Você está na página 1de 28
DISS{DIO COLETIVO Indalécio Gomes Neto") |, NATUREZA DA AGAO DE DISS{DIO COLETIVO A agao de dissidio coletivo 6 uma das formas de solugdo dos conflitos co- letivos de trabalho. O sistema é jurisdicional, pois cabe a um érgao do Poder Ju- diciario decidir das questées concernentes ao dissidio coletivo. No dissidio individual sdo ventiladas questdes que dizem respeito, imedia- tamente, aos interesses concretos de uma pessoa ou de varias pessoas, ao pas- 80 que no dissidio coletivo estéo em discussao interesses abstratos de um gru- po ou uma categoria, Nos dissidios coletivos se pleiteia, de regra, a criagao de no- vas condigées de trabalho enquanto nos dissidios individuais plirimos se pleiteia a aplicagdo de normas preexistentes. Enfim, no dissidio coletivo de natureza econémica o Tribunal pode estabe- lecer normas e condigées de trabalho, aplicaveis aos contratos individuais de tra- balho, no ambito da representagdo das partes envolvidas no dissidio, enquanto no dissidio individual se aplica o direito preexistente a uma situagao concreta. O dissfdio coletivo tanto pode ser de natureza econédmica como de nature- za juridica. E de natureza econémica quando visa a estabelecer normas e condi- des de trabalho, ¢ de natureza juridica quando tenha por fim dirimir alguma con- trovérsia sobre norma preexistente, com efeito normativo para toda a categoria pro- fissional e econémica envolvida no dissidio, como, por exemplo, a interpretagéo de clausula de uma convengdo ou acordo coletivo, estabelecendo o real significa- do desta. © dissidio coletivo que tem por finalidade provocar o pronunciamento do tri- bunal sobre a legalidade ou a ilegalidade de uma greve, sobre sua licitude ou il citude; 6 um dissidio de natureza juridica, pois o que se quer é uma interpretagao juridica da conformidade ou nao do movimento grevista com a legislacao vigen- te. Se além da greve também se pede, no dissidio, 0 estabelecimento de normas e condigées de trabalho, o dissidio tem natureza mista, ou seja, natureza econd- mica @ juridica. Dai 0 equivoco que alguns julgados cometem em apreciar a gre- ve como proliminar, pois 6 matéria de mérito do dissidio coletivo de natureza ju- ridica, Outro equivoco é entender que, se a grove 6 reputada como abusiva, ndo pode o tribunal deferir clausulas de natureza econdmica, pois, se o dissidio é de natureza mista, o pronunclamento sobre a conformidade da greve com a lei nao prejudica o exame das clausulas que buscam 0 estabelecimento de normas e con- digées de trabalho. © exame dos aspectos juridicos da greve pelo tribunal, seja ela considera- da abusiva ou nao, nao se projeta como uma prejudicial de mérito, ou seja, nao (*) O autor & tro Togado do Tribunal Superior do Trabalho, 20 impede o exame das cléusulas de natureza econédmica. Pode ocorrer que 0 tribu- nal entenda que a greve nao é abusiva, mas a pretensao de que se estabelegam normas e condigées de trabalho nao se harmoniza com a legislagao ordinaria vi- gente. No julgamento do Dissidio Coletivo 2/66, do qual foi relator, na época, o Mi- nistro Arnaldo Siissekind, fez-se clara distingdo entre dissidio de natureza econdmi- cae dissidio de natureza juridica, Nessa parte, o acérdao assim esta fundamentado: “Ora, sempre que 0 dissidio suscitado por entidade sindical tem por objeto a interpretagao de norma legal, regulamentar ou convencional, de in- teresse de um grupo, que representa, constituide de pessoas nao identi cadas, a controvérsia coletiva e de natureza juridica, sendo resolvida por sentenga declaratéria, Nao se confunde com 0 dissidio coletivo de nature- za econémica, que tem em mira a ctiagao, por