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renee © MESTRES WA a So POUR CR esa aa : SUS PLT a UM gLannini aN ANGELA ‘Mostraram-nos um programa. Este: Bach: Bourrée; Roncalli: 4 pecas da Suite em Sol; Sor: Folias de Espanha; ‘Mendelssohn: Canconeta; Mozart: Mar- cha Turea; Tarrega--Alard: Estudo de Coneérto; SGvio: Estude no 1; Torro- ba: Suite Castelhana; e a por ai afora terminando com Cadiz e Sevilha de Al~ beniz, — Bom programa, de quem? — De Angela Tereza Muner. — Quem é? — Uma menina de 10 anos de idade = 10 anos? = Sim, 10 anos. = Quero ver isso. — Ja fol. Vocé perdeu. Mas daria um feito de ver, de qual- quer modo, Tinha la minhas diividas. Querla saber se Angola era uma meni- na de 10 anos que tocava violio bem para sua idade ou se era uma violonista com a idade de 1) anos. Sempre tive ‘meus preconeeltos contra erlancas pro- digios as voltas com pecas além do al- cance de sua técnica e fora do ambito de sua compreensio, Quando me di- ziam: “6 preciso lovar em conta a ida- de", sempre respondia: “nao quando se antineia um eoneérto. Tdade a gente leva em conta em recitals de alunos ou em exames de conservatorio, desde ‘que as pecas apresentadas sejam ade- quadas & idade © a0 tempo de estu- do”. A Isso podemos acrescentar — com respeito a violio — que, por mo- tivos ditados mais pelo eariter romin- tieo que se costuma emprestar ao vio- io, dado sua fama, nlo de todo apa- gada, de instrumento de boémio, tor- nando-o fonte inesgotavel de lendas populares de todos os tipos e gerando fa erenea errénea de que se trata do mals “dificil” dos instrumentos, mais fem virtude disso do que por razbes apoladas em bases concretas, confere- se a quem toca violgo, principalmente sendo jovem, uma certa aura magica — mesmo que ndo toque grande coisa como se tocar fora um “dom de naseenga” ¢ nfio o produto de estudo paclente ¢ demorado, aliado ao talento ¢ & forea de vontace, Porque somen- te hi poueo tempo comecou-se a fazer com gue erlangas inielassem.o estudo do violio na idade em que intciavam, inlelam, os estudos Je — por exemplo — piano. Como quase todos 0s vio~ onistas — mesmo do passado recente — foram uto-didatas, dedlcando-se ao instrumento qusndo nao mais pode- iam ser considerados como erisncas. an 2 5 ou sequer adoleseentes, acostumou-se 0 pilblico a onvir bom violao apenas nas niios de adultos, surgindo dai a ten- déncia de definir como “fendmeno” os ‘que 0 fizessem em idade tenra. Embora quem nos mostrou 0 progra- mia f0sse digno de 1é em assuntos vio- Jonistices, mesmo assim, pelos motivos expostos, fomos & casa de Angela um tanto e quanto Sio Tomé. A MENINA Chamando 9 nosso indispensavel fo- tografo Chico, fomos, De surprésa, Bra uma noite chuvosa ¢ Tso Muner, pai e professor de Angela nos recebeu em sua escola, Poucos alunos tinham com- parecido devido ao mau tempo e i es- tavam de saida. Fomos apresentados a Angela numa sela de aula, A primeira impressio — depols plenamente confir- mada — foi de que, fellzmente, nio se tratava de um “fenémeno”. A me- nina, simpatiea, bonita, ‘feliz, tinha mesmo dez anos, cheia de comuniea- pilidade, feminina, gentil. Fomos logo falando em violéo e ela cise meio preocupada que ultimamente ‘no estudara muito”. “Exames eseo~ Jares, voce sabe”. Sabiamos, mas que- xiamos ouvi-la de qualquer maneira. Iriamos & sua casa. A caminho, conversamos. Angela néo tem nenhuma afetacio. Fala do vio~ lio com naturalidade, Modesta, sem ser