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Nesse estudo, para seu famoso quadro Antropofagia (1929), a pintora modernista brasileira escolhe os elementos que entrardo em sua composicao e que, depo ‘serdo retrabalhados em fun¢ao de seu melhor aproveitamento do ponto de vista da forma pictérica. E sempre interessante poder acompanhar a evolucao de uma idéia artistica. } CRIATIVIDADE ‘Na verdade, 0 que € a criagdo matemética? Nao consiste em fazer novas combinagdes com entidades matemdticas jé conhecidas. Qualquer wm poderia fazer isso, mas as combinagies assim construidas sevian infinitas e, na sua maior parte, absolutamente sem interesse. Criar consiste precisamente em ndo fazer combi- nagdes discernimento e escolha, Antes da discuss dos conceitos, suge- rimos a seguinte atividade para ser feita em ‘grupo: tracem, em uma folha de papel, 24 efr- culos de, aproximadamente, cinco centime- twos de didmetro € desenhem livremente em seu interior o que quiserem, durante quinze minutos. Em seguida, fagam um levantamen- to de todos os desenhos e apresentem para 0 grupo os mais. comuns ¢ os mais incomuns. A partir disso, discutam 0 que é criatividade. 1. Conceitos: o uso vulgar, a definigdo do dicionario, o uso em psicologia Quando comegamos a discutir sobre ctiatividade, parece sempre que ingressamos ‘hum universo um tanto mégico, habitado por seres escolhidos pelos deuses, seres que pos- suem o dom da criatividade, geralmente na dca de artes, que € negado ao.comum dos mortais. CChamamos de criativas as pessoas que sabem desenhar, tocam algum instrumento, tém algu- ‘ma habilidade manual “especial”, como pintar camisetas ou ser bom marceneiro; enfim, as que sabem fazer coisas que a maioria das pes- soas (principalmente nds) niio sabe. uiteis ¢ em fazer aquelas que sdo teis € que constituem uma pequena minoria, Invengdo é (Henry Poincaré) Serd que basta habilidade técnica para ser criativo? Ou serd que a criatividade envol- vve processos mais complexos? ‘Vamos comegar a discutir esse assunto partindo de alguns significados da palavra criare de seus derivados eriador, eriatividade © criative que constam do dicionsrio': ceriar. V. 1, d. 1. Dar existéncia a: tirar do nada. 2 Dar origem a; gerar, formar. 3. Dar principio a; produzir, inventar, imaginar. suscitar. eriador. Adj. 3. lnventivo, fecundo, criativo. eriatividade. S. £1. Qualidade de criativo. eriativo, Adj. Crisdor. Podemas ver, nesses vocdbulos, que 2 criatividade pressup6e um sujeito criador, isto 4, uma pessoa inventiva que produz e di exis- téncia a algum produto que no existia ante- riormente. Vemos, também, que imaginar & uma forma de inventar ou criar um produto. Portanto, esse produto da atividade eriativa de um sujeito nfo é, necessariamente, um objeto palpavel, mas pode ser uma idéia, uma ima- gem, uta teoria, ‘Agora estamos prontos para abordar al- guns conceitos elaborados por psicéloges que vam se dedicando & pesquisa na drea da criatividade e levantando varias hipéteses so- bre as pessoas criativas. Diz Ghiselin que a * Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Novo diciondrio a lingua portuguesa, 2. e.20P imp. Rio de Jancizo, Nova Fronteira, 1986, medida da criatividade de um produto “esté na extensilo em que ele reestrutura nosso uni- verso de compreensio™; ou, segundo Laklen, a medida da criatividade € “a extensio da érea da ciéncia que a contribuigao abrange™?. 2. Critérios de determinagao da criatividade Podemos notar que as definigdes de Ghiselin e Laklen medem a criatividade atra- vés do critério da abrangéncia de seus efei- tos, isto é, quanto mais uma contribuigdo (seja ela um objeto ou uma idéia) remexer nossas crencas estabelecidas, quanto mais revolucio- nar 0 nosso universo de saber (0 que temos como sendo 0 “certo”, 0 “indiseutfvel”), mais. criativa ela seré. Notamos, também, que em todos esses conceitos ja estd inserida a idéia do novo. A obra verdadeiramente criativa traz algum tipo de novidade que nos obriga a rever 0 que ja conhecfamos, dando-the uma nova organiza- 80. Acontece quando exclamamos: “Nossa, nunea tinha percebido isso! O novo que a obra criativa nos propée, no entanto, no € gratuito, ou seja, a novidade ndo aparece $6 por ser novidade. Podemos, entio, dizer que tudo que € criative € nove, mas nem tudo que é novo é criativo. Expli- cando melhor: a inovagdio aparece com rela- do a um dado problema ou a uma dada si 0, solucionando-a ou esclarecendo-a, A ino- vagio surge, geralmente, do remanejo do co- nhecimento existente que revela insuspeitados parentescos ou semelhangas entre fatos jd co- nhecidos que ndo pareciam ter nada em co- mum, Assim, Gutenberg resolveu o problema da impressiio ao ver uma prensa de uvas para fazer vinho. Aparentemente, uvas ¢ vinho, de um lado, e papel e letra, de outro, nada tinham em comum, e no entanto foi a partir do prace- dimento para fazer vinho que Gutenberg pen- sou em pressionar papel contra tipos molha- dos de tinta, J4 temos, pois, mais um critério para medir a criatividade: a inovagdo, além da abrangéncia ja citada. Nao podemos esquecer, no entanto, que a inovagdo tem de ser rele- vante, isto é, adequada a situagdo. Um ato. uma idéia ou um produto € criativo quando é novo, adequado e abrangente. 3. Criatividade como capacidade humana Levando em conta essa discussie, per- cebemos que a criatividade é uma capacidade humana que nao fica confinada no territ6rio das artes, mas que também é necessdria & cigncia ea vida em geral. A ciéncia nao pode- ria progredir se alguns espiritos mais criati- ‘vos no tivessem percehido relagdes entre fa- tos aparentemente desconexos, se nao tives- sem testado essas suas hipéteses e chegado a ‘novas (eorias explicativas dos fendmenos. Aimaginagao O processo de trabalho do. cientista aproxima-se do processo de trabalho do ar- tista, Ambos desenvolvem um tipo de com- portamento denominado “exploratério”, isto 6, dedicam-se a “explorar” as possibilidades, “o que poderia ser”, em vez de se deter no que realmente €. Para isso, necessitam da imaginacdo. Assim, um dos sentidos de criar 6 imaginar. Imaginar € a capacidade de ver além do imediato, do que é, de eriar possi lidades novas. E responder & pergunta: no fosse assim, como poderia ser?”. Se der- mos asas & imaginagdo, se deixarmas de lado ‘© nosso senso critica e © medo do ridiculo, se abandonarmos as amarras Iégicas da rea- lidade, veremos que somos capazes de en- contrar muitas respostas para a pergunta. Este é 0 chamado pensamento divergente, que leva a muitas respostas possiveis. Eo contrario do pensamento convergente, que leva a uma Gnica resposta, considerada cer ta, Por exemplo, & pergunta “Quem desco- briu o Brasil?”, s6 hd uma resposta certa: Pedro Alvares Cabral. Para a pergunta “Se 05 portugueses nio tivessem descoberta a Brasil, como estarfamos vivendo hoje?”, ha imimeras respostas possiveis. A primeira en- volve memOria; a segunda, imaginagio. 2 Ghiselin, The creative process and its relation to the identification of ereative talent, in 1955 Univ. of Utah Research Conference on Identification of Creative Scientific Tale, 1986, 3Laklen, apud C, W, Taylor, Criatividade: progresso e potencial, p. 27. Tanto o artista quanto o cientista tém de ser suficientemente flexiveis para sair do se~ guro, do conhecido, do imediato, ¢ assumir os Fiscos a0 propor © novo, © possivel, Ainspiragao Nesse contexto, qual seria o lugar da tio falada inspiragiio? Na verdade, a inspiragio € resultado de um processo de fusio de idéias efetuado no nosso subconsciente. Diante de um problema, de uma preocupagio ou ainda de uma situagio, obtidas as informagdes funda- mentais acerca do assunto, 0 nosso subcons- ciente passa a lidar com esses dados, fazendo uma espécie de jogo associativo entre 0s varios elementos. E como tentar montar um quebra- ceabegas: experimentamos ora uma pega, ora coutra, até acharmos a adequada. Eo momento: ‘em que a imaginagio é ativada para propor to- das as possibilidades, por mais inverossimeis. que sejam. Desse jogo subconsciente surgirio em nossa consciéncia sfnteses ¢ novas confi- guragdes dos dados sobre as quais trabalhard nosso intelecto, pesando-as, julgando-as, ade- quando-as ao problema ou & situacao. Ao surgimento dessas sinteses em nossa conseién- cia damos o nome de inspiracda, ‘Tanto o artista quanto o cientista traba- tham intelectualmente a inspiragdo. O artista. Exercicios 1. Levante a3 idéias principais do testo, ex- plicando-as com suas palavras 2. Qual o papel da imaginagio no ato de eriar? 3. Oque € inspiragiio? 4. Como se pode desenvolver criatividade? Leia 0 texto complementar e, a partir do que -aprendew sobre criatividade, responda as questbes Sad ‘5. Odque oautor quer dizer com “o modo nor- mal de ver o mundo”? 6.0 que significa “a mentalidade ‘consumista” ¢ por que cla € um obstéculo 2 ccriatividade? tem de decidir entre materiais, técnicas ¢ esti- Jos para a produgdo da sua obra. O cientista tem de elaborar e testar as suas hipéteses para chegar a uma teoria ou produto novos. 4, Desenvolvimento e repressdo da criatividade Podemos afirmar que, como eapacidade ‘humana, a criatividade pode ser desenvolvida ou reprimida. O desenvolvimento acontece na medida em que o ambiente familiar, a escola. ‘os amigos, o lazer oferegam condicdes ao ple- no exereicio do comportamento exploratério ¢ do pensamento divergente, incentivando o uso da imaginagdo, do jogo. da interrogagio constante, da receptividade a novidades e do desprendimento:para ver o todo sem precon- ceito e sem temor de errar. A repressio, por sua vez. acontece quan- do eysas condigies nao sio oferecidas e, além disso, € enfatizado 0 nio assumir riscos e 0 ficar no terreno seguro da repeti¢o do jf co- nhecido, ‘Assim, a criatividade nao € um dom que 86 0 génios tém ¢ os outros nao. E uma capa- idade que todos nés podemos desenvolver se nos dispusermos a praticar alguns tipos de comportamentos especificos. 7. No que consiste a contemplagio stiva? Quais suas relagdes com o compertamento exploratério? Por que ela é criativa? 8. Estabelega uma figagio entre o conceito de “novidade” discutido no capitulo € 0 conceito de ““iferente” exposto no texto complementar. Sugestées para debates em grupo ou dis- 1) Educagio crintiva: Como seria uma esco- la que tivesse por objetivo desenvolver a criatividade nos alunos? Como é a sua escola? b) Lazer eriativo: Dentre as opgbes de lazer oferecidas hoje em dia, quais desenvolvem 4 ctiatividade © quais a reprimem? c) Criatividade na ciéncia: Procure um exemplo concreto de como um cientista usou da criatividade para chegar a uma teoria ou idéia nova. d) Distingao entre ciéncia ¢ tecnologia. Texto complementar [Contemplagio e criatividade] fenémeno da inspeciio prolongada pode ser relacionado a criatividade de uma forma modes- ta ou em grande escala. Pode ser considerado simplesmente eomo um instrumento facilitador dos estagios preparatérios da criago. Ou, mais ambiciosamente, como um modelo, em pequena escala, de todo o processo criativo, mostrando, sob condigées simples, o essencial do que acontece quando © pensador, © artista ou o cientista criativos enfrentam o mundo. Finalmente, as transformagdes causadas pela inspego prolongada podem ser consideradas idénticas ao que se costuma denominar criatividade. Neste caso, o verdadeiro trabalho do criador scria nada mais do que 0 anotar das revela- g0es tidas durante a inspegao. Sem diivida, a contemplagao profunda do objeto a ser representado ow interpretado, bem como. de cada etapa do trabalho, é um requisito essencial de toda criagdo. (...) E, também, evidente que tal inspegao faz descobrir possibilidades de estruturar e reestruturar a totalidade do trabalho, ou parte dela, (..) Essas descobertas servem para que o pensador criativo se afaste do modo normal de ver o mundo. (...) O modo normal de ver, embora indispensdvel até mesmo para o artista como base ¢ modelo de operagiio, niio pode prevalecer se a pessoa quiser expressar, de forma artisticamente verdadeira, que 0 objeto significa para ela. (...) Mas, entretanto, 0 que é contemplagiio? Sua natureza é freqiientemente mal interpretada a fim de fundamentar algumas fraquezas na civilizago modema. A mentalidade consumista de hoje em dia leva as pessoas a total passividade. A pessoa age como um receptor que pega 0 que encontra sofre as imposig&es do mundo. Se é necessério afustar-se do comum — em nome da originalidade ¢ do progresso —ele tende a esperar que essas mudangas Ihe sejam reveladas ou dadas pelo meio ambiente, ou seja, pelo mundo social pelo mundo percebido ou, ainda, pelo estoque de inspiragdes inconscientemente geradas, Em virtude desse estado de espirito, tendemos a ver a contemplagio como uma atividade puramente passiva. (...) [E preciso esclarecer que:] )) A verdadeira contemplagio no se resume a esperar e juntar informagio. Ela ¢ essencial- mente ativa, (...) Quande uma pessoa contempla, ela se aproxima do mundo de um modo questionador, mundo esse que ndo simples como uma figura geométrica, mas cuja complexidade misteriosa incita a mente, O artista olha para seu modelo & procura de respostas visfveis para a pergunta: Qual é a natureza desta vida? Mais precisamente, ele procura similares para as constela- des e processos da realidade. A contemplacio no se assemelha a atitude do espectador médi no tem respostas a oferecer para a pessoa que no fizer perguntas. (...)0 individuo eriativo no deseja sair do que é 0 normal e comum sé para ser diferente. Ele nao tenta desistir do objeto, mas penetré-lo de acordo com seus préprios eritérios de verdade. E, nesse processo, freqilentemente abandona o modo normal de ver as coisas. Quando Picasso fala de seu trabalho como sendo uma série de destruigdes, evidentemente se refere & destruigao positiva necesséria a toda busca. O desejo de ser diferente s6 por ser diferente é prejudicial, e a necessidade de fugir de uma dada condicgao deriva de um estado patolégico inerente & situagHo (...) ou A pessoa, como nos mecanismos de fuga dos neurédticos, que os freudianos atribuem aos artistas. Frente a frente com a realidade prenhe de sentido, a pessoa verdadeiramente criativa nio foge, mas caminha em diregdo a ela, A contemplagio permite-lhe analisar as potencialidades do objeto em relago ao tipo de verdade que seja adequado a ambos. (...) (Rudolf Ambeim, Towards a psychology of ar, Londres, Faber and Faber, 1966, p. 296-299.) SOUS INTRODUCAO C OHNE A arte ¢ uma série de objetos que provacam emogies podticas. 