Você está na página 1de 28
A mundializacao Feb i habn eae BATU orotic} Eevee See Les tes tonen toda (Ua tute oeceome rere te mre oe Cece ee a eNeon tse nS RESIS soe eect tates Siro on ere ic eae Stag Serco UU Lema ce Lifes Tretorn elements Se eee te ctu ee Marte rie Sa ee eeecn neat ny ere eC eRssuLeea ts] eRe) ue cele CL a cee Se Me Teta = TUSScee MSN ee Cu ere) SSS Ca 30 Jean-Pierre 7 Mdializac: Raa cg alg Bleea) Y as A crescente circulagao de pro- dutos culturais tem provocado as reagdes mais dispares entre os estudiosos: de um lado, eni ram-se os que vislumbram neste processo uma democratizaciio das informages; de outro, aqucles que defendem a permanéncia das peculiaridades regionais. Para Jean-Pierre Warnier, “falar de globalizacao da cultura € um abuso de linguagem”, pois ndo é a cultura que esta sendo globalizada, mas apenas determi- nados mercados de bens cultu- rais, pois nove décimos da popu- lagio mundial ndo tém a TV co- mo principal referente de suas vidas. A mundializacao da cultura Jean-Pierre Warnier ! EX LIBRIS > * I Margarida do Amaral A mundializacao — da cultura Assessoria Ad: Jean-Pierre Warnier Coordenagao da Coleco Verbum Luiz Eugénio Véscio Tradugdo Viviane Ribeiro OD VERBUM EDUSC Sumario EDUSC Introducao - O calcidoscépio moderno 9 Capitulo 1: Arte zen versus Titanic As culturas ¢ a tradigio A cultura identificadora ‘W285m Warnier, Jean-Pierre. ‘A mundializacio da Cultura / Jean Pierre Wamier ; tradugao Viviane Ribeiro, -- 2.ed.- Bauru, SP : EDUSC, A cultura-biissola use b= 1m A cultura viva 22 i bibliogratia A indiistria como cultura 26 SET ee eee dels cul Os contatos interculturais no ISBN 85-7460034-2 tempo do maquinismo 26 Os produtos industriais como bens 1. Cultura, 2. Comunicagio ¢ cultura See UL Série, cpp 382 Capitulo 2: Fragmentacao cultural ¢ sistema mundia 33 Uma maquina de fabricar a diferenga 2.7071-2938 original) Z eniaaes oe © fracasso das teorias da Copyright© Ealitions La Découverte et Syr0s, Paris, 1999 i. Copyright® de traducio ~ EDUSC, 2000 convergéncia i Diversificagio ¢ contatos interculturais 35 A caminho de um sistema mundial Traducio realizada a partir da edicgio de 1999 moderno 39 Direitos exclusivos de publicacio em lingua portuguesa As comunicdcoes 42 ara o Brasil adquiridos pela As origens do sistema mundial EDITORA DA UNIVERSIDADE DO SAGRADO CORAGAO ua Irmii Arminda, 10:50 moderno ‘3 CEP 1701-160 - Bauru - SP Fone (14) 3235-7111 - Fax (14) 3235-7219 edusc@eduse.com.br Capitulo 3: A revolucio industrial, preliidio da globalizacao Nas origens das indiistrias da cultura As inovages técnicas A era da “fada cletricidade” A “globalizagio” ‘A emergéncia dos mercados mundiais A caminho da confrontagio cultural entre industria € tradicao Capitulo 4:Panorama mundial das indiistrias da cultura Os ramos de atividade As grandes midias As novas tecnologias € 0 aparecimento das empresas multimidias A economia politica mundial da cultura As légicas cconémicas A diversidade das situagSes ¢ as desigualdades mundiais Capitulo 5: As politicas culturais As politicas culturais locais As politicas educativas A cultura, assunto de Estado A politica mundial da cultura Apostas € controvérsias referentes a UNESCO 63 66 69 70 70 91 ° 99 101 108 110 As politicas mundiais do comércio cultural Capitulo 6: A erosio das culturas singulares Um etnocidio generalizado © apocalipse das tradigdes A sinergia das dinamicas internas € externas Produgao dos sujeitos ¢ produgio dos bens Escolha de civilizacao E as sociedades industrializadas? Capitulo 7:Uma abundancia de criagées culturais O local € 0 global Uma funesta ilusio de 6tica A invengio da diferenga As reivindicacées de identidade Choque de culturas ou conflitos politicos? globalizagio dos fluxos Conchusao Bibliografia Lista de quadros 119 120 20 127 129 136 156 156 163 165 al 3 A revolugio industrial, Prelicio da globalizacio NOs. ja trangamos trés fibras do fio de Ariadne que nos guia no labirinto histérico da globalizacao da cultura: a fragmentacao cultural da humanidade, a “grande transformaio” causa- da pelas trocas mercantis ¢ 0 desenvolvimento dos transportes ¢ dos meios de comunicacio que estio na origem do sistema mundial moder- no. Falta trangarmos uma quarta fibra: a da in- dustrializacao, sem a qual nés perderiamos o fio da hist6ria da globalizacio da cul Em 1776, havia perto de quinze anos que a Inglaterra, o vale do Reno, o norte da Franga,a costa leste dos Estados Unidos estavam engaj dos em uma revolucao dos transportes que re- configuraria os processos de producio, intensi- ficando-os. A indiistria nascia, sem inovacdes técnicas, sem novas patentes. Todas as técnicas utilizadas pela revolugao industrial ja estavam em uso antes de 1760. Restava apenas reorgani- zar a sua exploracio. Em 1830, a revolucio do 53 vapor, do carvio, do ferro © dos téxteis ja estava feita. Ela sustentaria toda a histéria do século XIX, até a segunda revolucao, a da cletricidade, que empreendcu sua fase industrial no comeco do século XX com a iluminacio urbana ¢ do- méstica, com a eletrificagio dos transportes, a energia industrial ¢ aplicagées revolucionarias como 0 telégrafo € 0 radio, que modificaram ra. dicalmente as comunicagdes. A terceira revolu- sao industrial € a da informatica, que ainda esta em curso. Passemos em revista as principais ses técnicas © organizacionais que, associadas a demanda social ¢ A produgao industrial, no es. Pago de cingjienta anos (entre 1850 © 1900) vao colocar as bases da indiistria como cultura de um novo tipo. Trataremos aqui de registrar suas datas de nascimento, ‘Com a mobilizacio dos recursos da publi- cidade por volta de 1840, a imprensa abaixou seus precos de venda © aumentou as tiragens, Ela saiu do circulo das elites letradas ¢ se popu. larizou, Em 1863, € langado o primeiro ntimero do jornal Le Petit Journat cuja tiragem atingiu rapidamente meio milhiio de exemplares. Em 1857, maquinas destinadas & fabricagao indus- trial de papel a partir da