sentenga constitutiva, de no- vas normas ou condigées de trabalho para a categoria, nem com o dissidio individual, no qual um ou mais trabalhadores, identificados como partes no litigio, pleiteiam o cumprimento de uma obrigagdo prevista em norma juridi- ca aplicavel. Este, como o primeiro, s&o conflitos de direito; 0 segundo, con- lito de interesses, embora, como adverte Krotoschin, em todo litigio ha in- teresses em jogo e, mesmo o que tem em mira a criagéo de novas normas, deve ser resolvido face & ordem juridica vigente (‘‘Instituciones de Derecho del Trabajo", vol. Il, pag. 37) . Todavia, o aspecto subjetivo da controvérsia, .atinente a um grupo de trabalhadores ndo concretamente determinado, per- mite conceituar 0 conflito coletivo como de natureza juridica quando visa “a interpretagao ou aplicagéo de normas preexistentes” ¢ como de natureza econémica quando tem por objetivo o “estabelecimento de solugdes norma- tivas para o futuro” (Stafforini, “Derecho Procesal del Trabajo”, pag. 16)". (Sissekind, Arnaldo, Acérdaos no TST, Lr, So Paulo, 1968). Portanto, 0 dissidio coletive de natureza econémica é suscitado para o es- tabelecimento de novas condigées de trabalho, com a criagéo ou modificagao de normas especificas. Isto é 0 que ocorre quase sempre. A agdo de dissidio coletive é de natureza constitucional, constituindo-se num direito de natureza piiblica, que tem por contetido o exercicio da jurisdigéo, como se infere do disposto no art. 114, paragrafo 2°, da Constituigao Federal de 1988. A agao coletiva de natureza econdmica é de carater constitutive, na medida em que nao se extrai da sentenga um titulo executivo, sendo esta normativa, abstrata, re- ferindo-se aos interesses coletivos de um grupo de empregados ou a uma cate- goria, sem identificagéo pessoal dos destinatarios. Quando se diz que a sentenga normativa estabelece normas e condigdes de trabalho para um determinado grupo ou categoria, cabe reavivar os conceitos de categoria profissional e econdmica. Diz o paragrafo 19, art. 511, da CLT: “A solida- riedade de interesses econdmicos dos que empreendem atividades idénticas, si- milares ou conexas, constitui o vinculo social basico que se denomina categoria econémica”. Diz o paragrafo 29: “A similitude de condigdes de vida oriunda da pro- fissdo ou trabalho em comum, em situagao de emprego na mesma atividade eco- némica ou em atividades econémicas similares ou conexas, compée a expressao social elementar compreendida como categoria profissional”. Diz, ainda, o para- grafo 39: “Categoria profissional diferenciada é a que se forma dos empregados a que exergam profissées ou fungdes diferenciadas por forga de estatuto profissio- nal especial ou em conseqiiéncia de vida singulares”. E certo que apés a vigéncia da Constituigéo da Reptblica de 1988, néo ha necessidade de autorizagao do Estado para a fundagao de sindicato (art. 89), mas © coneeito de categoria, fixado pela legislagao ordinaria, nao colide com o texto constitucional. Logo, a sindicalizagéo deveré continuar a processar-se, quanto as categorias profissionais, paralelamente &s categorias econémicas @ os emprega- dos continuarao incluidos, em regra, na categoria a que corresponde a atividade econémica principal da empresa. Apenas os que integram categoria diferenciada tém tratamento especitico, independente da atividade econémica preponderante da empresa. Esse conceito do exato significado de categoria tem relevancia com a natureza da sentenga normativa, que fixa normas e condigées de trabalho pa ra determinada categoria, ou parcela de uma categoria, quando 0 dissidio é no ni- vel de empresa. Coqueijo Costa escreve que a Agdo Coletiva de