1. Conceituacao: no uso vulgar, em artes, em filosofi: Fazendo um levantamento do. uso co- mum da palavra estética encontramos: Insti- tuto de Estética e Cosmetologia, estética cor- poral, estética facial etc, Essas expresses di- zzem respeito & beleza fisica c abrangem desde um bom corte de cabelo e maquilagem bem- feita a cuidados mais intensos como gindsti- a, tratamentos & base de cremes, massagens, chegando, as vezes, cirurgia plastica. Encon- tramos ainda expresses como: senso estéti- £0, arranjo de flores estético ou decoragiio es- tética. Nelas também esta presente a relagaio com a beleza ou, pelo menos, com o agradé- palavra estériea € usada como adjetivo, isto é, como qualidade. Se continuarmos.a procurar, saindo ago- ra do uso comum € entrando no campo das artes, encontraremos expresses como; estéti- cca renascentista, estética realista, estética s0- cialista etc. Nesses casos, a palavra estética, usada como substantivo, designa um conjun- to de caracteristicas formais que a arte assu- me em determinado periodo e que poderia, também, ser chamado de estilo, Resta, ainda, outro significado, mais es- pecifico, usado no campo da filosofia. Sob o nome estética enquadramos vm ramo da filo- (Le Cortusion) sofia que estuda racionalmente o belo e 0 sen- timento que suscita nos homens’, Assim, tradicionalmente, mesmo em fi- losofia, a estética aparece ligada & nogo de beleza. E é exatamente por causa dessa liga- do que a ante vai ocupar um lugar privilegia- do na reflexiio estética, pois, durante muito tempo, ela foi considerada como tendo por fungdo primordial exprimir a beleza de modo sensivel. 2. Etimologia da palavra estética Etimologicamente, a palavra_estética em do grego aisthesis, com o significado de “faculdade de sentir”, “compreensio pelos sentidos”, “percepso totalizante”. A ligacio da estética com a arte é ainda mais estreita se se considera que @ objeto artistico ¢ aquele que se oferece ao sentimento ¢ & percepsio. Por isso podemos compreender que, enquan- to disciplina filoséfica, a estética tenha tam- bém se voltado para as teorias da criagdo ¢ percepciio artisticas. \ Diclonniice de la phitosophic, Pais, Larousse, 1982. 91. 3. O belo eo fi gosto O que é a beleza? Seré possivel defini- la objetivamente ou sera uma nogo eminen- iva, isto é que depende de questao do De Platio ao classicismo, os filésofos tentaram fundamentar a objetividade da arte € da beleza. Para Platio, a beleza € a tinica idéia que resplandece no mundo. Se, por um lado, ele reconhece o cariter sensivel do belo, por outro continua a afirmar a sua essén¢ leal, objetiva. Somos, assim, obrigados a admitir & existéncia do “belo em si” independente das obras individuais que, na medida do possivel, devem se aproximar desse ideal universal. O classicismo vai ainda mais longe, pois deduz regras para 0 fazer artistico a partir des- se belo ideal, fundando a esiética normativa. E 0 objeto que passa a ter qualidades que 0 ternam mais ou menos agradavel, indepen- dente do sujeito que as percebe. Do outro lado da pokimica, temos os fi- lésofos empiristas, como David Hume, que relativizam a beleza ao gosto de cada um. Aquilo que depende do gosto ¢ da opiniio pes- soal nio pode ser discutido racionalmente, don- de 0 ditado: “Gosto nao se discute”. O belo, portant, nao est mais no objeto, mas nas con- digdes de recepgio do sujeito (ver os conceitos de subjetivo ¢ objetivo no Vocabulario). Kant, numa tentativa de superagio des- sa dualidade objetividade-subjetividade, afir- ma que o belo € “aquilo que agrada universal- mente, ainda que no se possa justifies-lo telectualmente”, Para cle, objeto belo é uma ‘ocasido de prazer, cuja causa reside no sujei- 10. O prineipio do juizo estético, portanto, é 0 sentimento do sujeita ¢ nao 0 conceite do ob- jeto. No entanto, ha a possibilidade de univer- salizagao desse jufzo subjetivo porque as con- digdes subjetivas da faculdade de julgar sio as mesmas em todos os homens. Belo, porta to, € uma qualidade que atribuimos aos obje- tos para exprimir um certo estado da nossa subjetividade. Sendo assim, nto hé uma idéia. de belo nem pode haver regras para produzi- Jo. Hi objetos belos, modelos exemplares ¢ inimitaveis (ver 0 item Criticismo Kantiano na Terceira Parte do Capitulo 10). Hegel, em seguida, introduz 0 conceito de hisi6ria. A beleza muda de face e de aspec- to através dos tempos. Essa mudanga (de\ que se reflete na arte, depende mais da cultura da visio de mundo vigentes do que de uma exigéncia interna do belo. Hoje em dia, de uma perspectiva feno- menoldgica, consideramos 0 belo como uma ‘qualidade de certos objetos singulares que nos sio dados & percepgic. Beleza €, também, a imanéncia total de um sentido ao sensivel. © objeto € belo porque realiza 0 seu destino, é auténtico, & verdadeiramente segundo 0 seu modo de ser, isto é, €um objeto singular, sen- sivel, que carrega um significado que s6 pode ser percebido na experiéncia estética. Nao existe mais a idéia de um tinico valor estético a partir do qual julgamos todas as obras. Cada objeto singular estabelece seu prOprio tipo de beleza. problema do feio esté implicito nas colocagées que so feitas sobre o belo, Por princfpio, o feio ni pode ser objeto da arte. No entanto, podemos distinguir, de imediato, dois modos de representagao do feio: a repre sentagao do assunto “feio” ca forma de repre~ sentaco feia. No primeiro-caso, embora 0 as- sunto “feio” tenha sido banido do territéria artistico durante séculos (pelo menos desde a Antiguidade grega até a 6poca medieval), no século XIX ele vem a ser reabilitado, No momento em que a arte rompe com a idéia de ser “eOpia do real” para ser conside- ada criago auténoma que tem por fungao re- velar as possibilidades do real, ela passa a ser avaliada de acordo com a autenticidade da sua proposta ¢ com sua capacidade de falar ao sentimento (ver Capitulo 38 — Arte como for- ma de pensamento). O problema do belo e do feio 6 deslocado do assunto para. o modo de representagao. E sé haverd obras feias na me- dida em que forem malfeitas, isto é, que no. corresponderem plenamente & sua proposta. Em outras palavras, quando houver uma obra, feia — neste tiltimo sentido —, nao havers uma obra de arte ‘Amtes de seguirmos adiante, queremos lembrar que © préprio conceite de gosto nao deve ser encarado como uma preferéncia ar- bitréria.c imperiosa da nossa subjetividade. A subjetividade assim entendida refere-se mais si mesma do que ao mundo dentro do qual cla se forma, e esse tipo de julgamento estéti- co decide 0 que nés preferimos em virtude do que somos. Nés passamos a ser a medida ab- soluta de tudo, e essa atitude s6 pode levar a0 dogmatismo e ao preconceito. A subjetivida- de-em relagdo ao objeto estético precisa estar mais interessada em conhecer, entregando-se as particularidades de cada objeto, do que em preferir. Nesse sentido, ter gosto é ter capaci- dade de julgamento sem preconceitos. pripria presenca da obra de arte que forma o gosto: tomna-nos dispontveis, reprime as par- ticularidades da subjetividade, converte o par- ticular em universal. A obra de arte “convida a subjetividade a se constituir como olhar puro, livre abertura para 0 objeto, ¢ 0 conted- do particular a se pér a servigo da compreen- iio em lugar de ofuse4-la fazendo prevalecer ‘as suas inclinagdes. A medida que o sujeito exerce a aptidio de se abrir, desenvolve a.ap- tidiio de compreender, de penetrar no mundo aberto pela obra. Gosto 6, finalmente, comu- nicagdo com a obra para além de tode saber € de toda técnica. © poder de fazer justia a0 objeto esiético ¢ a via da universatidade do julgamento do gosto” 4. Arecepgao estética Outro assunto que ainda precisamos abordar diz respeito & atitude que propicia a experiancia estética em face de uma obra de arte’, Costuma-se dizer que a experiéncia es- Exercicios 1. Levante as prineipais idéias do texto bisico, 2, Como Kant supera a dualidade objetivo- subjetivo? 3. Qual &a importiincia do conccito de histé- ria introduzido por Hegel? 4. Como se coloca o problema do belo do onto de vista da fenomenologia? 5, Porque nfo hé obra de arte quando.o modo de representagiio ¢ feio? {6 O ques ter gosto? Explique com sus palavras, 7. Quais sto as principais caracteristicas da cexperiéncia estética? tética, ou a experigncia do belo, € gratuita, é desinteressada, ou seja, no visa um interesse pratico imediato. $6 nesse sentido podemos entender a gratuidade dessa experiéncia, e ja- mais como inutilidade, uma vez que ela res- onde a uma necessidade humana e social. A experiéncia estética no visa o conhecimento ‘I6gico, medido em termos de yerdade; no ‘visa a agio imediata e nio pode ser julgada ‘em termos de utifidade para determinado fim. ‘Acexperiéncia estética éa experiéncia da presenga tanto do abjeto estético como do su- jeito que o pervebe. ‘A obra de arte, como ja dissemos, pede ‘uma recepgiio que the faga justiga, que se abra para ela, sem Ihe impor normas externas. Essa recepeo tem por finalidade o desvelamento constituinte do objeto, através de um senti- ‘mento que © acolhe € que Ihe é solidério. A ‘obra de arte espera que 0 piblico “jogue o seu Jogo", isto € entre no seu mundo, de acorda ‘com as regras ditadas pela prépria obra para |que seus miiltiplos sentidas possam aparecer. ‘Oespectador, através do seu acolhimen- 10, atualiza as possibilidades de significado da arte ¢ testemunha o surgimento de algumas ‘ignificagdes contidas na obra. Outros a ve- rio, ¢ outros significadas surgirio. Todos igualmente verdadeiros. 8, Discuta: “A experiéncia estética tem por fi- nalidade o desvelamento constituinte da obra de arte”. 9. Leia os textos seguintes ¢ explique-os ‘com suas palavras, indicando a corrente a que per- tence: “A perfeigto final de toda arte & reprodk iio as coisas que vemos, pois estas esto sujeitas a ‘rros ¢ imperfeigdes, mas uma natureza idealmente ‘bela, de acordo com os principios da verdadeira be- lera, presentes na prépria natureza.” (Quatremére de Quincy) ‘A belera envolve “integridade © perfeicio, uma vez que as coisas defeituosas so, por isso mesmo, feias: proporgao adequada ou harmonia: ¢, por Gltimo, brilho ou claridade, donde as coisas ‘donitas tém cores brilhantes”, (Santo Tomés de Aquino) 2M, Dufrenne, Phdnoménologie de Vexpérienceesthérique,p, 100, 2 Ni estamos nos referino & experignciaestética perantefendmenos da natureza, uma Vex que, neste Liv, © que realmente nos interessa disculi €a experiacia da arte, 10, Explique, com suas palavras, 0 que 12. O que se entende por “liberdade estética”? ‘Dufrenne quer dizer: A obra de arte “convida a sub- ‘Compare com a posigdo fenomenolégica e faga a jetividade a se constitwir como olhar puro, livre sua sintese. abertura para 0 objeto, e 0 conteddo particular a se pir a servico da compreensiio-em lugar de ofuscé- ji : fy Rarceirpeset rca selnetee Re Lyf sls impo de educates ‘da que 0 sujeito exerce a aptidio de se abrir, desen- volve a aptidio de compreender, de penetrar no mundo aberto pela obra”. 14, Qual 0 papel que a disciplina Educacio ‘Artistica deve desempenhar na formacio do estu- Depois de ler 0 texto complementar, responda dante? as questies 1 a 14, 11. A partir do texto base, discuta o que Schiller quer dizer com “falso gosto”. Texto complementar Carta XX Discutindo o estado estético, Schiller esclarece, na Carta XX, dirigida ao principe Augustenburg: Para leitores que nao estejam familiarizados com a significagdo deste termo tio mal-emprega- do pela ignorancia, sirva de explicag3o 0 seguinte. Todas as coisas que de algum modo possum ocorrer no fendmeno sio penséveis sob quatro relagées diferentes. Uma coisa pode referir-se imedia- tamente a nosso estado sensivel (nossa existéncia ¢ bem-estar): esta é a sua indole fésica. Ela pode, também, referir-se a nosso entendimento, possibilitando-nos conhecimento: esta é sua indole logica. Ela pode, ainda, referir-se a nossa vontade ¢ ser considerada como objeto de escolha para um set racional: esta é sua indole maral, Qu, finalmente, ela pode referir-se ao todo de nossas faculdades sem ser objeto determinado para nenhuma isolada dentre elas: esta é sua indole estérica. Um homem pode ser-nos agradavel por sua solicitude; pode, pelo dislogo, dar-nos o que pensar; pode incutir respeito pelo seu carster enfim, independentemente disso tudo e sem que tomemos em consideragio alguma lei ou fim, cle pode aprazer-nos na mera contemplagdo e apenas por seu modo de aparecer. Nesta tltima qualidade, julgamo-to esteticamente. Existe, assim, uma educagdo para a satide, uma educagio-do pensamento, uma educago para a moralidade, uma educagio para 0 gosto eabeleza, Esta tem por fim desenvolver em méxima harmonia o todo de nossas faculdades sensiveis espirituais. Para contrariar a corriqueira seducdo de um falso gosto, fortalecido também por falsos raciocinios segundo os quais 0 conceita do estético comporta o da arbitrério, observe ainda uma vez (embora estas cartas sobre a educagao estética de nada mais se ocupem além da refutago deste erro) ue a mente no estado estético, embora livre, e livre no mais alto grau, de qualquer coergHo, de modo algum age livre de leis; ¢ acrescento que a liberdade estética se distingue da necessidade I6gica no pensamento e da necessidade moral no querer, apenas pelo fato de que as leis segundo as quais a mente procede ali no sdo representadas ¢, como no encontram resisténcia, no aparecem como constrangimento, (Friedrich Sebiller,A ediucapdo estética do homem. Sik Puulo, Companhia das Letras, 1990, p, 107.) FORMA DE QUAN YEW Entender a idéia de uma obra de arte & mais como ter uma nova experiéncia do que como, admitir uma nova proposigdo, 1, Arte é conhecimento intuit Assim como o mito ¢ a ciéncia sio mo- dos de organizagio da experiéncia humana — ‘© primeito baseado na emogio¢ o segundo na rao —, também a arte vai aparecer no mun- do humano como forma de organizagio, como modo de transformar a experiéncia vivida em abjeta de conhecimento, desta vez através da sentimento (ver Capitulos 6 e 11). O entendimento do mundo, como ja vi- mos no caso do mito, nilo se dé somente por meio de conceitos logicamente organizados que, pelo fato de serem abstragies genéricas, longe do dado sensorial, do momento vivido, Ele também pode se dar através da intuigdo', do conhecimento imediato da for- ma concreta ¢ individual, que ndo fala & ra- zo, mas ao sentimento ¢ & imaginacao. E a arte ¢ um caso privilegiado de en- tendimento intuitive do mundo, tanto para artista que cria obras concretas © singulares quanto para o apreciador que se entrega a elas para penetrar-thes 0 sentido, © verdadeiro artista intui a for organizadora dos objetos ou eventos sobre os quais focaliza sua atengto. Ele vé, ou ouve, o alg io imediato, pode seremplrica, quandoidirrespeitoa