madeira foram coloca- das em uso. No meio da década de 1860, as im. bressoras rotativas se aperfeigoaram © permiti- ram atingir a produco de 36.000 cxemplares Por hora em 1868. Os jornais se tornaram em. Presas importantes, empregando numerosos 54 Jornalistas cujo trabalho se profissionalizou. O livro teve um desenvolvimento paralelo € atin- giu o Ieitor popular com as hist6rias em capitu- los, € 0 pitblico instruido, cuja demanda por obras cientificas, histéricas ou politicas cresce- tia. A liberdade de imprensa fora inscrita na Declaragao dos Direitos do Homem ¢ do Cida- dio de 1798, mas levou mais de um século para se afirmar nas democracias ocidentais, criando ainda problemas ao longo de todo o século XX. Muitos paises escolheram uma outra via, dife- rente da liberdade de expressio. A demanda de informagao, inicialmente em matéria bancaria © comercial, depois, politi- a, levou a criagao das agéncias (Havas na Fran- ga em 1835, Wolf na Alemanha cm 1849, Reuter na Gra-Bretanha em 1851). Em 1880, Havas ¢ Reuter estavam presentes no mundo intei Elas usavam 0 correio postal e 0 pombo cor mais tarde o telégrafo. Do século XVII ao século XIX, 0 conheci- mento € 0 uso da eletricidade fizeram progres- com 0 impulso de varias de- zenas de cientistas. Ela recebeu aplicagées priti- cas com o primeiro telégrafo elétrico Paris- Rouen, em 1845, que logo foi aproveitado por todas as agéncias de noticias. Em 1866, 0 primei- r0 cabo telegrafico foi implantado através do Atlintico. Em 1869, 0 dinamo ¢, em 1891, a transmissio de cnergia elétrica a grande distan- cia por fio permitiram aplicacées industriais. 55 SN hy. A era da “f de” Entre 1829 € 1839, Nicéphore Niepce € Louis Daguerre associaram 6tica, camara escura € sais de prata para criar a fotografia.A partir de 1850, os fotégrafos conseguiram imagens accita- veis. Empresas especializadas, como a Kodak, Passaram a aplicacio industrial. Rapidamente, pensou-se em associar a fo- tografia ao estudo do movimento. A primeira Projecio cinematogrdfica publica ocorreu em 28 de dezembro de 1895.0 uso da eletricidade Para a iluminagao, a projecio e em seguida para a motorizacao dos aparclhos provocaram rapi- dos progressos. Desde as origens, 0 cinema se engajou em duas diregdes divergentes:a ciéncia aliada ao realismo com Louis Lumiere, o imagi- nario com Georges Méliés. Estes dois caminhos levariam respectivamente aos filmes documen- tarios ¢ aos filmes de ficgao. As grandes compa- nhias de producio cinematografica - Pathé ¢ Gaumont na Franga, Fox, Mayer, Zukor e Warner nos Estados Unidos - nasceram antes de 1914, Os esttidios de Hollywood surgiram. Em 1919, United Artists foi criada. Fazia-se cinema em to- das as partes do mundo. O cinema falado foi aperfcigoado ¢ utilizado pelos Irmios Warner em 1927. A cletricidade permitiu a elaboragio de motores a explosdo, que receberam imediata- mente aplicacdes nos transportes - terrestres com 0 automovel, aéreos com 0 aviao € nauti- 56 ‘0s com 0 uso cada vez mais sistematico da hé- lice que fora inventada na primeira metade do século XIX, associada 4 maquina a vapor. Cinema, automével, aviio, transatlintico € telégrafo nasciam juntos, como objetos fetiches da ciéncia ¢ da sociedade burguesa triunfantes. A cletricidade recebeu outras aplicacées. Descobriram-se as ondas hertzianas ¢ sua emis- Silo € recepgio foram aperfeicoadas. Em 23 de marco de 1899, Gugliemo Marconi enviou a pri- meira mensagem hertziana da Inglaterra para a Franga. A telefonia sem fio nasceu. Ela suplan- tou o telégrafo nos locais em que nao se podia levar 08 fios.As marinhas de guerra, em particu- na Franga, equiparam com eles os seus na- vios, desde antes da Primeira Guerra Mundial. A gravagao sonora analégica tornou-se operacional em 1885 com as maquinas de Bell ¢ ‘Tainter, ¢ em seguida, de Edison. Ela uti disco ou 0 cilindro como suporte. No seu @ gravacdo era apenas uma curiosidade, mas ela se institucionalizou rapidamente com a funda- lo da sociedade de Lioret € Pathé na Franga (1893), da Deutsche Grammophon Gesellschaft na Alemanha (1898) € da Columbia Broadcasting, System (1889) nos Estados Unidos. Este quadro poderia levar a crer que, de 1850 a 1900, tudo mudou na dos industrializados. Mas esta visio das coisas € uma retrospectiva feita do nosso ponto de anos apés os fatos, sclecionando a que deveriam levar A criagao das indiistrias cul 57 turais ao longo do século XX. Os contempora- neos tinham apenas uma vaga idéia de sua traje- t6ria sociocultural. Retrospectivamente, pode-se ver outras inovagdes que no sio consideradas atualmente como ligadas as indiistrias da cultura, mas que deveriam ter um impacto cultural consideravel, inclusive nos fatos da globalizacio. Cheguemos ao fim do registro de nasci- mento da industria como cultura ao sobrevoar © século XX. A televisdo, experimentada em 1925, entrou em servigo nos paises industriali- zados antes de 1939. Na Franca, o primeiro te- Icjornal foi apresentado em 1949. Neste meio tempo, a TSF (telefonia sem fio) tornou-se uma questo politica desde o fim da Primeira Guer- ra Mundial, ¢ uma questio estratégica com o avango dos totalitarismos que logo perceberam que poderiam tirar partido deste instrumento de propaganda. A televisio, desde a sua inven- io, inscreveu-se neste campo de poder. jovacdes continuam a modificar a \distrias culturais, da comunica- sao € da informacao dos anos 60 aos 90:0 com- putador © sua miniaturizacao, a gravacio tal, 0 cabo, a transmissio por satélite ¢ a uniao do computador ao tclefone, permitindo que uma entidade como a Internet, localizada nos Estados Unidos, consiga gerar uma “ dial de comunicagées a partir do inicio da dé- cada de 1990. 