Natureza Econémica “en- volve interesses coletivos abstratos, num conflito econémico ou de interesses, e quer obter um pronunciamento jurisdicional constitutivo do Tribunal Regional do Trabalho ou do Tribunal Superior do Trabalho, para criar ou modificar condigdes de trabalho, sobretudo cl4usulas salariais, provocando e obrigando 0 juizo a profe- tir sentenga "dispositiva” (Carnelutti), ‘‘constitutiva” (Chiovenda) ou “determina- tiva”’ (Raselll), nunca “condenatoria" (Jaeger), ‘nella controversia colletiva di fis- sazione di nuove condizioni di lavaro” (Litala). Nao objetiva a agdo coletiva de na- tureza econdmica a condenagao, porque o interesse em jogo é abstrato, e ndo con- creto. A sentenga constitui um estado juridico novo, criando ou alterando, e nao tem efeito retroativo, pois este nasce a partir dela, sentenga, e se projeta erga om- nes. O proceso, ai, 6 tipicamente dispositivo, pois a demanda provoca, sob a for- ma de sentenga coletiva, a formagdo de novas normas coletivas. A agao coletiva de natureza juridica é declaratéria, pois tem em mira a interpretagdo jurisdicional genérica do sentido de lei ou de normas coletivas vigentes (convengées, acordos, sentengas normativas, regulamentos, costumes, etc.) (Costa, Coqueijo, in “Direi- to Judiciério do Trabalho”, 12 ed., Rio de Janeiro, Forense, 1978). Il, NEGOCIAGAO PREVIA A Constituigéo da Repiiblica, promulgada em 05 de outubro de 1988, man- teve o dissidio coletivo como um dos sistemas de solugao dos conflites coletives de trabalho. O legislador constituinte atribuiu &s entidades sindicais legitimidade para ajui- zar dissidio coletivo, mas ao dizer que se trata de uma faculdade, deixa margem & interpretagao no sentido de que, em determinadas situagdes, possa-se estender essa legitimidade a outros entes, como mais adiante veremos. A negociagao coletiva, que j4 era colocada om primeiro plano pela legisla- gdo ordinaria como 0 sistema mais eficiente no estabelecimento de normas ¢ con- digdes de trabalho, continuou prestigiada na nova Constituigao, a ponto de se der afirmar, agora, como jé diz a lei ordinaria, que “nenhum processo de dissidio coletive de natureza econdmica sera admitide sem antes se esgotarem as medi- das relativas & formalizagdo da convengao ou acordo correspondente” (art. 616, paragrafo 42, da CLT). 22 Com efeito, dispde o paragrafo 29, art. 114, da Constituigao Federal: “Recusando-se qualquer das partes & negociagdo ou & arbitragem, é facul- tado aos respectives sindicatos ajuizar dissidio coletivo, podendo a Justiga do Ta- balho estabelecer normas e condigées, respeitadas as disposigSes convencionais e legais minimas de protegao ao trabalho” Portanto, por ocasiao do ajuizamento do dissidio coletivo, ha de ficar pro- vado, documentalmente, que uma'das partes recusou-se & negociagao coletiva, pois sem essa comprovagdo nao se pode admitir desenvolvimento valido e regu- lar do processo de dissidio, 0 que poder levar & sua exting&o, sem julgamento de mérito. Ao ajuizar 0 diss{dio coletivo, na propria petigao inicial, © autor (suscitante) tem que dizer que nao aceita a arbitragem, pois a Constituigéo Federal 6 auto- riza a via judicial, “recusando-se qualquer das partes & negociagdo ou & arbitra- gem”. Como a arbitragem nao é obrigatéria, mas facultativa, basta que se afirme na petigdo inicial que com ela néo concorda O disposto no paragrafo 42, art. 616, da Consolidagao das Leis do Trabalho, e, agora, no art. 114, parégrafo 2, da Constituigdo, tem por objetivo o entendimen- to direto entre as partes, sem a intervengdo do Estado. E visivel o interesse do le- gislador, no campo das relagées coletivas de trabalho, de fortalecer a