um objeto do mundo; (Suzanne Langer) 0 do mundo | Oogrite, de Edvard Munch, 1895, serigratia. Obra expressionista, revela, no use do branco e preta, na simplicidede dos traces do desentio, nas vé. |) ries direpoes das linhas que compaem 0 fundo, na expresso do rosto @ na posigdio das macs, uma-maneira de vero mundo que pode ser com- preendida intuitiva e imediatamente. «quando diz rexpetrelagSo iment ee duns dats, To abo tem carter de descoberta, gj de objeto, dew flv Mei os de um sentiment, (Ver Cape 3 —O ued eanhecimenta) que est por tris da aparéncia exterior do mundo. Por exemplo, no filme Amadeus, de Milos Forman (prémio Oscar de 1985), hé uma cena que mostra didaticamente esse pro- cesso. A sogra de Mozart, emocionada e mui- to irritada, conta ao compositor por que a fi- Iha dela o abandonou. Mozart, que a prine{pio realmente procurava uma resposta para essa questdo, lentamente deixa de prestar atengio {is palavras para sintonizar com a melodia e rit- mo do discurso. Ele ouve a musicalidade por tris do discurso inflamado ¢ compée uma dria para A flauta mdgica. Assim, como todo artis- ta, Mozart percebe, pelo poder seletivo ¢ inter- pretativo dos seus sentidos, formas que nao podem ser nomeadas, que niio podem ser redu- zidas a um discurso verbal explicativo, pois elas precisam ser sentidas, e nfo explicadas. A partir dessa intuigao, o artista nao cria mais c6- pias da natureza, mas, sim, simbolos dessa ‘mesma natureza e da vida humana. Esses simbolos, portanto, nao sao enti- dades abstratas, niio sio entes da razio, Ao contrario, so obras de arte, objetos sensiveis, concretos, individuais, que representam ana- logicamente, ou seja, por semelhanga de for- ma, a experiéneia vital intufda pelo artista. Assim, a tela de Mondrian intitulada New York nao reproduz figurativamente, iconica- mente, a cidade, mas representa analogica- mente a vivéncia do artista em relacio a ela. E essa apreensiio do conereto, do imediato, do vivido, & transportada para uma outra obra que, ela também, é um objeto conereto para 0 espectador. Assim, quando apreciamos uma obra de arte, fazemo-lo através dos nossos sen- tidos: visio, audig&o, tato, cinestesia ¢, se a obra for ambiental, até o olfato. E a partir dessa percepgdo sensivel que podemos intuir a vivencia que o artista expressou em sua obra, uma visio nova, uma interpretagdo nova da na- tureza e da vida. O artista atribui significados a0 mundo por meio da sua obra. O espectador Ig esses significados nela depositados. Essa terpretacdo s6 ¢ possivel em termos de intuigao ndo de conceitos, em termos de forma sensf- vele ndo de signos abstratos”. Podemos dizer, ento, que na obra de arte o importante nao é 0 tema em si, mas o tratamento que se dé ao 2 E. Cassirer, Symbol, myth and cute, p. 175. tema, que o transforma em simbolo de valores de uma determinada época. Alluz, a cor, o volume, 0 peso, 0 espaco, enquanto dados sensfveis, nao sio experimen- tados da mesma maneira na vida do dia-a-diae naarte. No cotidiano, usamos esses dados para construir, através do pensamento I6gico, o nos- 80 conceito de mundo fisico. Em arte, esses mesmos dados sdo usados para alargar 0 hori- zonte de nossa experiéncia senstvel. Por exem- plo, pelo uso incomum de cores ou sons, pela organizagdo inusitada de um espago, pela tex- ura ou forma dada a um material, a nossa pré- pria perspectiva da realidade € alterada. O ar- tista nao copia o que é; antes cria o que poderia ser e, com isso, abbre as portas da imaginagio, O papel da imaginagao na arte E exatamente a imaginagdio que vai ser- vir de mediadora entre o vivido € @ pensado, entre a presenga bruta do objeto e a represen- lagdo, entre a acolhida dada pelo corpo (os 6rgios dos sentidos)e a ordenagao do espirito (pensamento analégico), A imaginagao, ao tornar 0 mundo pre- sente em imagens, nos faz pensar. Saltamos dessas imagens para outras semelhantes, fa- zendo uma sintese criativa. © mundo imagi- nério assim criado nio é irreal. E, antes, pré- real, isto é, antecede o real porque aponta suas possibilidades em vez de fixé-lo numa forma cristalizada. Assim, a imaginagiio alarga 0 campo do real percebido, preenchendo-o de outros sentidos*. Arte e sentimento Na experiéncia estética, a imaginagio manifesta, ainda, 0 acordo entre a natureza e © sujeito, numa espécie de comunhda cuja via de acesso € o sentimento. O sentimento aco- Ihe © objeto, reunindo as potencialidades do cu numa imagem singular. E toda nossa perso- nalidade que est em jogo, ¢ 0 sentimento des- pertado nao é sentimento de uma obra, mas de um mundo que se descortina em toda sua profundidade, no momento em que extraimos 0 objeto do seu contexto natural ¢ 0 ligamos a 3 Nao podemos esquccer da origem da pelavra sentido, como particfpio passado do vezbo sensir.O problema do signi- ‘Bade. portanto, passa pelo sentido, tanto do pont de viste sensorial quanto do ponto de vista emocional. um horizonte interior. Este sentiimento, por- tanto, “no é emogdo, é conhecimento™. Estabelegamos as diferengas entre senti mento ¢ emogiio. O termo emogiio, etimologi camente, refere-se a agitagio fisica ou psicolé- tgica e € reservado para 08 niveis profundos de agitagio. Ela rompe a estabilidade afetiva. As- sim, emogdo designa wm estado psicolégico que envolve profunda agitagao afetiva. © sentimento, por outro lado, é uma rea- alo cognitiva, de reconhecimento de certas es- truturas do mundo, cujos critérios nfo sio explicitades. E percepgiio das tensdes dirigidas, comunicadas ¢ expressas pelos aspectos estiiti- cos e dinimicos da forma, tamanho, tonalidade ‘ow altura, Essas tensdes sio tio perceptfveis quanto o espaco ou a quantidade. Podemos, entio, dizer que 0 sentimento esclarece 0 que motiva a emogio, na medida em que so essas tensdes percebidas que cau- sam a agitagao psicolégica. ‘A emogdo € uma resposta, & uma ma- neira de lidarmos com o sentimento, A ale~ gria expressa pelo riso, por exemplo, é 0 mado pelo qual lidamos com o sentimento do cémi- 0; medo é uma resposta ao sentimento de ameaga. Assim, o sentimento é conhecimento porque esclarece 0 que motiva a emo; esse conhecimento é sentimento porque ¢ irrefleti- do © supde uma certa disponibilidade para acolher 0 afetivo, disponibilidade para a empatia, ou seja, sentir como se estivéssemos no lugar do outro. E preciso lembrar que sem- pre podemos nos negar a essa disponibilida- de, pois ela pressupde um certo engajamento no mundo: o objetivo ndoé pensé-lo, nem agir sobre ele: 6, tio-somente, senti-lo na sua pro- fundidade, O sentimento, na sua fungio de conhe- cimento, aleanga, para além da aparéncia do objeto, a expressio. A expressio é 0 poder de ‘emitir signos ¢ de exteriorizar uma interiori- dade, isto ¢, de manifestar 0 que 0 objeto para si, Mas essa expressio, em arte, ocorre sempre através de um meio especifico. O ar- tista no escolhe 0 seu meio (video, pintura, danga ete.) como um meio material externo € indiferente, Para ele, as palavras, as cores, as linhas, as formas ¢ desenhos, os sons (timbre) dos diversos instrumentos nilo sio somente meios materiais de produgao. Sao condigdes do pensar artistico, momentos do processo de criagdo ¢ parte integrante ¢ constituinte da sua expressio. O projeto do artista condiciona 0 meio e 0 material, que, por sua vez, condicio- nam as técnicas € o estilo, Tudo isso reunido: forma a linguagem da obra, sua marca incon- fundivel, seu significado sensivel. Em virtude dessa ligagdo indissolivel entre significante e significado na obra de arte é que podemos di- Zer que “o objeto estético é, em primeiro tu- gar, a apoteose do sensfvel, e todo seu sentido édadonno sensfvel"®. Assim, a obra de arte niio pode ser traduzida para outra linguagem. ‘Quando contamos um filme a alguém (existe i chata?), ele perde a maior parte de pareceu. A obra de arte pode, inspirar uma outra, ¢ ento te- remos um filme a partir de um livro, uma md- sica a partir de um quadro etc. Sao obras dife- Tentes, no entanto. 2. A educagao em arte A educagio em arte s6 pode propor um caminho: 0 da convivéncia com as obras de arte, Aquelas que esto assim rotuladas em museus c galerias, as que estiio em pragas pu- blicas, as que estdio em bancos, em repartigoes: do governo, nas casas de amigos € eonhec dos. Também aquelas, andnimas, que encon- tramos as vezes numa vitrina, numa feira, nas miios de um artesiio. As que estilo em alguns cinemas, teatros, na televisio ¢ no ridio. As que esto nas nuas: certos edificios, casas, jar- dins, ttimulos. Passamos por muitas delas. to- dos 0s dias, sem vé-las. Por isso, € preciso uma determinada intengo de procurd-las, de percebé-las. Quanto mais ampla for essa convivén- cia com os tipos de arte, 0s estilos, as €pocas os artistas, melhor. E s6 através desse contato aberto ¢ eclético que podemos afinar a nossa sensibilidade para as nuances ¢ sutilezas de cada obra, sem querer impor-Ihe 0 nosso gos- to € 0s nossos padres subjetivos, que sio marcados historicamente pela época € pelo lugar em que vivemos, bem como pela classe ML. Dufrenne, Phénomenologie de l'expérience esthétique, p. 471. 5M, Dufrenne, Phénoménologie de experience esthétique, p. 425. social a que pertencemos. “Lembraremos, ain- da, que € na freqientagao da obra. que a inter- subjetividade pode se dar. £ através dela que podemos “encontrar” com o autor, sua época e também com nossos semelhantes. E pelas ve- redas ndo-racionais da arte que a freqiientagaio permite descobrire percorrer, que nos ‘sintoni- zamos" com © outro, numa relagdo particular que a vida cotidiana desconhece, Terreno da imtersubjetividade, a arte nos une, servindo de lugar de encontro, de comunhio intuitiva; ela nao nos coloca de acordo: ela nos irmana.”* Em seguida, precisamos aprender a sen- tir, Em nossa sociedade, dada a importincia atribuida & racionalidade e & palavra, nao é raro tentarmos, sempre, enquadrar a arte den- tro desse tipo de perspectiva. Assumimos, en- do, tal distincia da obra que nio € possivel recebé-la através do sentimento. Por outro lado, o sentimento, como ja dissemos, nao éa emogio descabelada. Chorar ao assistir a um. drama ou ao ouvir uma musica nao é sinal de que estejamos acolhendo a obra através do sentimento. Podemos estar fazendo uma catarse das nossas emogdes. No sentimento, a0 contrdrio, a emogio é despida de seu con- teido material e elevada a um outro estado: Exercicios 1, Levante as idias principais do texto base. 2. Por que a arte é um caso privilegiado do entendimento intuitive do mundo? 3. Explique por que o artista cria simbolos ¢ ‘io c6pias da natureza a partir da sua intuigao. 4. 0 que caracteriza esses simbolos? 5. Qual é a diferenga cntre sentimento ¢ emo- 40? Qual deles ¢ a via de acesso ao acordo entre natureza ¢ sujeito? 6. Como se d4 a expressio em arte? 7. Por que importante a convivéncia com as obras de art £4..Coli, O que € arte, p.126. S.K. Langer, Sentimento ¢ forma, p. 259. retirado o peso da paixiio, permanecem o mo- vimento e as oscilagdes do sentir em comu- hao com 0 objeto, Finalmente, jé fora da experiéneia esté- tica, podemos chegar ao nivel da recepgio eri- tica, da andlise intelectual da obra, do julza- mento do seu valor, que é o trabalho do criti- co edo historiador da arte. Para essa tarefa, 56 a convivéncia com a obra no basta, E neces- sirio 0 conhecimento histérico dos estilos, da inguagem de cada arte, além de um profundo conhecimento da cultura que gerou cada obra, Concluindo, a arte ndio pode jamais ser a conceitualizagao abstrata do mundo. Ela é percepgdo da realidade na medida em que cria formas sensiveis que interpretam 0 mundo, proporcionando 0 conhecimento por familia- ridade com a experiéneia afetiva. Esse mode de apreensio do real alcanga seus aspectos ‘mais profundos, que pela sua propria imedia- ticidade nao podem ser apresentados de outra forma, A partir dessus idéias, podemos com- preender a epigrafe do capitulo: “Entender a idéia de uma obra de arte € mais como ter uma nova experiéncia do que como admitir uma nova proposi¢ao.”” Leia o texto complementar ¢ responda as quesioes 8a II. 8, O que o autor quer dizer com a frase: “Um artista 86 pode exprimir a experiéncia daquilo que seu tempo € suas condigdes sociais tém para ofere- 9. Como voce relaciona essa afirmagao com 0 fato de o artista no mostrar o que 0 mundo é, mas ‘que ele pode ser? 10. Como ele pode manter a relagao dialética centre “realidade humana individual ¢ col ‘gular e universal? 