58 Um exemplo:a biomedicina como cultura Ela estava cm plena mudanga desde 0 comego do século XIX.A partir de 1846, os cirurgides utilizaram a anestesia com éter sulfiirico. Em se- guida, cles colocaram em pritica a anti-sepsia, preconizada por Joseph Lister (entre 1867 ¢ 1871) € a assepsia, por Louis Pasteur (1886). Com isto, a cirurgia foi revolucionada. Claude Bernard aprofundou © método experiment: dezenas de médicos de grande talento aper soaram a clinica. O conhecimento do ser vivo diversificou-se em todos os Ambitos. Antigas instituicdes ~ a faculdade de medicina, o hospi- tal - foram reorganizadas. Dai resultou uma pri- tica biomédica que nao tinha nenhuma relagio com as priticas de satide dos europeus do sé culo XVII Seus sucessos espetaculares garanti- ram sua adogio no mundo inteiro. Ela comecou 4 concorrer com as medicinas vernaculas, as medicinas dos curandeiros, dos xamas ou das rezadciras da aldeia. Na realidade, a biomedici- culturais, pois ela toca em questées de primeira importincia: a vida, a morte, 0 sofrimento, as priticas ligadas a0 cor po. Em particular, ela desconecta 0 corpo € seu sofrimento do ambiente social ¢ afetivo. Ao contririo, o xama € 0 curandeiro da aldeia nio separam 0 sofrimerito do corpo dos aconteci- mentos da existéncia. Eles conhecem a sua clicntela, Eles se informam tanto sobre os sofri- 59 wt Nay Mentos ¢ 05 Grgios afetados, quanto sobre as relagdes com os que os cercam, seus sonhos, as devogdes aos deuses € aos mortos, Nas socieda- des européias, 0 médico rural, de familia ou de bairro tomou o lugar do curandeiro, Mas esta fungio tende a desaparecer rapidamente, sob a Pressio da racionalizagio € da especializagao clas prescrigdes.As escothas culturais implicitas da biomedicina entram entio em concorréncia com as escolhas dos médicos vernéculos,¢ sua slobalizacio faz parte integralmente da globali- zacio da cultura. © raciocinio apresentado no quadro ante- rior, mostrando a biomedicina e a cultura que cla veicula, € igualmente pertinente, mutatis mutandis, ao que se refere & educacio,o abas- tecimento industrial de massa, o esporte. © ensino € vetor de cultura. A escola é diferente, de uma sociedade a outra € no interior dc um mesmo pais. A escola corinica difere da escola leiga. Ha escolas piiblicas ¢ escolas parti- culares, mistas ou niio, confessionais ou nio, No que se refere ao abastecimento indus- trial de massa, trés setores parecem particular. mente carregados de cull 1. Os transportes, individuais ou coletivos, so mais pobres ou mais luxuosos dos a modos de vida culturalmente tipifi- cados (a cidade, os subtirbios com suas ca- 60 sas unifamiliares, 0 turismo ¢ 0 lazer, mui- to diferentes de uma sociedade a outra). N As técnicas caseiras de ido do corpo, do vestuario, do habitat, do limpo ¢ do sujo, diferem consideravelmente de uma sociedade a outra, € sio 0 objeto, no Oci- dente, de uma revolucao cultural a partir do fim do século XIX, com a invengio do conforto ¢ das “artes domésticas”. Na Fran- A, 0 Salo das Artes Domésticas atraiu multiddes de 1923 a 1983 [Rouaud, 1989 - 1993]. Esta revolucio conquistou lenta- mente © mundo inteiro. A industria agroalimentar, enfim, afeta as ar- tes da mesa em todo 0 mundo, pela mistu- fa € a transferéncia das culinarias é "as. » ‘Tratemos agora do esporte, fendmeno cul- tural, como todos os jogos. Codificado em Cam- bridge em 1848, 0 futebol tornou-se, desde en- to, um esporte globalizado, estreitamente liga- do ao fendmeno industrial, por suas infraestru- turas, pelas marcas de equipamento esportivo, pela midia ¢ os meios de transporte [Ramonet € de Brie, 1998]. mesmo acontece com outros esportes que se globalizaram gracas ao espirito olimpico, aos transportes € a0 turismo de massa € a liturgias planctarias;como as Copas do Mun- do © os Jogos Olimpicos. Estas reuniées mos- tram melhor a comunidade das nacgdes do que a Assembléia Geral da ONU. 61 Atualmente, a indtistria permite uma re- producao em série, idéntica,em um tempo mui- to curto, de produtos destinados a abastecer to- dos os setores da cultura mencionados acima Deste modo, a cancao Candle in the Night, can- tada por Elton John nas exéquias da Princesa de Gales, no comego de sctembro de 1997, vende- ra 32 milhdes de discos no mundo todo, seis se- manas mais tarde. Trata-se de um recorde mun- dial. Tal feito industrial s6 € possivel mobilizan- do-se dia ¢ noite as unidades de produc’o de cassetes ¢ CDs no mundo inteiro, para satisfazer a demanda dos particulares que haviam visto as imagens do funeral, transmitidas por cabo ¢ sa- télites. Este exemplo ilustra a globalizacao dos flu- xos de bens industriais que € tema deste livro. No entanto, € improvavel que se falissemos de “globalizacio da cultura” se no assistissemos, desde os anos 70, a uma intensificagao dos flu- xos mundiais de migrantes, de capitais, de tec- nologia, de mercadorias ¢ de midia, que vamos analisar em seguida. 62 géncia dos mercados Até a década de 1970, as politicas econd- micas, monetirias e salariais dos paises indus- trializados foram inspiradas nos principios key- nesianos. Estas politicas tornavam-se possiveis devido 4 manutencio das barreiras alfandegs- rias ¢ & soberania € A independéncia relativa dos Estados no interior de suas fronteiras nacionais. Seguiu-se um periodo de forte crescimento sus- tentado pela reconstrucao da Europa ¢ um for- te consumo nos Estados Unidos, provocado por scu engajamento em conflitos locais (Coréia, Vietna) © na corrida armamentista contra a URSS. Em suma: a fragmentacio do mundo em dois blocos (Leste € Oeste, economia dirigida € cconomia de mercado), e segundo fronteiras na- cionais fortes cra ainda um elemento estrutural da vida dos paises industrializados. As coisas mudaram a partir da década de 1950, com © desenvolvimento das empresas multin: is, 40 mesmo tempo cm que os pai- ses industrializados se esforgavam para diminuir as barreiras alfandegarias em escala sub-conti- nental (para a Europa dos Seis, progressivamen- te alargada para um ntimero ca Parceiros, ou para os paises asiéticos membros da ASEAN) © regulamentar as trocas mundiais pelos acordos multilaterais do GATT. Em 1973, 63 houve o primeiro choque do petréleo, seguido de um segundo, € estes acontecimentos coloca- ram a disposigao