atividade sin- dical e o institute da negociagdo coletiva, ndo devendo esse principio ser ignora- do pelos sindicatos © muito menos pelo Judiciario. A negociagao coletiva 6 o sistema mais democratico que a lei pée a dispo- sigéo de empregados e empregadores para a solugdo de suas controvérsias, nao 86 porque através dela a classe obreira poder obter melhores conquistas, mas também porque enseja o diélogo com o empresariado, ¢ isso contribui para um re- lacionamento mais harmonioso entre o capital e o trabalho, com reflexos benéfi- cos & prépria paz social, pois o ideal 6 que as partes envolvidas em determinado relacionamento estabelegam as suas préprias clausulas normativas e condigées de trabalho, no ambito da representagao dos sindicatos, para regular as relagdes individuais de trabalho, Nem sempre as entidades sindicais tom observado essa fase prévia que an- tecede ao ajuizamento do dissidio coletivo, ao menos antes da vigéncia da atual Constituigaéo Federal, pedindo a instauragao de instancia sem antes esgotar a via negocial; ¢ até contavam com o respaldo da jurisprudéncia uniforme do Tribunal Superior do Trabalho, quando se tratasse de revisdo de dissidio, como se colhe da Instrugao Normativa n. 1, inciso Ill, TST. ‘Ao comentar o disposto no art. 616, paragrafo 42, da CLT, Mozart Victor Rus- somano escreve: “E relevante apontar-se o paragrafo 4°, segundo o qual nenhuma agao de dissidio coletivo pode ser admitida antes de esgotar todas as medidas relativas & negociagao entre os dissidentes, Esse preceito visa a estimular a negociacao coletiva e, nesse sentido, & al- tamente louvavel. Mas, infelizmente, a jurisprudéncia deformou-o, limitando sua efi- cAcla: segundo entendimento uniforme do Tribunal Superior do Trabalho, essa re- 23 gta apenas 6 aplicavel &s agées de dissidio coletivo originério e, ndo as revises de sentengas normativas” (in “Comentarios & CLT”, Forense). O Tribunal Superior do Trabalho modificou a sua jurisprudéncia e, hoje, 6 rel- terada no sentide de exigit como pressuposto para o ajuizamento do dissidio co- letivo de natureza econémica o exaurimento da via negocial. Essa jurisprudéncia uniforme levou o Tribunal a definir a sua interpretagao, em votagao do Pleno, na atual Instrugéo Normativa n. 04/93, publicada no Diario da Justiga da Unido ~ Segéo | - pag. 11.807, de 14 de junho de 1993. Referida Ins- trugao Normativa entrou em vigor na data de sua publicagao, revogando, expres- samente, a Instrugdo Normativa n, 01, de 15 de outubro de 1982, Esta ela assim redigida: “O Tribunal Superior do Trabalho, em sua composigdo Plena, sob a Presidén- cia do Excelentissimo Senhor Ministro Orlando Teixeira da Costa, considerando o disposto no art. 114, § 29, da Constituigdo da Repiiblica no art. 616, parégrafos, © na Segao | do Capitulo IV do Titulo X da Consolidagao das Leis do Trabalho e de- mais disposig6es pertinentes, edita esta Instrugo para definir a sua interpretagao quanto ao procedimento a ser adotado nos processes de dissidio coletive de na- tureza econémica no ambito da Justiga do Trabalho. |~ Frustrada, total ou parcialmente, a autocomposigdo dos interesses cole- tivos em negociagao promovida diretamente pelos interessados, ou mediante in- termediagao administrativa do érgé0 competente do Ministério do Trabalho, pode- 14 ser ajuizada a ago de dissidio coletivo. 