) deixar entrar e sair para buscar informacio extra-escolar disponivel, om todas as conse aiéncias dso; b) 0 professor nfo: é mais o dnico que sabe ler @ esorever na sala de aula; todos podem ler & escrever, cada um ao seu nivel'?; c) as criangas que ainda nfo esto alfabetizadas poder contribuir com proveito na propria alfabetizagdo © na dos seus companteiros, cuando a dscusio arespeito da rgpresentag esrita da linguagem se torna pratica escolar! CONCLUSOES Do que foi dito fica claro, do nosso ponto de vista, que as mudancas necessirias para enfrentar sobre bases ‘novas a alfabetizagdo inicial nd0 se resolvem com um novo método de ensino, nem com novos testes de pron- tido nem com novos materiais didéticos (particularmen. ‘te novos livros de leitura) E preciso mudar os pontos por onde nés fazemos assar 0 eixo central das nossas discusses. Temos uma imagem empobrecida da lingua escrita: 6 preciso reintro- duzir, quando consideramos a alfabetizagdo, a escrita como sistema de representacdo da linguagem. Temos uma imagem empobrecida da crianga que aprende: a reduzimos a um par de olhos, uma mfo que pega um instrumento, para marcar e um aparelho fonador que emite sons!S. Atrés disso hé um sujeito cognoscente, alguém que pensa, que constréi interpretagdi age sobre o real para fazé-lo seu. Um novo método nfo resolve os problemas. preciso se reanalizarem as préticas de introdugdo da lingua escrita, tratando de ver os pressupostos subje- REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS BLANCHE-BENVENISTA, Claite & CHERVEL, A. L’ortho- ‘graphe. Pais, Maspero, 1974, COHEN, Marctl. La grande invention de Vecriture et son é+a- ‘ution, Paris, Klincksieck, 1958, FERAEIRO, E. The interplay between information and assmi- lation in beginning literecy. In: TEALE, W. & SULZBY, €. (eds) Emergent literacy. Norwood, N.J. Ablex, (no preloi, ne prdetica de! dictado en et primar ano es. colar. Cuadernos de Investigacion DIE. México, (18), 1984, Los procesor constructivos de apropriscion Ge la esritra, In: FERREIRO, E. & GOMEZ PALACIO, M.. (ede). Nueves perspectivas sobre los procetot de lectura @oscritur. México, Sigho XX! Eaitores, 1982, —__. Precesos de adquisicin de la lengua escrita Genero del contexto escolar. Lectura y Vide, 4 (2), 1983. FERREIRO, E. © GOMES PALACIO, M., (eds), Nuevos pers ppectivas sobre fos procesos de lecturd # excritura, México, Siglo XXI Edltores, 1982. centes a elas, ¢ até que ponto funcionam como filtrot de transformagao seletiva e deformante de qualquer proposta inovadora. Os testes de prontidéo também nfo so neutros. A andlise de suas pressuposigSes mereceria tum estudo em particular, que escapa aos limites deste trabalho, € suficiente apontar que @ "prontidéo” que tais testes dizem avaliar é uma nogio to pouco cienti- fica como a “inteligéncia” que outros pretendem me dir! Em alguns momentos da histéria faz falta uma revolupfo conceitual. Acreditamos ter chegado 0 mo- ‘mento de fazé-la a respeito da alfabetizagto. 19 Igto 6 muito diferente do que acontece com algumas propos tas nas quais 0 professor se torna "o escrba da turma”, mat continua sendo 0 nico que pode excrever, * ct. sobre este Gitimo ponto, A. Teberosky (1982). 48 Falando da leiture, o& Goodman disteram com particular {nfase: "Se comprevndernos que o edrebro # 0 org8o hums: no do processsmento de Informacio, que 0 clrebro rifo € Diisioneio os sentidos’ mat que controla os SrgHos en © utiliza seletiamente o Input que deles rectbe, fentéo. nfo pode nos surpreender que o que ® boca diz na leitura em voz alta nfo ¢ 0 que o olho enxergou mato {que 0 oérebro produziu para que a boca dssesse" (K. Good rman e Y. Goodman, 1977). 28 em uma discussdo sobre este toma, Hormine Sinclair empre- 90U uma feliz expresso pera nox’ alertar contra os perigot {da noo de “prontido para 2 litura” ("reading readiness”): “Uma das cols que tatamos de dizer nesta contertn 6 que nifo estamos (cientificaronte) preparadot para falar Sa prontidéo pare s leitura, © até que isto acontees, ser ‘melhor supdr que todas at crianoas que tomos na sale ertfo ‘madurse para a leiture, 20 invés de supbr que. podernos clattificar aqueles que nao tém o que supomos que tabemot ‘Que deve ter” (Un E. Ferreiro eM. Gomer Palacio, orp, 1982, 5.349), FERREIRO, E. et alll, Andlsis de lat perturbaciones en el ‘proceso de aprandizaje escolar de la lecture, México, Diee- ‘i6n General de Edueacion Especial, 1982 (5 fasciculos FERREIRO, E. & TEBEROSKY, A. La comprension del iste. ‘ma de escritura: construcciones originales del nfo ® infor- ‘mecion especttica de los adultos. Lectura y Vide, 2 (1), 1981, —____.. 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