dos paises produtores de pe- tr6leo, quantias cnormes de “petrodélares” usa- dos, em parte na aquisic¢io de equipamentos de uso imediato € de bens de consumo, ¢ em parte €m reinvestimentos nos paises industrializados, alimentando assim reservas de “curodélares”. A intensificagao dos fluxos financeiros em escala mundial deve muito a este episédio de nossa historia recente. Com 0 Japio A frente, o avango dos paises asidticos na matéria cientifica, técnica, industrial € comercial, perturbou a hegemonia ocidental nestes setores, globalizando assim a competicZo industrial e comercial. Os fluxos de capital e de mercadorias foram acompanhados de fluxos de migrantes do trabalho, atraidos pelos polos de prosperidade nos paises do Golfo Pérsico, na Ni- géria, na Venezuela, na Europa, etc., ¢ fluxos tu- risticos (65 milhdes de visitantes na Franca em 1996). A explosio da midia e sua globalizacio devido aos satélites completavam 0 quadro de uma globalizacio de fluxos de todo tipo. No fim dos anos 70, tornava-se claro que as politicas keynesianas praticadas no contexto na- protegido pelas barreiras alfandegarias © fdlego ¢ nao mais permitiam a com- Pensagio dos cfcitos dos fluxos mundiais que arruinavam andares intciros do edificio econé- mico, social ¢ cultural dos Estados Nacionais, edificando rapidamente novos andares. Os eco- nomistas voltaram 4 fonte da economia clissica: muitos pensavam que s6 haveria saida para a crise com uma globalizagio dos mercados ple- namente assumida. Seria importante, entio, que esta globalizacio se fizesse com a entrada em competico de todos os produtores mundiais em escala planetiria, com a especializacao de cada um, em funcio das vantagens comparadas, ralizacao das trocas ¢ do desengajamento Sstas prescrigdes serviam de justifi- cativa a politicas inspiradas unicamente pela lei do lucro, que foram representadas nos Estados Unidos pelo programa do presidente Reagan (a reaganomics) © na Gri-Bretanha, pelos onze anos de tatcherismo; em escala mundial, enfim, pelas palavras de ordem liberais que inspiram as icas do Fundo Monetario Internacional ¢ 0 ‘© Fundo Europeu de Desenvol- vimento ¢ da Caixa Francesa de Desenvolvimen- to. A partir de 1990, 0 desmoronamento da Unio Soviética ¢ do antigo Bloco de Leste ¢,em seguida, a abertura da China, enfraqueceram as fronteiras € suprimiram a tinica alternativa exis- tente a economia de mercado. Desde entao, as trocas mercantis passaram a ser planetarias ¢ nenhum pais escapa desta realidade.A globaliza- io se cfctua por uma globalizacao dos merca- dos, inclusive no ambito dos bens culturais. A globalizagio dos mercados imp! entrada em concorréncia, em escala mun todas as empresas que produzem bens cultu- rais: discos, filmes, programas, jornais, livros, su- 65 Portes € equipamentos de todo tipo, mas tam- bém alimentacao, fast food, cuidados de beleza, turismo, educacio. F ela que provoca os dois de. bates que nos interessam: como miiltiplas cultu- ras singulares, as culturas tradicionais € locais, reagem diante de tal invasio? Por outro lado, globalizacao significaria a americanizagio gene- ralizada do planeta? Recapitulemos a hist6ria das culturas ¢ seu €ngajamento nas trocas globalizadas trangando as quatro fibras do fio que nos guiou neste con- densado da hist6ria mundial. A historia cultural comeca sob o signo da mais extrema fragmentagdo. A humanidade se construiu dispersando-se sobre quase toda a su- Perficie das terras emersas. A diversidade lin- sitistica, social ¢ cultural € levada ao extremo apesar das comunicacées constantes mas lentas ia. A revolucao neol acompanhada de dois movimentos em sentidos contrarios: a multiplicacio de pequenas comu- nidades de agricultores cada vez mais fragmen- tadas , em certos locai des conjuntos sociopoliticos. Ela colocou as ba- is, politicas, religiosas de sistemas de transportes © de comunicagées que reduziram muito lentamente 0 isolamento dos grupos lo- 66 «ais ¢ seu fechamento sobre si mesmos. O de- senvolvimento das trocas mercantis e da moe- da atingiu cada vez mais um ntimero maior de setores da atividade humana, inclusive a cultura, A revolugdo industrial transformou radical- mente as economias tradicionais e deu origem as indtistrias da cultura. A globalizacao dos flu- X08 mediaticos, financeiros, mercantis, migraté- tios € tecnol6gicos se intensificou na década de 1970. Ela chega a seu mais completo acabamen- to, com o desmoronamento da economia dir gista de tipo soviético para dar a “globalizacao da cultura” sua configuragio atual ¢ certamente Provisoria. Esta configuracio € caracterizada pelo encontro entre os homens inscritos em culturas fragmentadas, locais, enraizadas na lon- ga duracio da historia, por um lado, ¢ pelos bens € servicos colocados no mercado por in- distrias recentes € globalizadas por sistemas de trocas € de comunicacio de grande capacidade, Por outro lado. Nesta confrontagio, todas as sociedades Parecem estar na defensiva, diante das indtis- trias culturais armadas pelas trocas mundiais ¢ a economia mercantil (em particular as america- nas ). Estas a incomparivel, as vezes até destrutiva, que examinaremos depois de esbogar a paisagem atual das indiistrias culturais, 67 @ Panorama mundial das industrias da cultura As inddistrias da cultura inovam permanen- temente. Elas se diversificam € sio 0 objeto de Femanejamentos organizacionais constantes. E ilus6rio pretender captar uma imagem instanta- nea que faca justia a sua dinamica. Os proprios especialistas nao so unanimes quanto a lista dos setores que se deve levar em conta, ou so- bre a analise que deve ser feita. Tudo depende do objetivo que se deseja atingir. Meu objetivo me leva a considerar todos os ramos de ativida- de que tém um impacto cultural. Estas atividades séo observadas pelos es- Pccialistas sob dois aspectos: o aspecto dos su- portes (diz-se também material, midia € em in- glés medium, hardware) € 0 dos contetidos (a Mensagem, os programas c em