11. Em que sentido a sociedade precisa do ar- tista? Texto complementar Arte e sociedade ww» Um artista 6 pode exprimir a ex] tém para oferecer. Por essa razio, a subj rigncia daquilo que seu tempo e suas condigbes idade de um artista no consiste em que a sua experién- cia seja fundamentalmente diversa da dos outros homens de seu tempo ¢ de sua classe, mas consiste em que ela seja mais forte, mais consciente © mais concentrada. A experiéncia do artista precisa aprender as novas relagdes soci cia delas; ela precisa dizer hie tua res aginur. Mesmo o mais subjetive dos artistas trabalha em favor da sociedade. Pelo simples fato de desctever sentimentos, relagdes e condigdes que nio haviam sido descritos anteriormente, ele canaliza-os do seu “Eu” aparentemente isolado para um “N6s”; € este *N6s” pode ser reconhecido até na subjetividade transbordante da personalidade de um artista. Esse processo, todavia, nunca é um retorno a primitiva coletividade do passado; ao contririo, representa tum impulso na diregio de uma nova comunidade cheia de diferengas ¢ tensbes, na qual a voz in ‘dual no se perde numa vasta unissonancia, Em todo auténtico trabalho de arte, a divistio da realida de humana ém individual ¢ coletiva, em singular e universal, é interrompida; porém é mantida como fator a ser incorporado em uma unidade recriada, 'S6 aarte pode fazer todas essas coisas. A arte pode clevar ohomem de um estado de fragmen- tagdo a um estado de ser integro, total. A arte capacita 0 homem para compreender a realidade ¢ © ‘ajuda nio 36 a suporté-la como a transformé-la, aumentando-Ihe a determinagio de tomng-la mais ‘humana e mais hospitaleira pare a humanidade. A arte, ela prépria, é uma realidade social. A soci dade precisa do artista, este supremo feiticeiro, e tem o direito de pedir-Ihe que ele seja consciente de ‘sua fungo social. Tal direito nunca foi discutido numa sociedade em ascensio, ao contrério do que ‘ocorre mas sociedades em decadéncia. A ambicdo do artista que se apoderou das idéias ¢ experiéncias ‘do seu tempo tem sido sempre nilo s6 de representar a realidade como a de plasmé-la. O Moises de Michelangelo nfo era s6 a imagem artistica do homem do Renascimento, a corporificagiio em pedra ‘de uma nova personalidade consciente de si mesma. Era também um mandamento em pedra dirigido 408 contemporineos de Miguel Angelo e a seus dirigentes: “E assim que vocés precisam ser. A época em que vivemos 0 exige. O mundo a cujo nascimento presenciamos o requer”. (E. Fischer, A necessidade da arte, 56-57.) A razio de ser da arte nunca permanece inteiramenite @ mesma. A furcdo da arte, noma sociedade em que a luta de classes se aguca, difere, em muitos aspectos, da fungéo original da arte. No entanto, a despeito «das situagdes sociais diferentes; hd alguma coisa na arte que expressa uma verdade permanente. E¢ essa coisa que nos possibilita— nds, que vivemos no séeulo XX —0 comovermo-nos com as pinturas pré-historicas das -cavernas e com antigilissimas cancdes. As obras de arte, desde a Antiguidade até hoje, nem sempre tiveram a mesma fun- ¢fo, Ora serviram para contar uma histéria, ora para rememorar um acontecimento impor- tante, ora para despertar o sentimento religio- s0 ou cfvico. Foi s6 neste século que a obra de arte passou a ser considerada um objeto desvinculado desses interesses ndo-artisticos, um objeto propiciador de uma experiéncia es- tética por seus valores intrinsecos. Assim, dependendo do propésito e do tipo de interesse com que alguém se aproxima de uma obra de arte, podemos distinguir trés fungdes principais para a arte. 1. Fungao pragmatica ou utilitaria A arte serve ou & iitil para se alcangar ‘um fim nao-artistico, isto é, ela niio é valori- zada por si mesma, mas s6 como meio de se alcangar uma outra finalidade, Esses fins ndio- artisticos variam muito no curso da histéria. Na Idade Média, por exemplo, na medida em ‘que a maior parte da populago dos feudos era fabeta, a arte serviu para ensinar os prin- cipais preceitos da ccat6liea e para re- Jatar as histérias biblicas. Esta ¢ uma finalida- de pedagégica da ane. Na época da Contra-Reforma, aarte bar- roca foi muito utilizada para emocionar 0s (Emst Fischer) figis, mostrando-Ihes a grandeza e a riqueza do reino do céu, numa tentativa de segurar os figis dentro da religiio catdlica, ameagada pela Reforma protestante, Na medida em que ‘0S argumentos racionais no conseguiam se manter de pé diante das criticas dos protestan- tes, a via que restava para a Igreja catélica era a emocional, Esse ¢ um exemplo da arte sen- do usada para finalidades rel ‘No nosso século, o“realismo socialista” tem por finalidade retratar a melhoria das con- digdes de vida do trabalhador e as principais figuras da revolugio socialista como um meio para despertar © sentimento efvico ¢ manter a lealdade da populagio. A prépria arte en- gajada, que floresceu entre nés no final da dé- cada de 50¢ inicio da década de 60, pretendia conscientizar a populagio sobre sua sitwagdo socioecondmica. Portanto, as finalidades a servigo das quais a arte pode estar podem ser pedagégi- cas, religiosas, politicas ou social ‘Nessa perspectiva, quais seriam os cri- térios para se avaliar uma obra de arte? Esses critérios também vao ser exteriores & obra: 0 critéria moral do valor da finalidade a que ser- ve (se a finalidade for boa, a obra € boa); € 0 critério de eficdcia da obra em relago & fina- lidade (se 0 fim for atingido, a obra é boa). ‘Como vemos, em nenhum momento, dentro desse tipo de interesse, a obra é enca- rada do ponto de vista estético. 2. Fungao naturalista Refere-se aos interesses pelo contetido da ‘obra, ou seja, pelo que a obra retrata, em detri- mento-da stia forma ou modo de apresentagio, A obra ¢ encarada como um espelho, que reflete a realidade e nos remete direta- mente a ela, Em outras palavras, a obra tem fungdo referencial de nos enviar para fora do mundo artistico, para o mundo dos objetos re- tratados, Assim, uma escultura de D. Pedro I, por exemplo, serviria, dentro dessa perspecti- ‘va, para nos remeter 10 homem e ao politico, ao que ele representou num determinado mo- mento histérico brasileiro, Deixarfamos em segundo plano a leitura propriamente dita da escultura, isto €, valores como qualidade té- nica, expressividade, criatividade etc., pois 0 nosso interesse estaria voltada somente para © assumto tratado, Essa atitude perante a arte surge bastan- te cedo. Como veremos no Capitulo 41 (Con- cepgées estéticas), ela aparece na Grécia, no século V a.C., nas esculturas e pinturas que “jmitam" ou “copiam” a realidade. Essa ten- déncia caracterizou a arte ocidental até mea- dos do século XIX, quando surgiu a fotogra- fia. A partir de entdo, a fungao da arte, espe- cialmente da pintura, teve de ser repensada € houve uma ruptura do naturalismo. Os critérios de avaliagiode uma obra de arte do ponto de vista da funcdo naturalista sii: a correcdo da representagio (se € 0 as- sunto que nos imteressa, deve ser representado corretamente para que possamos identificd- lo); a inteireza, ou seja, a qualidade de ser in- teiro, {ntegro (0 assunto deve ser representado por inteiro); e o vigor, que confere um poder de ersuasio (especialmente se a situagao repre- sentada for imagindria). Como exemplo deste Ultimo, temos a figura do E.T., no filme de mesmo nome. Ele foi representado com tama- tho vigor que ficamos convencidos da possibi- tidade de sua existéncia, enternecemo-nos com. suas aventuras ¢ torcemos por ele até o final. 3. Fungao formalista Finalmente, temos 0 interesse forma- lista, que, como 0 préprio nome indica, preocupa-se com a forma de apresentagio da obra, forma esta que, como jd vimos no Capi tulo 38 (Arte como forma de pensamento), contribu decisivamente para o significado da obra de arte. Este, portanto, 0 tinico dos in- teresses que se ocupa da arte enquanto tal e Por motivos que no sio estranhos a0 ambito antistico. Desse ponto de vista vamos buscar, em cada obra, 0 principios que regem sua orga nizacZo interna: que clementos entraram em sua composig&o e que relagdes existem entre . Nao importa 6 tipo de obra analisado: pictérico, escultérico, arquiteténico, musical, teatral, cinematogrifico etc. Todos compor- tam unta estruturagdo intema de signos sele- cionados a partir de um cédigo especitico. Ha, nessa fungao, uma valorizagio da experigncia estética como um momento em que. pela percepgao ¢ pela intuigdo, temos uma consciéneia intensificada do mundo. Embora a experigncia estética propicie 0 co- nhecimento do que nos rodeia, este conheci- mento ndo pode ser formulado em termos te6- ricos porque ele é imediato, concreto e sensi- vel (ver Capftulo 38 — Arte como forma de pensamento). O critério através do qual uma obra de arte serd avaliada, dentro da perspectiva formalista, é sua capacidade de sustentar a contemplagio estética de um piblico cuja sen- sibilidade seja educada ¢ madura, isto é que conhega varios cédigos ¢ esteja disponivel para encontrar na propria obra suas regras de organizagio. Como exemplo, para ilustrar essa fun- ‘¢Zo, vamos analisar um samba da bossa nova, Samba de uma nota sé, de Anténio Carlos Jobim ¢ Newton Mendonga, gravado por Joao Gilberto. Samba de wma nota sé jinha 1 Eis aqui este sam 2. Feito numa nota sé 3 Outras notas vio entrar 4 Mas a base € uma s6 5 Esta outra é conseqiiéncia 6 Do que acabo de dizer 7 Come eu sou a conseqiéncia 8 Inevitivel de vooé. 9 Muita gente existe por af 10 Que fala, fala € no diz nada, ou quase nada 11 J4 me utilizei de toda a eseala 12. Eno final no sobrou nada, no deu em nada 13 E voltei pra minha nota Como eu volto pra vocé Vou mostrar com a minha nota Como eu gosto de vore Quem quiser todas as notas — ré, mi, f4, sol, 14, si, dé Fica sempre sem nenhuma. Fique numa nota 86. Em primeiro lugar, precisamos estabe- lecer 0 quadro de referéncias a partir do qual vamos proceder & andlise, quadro este que € dado pela prépria obra. E uma cangdo, com misica e letra. E uma composi¢o musical popular, portamto urbana, de facil entendimento, inserida no processo de comunieagao de massa. E misica da classe média do Rio de Janeiro, com ideo- logia pequeno-burguesa, individualista, sem preocupagdes sociais, Pertence & bossa nova, cujas propostas principais sao: * fazer uma renovagio na MPB a partir da incorporagio de elementos do jazz, como a improvisagdo, os acordes dissonantes; + ser miisica cameristica (ao contririo do modelo operistico), intimista, para pequenos ambientes; ‘usar uma batida diferente do samba tradicional; tegrar harmonia-ritmo-melodia ¢ contraponto (a melodia nao € conduzida pelo ritmo); tegrar voz, instrumento ¢ arranjo, de forma que um complete 0 outro, enriquecen- do o resultado final. Assim, 0 primeiro aspecto que notamos no Samba de uma nota sé € que letra e miisica estdo estreitamente ligadas, uma comentando ou ilustrando os procedimentos da outra. Para entender isso, € preciso ouvi-lo. Durante os primeiros quatro versos, a misica acompanha a idéia de ser feita sobre uma nota s6. Os ver- 8085 € 6 sioacompanhados de uma mudanga, 0s versos 7e 8 voltam paraa nota base, rela- cionando a complementaridade das notas com Exercicios 1. De que depende-a fungio que a obra de ante tem em cada época ou sociedade? 2. Como a arte 6 encarada do ponto de vista, da fungao pragmiética? a complementaridade dos participantes de uma relagZo amorosa (eu e vocé) introdu- zindo o aspecto individualista, ‘A melodia que acompanha os quatro versos seguintes (9, 10, 11 ¢ 12) utiliza toda a escala musical, fazendo um contraponto ao resto da composigio, a0 mesmo tempa que ilustra a letra. Nao 6 a variedade de notas uti- lizadas em uma composigio que Ihe confere valor estético. Em seguida, como dizem os versos 13, 14, 15 € 16, volta-se & nota base, introduzin- do-se outra vez 0 tema amoroso. Por meio da analogia entre as notas ¢ os amores, os versos finais ¢ o fim da melodia voltam a repetir os mesmos procedimentas j mostrados, O segundo aspecto que esta andli- se evidencia é que, ao comentar ¢ ilustrar os procedimentos da leitura musical, a composi- gio esclarece alguns dos préprios prine: da bossa nova que, na época, vinham sendo iticados por fugirem dos padres de samba aceitos até entiio. A interpretagio de Jodo Gilberto é per- feita: afinada, contida, clara, transmitindo as nuances emocionais sem exageros. O proprio amor af cantado é declarado de forma sem 0s arroubos caracteristicos do samba-can- io. Podemos assim perceber que a obra apre- senta uma unidade orgdnica (entre forma mu- sical e letra) perceptive! ao ouvido treinado, que se encanta ao deparar com ela. E apenas do ponto de vista didatico que podemos separar as fungdes da arte. Na ver- dade, elas podem se apresentar juntas, As ve- zes, para que uma obra tenha finalidade peda- g6gica, por exemplo, ela precisa ter fungio naturalista. Qutras vezes € © estético que se sobrepée as outras fungdes. Assim, € 0 modo, como nus aproximamos de qualquer obra de arte que vai determinar a fungdo da obra na- quele momento. Em si, todas as obras que sio verdadeiramente de arte necessariamente so capazes de sustentar a contemplagio estética de um observador sensivel e treinado. 3. Dé exemplos dos tipos de fins a que a arte pode servir. 4. Quais sie 0s critérios de avaliagaio da obra de ane na perspectiva pragmética? ‘5. Que tipo de interesse pela ate surge na fun- do maturalista? 6. Quais si0 os critérios de avaliagio da obra de arte na perspectiva naturalista? 7. Como a ante é encarada do ponto de vista da fungao formalista? 8 Quais sio os critérios de avatiagdo da obra de arte na perspectiva formalista? 9. Identifique a fungao da arte e justifique: 8) “Quero ficar no seu corpo feito bailarina ‘Que logo se alucina salta, se ilumina ‘quando a noite ver.” (Chico Buarque) b) A foto de uma pessoa querida. ) Um filme histérico, como Reds, usado na aula de histéria para ilustrar a Revolugio de 1917, 4) “A arte bizantina, sobretudo a pintura Dbizantina, era uma arte nio s6 religiosa, mas tam- Texto complementar bém didética. Tinha por objetivo ensinar, por meio dos seus fcones, a religiio crista ortodoxa até aos analfabetos.” (A. Michelis) @) “As pinturas faziam parte da técnica deste [processo de magia: erama ‘ratoeira’ em que acaga hhavia de eair, ou a ratoeira com o animal jé captu- ado, E que os desenhos constitufam simultanea- ‘mente a representasiio ¢ a coisa representada, eram ‘simultaneamente o desejo e a realizagio do desejo. © cagador ¢ pintor da era paleolitica supunham ‘encontrar-se na posse do priprio objeto desde que possufssem a sua imagem; julgavam adquirir po- der sobre 0 objeto por intermédio da representa- glo." (A. Hauser) Leia o texto complementar e responda as questdes 10 a 12. 10. De acordo com Léger, pintor francés con temporiineo, a batalha entre o tema e 0 objeto refe- re-se a que fungdes da arte? 11. Qual € a diferenga entre pintura abstrata e figurativa? 12, Qual € 0 papel da realidade na criago ar- Ustica? O novo realismo: a cor pura e 0 objeto Um exemplo: se componho um quadro utilizando como objeto um fragmento de casca de arvo- re, um fragmento de asa de barboleta, é provavel que ndo se reconhega a casca de drvore, a asa de borboleta, e que se diga: que representa isto? E- um quadro abstrato, nao é um quadro figurative. Aquilo a que se chama quadro abstrato € coisa que nao existe. No ha quadros abstratos nem quadros concretos. Hi quadros bons ¢ quadros maus. Ha quadros que nos comovem e quadros que nos deixam indiferentes. ‘Nunca se deve julgar um quadro por comparacio com elementos mais ou menos naturais. Um quadro tem um valor em si préprio, como uma partitura musical, como um poema, ‘A realidade € infinita e muito variada. Que ¢ a realidade? Onde comega? Onde acaba? Que dose de realidade deve existir na partitura? Impossivel responder. ‘Outro excmplo sobre esta quesido da realidade: fotografo, com muita exatidio ¢ com uma luz ‘muito forte, uma unha de mulher. Esta unha, muito cuidada, é valorizada como um lho, como a boca. E um objeto que tem um valor em si. ‘Depois projeto a unha aumentada cem vezes ¢ digo a uma pessoa: veja aqui, € um fragmento ; € auma outra: € uma forma abstrata, Ficario espantadas e entusiasma- ddas, acreditardo no que digo. Mas, finalmente, dit-Ihes-ei: nao, o que acabamde vera unhadodedo mindinho da mo esquerda da minha muilher. Essas pessoas ir-se-fo embora vexadas, mas nunca mais fario a famosa pergunta: que representa isto? Esta pergunta jé no tem nenhuma razdo de ser. O Belo est em toda a parte, no objeto, no fragmento, em formas puramente inventadas. O que preciso é desenvolver a sensibilidade para i imei a l6gica, nio tém nada a ver em tudo isso. Nao se explica a arte. E coisa do dominio da sensibilidade, que pode ¢ deve desenyolver-se. (Fernand Léger, Fung Bes da pintura, Sto Paulo, Difel, 4, p. 72.) URS (GAY Ty (WEVG) NA ARTE Sabemos que em: literatura uma mensagem ética, politica, religiosa ou mats geralmente social s6 tent eficiéneia quando for reduzida & estratura literdria, forma ordenadora, Tais mensagens sao vélides coma quaisquer outras, ¢ ndo podem ser proseritas; mas a sua validade depende da forma que thes dé existéncia como um certo tipo de objeto, Como ficou claro na Unidade 1, 0 ho» ‘mem est continuamente atribuindo significa- dos ao mundo. A essa atividade damos o nome genérico de feitura. Assim, niio lemos apenas oS textos eseritos, mas lemos igua mente outros tipos de textos, niio-verbais, aos quais também atribuimos significados. Jé mos que aarte se constitui em um texto muito especiall, pois a atribuigde de significados est presa.a sua forma sensivel de apresentagao e € insepardvel dela. Assim, a divisfio que vamos fazer em termos de forma e contetida é apenas didatica € opera um corte na unidade da obra de arte, como um bisturi que disseca corpos viventes € 08 Separa em partes para que Se possa ci nhecer cada uma e, depois, apreender a rel ‘Ho entre elas. Ao fazer isso, estamos des- truindo, em primeiro lugar, a experiéncia es- \ética e, em segundo lugar, a Gestalt da obra, ui Seja, a apreenso do conjunto, do todo, dentro do qual as partes tomam sentido. 