1 ~ Na impossibilidade real de encerramento da negociagao coletiva em cur- So antes do termo final a que se refere o art. 616, § 39, da CLT, a entidade interes- sada podera formular protesto judicial em petigao escrita dirigida ao Presidente do Tribunal do Trabalho, a fim de preservar a data-base da categoria. ll - Deferida a medida prevista no item anterior, a representagao coletiva se- 14 ajuizada no prazo maximo de 30 (trinta) dias, contados da intimagdo, sob po- na de perda da eficdcia do protesto. IV - Tém legitimidade para o ajuizamento do dissidio coletivo as entidades sindicais © os empregadores; estes, quando nao haja entidade sindical represen- tativa ou os interesses em conflito sejam particularizados. V - Ocorrendo a paralisagao do trabalho, pela greve, sem ajuizamento do correspondente dissidio coletivo, o Ministério Pablico do Trabalho poderd instau- rar a instancia judicial, quando a defesa da ordem juridica ou o interesse piiblico assim o exigir, VI - A representagao para instauragdo da instancia judicial coletiva formu- lada pelos interessados sera apresentada em tantas vias quantas forem as enti- dades suscitadas mais uma e devera conter: a) a designagao © qualificag&o da(s) entidade(s) suscitante(s) © suscitada(s), sindical ou empregadora(s); 24 b) a indicagao da delimitagao territorial de representagao das entidades sin- dicais, bem assim das categorias profissionais e econémicas envolvidas no dis- sidio coletivo e, ainda, do quorum estatutario para deliberagado da assembléia; ©) exposigéo das causas motivadoras do contlito coletivo e/ou da greve, se houver, ¢ indicagdo das pretensées coletivas, aprovadas em assembléia da cate- goria profissional, quando for parte entidade sindical de trabalhadores de primei- To grau, ou pelo conselho de representantes, quando for suscitante entidade sin- dical de segundo grau ou de grau superior; d) a comprovagao da tentativa de negociagdo ou das negociagées realiza- das ¢ indicagéo das causas que impossibilitaram 0 éxito da composigao direta do conflito coletivo; €) a apresentagao em forma clausulada de cada um dos pedidos, acompa- nhados de uma sintese dos fundamentos a justificd-los; f) data e assinatura do representante. VII - A representagao devera estar acompanhada dos seguintes documentos: a) correspondéncia, registros ¢ atas alusivas & negociagao coletiva tenta- da ou realizada diretamente ou mediante a intermediagao do érg4o competente do Ministério do Trabalho, na forma do item I b) cépia autenticada da sentenga normativa anterior, do instrumento norma- tivo do acordo ou convengao coletiva, ou, ainda, do laudo arbitral, acaso existente; ©) cépia autenticada da ata da assembléia da categoria que aprovou as rei- vindicagdes @ concedeu poderes para a negociagao coletiva e para o acordo ju- dicial, ou, ainda, de aprovagao das clausulas e condigdes acordadas, observado © quorum legal; 4) cépia autenticada do livro ou das listas de presenca dos associados par- ticipantes da assembléia deliberativa, ou outros documentos habeis & comprova- go de sua representatividade. Vill - Protocolizada @ autuada a representagao, com os documentos que a acompanham, os autos serdo conclusos ao Presidente do Tribunal, ou ao Magis- trado competente, na forma do Regimento Interno, que verificaré a observancia dos requisitos indicados. Verificado que a representagdo nao retine os requisites exi- gidos ou que apresenta defeitos ou irregularidades capazes de dificultar a sua apre- ciagdo, ou ainda, se estiver desacompanhada dos documentos aludidos nesta Ins- trugdo, seré determinado que o(s) suscitante(s) a emende(m) ou complete(m) no prazo maximo de dez dias IX ~ Nao cumprida a dilig&ncia determinada, na forma do item anterior, o pro- cesso sera extinto mediante o indeferimento da representagao. X — Estando conforme a representagao, sera designada audiéncia de con- ciliagdo @ instrugao a ser realizada no menor prazo possivel, cientificadas as par- tes. A audiéncia sera presidida pelo Presidente da Corte, ou, por sua delegagao, pelo Vice-Presidente, ou por Magistrado Togado integrante da Segao de Dissidios Coletivos, como dispuser o Regimento Interno. 