inglés, message, software ). Estes dois aspectos sio insepariveis € um nio tém razio de ser sem o outro. Por ‘exemplo, os esttidios, os equipamentos de pro- ducio, as salas de projecio, etc. sio suportes. Es- tes suportes nao tém razio de existir sem os contetidos que sio os filmes, feitos de imagens, sons ¢ roteiros. Neste capitulo, analisaremos todas as ativi- dades com contetido cultural (cinema, livro, dis- C0, espetaculos ao vivo ), todas as atividades de 69 comunica¢do que permitem a difusio da infor- maco € de contetidos (a saber, a midia), sobre as quais Francis Balle [1997] escreveu uma obra de referéncia, e enfim todas as atividades que, sem serem habitualmente consideradas como inddstrias culturais propriamente ditas, consti- tuem um veiculo das mesclagens culturais. Este € 0 caso das indiistrias alimentares, de equipa- mento doméstico, de brinquedo, de vestuario, de medicina, etc. O World Culture Report da UNESCO [1998] fornece dados estatisticos con- sideraveis sobre estas indiistrias. Prestaremos atencio especial a duas ques- t6es: qual a reparticio mundial destas indis- trias? Em que meio sociocultural € politico elas esto inseridas? O cinema mundial produz duas categorias de filmes: os que podem ser explorados fora de seu meio de origem ¢ 0s outros, para a exibicio local. Os primeiros veiculam roteiros em geral ¢stereotipados (policiais, aventura, ficcao cienti- fica, violéncia, catastrofes). Eles seguem a moda do momento, em particular nos paises ociden- tais, € so produtos de marketing. Os outros sio filmes artisticos, militantes, “diferentes” ou de evasio, dirigidos a ptiblicos circunscritos. Eles 70 stio raramente exportados fora de scu meio de origem. Os primeiros constituem 0 fundo de co- mércio dos produtores € distribuidores america- nos, desde os anos 30, ¢ Ihes garantem 0 primei- ro lugar em termos de faturamento, de lucro € de bilheteria. Eles sio seguidos de longe pelos produtores europeus ¢ por alguns raros produ- tores de paises em desenvolvimento, como por exemplo da india, de Taiwan e de Hong Kong que distribuem filmes de romance, de kung-fu ou de aventura pelo mundo todo. Esta situagao pode ser explicada pela his- t6ria econdmica do cinema. Desde 0 comeco do século, houve filmagens € projegdes em pratica- mente todos os paises do mundo, inclusive nos menos desenvolvidos. Esta difusio rapida da que permitiram aos Estados Unidos afirmarem a Preeminéncia das oito companhias chamadas de Majors, a partir de 1930. Seu sucesso era ba- seado em um grande poderio financeiro, em uma organizacio tayloriana da producao nos es- tiidios de Hollywood ¢ na integragao vertical da producio, da distribuicio ¢ da exploracao nas salas pelas companhias, cada uma sob sua pro- pria marca. Logo apés a Segunda Guerra Mundial, qua- se todos os paises do mundo se haviam cons- cientizado di icagSes politica, econdmi- cas € culturais da indtistria cinematografica. Em 71 toda parte surgiu uma producio abundante, fa- cilitada pelo aperfeigoamento das cameras leves © pela gravacao magnética do som na década de 1950, que permitiam filmar fora dos estidios, com baixos orgamentos. Por exemplo, nos anos 50, 0 Ind fazia de sessenta a oitenta longa-metra- gens por ano, projetados em quinhentas e cin- qiienta salas.As independéncias politicas contri- buiram para este florescimento, no momento em que o cinema americano entrava em crise sob um triplo efeito. Por um lado, macartismo atacava © suposto liberalismo politico de Holly- Jas de projecao. Enfim, havia a concorrén- cia da televisio que comecara a funcionar nos zados no meio da década de © cinema das culturas singulares Os cinemas nacionais produzem contos familia- Fes € moralizantes, relatos que exaltam os he- ris hist6ricos do poder em exercicio ¢ melo- dramas em grande quantidade (varias centenas por ano na india, Ch pouco, também no Egito) a margem deste cine- ma, um cinema de autor, mais artistico ¢ mili- tante, tenta ganhar os favores do pti do a conveniéncia das mudangas p Egito de Nasser, no Chile de Allende, na Argélia 72 | | | | dos anos que seguiram a independéncia, no Se- negal, no Vietna ), com 0 risco de ter que en- frentar a censura, em caso de reviravolta do po- der. A Europa mantém neste setor uma si tradigao, que sobrevive gracas As blicas de subvengoes € a integracées horizon- tais ¢ transnacionais que permitem criar uma sinergia entre o cinema criativo € certas redes de televisio de caréter educativo ou cultural como Arte ou Canal +. © caso do Egito ilustra a fragilidade das indi trias_cinematograficas dos uma média de setenta longa-metragens por ano nas décadas de sessenta a oitenta, exibidos na maioria dos paises arabes, sua produgio caiu para cinco ou seis filmes por ano na década de 1990. A produgio americana encontrou um se- gundo flego no mercado mundial nos com a multiplicagio dos produtores dlentes, que assumiam os riscos inerentes 3 cria- Go dos contetidos, ¢ com uma integragio hori- zontal que permitia rentabilizar as muisicas dos dos com o roteiro, bem como fidelizar um ptibli co de cinéfilos gracas a instalagao de cadcias de cinemas multi-salas. Este cinema americano leva em conta as tendéncias do momento ¢ 0s gos- tos de um piiblico muito diversificado. Ele se 73 ap6ia nas tecnologias de ponta tanto na defini- do quanto na produgio dos filmes € tem a ga- rantia de um sucesso mundial. No entanto, cle nao responde as expectati- vas de grandes faixas de piiblico arabe, indiano, asiatico ou outros, que demandam filmes de eva- sao de acordo com sua sensibilidade ¢ filmados ‘em suas linguas, com atores locais. A produgio de discos e de cassetes esta fragilizada com a possibilidade de reprodugao io, especialmente nos paises pobres. A criacio musical ¢ cultural da maioria deste paises justifica a existéncia de indiistrias locais de discos laser € de cassetes, entretanto, as ten- tativas feitas na Africa, na América Latina, no Oriente Médio ¢ na Asia foram geralmente de- cepcionantes. Mais