1, A especificidade da informagao estética Teixeira Coelho Netto, ao discutir a in- formagio estética, comparando-a 2 seman a, levanta aspectos muito interes: (Antonio Candido} A informagio estética, ao contririo da informagiio semantica, ndo € necessariamente K6gica. Ela pode ou no ter uma I6gica se thante & do senso comum ou da ciéncia. também nao precisa ter ampla circulacio, &, no hd necessidade de que um piblico numeroso tenha acesso a ela. A informa estética continua a existir mesmo dentro de um sistema de comunicagdo restrito, até interpessoal, ow mesmo quando no ha ne- nhum receptor apto a recebé-la. Sabemos que isso aconteceu inimeras vezes. Por exemplo, informagio estética contida numa tela de ‘Van Gogh permaneceu 14, embora em sua época ninguém pudesse entendé-la. Outra ca- racteristica da informagdo estética que a dife- rencia da informaco semintica € fato de no ser traduzivel em outras linguagens. Quando dizemos “O tempo hoje esta podemos traduzir a informagio semantica contida nessa frase para qualquer outra lingua, sem perda da informagio original. Quando ‘vemos, no entanto, num filme, uma cena com tempo ruim, vemos a qualidade da cor, a for- ¢a do vento, da chuva ou da neve, a veget 40, 08 ruidos ou o siléncio, a névoa, a quali- dade da luz e imimeros outros detalhes que nos so mostrados pelas cAimeras € que nos. causam um determinado sentimento. formagiio estética niio pode ser traduzida nem para a linguagem verbal nem para qualquer "17, Coelho Neto, introduc d teoria da infarmacio extéica, p.9-16, ‘outra sem ser mutilada, isto & sem perder par- te de sua significagao. A informagao estética apresenta, ainda, um outro aspecto distintivo, que € 0 fato de nio ser esgotdvel numa nica leitura. Por ‘exemplo, a informagio sobre o tempo ruim 86 me conta algo de novo na primeira vez.em que for dada. Ela se esgota. A informagao estética contida em uma obra de arte, noentanto, pode ser lida de vérias maneiras por pessoas dife- rentes ou por uma mesma pessoa. Na primei- rt vez que Jemos unt livre on ouvimos uma miisica, recebemos uma certa quantidade de informagées; numa segunda leitura ou audi G40, podemos receber outras informagses; anos mais tarde, ainda outras. Essa caracteris- tica de inesgotabilidade permite que as obras de arte niio envethegam nem se tornem ultra- passadas. A obra de arte € aberta, no sentido de que ela propria instaura um universo bas- ante amplo de significagdes que vio sendo captadas, dependendo da disponibitidade dos receptores’. 2. Aforma Roman Jakobson, conhecido lingilista, definiu algumas caracteristicas da fungao poética da linguagem ¢ ampliou muito a no- io do poético. Com ele, a fungio poética ga- nha uma dimensdo estétiea, podend, assim, ser aplicada a todas as outras formas artisticas além da poesia’ A fungo postica: a transgresstio do eédigo ‘A fungiio pod ada linguagem, segun- sobre a propria mensagem, isto é, por chamar aatengdo sobre a forma de estruturagio e de composigiio da mensagem. A fungiio poética pode estar presente tanto numa propal num outdoor, quanto numa poesia, numa mi= sica ou em qualquer outro tipo de obra de arte Mas como-é que se chat 0 para 1 propria mensagem? Como vimos, no inte- resse naturalista pela arte, a atengio do espe tador niio se detém na obra, na mensagem. 2 U. Feo, Obra aberta 218 Jakobson, Essas de Phipulitique jénératep. 209-248 mas € remetida para.o contexto fora da obra, ‘Na classificagdo de Jakobson, a funcao pre- sente seria a referencial, centrada exatamente no contexto externo a obra. A estruturagao da ‘obra, a sua organizago intema, no chama a nossa atengio. Para que isso acontega, € ne- cessirio sair do habitual, daquilo a que ‘estamos acostumados ¢ que. por isso mesmo, nem percebemos mais. Em outras palavras, sair do esperado, o que implica transgredir 0 c6digo consagrado. Composigso om vermetho, amarels @ srul. de Piot Mondrian, 1921. Uns dos artistas mais repre- sentatives do abstracionisma geomatrico, Mondrian trabaiha 2 superficie do quadto respei tando suas duas dimensées (largura @ altura) @ ‘sem criar nenhuma ilusio de profuncictade. Usa oucas cores, sémpre primérias, contrastando ‘com 0 branco'e como negro das linhes que divi dem a superficie em quadrados e retingulos. E ‘a partir desse trabalho em cima da forma que ‘podem surgir os significados de obra. Quando 0 cédigo é usado de maneira incomum, a forma de apresentagdo da mensa- gem chama a nossa atengao pela sua forga poética, Isso fica bastante claro em poesia. As palavras de que nos utilizamos para escrever um poem ou para nos comunicarmos no dia- a-dia sio fundamentalmente as mesmas, Na fala didria, no entanto, no prestamos atengaio A forma das palavras, porque o que nos interes- i para que a comunicagao se efetive é 0 seu contetido semintico. A poesia, a contrério, chama a nossa atengio para essa forma. Hi um poema de Carlos Drummond de Andrade intitulado “Ao Deus Kom Unik Assio™, Sem diivida, chama a atengao. Primeiro, pela forma de escrever comunicagdo: com a letra K, de uso restrito na lingua portuguesa; com a substitui- gio do ¢ por dois s; com a divisio da palavra em trés outras, Em seguida, notamos que deus é substantivo masculino, enquanto comunica- edo é substantive feminino, Portanto, varias transgressdes do cédigo num tnico titulo. (O que precisa fiear claro, no entanto, € que essas inovagdes e subversdes do cédigo do so gratuitas, mio sio feitas 86 para engracadas. Elas contribuem para o sig do da obra, neste caso 0 poema. Assim, veja- mos: quanto a transfermagiio do feminine em masculino, sabemos que nossa sociedade da mais valor ao homem do que & mulher; uma deusa nunca € levada muito a sério. O poder de deus é muito mais forte também porque as religides ocidentais nfo cedem nenhum lugar a.deusas. Quanto ao uso da letra K, dos dois s e A divisdo da palavra, causam um estranha- mento, um distanciamento, remetendo a e6di. gos-e culturas estrangeiros. Em se tratando de deus, remetem também a deuses e farads (Tutancimon ete,). A divi municacdo reflete uma divi sobre 0 préprio assunto, A partir dessa discussio sobre a fungio poética, que leva necessariamente & transgres- sto dos cédigos habituais consagrados, podemos justificar por que, no Capitulo 4, inclufmos as linguagens artisticas entre as que sdo estruturadas de forma mais flexivel. Se romper o eédigo é uma caracteristica propria da arte, nenhum cédigo artistico pode ser in- flexfvel (como, por exemplo, os cédigos ma- tematicos) nem exercer forga coercitiva sobre a produgio dos artistas. Ou estes ndo seriam artistas. O papel das vanguardas artisticas A Enfase dada & forma da obra de arte e as transgressdes do eédigo nos leva aexaminar papel das vanguardas artisticas. Avant-garde, em francés, € um termo militar que designa 0 grupo de soldados que avanga a frente da guar- da ou batalhdo. Transferindo © termo para a Escultura, de Hans Arp. A obra desse escultor, que também é pintor, se situa dentro do abstr: cionismo informal. O name do trabalho é bas- tante indicativo: é uma escultura que néo quer representar nada fora dela. Ela simplesmemte ‘ocupa um espago, é um objeto tridimensional a mais no mundo, @ suas formas arredondadas criam jogos de luz ¢ sombra. * Carlos Drummond de Andrade, As impuresas do braneo, Rio de Janeiro, J. Olympio, 1976, p. 3. firea artistica ¢ cultural, também designa os des- bravadores, os que fazem o “reconhecimento do terreno”, os que ampliam 0 espago da line sagem amtistica através de experimentagdes. ‘a-vanguarda que rompe os estilos, que pro- poe novos usos do eddigo. Atrds dela vém os batalhdes, ou seja, os outros artistas, conside- rados seguidores e que formam as escolas. Nes le momento, o que era novo, o que constituia uma transgressio do cédigo, passa a ser, outra vez, o habitual, 0 cédigo consagrado. ‘Assim, a linguagem da vanguarda cultural attistica é sempre dificil de entender, E por isso que temos certa dificuldade em compreender as obras expostas nas bienais, os filmes de arte, 0 teatro experimental, a musica dodecafénica e ah hab Sp EAL F assim por diante, Todas essas obras instituem | lum novo repert6rio de signos e novas regras de | combinagdoe de uso. Leva algumtempo,e mui- | ta convivéncia com o mundo artistico, para do- @ wy ‘minarmos, ou seja, compreendermos os novos eédigos e as novas linguagens. A existtncia das vanguardas, no entanio, 6 imprescindivel & manuteng3o da fermentagio cultural. No campo das artes niio podemas falar em progresso. O conceito de progresso envolve idéias de methoria e ultrapassagem, absoluta- Construgao espago negativo, de N. Kasak. Esse 6 autro exempio de escultura abstrata que ilus- ~ tra a experimantacao na busca de novos usos do Miemie Extrinhes' a0 mislt atietico. A’ ares, do cédiga artistico. Essa obra, em ver de trabalhar século XX nfio é melhor nem pior que a arte gre- com 0 volume, trabalha com os espagos vazios ga ou renascentista. E apenas diferente, porque criades pela modelagem do met responde a questdes colocadas pelo homem e pela cultura atuais, Os artistas de vanguarda sto cexatamente aqueles que levantam essas questies ‘antes que a maior parte da sociedade as tenha percebido ¢ respondem-nas trabalhando a lin- ‘guagem ca forma sensivel de suas obras. ‘Como se pode fazer essa anilise? Sem querer fornecer um receitusrio, 6 possfvel tragarmos algumas balizas para uma andlise que respeite individualidade de cada obra, Em primeiro'lugar, precisamos fazer um Jevantamento da forma, em termos descritivos. Para isso, no entanto, é necessério conhecer ‘gumas coisas fundamentais das linguagens ar- tisticas. Por exemplo, a linguagem teatral dife- re da linguagem cinematografica. Assim, se formos analisar um espeticulo teatral, vamos precisar, antes de mais nada, saber 0 que cat teriza a linguagem especifica do teatro. Em seguida, precisamos descrever a obra em nivel denotativo, isto é, a partir do que real- mente vemos ou ouvimos, Por exemplo, antes de percebermos que s¢ trata do afresco Ultima ceia, de Leonardo da Vinci, nds vemos, repre- Sentados na parede, treze homens atrés de uma mesa, de frente para nds, agrupados trés a trés, exceto a figura central, com tal tipo de indumentéria, fazendo tais gestos ete. Essa des- erigio dos signos que-aparecem na obra © de 3. O conteudo A interpretagiio da obra de arte, ou seja, a atribuigio de significados pelo espectador, como vimos nos Capitulos 38 e 39, se dé em varios niveis. O primeiro nivel é odo sentimen- to, que jé foi discutido. Sentir em unfssono com obra, deixar que ela nos leve ¢ enleve, seguir seu ritmo interno, é 0 modo préprio de decodificagio que se d na experiéncia estéti- ca, Esse sentimento apresenta-se como uma unidade no dissociivel da experiéncia, isto é, ele 86 pode acontecer na presenca da obra. O segundo nivel de interpretacio se dé através do pensar e envolve andilise cuidadosa da obra, como se combinam € muito importante, pois vai nos fornecer dados para estabelecermos re- lagBes que no estio tio aparentes, mas que se encontram implicitas na obra. Por isso € im- prescindivel que fagamos uma descrigiio deta- Ihada e cuidadosa, a mais completa possfvel. Finalmente, como na leitura de um livro, vamos levantar os significados conotativos de cada signo € dos signos combinados entre si. No momento em que se coloca uma figura so- bre um determinade fundo, em que se combi- nam determinadas cores ou sons ou formas, em que se associa uma musica a uma imagem, 0s significados de cada signo vo sendo alte- rados pelos significados dos outros signos, formando um espesso tecido de significagdes que se cruzam ¢ entrecruzam. No levantamento dessas conotagdes, precisamos sempre levar em conta a época e 0 lugar em que a obra foi criada, Por exemplo, no Renascimento 0 unicdmio simbolizava a virgindade. Se desconhecermos esse fato, a interpretagiio de uma obra do periodo em que aparega esse simbolo serd deficiente. Por ou- tro lado, além desse significado conotativo cristalizado, podemos encontrar outros signi- ficados a partir da perspectiva da nossa &po- ca. Assim, para podermos penetrar a signifi- cagio mais profunda de qualquer obra de arte € necessdirio que tenhamos conhecimentos de historia geral, de hist6ria da arte e dos estilos, da histéria dos valores ¢ da filosofia da época em que a obra foi criada, para podermos situ4- a no seu contexto, Precisamos, também, estar engajados no nosso tempo para padermos per- ceber 0 que a obra nos diz hoje, E por isso que dissemes, nos Capitulos 37 e 38, que aarte nos traz o conhecimento de um mundo no somente 0 conhecimento de uma obra. A arte instaura um universo de sig- nificagdes que jamais € esgotado e que ultra- passa em muito a intengiio do autor. Esque- maticamente, podemos representar esse pro- cesso da seguinte forma: universo de significagdes poss!