25 XI -A audiéncia designada o suscitado deduziré sua defesa, acompanha- da de proposta de conciliagéo amigavel da lide, fundamentada nas circunstancias faticas e juridicas que recomendariam sua adogao, destacando, em relagdo as cldu- sulas que importem em elevagées salariais, as condigées financeiras da(s) empre- sa(s), bem assim a situagéo econdmica do respectivo setor de atividades. Xl — Nao tendo sido possivel a conciliagao © Juiz instrutor apresentaré a so- lugdo que Ihe parega adequada para resolver o dissidio. Persistindo a auséncia de composigéo amigavel do conflito, seréo determinadas as diligéncias necessérias a instrugdo do feito. XIll = Alcangada a conciliagdo ou encerrada a instrugéo, 0 processo sera dis- tribuido mediante sorteio. XIV - O Ministério Pblico do Trabalho podera emitir o seu parecer oralmen- te, na hipétese de conciliagdo ou apés o encerramento da instrugdo, 0 qual sera reduzido a termo, ou na sessdo de julgamento do dissidio, transcrito em sintese na certidao, pela Secretéria, ou, ainda, por escrito, no prazo de cito dias, median- te remessa dos autos pelo relator. XV - Os trabalhos da audiéncia de conciliagao e instrugdo serao registrados em ata, XVI- 0 relator tera 0 prazo maximo de dez dias para examinar e restituir os autos para conclusao ao revisor e este o prazo maximo de cinco dias para a re- visdo, devendo ser, imediatamente, submetido a julgamento o dissidio, em sesso ordinéria ou extraordinaria do érgao competente. Nos casos de urgéncia, relator e revisor examinarao os autos com a necessaria presteza, de modo a possibilitar 0 julgamento imediato do dissidio. XVII - A apreciagéo do dissidio far-se-4 cléusula a cléusula, podendo o ér- go julgador, antes da proclamagao final do julgamento, na mesma assentada, e tendo em vista 0 total dos pedidos examinados, rever a solugdo proposta, de mo- do que a sentenga normativa traduza, no seu conjunto, justa composigao do con- flito de interesses das partes e guarde adequagao com o interesse da coletividade. XVIII - Noticiando os autos a paralisagdo do trabalho em decorréncia de gre- ve em servigos ou atividades essenciais, o Presidente do Tribunal podera expedir ato dispondo sobre o atendimento das necessidades inadiveis da comunidade. XIX - O Colegiado competente, apreciando a matéria, pronunciar-se-4 so- bre a qualificagao juridica da greve e suas conseqiéncias. XX = Verificando 0 érgao julgador originario que a representagao nao red- ne os requisitos intrinsecos e/ou extrinsecos previstos nesta instrugdo, suspende- 140 julgamento do dissidio assinando prazo aos interessados para que supram a deficiéncia, sob pena da extingdo do processo sem julgamento do mérito. XXI- A deciséo que conceder aumento salarial explicitara, se pertinentes, as compensagées a serem observadas, ressalvadas as situagées decorrentes de término de aprendizagem, promogao por merecimento ¢ antigiidade, transferén- cia de cargo, fungdo, estabelecimento ou de localidade, bem assim de equipara- go salarial determinada por sentenga transitada em julgado. 