ainda do que o cinema, a produgio de gravacGes sonoras, particularmente de misi- ca (samba, capocira, bikutsi, citara, gamelio, rock, rap, folk, can¢io, miisica clissica, etc.) € di- por um lado, algumas grandes dia (que analisaremos mais tarde) produzem em massa contetidos de sua escolha ¢ comercializam, junto ao grande pibli- co consumidor, contetidos promovidos com o auxilio da midia (radio, imprensa, revistas espe- cializadas ). Por outro lado, pequenas empresas, geralmente frigeis ¢ efémeras, produzem grava- ‘ges para mercados chamados de “nichos”, ins- taveis ¢ limitados, existentes as vezes nos paises pobres. Esta producio pode ser subvencionada 74 pelos Estados para a preservagio das misicas tradicionais ou a titulo de ajuda & criagio ou a salvaguarda do patrim6nio artistico. Nos paises ricos, organismos de pesquisa ou associagdes de defesa do patriménio contribuem igualmente para a preservagio do patriménio musical da humanidade. Nos paises pobres, 0 /ivro ¢ a edigdo resis- tem melhor do que o disco as forcas do merca- do. Os contetidos da edigio sio, na realidade, so- lidarios As linguas € aos géneros literirios verna- culos. Nos paises asiaticos,a producio ocidental iteressa apenas a uma camada estreita de pti- blico aberto ao Ocidente: professores ¢ estu- dantes essencialmente. Na Africa ¢ na América Latina, em contrapartida, as linguas de grande comunicagio sio as linguas européias, o que ex- poe estes dois continentes a edicao ocident: sem grande reciprocidade. Autores como nua Achebe, Wole Soyinka ou V. S. Naipaul sto obrigados a publicar em inglés, se quiserem ser lidos, inclusive em seus paises (a Nigéria, para os dois primeiros € Trinidad para o terceiro ). Eles estiio entre os raros autores nao ocidentais a al- cangar 0 ptiblico ocidental Com relacio ao mercado editorial, 0 qua- dro seguinte, reduzido ao minimo, cipais casos existentes. Ele relaciona 0 ntimero los publicados cm 1996 com a populacio nos diferentes paises ou regiées do mundo. A Africa Subsaariana (excetuando a Africa do Sul) representa © caso mais desfavoravel. Isto se ex- 75 plica pelo fato de quase todos os livros serem publicados em inglés ou francés, as linguas de grande difusio das antigas poténcias coloniais. Os titulos publicados em linguas vernéculas choussa, ioruba, foulfouldé, volof, swahili) sio ra- ros ¢ atingem apenas um pequeno publico. Vitalidade das induistrias do livro no mundo, ano de 1996 N° de titulos Razao Regido ou pais | Populagio | publicados | por 100 000 por ano _| habitantes Africa Subsaariana (exceto Afica do Sud Asia Egito Franca Paises Balticos 12 2 m7 890 Fonte: LEtat du monde 1999, 1a Découverte, Paris, 1998. rimas estatisticas utiliziveis em fim de 1998). A Asia representa um caso mais favoravel A edi¢ao local do que a Africa, porque o seu mer- cado € enorme ¢, mesmo sendo pobre, é fecha- do ao Ocidente, por raz6es lingitisticas. Todas as linguas asiaticas possuem a escrita ha séculos, algumas ha milénios.A escolarizagio € feita nas linguas € nas escritas asiaticas. © mesmo ocorte no Egito que, ainda que pobre, € um dos centros intelectuais € culturais do mundo arabe. Ali se publica para a exportacao. 76 Os paises bilticos (Estnia, Letnia, Litua- nia) apresentam um outro caso: apesar das difi- culdades econémicas, 0 desmoronamento do Império Soviético hes permitiu publicar a tra- dugio de numerosos titulos estrangeiros em suas trés linguas, apesar de terem um mercado extremamente reduzido. Enfim, 0 ntimero de ti- tulos publicados na Franga é representativo do conjunto dos paises mais avangados. Mas atencio: 0 ntimero de titulos pul dos por 100.000 habitantes é apenas um indica- dor muito impreciso da vitalidade do mercado editorial local. Seria necessério pondera-lo pelo volume das tiragens, pelo mimero de Icitores por livro publicado, a taxa de alfabetizagio, 0 estado das bibliotecas, etc. Entretanto,a compa- racao do indice 12 para a Africa com o indice 890 para os paises bilticos, por mais rudimen- tar que seja, sublinha, de maneira evidente, as disparidades enormes que separam os conti- nentes € os paises diante da globalizagio dos fluxos culturais. A midia sio os sctores da comunicagao social (imprensa, radio, TV). CLJ. Bertrand 11995, p. 30-5] reconhece nestes sctores seis fungdes prin transmitir contetidos culturais, oferecer um foro de discussio, estimular as compras. £ raro que uma s6 midia preencha todas estas fungdes. O semanario gratuito de circula- lo nas caixas de corrcio 77 ou na saida das lojas procura apenas vender. Apenas os grandes jornais como The Guardian na Inglaterra, Le Monde na Franca, Yomiuri Shimbun no Japio, o Pundjab Kesari na india, USA Today nos Estados Unidos, a titulo de exemplo, oferecem um menu completo. A imprensa, 0 ridio a televisio sofrem li- mitagdes lingilisticas ¢ culturais andlogas 4s que regem © livro ¢ 0 filme em escala mundial. No mundo inteiro, existe uma forte demanda pelos jornais, revistas ¢ programas em linguas locais, para ptiblicos singulares.A televisio cxige a ins- talacao de suportes caros, que somente Estados © sociedades importantes podem se permitir. Em contrapartida, a simplicidade das infra-estru- ao dos titulos ¢ das estagdes locais. Existem va- rias dezenas de milhares de titulos de jornais ¢ revistas no mundo ¢ varios milhares de estacdes de ridio. A imprensa € as linguas No que se refere as linguas ¢ a cultura, as desi- gualdades sio gritantes. Em uma das extremida- des do espectro, a imprensa japonesa é quase integralmente publicada em japor extremidade, a imprensa da Ni mente publicada ni dor britinico, ou seja, uma dezena de titulos, entre os quais 0 Daily Times, Nigerian Obser- 738 ver,o Nigerian Tribune, € seis grandes revistas como Lagos Weekend, Drum, e Africa Con- cord. A fndia apresenta uma situacio interme- digria com titulos em hindi Pundjab Kesard, em inglés (The Times of India) ¢ em linguas re- gionais (Lok Satta em marathi).O mesmo acon- tece com as grandes