- de uma obra mos impor a ola Para terminar, vamos dar um exemplo de como fazer uma das leituras analiticas pos- siveis de um poema de José Lino Griinewald. forma reforma disforma transforma conform informa forma E um poema concreto, portanto sua for- ma visual tem tanta importiincia quanto a for- ma sonora, O que vemos? Sete palavras postas de maneira a formar um hexiigono, na medida em que a primeira palavra tem 5 le- tras; a segunda, 7; a terceira, 8; a quarta, 10; a quinta, 8; a sexta, 7; ¢ a sétima, 5 outra vez, Existe, portanto, um movimento crescente se- guido por outro decrescente, Vemos, ainda, que a palavra base FORMA se desloca para a direita até atingir a metade do poema e, em seguida, volta & sua posi inicial, no cixo direita-esquerda. No eixo superior-inferior, a mesma palayra apresenta correspondéncia in- vertida de posicdes, como se puséssemos um espelho sobre 0 eixo. Quanto aos prefixos utilizados, formam um losango, descrevendo o mesmo movimen- to erescente e decrescente do poema. Em ni- vel de contetido denotativo, temos 0s signifi- cados imediatos das palavras: * forma: os limites exteriores da maté- ria de que € constitufdo um corpo: feitio, con- figuragio; também remete a molde; + reforma: formar de novo, reconstruir, corrigir, emendar, melhorar, aprimorar; * disforma: dis: separacdo, negagio (da forma); remete a deforma: alterar a forma, fa- zer perder a forma primi * transforma: dar nova forma, modifi- car, transfigurar, metamorfosear; * conforma: conciliar, harmonizar, ade~ quar, amoldar, acomodar-se, resignar-se, corresponder; + informa: comunicar, participar. Portanto, partimos de uma forma que ¢ corrigida, emendada, a ponto de se tornar dis- forme, de perder a forma primitiva. Hé, entio, a metamorfose, 0 aparecimento de uma nova forma (prefixo trans, “além de”). A partir daf, temos 0 processo de cristalizagiio. Acomoda- mo-nos ¢ resignamo-nos a nova forma, que seré comunicada, espalhada, compartilhada. ‘Chegamos ao ponto terminal do proceso: for- ma cristalizada. Ele também pode ser um novo inicio. No nivel do contetido conotativo, perce bemos que o processo descrito corresponde 20 processo de abertura ou ruptura de algo esta- belecido, que culmina numa deseoberta, numa transformagiio (processo de crescimento da forma), e termina no estabelecimento de ou- tro molde ou modelo, isto é, num fechamento. Esse processo tanto: pode se referir didatica- mente & descoberta de novas linguagens artis- ticas, ao processo da vanguarda que rompe os cédigos estabelecidos, mas acaba propondo Exercicios 1, Levante as idéias principais do texto base 2. Como povlemos caracterizar a informagio estética? 3. Como se chama atengao para a pripria ‘mensagem? 4, Qual é a fungao das vanguardas? 5, Por que € diffcil entender as obras de arte de vanguarda? 6. Oxque € imerpretar # obra no nivel do sen- timento? 7. O que & analisar a obra de arte? & Quais so os passos para se analisar uma obra de arte? 9. Por que a arte nos iraz:0 conhecimento de uum mundo? 10, Qualquer obra de arte pode servir para ‘exerefeios de interpretagio. Sempre que houver oportunidade (visitas a museus, acesso a reprodu- ges ou livros de arte, além de filmes, teatro ete.) procure cultivar essa prética, individualmente ou ‘em grupo (por ex. programando atividades desse tipo ¢ organizando, depois, debates sobre as im- pressdes de cada um), ‘outros que tendem ao fechamento, como pode se referir ao processo de crescimento da ser humano em geral. Cada vez que aprendemos uma coisa nova (seja no terreno intelectual, seja no afetivo). rompemos um molde, tenta- mos reconstruf-lo, corrigi-lo, até que ele muda tanto que passa a ser uma nova forma, Af ¢o- mega 0 proceso de nos acostumarmos com ela, de a mostrarmos aos outros, até que, fi- nalmente, ela se torna habitual outra vez (O que parecia uma brincadeira se enche de sentido, Torna-se belo. Ou, talvez, um grande “barato”, E nos emociona, nos enche de alegria, de satisfagao. E o sentimento de completude, Leia o texto complementar e responda ds ques- wes Has, IL. © que si ndo-pictérica” nessa posigo? nifica, no texto, “uma temdtiew Que fungio da arte esti presente 12. A que necessidade responde a obra de (Cézanne? 13. Explique a afirm: de costas para a paisagem’ “Mondrian almoga 14, A que necessidade responde a obra de Kandinsky? 15, Qual a posigio do autor do texto, Ferreira Gollar, sobre a arte abstrata? ‘Sugestiées para dissertacio Utilizando os conceitos do Capftulo 4, discuta ‘0s temas seguintes: ) A produgdo artistica, a construgdo da lingua- ‘gem € 0 proceso hist6rico ¢ social. 'b) Se uma linguagem s6 se desenwolve em fun- go de um projeto (como afirma Jean-Claude ‘Bemnardet), quais os projetos artisticos que estio sendo 3s pelo critico e pelo autor do texto “O que diza obrade arte"? ‘Sugesties para pesquisa e semindirio ©) Qual. projeto artstico da Renasoenga e como ‘se desenvolve a linguagem pictérica a partir dele? 4) Qual 0 projeto artistic da modernidade ‘como se desenvolvem as linguagens pict6ricas nes- te século? Texto complementar O que diz a obra de arte ‘No faz, muito tempo, li num jovem eritico que a pinture é 0 meio menos apropriado para se dizer alguma coisa. Ele criticava um pintor, jovem também, que tomara como tema de seus quadros figuras e fatos da vida politica brasileira. Quer dizer, 0 critico argumentava contra a adogio pelo pintor de uma temitica ndo-pictérica ou extrapictérica, nao sei como ele a definiria, E um ponto de vista e, como no conhego os quaciros do referido pintor, nao posso dizer se, no caso particular, 0 Critic tinha ou nao raziio. Mas o principio geral sobre que baseava a sua critica me parece discutivel, Se arte € 0 meio menos apropriado para dizer alguma coisa, isso significa que a arte nao diz nada? E uma tese inaceitavel, Mas ndo vamos nos valer de uma formulagdo possivelmente infeliz para atribuir ao critico o que ele talvez nao tenha queride dizer. E nao se trata aqui de armar uma discussao pessoal. O que importa ¢ a concepeao implicita na tese, Admitamos que seu propésito foi apenas afirmar que a arte no pode cingir-se a uma tematica explicita, e essa é uma questo que volta a baila. Nao resta duivida que 0 caminho percorrido pela arte nos dltimos cem anos tendeu preponde- rantemente & eliminagdo do tema, a comegar pelo tema literdrio: as cenas mitol6gicas, alegéricas ou histéricas foram banidas da pintura pelo impressionismo. O artista se voltou para a realidade obje var as paisagens e as cenas da vida moderna. Esse defrontar-se com o presente é um defrontar-se com 0 devenir: Degas capta os gestos das bailarinas que dangam, Monet capta a luz cambiante da paisagem. E uma pintura onde nao h4 heréis, nao ha histéria, ndo hé mitos: o artista elabora as sensagdes que Ihe chegam do mundo que ele vé. ‘Cézanne sentiu a necessidade de fundar essas sensagdes em termos permanentes, de criar um novo espago pietérico como haviam feito os mestres do Renascimento. Mas no um espaco idealiza- do come o deles: um espago ambiguo capaz de conter as contradigdes que a experiéncia direta Ihe revelava — um espago, por assim dizer, arrancado as coisas. E essa visdio da natureza vai gerar 0 cubismo que, partindo dela, termina por negé-la: idealiza-a, desarticula os volumes em planose abre caminho para a abstragao geométrica. Surge em seguida Mondrian para quem, na natureza, 56 hd dois ritmos fundamentais —o vertical e 0 horizontal. O impressienismo, que negara as formas idealizadas, gera desse modo 0 seu contrério: Mondrian almoga de costas para a paisagem. Os retngulos assimetricamente distribuidos do: pintor holandés nao lembram nem de longe as ndiades e odaliscas da pintura académica, mas esto, como elas, desligados da experiéncia cotidiana das pessoas. Ha, porém, uma diferenga fundamental: Mondrian reduz a expressdo de seu idealismo a0 sensorialmente pereebido. Por outros caminhos, Kandinsky chega também & eliminagdo de qualquer referGncia A realida- de objetiva, O primeiro quer exprimir a esséncia da natureza; 0 segundo, a espiritualidade do ho- mem. Em ambos esta a pressuposigao de que a representagio das coisas e dos seres ¢ um empecilho A expressdo da verdadeira realidade, Essa atitude ideolégica em face do real suscita uma série de questées. Existe uma “verdadeira realidade” ou a realidade ¢ um incessamte transformar-se? A esséncia pode ser upreendida se se climina a aparéncia? As formas ditas abstratas tém algum significado imanente? E, se tém, € poss{- vel articuld-las numa linguagem capaz de exprimir, de modo cada vez mais rico e profundo, as ““verdades” subjacentes? Durante mais de cingiienta anos os artistas e os tedricos da arte debateram-se com essas ques- Wes €, do que eu saiba, nao conseguiram respondé-las, A linguagem das formas abstratas por sua vez — quer seja a mondrianiana quer seja.a kandinskiana — nio se mostrou capaz, daquele enrique- cimemto. Pelo contrério, no curso das décadas, essa linguagem enveredou por um caminho de pro- gressiva aulodestruigao. Os representantes mais conseqientes de ambas as tendéncias, em sua fase final, voltaram-se para a aplicag3o pritica de suas experiéncias expressivas: uns no campo da indiis- tria, outros no da terapéutica ou da investigagao psicolégica Agora pergunto: cabe, em nome de qualquer destas tendéncias, negar ao artista de hoje a busca de uma linguagem referencial? E a busea dessa linguagem implica inevitavelmente o rebaixamento da qualidade anistica? S6 por mero dogmatismo se poderia garantir que sim, Vejamos agora a questio sob outro enfoque. Afirmar-se que a arte € 0 meio menos indicado para dizer alguma coisa implica uma definig&o da linguagem artistica, segundo a qual esta lingua- gem € um universo fechado que se alimenta exclusivamente de si mesmo. Essa definic3o aparece como verdadeira se se concebe a linguagem da arte (ou qualquer outra) como um sistema desligado do processo global da histéria e do espago social. E certo também que, em determinados perfodos numa considerdvel parte de sua utilizagio, a linguagem funciona aparentemente como um sistema fechado. Digo “aparentemente” porque as rafzes da linguagem estio de tal modo mergulhadas na experiéncia que temos do real que, a rigor, seria impossfvel dizer onde termina uma e onde comega 0 outro, Podemos definir o Ambito da linguagem em termos de sistema (elementos, relages, principios et.) mas no em termos de expresso, Ea linguagem da are se empobrece, se scademiza, precisa mente na medida em que o sistema prepondera sobre a expressao: a linguagem “se fecha”. exemplificar: quando os impressionistas descobrem a possibilidade de captar a expresso eae das coisas expostas a luz do sol, rompem os limites do sistema da linguagem pict6rica para fazé-la abarcar uma nova dimensio do real; quando Seurat tenta metodizar a aplicacao das descobertas ex- pressivas de seus antecessores, a linguagem se submete ao sistema, em detrimento da expressio. Uma nova ruptura se d& com Van Gogh, em quem de novo a expressiio supera o sistema estabeleci- do. E esse processo de “ruptura” se verifica mesmo no interior da obra de um mesmo artista, de ‘quadro para quadro, &s vezes quase imperceptivelmente, pois € ele o indicio de que a linguagem est viva, de que a.arte “fala”. Noutras palavras: a linguagem pictérica, como qualquer outra, sé € lingua- gem porque é sistema e por isso hd nela uma natural tendéncia a fechar-se em seus limites; por outro Tado, ela $6 € linguagem porque é expressio e por isso hé também nela uma tendéncia natural para romper o sistema, Essa contradigZo interna, dialética, da linguagem revela sua ligagdo profunda com © conjunto do processo da realidade. A sua autonomia existe, mas é relativa. ele nfo pretende afirmar que a arte no diz nada, mas que ela diz sistema, E mais, ele considera que esse sistema inclui tudo, ou seja, linguagem da arte; o mais que se pretenda dizer com essa linguagem Considero muito compreensfvel que hoje no Brasil alguns criticos se vejam levados a uma posigio como essa. No fundo, se trata de uma posi¢ao que busca defender o esseneial, depois de um perfodo (se € que jai passou) em que as limites do sistema da linguagem artistica foram amplamente rompidos e se adotou a atitude de afirmar que a prépria linguagem da arte era uma forma de repres- silo, A partir dai, tudo € expressio e tudo 6 arte; isto é: nada é expressdo e nada é arte. Nio estou aqui para defender a arte como instituigdo a ser preservada a qualquer prego. Nada é menos (ou deve ser) institucional que a arte. Mas, se se destrdi o sistema da linguagem — que no foi criado por decisdo de nenhuma autoridade mas por uma necessidade real de expressdio e comuni do —e se pretende substitus-lo pela valorizagio de meras atitudes e especulagdes arbitrérias, no se ganha nada, no se cria nada, nao se ajuda a ninguém. Trata-se de uma posi¢o “libertéria”, de fundo niflista, que confunde os valores ¢ prejudica os verdadeiros artistas, Hi que compreender, porém, que tal fendmeno é produto de uma crise geral da arte contempo- nea que se reflete de maneira aguda nos passes culturalmente dependentes como 0 nosso. Creio. no entanto, que a atitude corretaem face de tal fendmeno no é a defesa do purismo artistico, jé que esse purismo est na raiz mesma da crise. Quando Mondrian e Kandinsky dio as costas & realidade © buscam formas idealizadas para se exprimirem, niio se tornam os profetas de uma arte futura — como se disse e se repetiu muitas vezes — mas os profetas do fim de uma arte que se nega a exprimir as relagdes concretas da vida. ‘Femreira Gullar, Sobre arte, Rio de Janciro, Avenir, 1982, p. 9-13.) CONCEPCOE ESTETICAS A Idade Média tinha tanta nogdo de que entendemos pelo termo arte quanto a Grécia ou 0 Egite, que careciam de uma palavra para exprimi-lo, Para que essa idéia pudesse nascer, foi preciso que se separassemt as obras de arte de sua funcdo. (...) A metamorfose mais profunda principiou quando a arte jd ndo tinha outra Jfinalidade sendo ela mesma, © conceito de belo, como ji dissemos no Capitulo 37, é eminentemente hist6rico, Cada época, cada cultura, tem 0 seu padrio de beleza proprio. J4 houve até quem dissesse ‘que “gordura ¢ formosura” Da mesma forma, as manifestagdes ar- tisticas tém sido bastante diversas e, por ve- ves, até deseoncertantes no curso da histéria. Essa diversidade se deve a varios fatores, que 0 do politico, social econdmice até 0s ob- jetivos artisticos que cada época ou cultura tem se colocado. ‘Ao longo dos séculos, surgiram vérias ‘correntes estéticas'que vieram a determinar nio s6 as relagdes entre arte e realidade, mas, mais importante ainda, o estatuto e a fungio da obra de arte. Discutiremos aqui algumas dessas cor- portantes que marcaram a pro- dugio artistica, sendo, por isso, fundamentais para a compreensio da histéria da arte, 1. O naturalismo grego Conceito de naturalismo (© naturalismo constitui uma nogio fun- damental que marcou profundamente toda a arte ocidental desde a Grécia Antiga até o fi- nal do século XIX. © naturalismo, segundo Harold ‘Osborne, pode ser definido como a ambiglo a a (André Malraux) de colocar diante do observador uma