introvertida, # evidente que 0 as- sunto é importantissimo para ela, mas no hi vislumbre de preocupacao no seu modo de abordi-lo. Explica que toca sem unhas. Alguma colsa a ver com a chamada “Escola de Tarrega”? Nao, xesponde, Uma experiéncla de seu pal e professor. Tso Muner observa: “o som ¢ diferente, vocé val ver”. A MUSICA, Ao viol, Angela se transtigura Afina-o cuidadosamente e encara-nos Angele 6 uma mening felis 8 com seu; grandes © expressivos olhos. Fiepara-se, assume um ar de concen- tragiio e a miisica comeca a fiuir-Ihe dos dedos, sem hesitacéo, completa- mente @ vontade. © som obtido com o uso exclusive da pélpa dos dedas ¢ redondo, cheio. Sur- preendentemente, no afeta tanto a varledade do timbre. A mitsica é de Bach, executada por dedos precisos e com sonoridade limpa. Nada dos de- feitos comuns a principiantes. Esta tudo dentro do dominio de sua téeni- ca, A violonista nao esta preocupada. ‘Nao hé nada de pretensa “bravura” no seu modo de tocar, Ndo procura im- pressionar com gestos acentuando as passagens dificels. A misica flu! numa Inha constante. Natural como Angela é natural. A expressio é 0 som e seus dedos comandam a intensidade e o timbre. Seu talento é patente. Sua voeacio transparece sem angistia, Tor roba e Albeniz soam com sabor de no- vidade e Angela continua completamen- te A vontade. Concentrada, mas per- feltamente cOnsela e trangulla na sua execucao. © PROFESSOR ‘so Muner, desde ha algum tempo Gedica-se inteiramente a0 violfo, e a Angela. No entanto sentimos plena- mente que Angela estuda porque quer, porque gosta. Seu pai é mestre, faz parte do grupo de didatas conscientes ‘que procuram transmitir e nunca exa~ geram as dificuldades naturais do ins- ‘trumento, Ensina por um método todo especial no qual vem trabalhando ha muitos anos — pretende publicé-lo em breve — @ do cuja eficiOnela Angela constitul assombrosa prova, Um professor que faz do seu metier um trabalho honroso e importante. Nao fala em “prodigio” quando se refere a Angela. Sabe que u a arte da menina é produto conscl de um estudo bem dirigido, honesto eficaz, que ¢ 0 que pratica em sua cola, ‘Modesto, chegando mesmo a ser mido, suas observacdes constituem, entanto, elementos ponderaveis para estabelecimento de uma didétiea viol nistica que responde eficazmente necessidaces atuais. © bom senso enta seu trabalho. Compreende que importante no ensino 0 doseamei gradual das difieuldades téenteas, se pode empanturrar o aluno, multos faziam em outros tempos, di do-lhe pecas além de suas possibili des: multas vocacées genuinas fo perdidas em virtude désse aredico eesso que acaba resultando na conl clda estafa do violonista, dificil de eur uma voz estabelecida, OS PLANOS Angela gosta de bonecas ¢ das of sas que soem gostar as meninas de Idade, Sua educagio “musteal permit Ihe concluir no tempo e na densida interpretativa as miisleas que execut Sabe que o caminho é Arduo e se pe a enfrenti-lo com sua carac tica naturalidade. Estuda desde os cineo anos de Sd: de. Quatro horas por dia, com frequéi cia, sob a orientaco perspicaz de pal. ‘Tem dado alguns recitais “apen para experimentar”, como diz Iso Mi ner. ‘Mas guarda sua “premiére” decisi talvez para o préximo ano, quando 0 blico brasileiro poder julgé-la, ndo mo “menina-prodigio", mas como artista consciente j4 em plena fase amadurecimento, Contante porteace © ume fomia fait

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