revistas, como 0 Sunday Times em inglés, o Griba Sbobba em hindi ou © India Today em cinco Kinguas. Para termos a exata medida do impacto da lingua de publicagio em matéria de imprensa, convém fazermos duas observagées. Em primei- ro lugar, o mercado das noticias de agéncia em que a imprensa se alimenta, € dominado pelas agéncias ocidentais (AFP, Reuter, Associated Press ), 0 que filtra uma parte da informacio an- tes da imprensa local, em lingua local, Em segun- do lugar, de acordo com uma expresso muito usada por Marshall McLuhan, medium is messé ge.Em outros termos, o simples fato de pu em inglés um jornal feito por indianos pat dianos, veicula, através do meio lingiiistico, uma mensagem em favor da cultura € dos contetidos made in GB. A esta ligada ou A empresa privada com fins lucrativos, ou a0 servigo ptiblico, ou ainda a Grgios de expressio de interesses parti- culares (politicos, religiosos, nacionais, econd- micos, profissionais, ctc. ).Além disso, a midia re- presenta um interesse politico importante ¢ se 79 inscreve em um dado ambiente social. Um exemplo nos ajudara a compreender esta ques- to: antes do degelo da Riissia Soviética, a im- prensa diaria cra dominada por dois titulos: 0 Pravda (“AVerdade" ) ¢ as Izvestia (“As Noti- cias” ), que eram na realidade porta-vozes do partido comunista. O humor moscovita dizia que na “Verdade” nao se encontrava nenhuma noticia ¢ no “As Noticias”, nenhuma verdade. Este exemplo ilustra de maneira caricatu- mente inexata, o modo como tico pesa nas fungdes da midia. © mesmo ocorre com 0 contexto econdmico.A midia privada deve obter lucros para sobreviver, de mancira que, para vender, ela tende a refletir © consenso estabelecido entre seu ptiblico, sua equipe de redaco ¢ seus proprietarios.A midia €,entio, o objeto de uma luta que tem como ob- jetivo a livre pritica da coleta de informacio, sua difusio ¢ a expressiio de anilises e opinides. E uma questo de poder ¢ de democracia. Todos os regimes autoritarios procuram amordacar a midia recrutar, intimidar ou climinar os jorna- listas. Em 1977, a associacio Repérteres scm Fronteiras enumerava 26 jornalistas mortos no mundo intciro (sciscentos de 1984 a 1994) e noventa na prisao. 80 Sob 0 termo “novas tecnologias” designa- mos um conjunto de inovagdes surgidas nos pacto sobre as induistrias cul- turais tornou-se sensivel no inicio dos anos 90. Trata-se da passagem da gravacio analégica a codificagio ¢ a gravacio digital da informacao, da compressio dos dados gravados € do acopla- mento das telecomunicacées € do computador. As transmissdes usam cada vez mais 0 cabo coa- xial, as fibras Sticas € os satélites, ao passo que 0s suportes de recepgio sao 08 leitores de CD € 0s microcomputadores. A estratégia das indiistrias da cultura foi profundamente remanejada sob 0 impacto das novas tecnologia. De fato, antes dos anos 80, ¢s- tas indiistrias cram especializadas por setores de suportes € contetidos. Concretamente, isto queria dizer que uma editora como a Hachette fazia unicamente livros; um produtor de eletr6- nica para o grande piiblico como Sony fazia ape- nas televisores, video cassetes, aparelhos de som, etc., mas nao produzia discos. Na década de 1990, as novas tecnologias permitiram aos industriais combinar varias mé dias na produgio de suportes ¢ de contetidos ‘Uma enciclopédia musical em CD-ROM, que po- demos consultar usando um microcomputador, combinara textos (anteriormente sobre suporte em papel), gravagdes sonoras (anteriormente so- 81 bre suporte em filme ou video). Deste modo, suportes ¢ contetidos chamados , uma mesma empresa deveria reunir varias profissées, até ento independentes umas das outras (edi¢ao, disco, cinema, microin- formitica, imprensa, ctc.). Conseqiientemente, a0 longo da década de 1990, todas estas indtistrias foram objcto de reestruturagdes € incorporagdes em séries. Europeus, americanos ¢ a asidticos lan- saram-sc em uma competicao desenfreada, em scala mundial,a fim de constituir poderosos gru- pos multimidias ¢ garantir um acesso idas de arquivos, de direitos autorais € de fontes de da- dos que Ihes permitissem alimentar-se com con- tetidos pelas proximas décadas. D. Nora [1995, p. 381-424] enumera perto de cento ¢ trinta empresas ou grupos multimi- dias com as mais improvaveis trajetorias. Pode- mos encontrar entre clas a Lyonnaise des Eaux, especializada originalmente na captacao e dis- tribuicao de agua,a BBC, em sua origem, uma es- tacao de radio, bem como os Chargeurs, que sio uma empresa de transportes maritimos. Vemos, no entanto, uma certa légica nestas trajetorias. Se a edi¢io aparece ao lado das tecnologias das armas ¢ do espago no grupo Lagardére, € por- que os mesmos suportes € processos sai mentalizados nos sistemas de armas € nas indiis trias da cultura. A Lyonnaise des Eaux pode ins- talar € gerenciar conjuntamente redes de distri- buigdo de agua ¢ cabos de fibras Sticas coloca- dos nos mesmos tragados. E 0 mesmo acontece 82 com as outras as comunicagoes. Estes grupos sto multinacionais implanta- das no mundo intciro. Eles sio financeiramente muito poderosos. Descnvolvem estratégias pla- netirias ¢ estio atentos As pequenas empresas, pois sabem que uma parte importante da inova- Go tecnolégica ¢ da produco cultural dos con- tetidos provém da criacio permanente de em- presas de pequeno porte, que geralmente aca- bam por ser incorporadas por estes grandes gru- pos. Sio essencialmente pessoas juridicas de di- reito privado, que trabalham para o mercado € para o lucro. Sua atividade tem como resultado ‘a mercantilizagio permanente dos contetidos da cultura € da informagio. Mas esta atividade da lugar a desvios de uso € possui efeitos nao previstos, que tornam qualquer julgamento de valor ou previsio extremamente arriscados. Por xemplo, 0s conceptores do Minitel” no tinham previsto 0 servigo de mensagens. Um outro exemplo: a web permite a criagio de sites de propaganda racista ou de redes de pedofilia. Ela permite também