seme- Thanga convincente das aparéncias reais das coisas. A admirago pela obra de arte, dentro dessa perspectiva, advém da habilidade do ar- tista em fazer a obra parecer ser 0 que nio €, parecer ser a realidade e ndo a representago, Dentro da atitude naturalista, podemos distinguir algumas variagdes, dentre as quais as importantes so o realismo ¢ 0 idealismo, realismo mostra @ mundo como ele é, nem melhor nem pior. E caracteristico, por exemplo, da arte renascentista do século XV. 140 idealismo retrata o mundo nas suas condigées mais favordveis. Na verdade, mos- tra_0 mundo como descjarfamox que fosse, melhorando aperfeigoando o real. E 0 pa- dro da arte grega, que nio retrata pessoas reais, mas pessoas idealizadas. Foram os gre- 20S que elaboraram a teoria das proporgies do corpo humano. A ruptura com a atitude naturalista corre na segunda metade do século XIX com os impressionistas, que passam a dar primazia as variagdies da luz e niio aos obje- tos representados, Essa mudanga de atitude se deve, em parte, a0 aparecimento do “bisavo” da méqui- na fotogrifica — o daguerrestipo —, que fixa as imagens do mundo de forma mais ripida e mais econdmica do que a tela pintada. Assim, os artistas, principalmente os pintores, ram de repensar a funcio da arte € 0 espago especifico da pintura O naturalismo na arte grega Na Grécia Antiga nio havia a idéia de artista no sentido que hoje empregamos, uma vez. que a arte estava integrada a vida, As obras de arte dessa época eram utensifios (va- sos, finforas, copos, templos ete.) ow instru mentos educacionais. Assim, o artifice que os produzia era considerado um trabalhador ma- nual, do mesmo nivel do agricultor ou do ferramenteiro. Ele era um jo numa soc dade em que o trabalho manual era considera- do indigno. Nesse periodo (sée. Ve IV a.C.) foram desenvolvidas técnicas cuja principal motiva- io era produzir cépias da aparéncia visivel coisas. A fungio da arte era criar imagens de coisas reais, imagens que tivessem aparén- cia de realidade. Ha vérias anedotas que ilustram bem isso, embora poucos exemplares da pintura grega tenham chegado até nés. Dizem que Apeles pintou um cavalo com tanto realismo ‘que cavalos vivos relincharam ao vé-lo. Outra histéria conta que Parrisio pintou uvas to reais que passarinhos tentavam bicé: Na verdade, talvez essas pinturas $6 pos- sam ser consideradas realistas em relagao & estilizagdo da pintura que a precedeu ou &pin- tura egipcia, por exemplo. Por outro lado, te- mos de admirar a fidelidade anatémica das esculturas gregas, tais como a Vitdria de Samotrécia e 0 Disedbulo. Essa atitude perante a arte estd fundada sobre © conceito de mine: Embora mimesis seja normalmente traduzida por “ (sée, V a.C,), no Crdtilo, as palavras “imitam” a realidade. Neste caso, a tradugio mais cor- reta para mimesis talvez fosse “representar’ no “imita Para Aristételes (séc. IV a.C.), a arte a natureza. Arte, para ele, no entanto, englobava todos os offcios manuais, indo da agricultura a0 que hoje chamamos de belas- artes, Assim, a arte, enquanto poiésis, ou seja, “construgiio”, “criagdo a partir do nada”, “pas- sagem do niio-ser ao ser”, i a natureza no ato de criar. Por outro lado, também aqui po- deriamos entender mimesis com 0 sentido de ' Aristueles, Politica, VI, Vitéria de Samotracia, Gréeia, séeulo IVa.C. Esta escultura, embora tenha perdido a cabega, é um exempla claro do naturalismo grego. Além do movimento do corpo e das roupas, percebem-se detathes sutis por baixo das vestes, como, por exemplo, a umbigo. ‘representar”. Para Arist6teles, “todos os off- cios manuais e toda a educacao completam o que a natureza njo terminou™'. Ainda segundo Aristételes, a apreciagdo da arte vem do prazer intelectual de recon cer a coisa representada através da imagem. Assim, ele resolve o problema do feio. O pr zer, no caso, nio vem do reconhecimento da coisa feia, mas da habilidade que o artista de- monstra ao representi-la, E no sentido de cépia ou reproducao exatae fiel que a palavea mimesis passa a ser adotada pela teoria naturalista, E as obras de arte, dentro dessa perspectiva, so avaliadas segundo 0 padrio de corregao colocado por Plato; “Agora suponhamos que, neste caso, ‘© homem também niio soubesse 0 que eram 08 vérios corpos representados. Ser-Ihe-ia possivel ajuizar da justeza da obra do artista? Poderia ele, por exemplo, dizer se ela mostra os membros do corpo em seu niimero verda- deiro e natural e-em suas situagdes reais, dis- postos de tal forma em relacio uns aos outros que reproduzam o agrupamento natural — para nao falarmos na cor ¢ na forma — ou se tudo isso estd confuso na representagio? Po- deria o homem, ao vosso parecer, decidir a questo se simplesmente nao soubesse o que era a criatura retratada?”™®, 2. A estética medieval e a estilizagéo Na Europa ocidental, durante a Idade Média, ndo houve grande interesse pelas artes que, como coisas terrenas ligadas & cultura agi, poderiam prejudicar o fortalecimento da alma e do espirito. Entretanto, em virtude do analfabetismo mais ou menos generalizado das populacoes dos feudos, a Igreja utiliza-se da pintura ¢ da escultura para fins didaticos, ou seja, para en- sinar a religifo e infundir © temor do julga- mento final e das penas do infemo. As obras de arte assumem a condigdo de simbolos que manifestam a natureza divina e canalizam a devogio do homem para o deus supremo. or isso, a postura naturalista é abando- nada em prol da estilizacdo, isto é, da simy ficagio dos tragos, da esquematizagio das fi guras e do abandono dos detalhes individuali zadores. A estilizagdo responde melhor a ne- cessidade de universalizacao dos princfpios da religidio crista. ‘Aarte bizantina do mesmo perodo mos- tra extraordindria homogeneidade a partir de sua codificagdo, no século VI, até a queda de Constantinopla em 1453. Preocupada com a expressio religiosa e com a tradugao da teolo- gia em forma de arte, a Igreja Ortodoxa bi- zantina padroniza a expresso artistica, abo- lindo a representagao tridimensional em pin- turas e mosaicos, preferindo as figuras chapadas, cujas vestes eram representadas por Jinhas sinuosas (ver a reprodugao do mosaico da igreja de Sdo Vital, Ravena, no Capitulo 13— A cigncia medieval). } Plato. Leis, 668. Mantidas suas caracteristicas préprias, tanto no Ocidente quanto no Império Bizantino prevalece a idéia de que a beleza no é um valor independente dos outros, mas que é orefulgirda verdade no simbolo, A obra de arte, assim, permite-nos alcangar a visio direta da perfeigao da natureza divina. Desse ponto de vista, a beleza é uma qualidade mais bem apreendida pela razo do que pelos senti- dos, € corresponde ao pensamento religioso dessa época, marcado pelo desejo de ascender do mundo sensual das sombras, das aparén- cias, & contemplagao direta da perfei¢ao divi- na (ver Tereeira Parte do Capitulo 10). Santo Agostinho Santo Agostinho, ao tratar da ordem e da miisica, considera o nimero como medida de comparagio que leva A ordenagao das par- tes iguais dentro de um todo integrado e har- monico. O conceito de beleza, enquanto ordena- ‘so dos objetos ao que deve ser, pressupée um conceito anterior da ordem ideal, dado por ilu- minaco divina, E esse mesmo conceito que fundamenta a objetividade do julgamento da beleza, donde se podem criar normas para a produgae do belo. Santo Tomas de Aquino Cabe a Santo Tomas de Aquino (séc. XIII) retomar o pensamento de Aristételes e recuperar 0 mundo sensfvel que havia sido considerado fonte de pecado durante quase toda a Idade Média, Se € criagdio de Deus, 0 mundo ter as marcas de sua origem ¢ serd a -encarnagio simbélica do logos divino, Pode, assim, ser objeto de nossa atengAo ¢ interpre- lagdo. Para Santo Tomds, a beleza é um dos aspectos do bem: “A beleza e a bondade de uma coisa so fundamentalmente idénticas”. A beleza € 0 aspecto agradavel da bondade, pois 0 belo é agradivel A cognicao. Santo Tomés estabelece trés condigies para a beleza: + integridade ou perfeicdo, uma ver que os objetos incompletos ou parcialmente destruldos so feios; « devida proporcdo ow harmonia entre as partes ¢ entre 0 objeto e 0 espectador; * claridade ou luminasidade, ou seja, resplandecer da forma em todas as partes da matéria, 3. O naturalismo renascentista © Renascimento artistico, ocorrido en tre os séculos XIV ¢ XV na Europa, passa dignificar o trabalho do artista a0 clevé-lo & condigao de trabalho intelectual, Conseqtien- temente, a obra de arte assume um outro lugar na cultura da época, Nesse contexto, as artes vao buscar um naturalismo crescente, mantendo estreita re~ Iago com a ciéncia empirica que desponta na Epoca € fazendo uso de todas as suas desco- bertas e claboragées em busca do ilusionismo visual. Assim, a perspectiva cientifica, a teo- ria matemética das proporgdes, que possibili- tam a criagio da ilusia da terceira dimensio sobre uma superficie plana, as conquistas da astronomia, da botinica, da fisiologia ¢ da anatomia sto incorporadas as artes. Osborne distingue seis principios funda- mentais que dominaram © ponto de vista re- nascentista no terreno da estética: 1. A arte € um ramo do conhecimento e, portanto, criagdo da inteligéncia. 2. A arte imita a natureza com a ajuda das ciéncias. 3. As artes plésticas € a literatura tém propésito de melhoria social e moral, aspiran- do ao ideal. 4. A beleza é uma propriedade objetiva das coisas e consiste em: ordem, harmonia, proporgio, adequacdo. & harmonia expressa- ‘se matematicamente. 5. As artes alcangaram a perfeigao na Antiguidade classica, que deve ser estudada. 6. As artes esti sujeitas a regras de perfeicao racionalmente apreensiveis que po- dem ser formuladas ¢ ensinadas com precisio. ‘Aprendemo-las pelo estudo das obras da An- tiguidade. 4. tu smo e academismo: a estética normativa Descartes (séc. XVII) niio elaborou uma teoria estética, mas seu método conclusbes ‘em relacdo teoria do conhecimento foram decisivos no desenvolvimento da estética neocldssica. ‘A busca da clareza conceitual, do rigor dedutivo e da certeza intuitiva dos princpios basicos invadiu © campo da teoria da arte. ‘Combinaram-se elementos cartesianos € aristotélicos nos conceitos polissémicos, isto &, com muitos sentidos, de razio natureza. Artistas ¢ criticos identificaram o seguir ana tureza com 0 seguir a razdo, wina vez que & natureza do homem é ser racional. ‘Assim, o racionalismo estético, nos sé- culos XVII e XVIII, tentou estabelecer nor- mas sélidas para o fazer artistico, mediante a dedugiio de um axioma fundamental ¢ eviden- te por si mesmo, Esse axioma pode ser expres- so nos seguintes termos: a arte € uma imi gdo da natureza que inclui 0 universal, 0 normativo, 0 essencial, o caracteristico ¢ © ideal, A natureza deve ser representada em abstrato, com as caracteristicas da espécie. O principio bésico da arte, portanto, continua a ser a imitagiio, embora de cunho idealista. Posteriormente, esses principios foram reduzidos a um sistema, dando origem 20 academisme, isto é, ao classicismo ensinado pelas academias de arte. E a chamada estética normativa, que estabelece regras para o fazer artistico, limitando a criatividade e a indivi- dualidade da intuigdo artistica, ‘© academismo acaba por estrangular a vida da atitude naturalista na arte, abrindo es- pago para indagagOes e propostas novas. 5. Kant e a critica do juizo estético Na Critica do jutzo, elaborada em 1790, Kant se ocupa, em primeiro lugar, do julga- mento estético, expressando de maneira légi- ca muitas das idéias e doutrinas dos estetas ingleses do século XVIII modelando-as den- tro de um sistema coerente. ‘Comegou por distinguir a base logica do juizo estético da base Idgica dos juizos sobre outras fontes de prazer e da base dos juizos de utilidade e de bondade. Estabeleceu, também, a distingao entre pereepgdo estética e formas de pensamento conceitual (belo é 0 que agra- da independentemente de um conceita), indo contra a estética cartesiana ¢ racionalista, A seguir, dividiu a beleza em duas espé- cies: a beleza livre, que nao depende de ne- nhum conceito de perfeigao ou uso; e a beleza dependente, que depende desses conceitos, Os juizos estéticos esto relacionados com a pri- meira espécie de beleza, A partir do conceito de prazer desinte- ressado, Kant diferencia os jutzos estéticos dos juizos motais, dos jufzos sobre a utilida- de ¢ dos jufzos baseados no prazer dos senti- dos. A experiéncia do belo se da no sensivel € independe de qualquer interesse de outro tipo, “O gosto é a faculdade de julgar um objeto ou um modo de representacio por uma satisfagdo ou insatisfagdo inteiramente independentes do interesse. Ao objeto dessa satisfagdio chama-se belo.” Assim, para Kant, a beleza reside primordialmente na atitude desinteressada do sujeito, em relago a qual- quer experiéncia, O que garante a universali- dade dos juizos estéticos € o fato de que to- dos os homens tém a mesma faculdade de julgar, assim como a razo também ¢ idénti- ca para todos, 6. A estética romantica As idéias fundamentais da estética ro- mintica, desenvolvida a0 longo de um século (meados do sée, XVII a meados do sée. XIX) ‘na Europa, podem ser resumidas pelas expres- sbes génio, imaginagdo criadora, originalida- de, expressio, comunicagdo, simbolismo, emocao € sentimento, ‘A nogao de génio, como dom inte- Jectual e espiritual inato, liga-se em especial a figura do artista, que passa a ser apresentado ‘como possuindo profunda compreensio da suprema realidade, Assim visto, o génio era essencialmente original © expressava sua natureza superior através de obras por cujo intermédio os homens comuns entrariam em contato com ele € comungariam com a sua personalidade, ‘A imaginagdo, por sua ver, passou aser vista como faculdade captadora de verdade, -acima ¢, 3s vezes, superior 8 razio € ao enten- ento, sendo um dom especial do artista. Era, ao mesmo tempo, criadora e reveladora da natureza, dentro de uma visio romantizada do idealismo transcendental kantiano que cir- cunscrevia a forma da experiéncia & capaci- dade configuradora da mente (ver Terceira Parte do Capitulo 10). E a imaginag’o que nos permite com- preender os sentimentos dos outros e comuni- car-Ihes os nossos. Pelo seu poder de recom- binar impressdes sensfveis e dados da expe~ rigncia, é fonte de invengda e originalidade. O conceito romintico de imaginagao.criadora no era, como vernos, um conceito psicoldgi- co ¢ jamais foi claramente definido. ‘Quanto ao simbolismo, no periodo ro- miintico adquire especial relevancia a idéia de que aobra de arte é um simbolo, é aencamacao material de um significado espiritual. Enfim, o romantismo concebe a arte como expresso das emogées pessoais de um artista cuja personalidade genial se torna o centro de interesse. 