que estes sites sejam localiza. dos ¢ desmantelados, assim como a criagiio de re- des cientificas, culturais ou de lazer. As novas tecnologias colocam problemas inéditos ¢ ainda nao resolvidos de controle da propriedade artistica, cientifica ¢ literaria em es- icas que vao dos transportes * Minitel € um terminal de consulta de dados comer- cializado pela companhia telefor 83 cala planetiria, Blas reforgam a desigualdade diante da informacio ¢ da cultura, pois, no maxi- mo,um décimo da humanidade € atingido por ¢s- tas tecnologias muito caras. Flas colocam com acuidade a questio das fungdes de orientagio da cultura no sentido em que este termo foi aqui de- finido.Antes da década de 1980, fami la, o templo, a igreja, o jornal, os clubes, partidos politicos € associacGes constituiam instancias de triagem, de hierarquizagio, de avaliagio ¢ de transmissaio das informacées ¢ dos contetidos culturais veiculados pela midia.Em suma, eram os orientadores ou as biissolas. As novas tecnolo- gias, ao saturar uma fracio da humanidade com as mercadorias em desordem ¢ em grandes quan- tidades, criam uma forte demanda pelos “edito- ‘aglutinadores” de um novo tipo. De fato, lividuo ao confrontarse com a chegada de contetidos culturais em desordem, por miiltiplos canais (TY, Internet, fax, etc. ), nfo dispée das ca- pacidades que Ihe permitiriam selecionar, hicrar- quizar € ordenar estes contetidos. Existe ai um va- zio € uma demanda a ser satis! A economia politica mundial da cultura As logicas econémicas A atividade das industrias culturais ¢ me- diaticas somente continuara, a existir a longo prazo, se respeitar as J6gicas econémicas. As em- 34 presas devem estocar receitas, vendendo espa- cos ou tempo de programacio a anunciantes pu- blicitarios, ou vendendo produtos culturais.A pu- blicidade oferece a dupla vantagem de fornecer ao mesmo tempo financiamentos ¢ contetidos. As outras receitas das industrias culturais provém da venda de produtos licenciados na forma dos diferentes suportes enumerados aci- ma (livros, discos, imprensa, cassetes, CD-ROM, ctc.).Uma das preocupacées destas indiistrias € a captacio destes produtos efémeros, constan- temente renovados, junto aos artistas, aos auto- res cientificos ¢ literarios, ¢ nas atividades es- portivas, religiosas, cientificas, politicas, cultu- rais. Em seguida, deve-se fazer a triagem, estrutu- rar os produtos ¢ tornalos vendaveis, analisan- do a demanda e 0 mercado. © impacto de retorno sobre as atividades que fornecem os contetidos € consideravel. Des- de 0 momento em que clas emergem na zona de captacao das indiistrias culturais, as praticas artisticas, esportivas, religiosas € politicas sio transformadas em espetdculo. Das viagens do Papa, aos Jogos Olimpicos ou as campanhas a religiao ¢ 0 esporte. A producio industrial da cultura apresenta especificidades econdmicas que a distinguem dos outros ramos da indiistria. A produgio de contetidos efémeros ¢ constantemente renova- 85 dos € uma atividade de risco. As empresas tem interesse em exteriorizar este risco em peque- nas socicdades de produgio ou sociedades in- termitentes, ou a se apegar a autores, artistas € produtores que encontraram um piiblico, na te- levisio ou no radio, vendendo unicamente a sua producio. Este fendmeno € evidente no setor dio disco de miisica clissica, em que ha quase tantos pianistas solistas mundialmente conheci- dos quanto ha gravadoras, pois cada uma tem o “seu” pianista € no divulga os outros. A transformagio do esporte de alto nivel, ¢ da arte em mercadorias ¢ sua me- diatizagio favorecem © aparecimento de cstre- las. O resultado desta transformacio produz re- lagGes profissionais, na producio de contetidos, diferentes das encontradas na produgio dos su- portes. No que se refere A producao dos supor- tes, estas relagées profissionais se aproximam das que prevalecem nos outros ramos da indiis- tria. Esta € também uma das razdes pelas quais as culturas singulares aparecem, nas grandes in- diistrias culturais, apenas por seus aspectos mais exéticos € espetaculares e tém poucas chances de passar uma imagem respeitosa de si mesmas. Por exemplo, 0 Beluchistio € conheci- do pela maioria dos Ocidentais unicamente por seus tapetes, a Iha de Bali por suas dancari ao passo que a trama de suas culturas € muito modesta ¢ extremamente dificil de ser mostrada em algumas dezenas de minutos de programa, se quisermos torniJa um produto vendavel. 86 Pode-se colocar a economia da cultura em numeros? Francoise Benhamou [1996] contri- buiu para isso. Na Franca, por exemplo, estima-se em aproximadamente 500.000 0 niimero de em- Pregos nos meios de comunicagio Gimprensa, re- vistas, radio € televisio), ou seja, 2% da populagio ativa, com um faturamento em torno de 112 bi- Ihdes de francos em 1993, ou 2,5% do PIB. Estes niimeros seriam ainda mais altos se levassemos em conta © conjunto das atividades culturais (ci- nema, edi¢ao, disco, shows ao vivo, etc. ).As pes- quisas do CREDOC (Centre de Recherche pour V'Etude et !Observation des Conditions de Vie - Centro de Pesquisa para o Estudo € a Observagio das Condigdes de Vida) ¢ as sinteses publicadas por Olivier Donnat ¢ Denis Cogneau [1990] bem como por O. Donnat [1994] permitem analisar as priticas © © consumo culturais dos franceses. Sabe-se, por exemplo, que 50% deles nunca entra- ram cm uma sala de cinema, que eles passam em média trés horas por dia diante da televisio, mas estes ntimeros escondem disparidades enormes. Se € dificil de fazer 0 reconhecimento cifrado em um pais desenvolvido como a Franca, € ainda mais dificil de fazé-to nos paises pobres. Alguns dados sobre © mercado editorial foram forneci- dos anteriormente. Possuimos ntimeros compa- riveis sobre nivel ¢ 0 ritmo de compra de tele- visores, que silo um bom indicador da permea lidade de um dado pais as mesclagens culturais, sobretudo desde 0 desenvolvimento das trans- miss6es via satélite. Nos paises pobres, este indi- 87

Você também pode gostar