7. Aruptura do naturalismo. A revolugio estética iniciada no século XVIII, quando se propés a atengao desinteres- sada como marca da percepgio estética ¢ © sentimento como forma de cognigao, foi com- pletada nos tltimos cem anos, pasando a apreciagdo estética a ser o Gnico valor das obras de arte. ‘Nas palavras de André Malraux, erftico francés deste século, “a Idade Média tinha tan- ta nogdo da que entendemos pelo termo arte quanto a Grécia ou o Egito, que careciam de uma palavra para exprimi-lo, Para que essa id€ia pudesse nascer, foi preciso que se sepa- rassem as obras de arte de sua fungdo. (...) A metamorfose mais profunda principiow quan- do a arte jé nfo tinha outra finalidade sendo sla mesma”, Lessa independéncia da obra de arte tan- to em relago a intengio do autor quanto a va- lores e propésitos ndo propriamente estéticos que vai caracterizar:a produgdo do século XX. ‘A partir do momento em que o ser da arte no é representar naturalisticamente 0 mundo, nem promover valores, sejam eles so- cciais, morais, religiosos ou politicos, € possi- vel encontrar a especificidade da arte enquan- \o promotora da experiéncia estética. 5 André Malraux. Les voix du silence, apud H. Oshorne, Estéricae teoria da arte p.248. ‘Ao lado disso, encontramos o repiidio & estética sistemética ¢ um certo ceticismo quan- tos possibilidades de definigo da beleza, A nova atitude estética advém do estado de espirito cauteloso, empirico e analitico que nao quer generalizar, mas que se mantém atento as caracteristicas individuais de cada forma de arte. Isso Vai possibilitar a cada uma empreender experimentages, na busca da sua linguagem especifica e caracteristica, como vimos no Capitulo 40, quando discutimos o papel das vanguardas, Com a dissolugio da atitude naturalista, 05 artistas passam a menosprezaro assunto ou tema das suas obras para valorizar o fazer a obra de arte, Qualquer assunto serve, ou mes- mo nenhum assunto, como é 0 caso da arte abstrata e da miisica atonal. Cabaga, de Pablo Picasso, 1910. Embora ainda conserve alguns tragas que nos permitem iden- tificar esta escultura como representando uma cabeca humana, ela ests muito fonge da fideli- dade naturalista que vimos na figura anterior. Hi inimeras deformagées que emprestam novos significades @ esta realidade instaurada pela existéncia da obra, Assim, a obra de arte adquire um esta luto proprio de obra, isto & ela ndo tem por fungdo representar nenhum aspecto da reali- dade exterior, pois ela ¢ a propria realidade. a Realidade especial, diferente da realidade do nosso cotidiano, Realidade de obra de arte. ‘Apesar de essa ruptura ter condicionado praticamente toda a producdo artistica deste século, a postura naturalista continuou a pre- dominar em outros campos, principalmente nos meios de comunicagzio de massa, como a tevé, o cinema, o ridio, Tomemos, por exemplo, a televisio. Considerando a programacio televisiva, per- ‘cebemos que toda ela tem por objetivo eriar uma ilusiio de realidade e, mais do que isso, fazer-nos acreditar nessa realidade eriada. As telenovelas, os telejornais, os programas de ‘auditério querem nos convencer de que as coi- sas acontecem do jeito que nos esti sendo mostrado. Assim, a casa do trabalhador, da ‘empregada doméstica, os quais, todos sabe- mos, ganham pouco, tem méveis ¢ objetos de decoragtio bastante caros. Eles préprios usam roupas caras ¢ da moda, ¢ raramente apare- cem trabathando, Essa realidade mostrada na tevé nilo nos incomada, nfo nos perturba 0 lazer. Muito pelo contrdrio, nos diz que 0 mundo esté em ordem ¢ as pessoas, felizes. ‘As prdprias imagens do telejornal dio-nos a impressdo de que presenciamos os aconteci- mentos ao vivo, O que fica escondido € 0 fato de que, ao selecionar as imagens que vio ser mostradas, a0 corté-las, a0 monti-las numa determinada ordem, a produgio do telejornal (ji mutilou a realidade. j4 a interpretou e nos mostra 0 produto final manipulado como se fosse 0 fato em si. E o naturalismo a servigo. da ideologia dominante (ver a Primeira Parte do Capitulo 5), 8. 0 pés-modernismo Vivemos uma época de pés-tudo. A ve- idade da transmissio da informage na So- lade pds-industrial, dominada pelos meios de comunicagio de massa, pelos micro computadores, pelas miguinas de fax ¢ pelos satélites, faz. surgir uma estética adequada a esas condigdies de vida. © pés-modemismo, movimento inicia- do na arquitetura italiana dos anos 50, coloca- se como reacio a busca da universalidade racionilidade, propondo a volta do pasado através de materiais, formas ¢ valores simbs- licos ligados a cultura local. le THE PHOTO SOURCEREYSTONE Beaubourg, Centro Pompidou. Paris. O projeto arquiteténico pés-moderno desse museu de arte contemn- Pardnea torna-so evidente através da subversso operada pela exposigso extorna das entranhas construti- vas do edificio, com seus canas de Agua e condultes de eletricidade deixados & mostca, Da arquitetura, passa para as artes plis- ecletismo que permitem juntar-se as coisas icas (pop arte dos anas 50 ¢ 60), para a lite- mais variadas ¢ até mesmo antagénicas na Fatura (0 novo romance francés), para o tea mesma obra; pelo uso da parddia, discurso tro, com os happenings, as performances, até paralelo que comenta e,em geral, ridiculariza chegar is intervengdes* © discurso principal; pelo uso da meta- A estética pés-moderna caracteriza-se Jinguagem, isto €, da citagaio de outras obras: pela desconstrugdo da forma. No romance, pela ineorporagio do cotidiano ¢ da estética ho cinema, no teatro ndo ha mais uma histéria dos meios de comunicacdo de massa; peta ser contada ou personagens fixas. As coisas efemeridade, ov pequena duragio, de mui fio acontecendo, aparentemente sem ligagdes das suas obras, Nio existe um estilo tinico, ‘ausais. Caracteriza-se ainda pelo pastiche © tudo vale dentro do pés-tudo. Exercicios 1. Qual a relago entre naturalismo-e iusto 3. Qual a importincia dos estilos do pasado, do corp sreo? ou seja, da propria histéria da arte da arquite moderna 2. Por que o impressionismo pode ser consi derade como « princiro passe da dissolugio da vi 4. Por que a arquitetura pés-moderna niio € slic naturalista em arte? un Spin do que ji existiu? is xem um texto definido, que se coe: speticulos, sejam de teatro on de msi, que se utifizam de varias lin Bes anfsticns que interferen na v * Happenings sio.osespeticulos ta intervengies xo as mani: Textos complementares I [O naturalismo] George Schmidt, procurando definir o conceito pict6rico do naturalismo, enumerou em seis os seus elementos constitutivos: a ilusdo das corpos, a ilusdo do espago, a iluso da matéria, o acabado desenho do pormenor, a justeza das proporgdes anatémicas e da perspectiva ¢ a exatiddo da cor dos objetos. O diretor do Museu das Belas-Artes de Basiléia diz: “A histGria da pintura européia, de Delacroix a Picasso, niio € outra coisa, precisamente, sendo o desmantelamento progressive do natu- ralismo” (Histoire de la peinture moderne, t. 11). Com efeito, s6 a pintura ao ar livre liquidou com és dos componentes do naturalismo: 0 acabado dos detalhes, a ilusao da matéria ¢ 0 absoluto da cor dos objetos, atingindo gravemente a ilusio do corpéreo. O impressionismo chega e, prosseguindo nas conquistas dos pintores ao ar livre, faz da luz solar o seu deus: a pintura tonal se esvai para dar lugar & descoberta fascinante dos contrastes diretos de cor. Manet ¢ scus ¢mulos tém também, pela primeira vez, contato com o produto de uma cultura inteiramente estranha aqueles parisienses provincianos — as estampas japonesas. A. frangueza do desenho destas ¢ os acondes exdticos de reas claras e escuras encantam Manet e amigos. Posterior- mente, essas estampas seriam apreciadas, sobretudo na geracdo p6s-impressionista, pelas superti- cies sem sombras.e pelas cores puras. Hoje € que sabemos admirar-lhes também, como acentuou Schmidt, o poder expressivo das linhas. As cores siio descobertas na sua pureza, ¢ 0 artistas percebem que, sempre carregadas de luz, ‘elas podem exprimir pelo contraste as intensidades mais claras, como faz o branco, Outra descoberta sensacional € que as sombras nido so absolutas. Podem ser dadas pela cor. Na decomposigao do cclaro-escuro que dessas descobertas resulta, © modelado dos objetos torna-se secundério, quando ndo desaparece. A tela é tomada pelas pequenas manchas de cor da nova fatura; o artista no respeita mais a parte do quadro destinada & perspectiva aérea. Tudo se colore, enquanto a cor local se evapo- ra. A cor natural é um fantasma que se dissolve, A transformagao do mundo visivel em cores representa o esforco mais grandioso, mais revolu- ciondrio, para superar 0 naturalismo, para libertar a pintura da escravidao da imitagio da natureza, para tomar independents os meios do artista (Schmidt), Os objetos naturais, sob a influéncia da cor, perdem sua existéncia particular, sua autonomia local, Cézanne veio destruir os dois tiltimos ante ‘ToS naturalistas: a ilusfio do espago sensorial e a corregio das proporgdes anatmicas e da perspect va que escaparam & avalancha impressionista, Nessa depuracdo, 0 mestre de Aix contou com a coo- peragiio espontiinea de Gauguin ¢ Van Gogh, Toulouse-Lautrec ¢ Seurat, A obra de destruigao esta- ‘va consumada, (Mirio Pedrosa, Arte/forma e personalidade, Sto Paulo, Kairés, 1979, p. 122-125.) IL [O pés-moderno] A arquitetura pés-moderna nao é, ainda, a arquitetura High-Tech, marcada exteriormente pelo ‘uso de elementos de construgio proprios das edificagdes industriais: tubulagdes de metal, como nas refinarias; safdas de ventilagdo, como nos navias. O centro cultural de Beaubourg, em Paris, pode ser considerado High-Tech, um caso da arquitetura moderna em seu ponto mais radical, algo como uma “méquina de habitar” exacerbada, ndo inteiramente accita na direa da edificagdo particular, mas admitida (ainda como um escndalo, tal uma Torre Eiffel de hoje!) nos dominios da edificagao pui- blica, Interiormente, o design High-Tech define-se pelo uso de méveis industriais e comerciais ou deles derivados: guarda-roupas que S20 0s médulos de ago dos vestidrios esportivos; mesas de ago como nos escrit6rios; estantes de ferro como as usadas nos almoxarifados industriais, ¢ 0 restante lixo, supérfluo ou salvados de faléncia dos empreendimentos comerciais. A novissima arquitetura livrou-se de tudo isso, ¢ de todos os estilos. Seu estilo préprio é uma espécie de neo-ecletismo: todos os elementos de significagao de todos os e6digos anteriores podem ser usados (citados, 6 a palavra pés-modema) numa mesma edificagdo; € o recurso & historiografia, Nao, porém, com o senso moderno de medida e comedimento que marcou o ccletismo da segunda metade do século XLX, mas com uma marca forte ¢ livre, de modo que os diferentes eédigos fiquem todos em evidéncia, uns ao lado dos outros. Charles Moore projetou (1976-1979) para a cidade de New Orleans uma das grandes obras da pés-modernidade arquitetural: a Piazza d'Italia, praga inte- rrior de uma ampla edifieagdo comunal. No centro circular da praga, um grande mapa da Itdlia grava- do no chlo, como um mosaico. © mapa se desdobra por entre fachadas (fachadas apenas, nada hi ‘por trds delas) que so reproduces de fachadas de grandes construcdes “antigas” nos estilos dérico, ‘corintio, compésito ¢ tascano, Mas ndo se trata de uma eépia tal qual, uma c6pia conforme ou con- formada: capitéis de colunas sio em metal reluzente, material que cobre mesmo toda uma fachada. Bases de colunas so pintadas de marrom e mostram-se como se tivessem sofrido um corte transver- sal, como se fossem ilustragdes de um livro vivo. A fachada central, a maior, tem colunas cuja parte superior do fuste, sob-o capitel, recebeu aplicagdes de néon vermetho (0 néon, simbolo pés-moderno revivido quatro décadas depois). E sio também frisos de néon que recortam ¢ ilustram 0 frontdo € a parte interior dessa fachada principal. Ha repuxos d’dgua e luzes coloridas por toda parte, ¢ cores vivas agitam as fachadas (mais ou menos as mesmas cores reais dos templos gregos da antiguidade, que nunca foram “classicamente” brancos como os representaram os movimentos classicistas € neoclassicistas europeus entre os séculos XV ¢ X VIM). Ecletismo, citagdo, fuga dos padrées habituais do bom gosto, mistura de elementos expressi- vos. “Volta” ao passado, mas sem submissdes a estilos-fonte, a estilos modclares. Nao é, na verdade, um simples retorno ao antigo, ndo se trata de mais um caso do "eterno retorno”, A linguagem agora a da decomposigéo (onde antes valera a composi¢do modernista, tio cara aos mestres modernos), linguagem da visdo contemporanea sobre 0 passado, Tudo isso somado ao uso de materiais de hoje e com “muita imaginacao”, pedra de toque do pés-modernismo. Tudo isto para escapar das caixas luzidias mas redundantes ¢ previsiveis, de concreto e vidro, tipicas da arquitetura moderna que to- mou de assalto o mundo todo, padronizando-o. Uma certa critica fala em retrocesso e diz que por tras de rétulos como neo, hiper, meta, o que existe mesmo ¢ 0 velho. Fala-se numa operagio de revival, de recuperacao do velho, um trabalho de exumugao. A realidade no bem essa. A pintura de Edward Hopper tem em comum com a obra dos pintores holandeses dos séculos XVII ¢ XVIII 6 que se poderia chamar de um certo realismo. Mas registro € outro. Absurdo dizer que Hopper exuma os flamengos, ou que o hiper-realismo & mero revival. Hiper-realismo, nova objetividade, verismo, precisionismo, realismo fotogréfico, pintura nazista da década de 30 € realismo socialista esto, de certo modo, numa mesma grande margem. Cada um, porém, com sua identidade propria, inconfundivel. © pés-moderno arquitetural recorre a estilemas, a tragos de estilo de eddigos em desuso. Mas a linguagem que combina esses signos € outra, € outros os materiais, Muda a expressiio, muda o signi- ficado, muda a significagdo global e final. E, depois, o passado nao é nem mesmo a opgio primordial dessa arquitetura: cla 6, antes de mais nada, inclusivista. O objetivo € alcangar uma codificagio plural, longe dos compromissos de ocasido ¢ dos pastiches nao-intencionais de alguns manipuladores mais limitados. Resultado: a complexidade e a contradigdo (para nfo dizer: a dialgtica) sfo seus tragos de base. Venturi, arquiteto e teérico do pés-modernismo avant da lettre, vé nesse, alids, o primeiro grande trago da pés-modernidade arquitetural quando comparada com a modernidade. 78 Ja Coelho Netlo, Modlerno e ps-modemo, Sio Paulo, LPM, 1986, p.72-75.)

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