26 XXII - A sentenga normativa poder determinar que as diferengas salariais resultantes do decidido sejam devidas a contar da data do ajuizamento do dissi- dio coletivo, quando proposto apés a data-base ou origindrio, a fim de se evitarem distorgdes decorrentes do petfodo de tramitagao do proceso, XXIII - Para garantir os efeitos da sentenga coletiva e desde que o empre- gador nao possua quadro de pessoal organizado em carreira, podera ser fixado salério normativo para a categoria‘profissional ou parte dela, hipdtese em que, na sua vigéncia, 0 empregado admitide para fungao de outro dispensado sem justa causa, tera garantido salério igual ac do empregado de menor salario na fungéo, sem considerar vantagens pessoais. XXIV ~ Na hipétese de empregado admitide apés a data-base, ou em se tra- tando de empresa constituida e em funcionamento depois da data-base, 0 reajus- tamento ser calculado de forma proporcional em relagdo & data de admissao, e com preservagao da hierarquia salarial. XXV - Quando a instauragao da instancla ocorrer no prazo previsto no § 3° do art, 616 da CLT, ou os interessados tiverem preservado a data-base na forma do item II desta Instrugao, 0 reajustamento salarial e as diferengas dele decorren- tes serdo devidos a paitir do termo final de vigéncla da convengao ou acordo co- letivo, ou da sentenga normativa anterior. XXVI = Peticionada a homologagéo de acordo em processo de dissidio co- letivo, antes ou apés 0 julgamento, a apresentagdo de recurso ou a publicagao do acérdao, o pedido sera imediatamente submetido & apreciagéo do Colegiado Nor- mativo origindrio ou recursal se a este jé tiverem sido remetidos os autos. XXVII - Conclufdo 0 julgamento do dissidio, ¢ proclamada a deciséo norma tiva, 0 relator ou 0 redator designado tera o prazo maximo de dez dias para lavrar © respective acérdao, que sera imediatamente publicado. XXVIII = A ocorréncia de férias, licenga ou impedimento do relator ou do re- visor ndo prejudicaré a celeridade da prestagao jurisdicional normativa, devendo 0 Presidente da Corte adotar de imediato as providéncias cabiveis. XXIX ~ Esta Instrugéo Normativa entra em vigor na data de sua publicagao, revogada a Instrugao n. 01, de 15 de outubro de 1982". O inciso primeiro esclarece que a prévia negociagao podera ser promovida diretamente pelos interessados, ou mediante intermediagdo administrativa do ér- g&o competente do Ministério do Trabalho. Tal esclarecimento visou a sanar qual- quer davida interpretativa, pois nao raro as partes ficavam sem saber como pro- ceder. Se a opgae for pelo entendimento direto, sem a interferéncia do érgao do Ministério do Trabalho, a parte que tomar a iniciativa deveré expedir 0 convite pa- ra a negociagao, marcando hora, dia e local, encaminhando, também, a pauta de reivindicagdo, com a antecedéncia que permita & outra parte, se entidade sindical, convocar a assembléia da categoria para deliberar sobre as pretensées. Se for pela intermediagdo do érgao do Ministério do Trabalho, o interessa- do a ele deverd dirigir requerimento, anexando a pauta de reivindicagéo em tan- 27 tas vias quantos forem os representantes da outra categoria, também com a ne- cessaria antecedéncia, solicitando uma reunido, para discutirem as clausulas do ajuste coletivo. Tanto em uma hipétese quanto na outra, o ocerride deveré constar de uma ata, notadamente se frustrada a negociagae coletiva, pois este documento deve- Fé ser juntado com a petigae de ejuizamento do dissfdio coletivo. O convite para a negociagao coletiva deve ficar claramente demonstrado, através do aviso de recebimento da correspondéncia, ou por outro meio iddneo. O dissidio coletivo, que tenha por finalidade renovar cléusulas de uma nor ma coletiva em vigor, ou fixar novas normas e condigées de trabalho, deve ser ajui- jade no prazo demarcado pela lei, a fim de que a categoria néo perca data-ba- vo. Esse prazo esta provisto no artigo 616, paragrafo 3°, Ja Consolidacée das Leis do Trabalho, ou seja, dentro de sessenta dias anteriores a término da norma co- letiva anterior. Entretanto, a Instrugao Normativa n. 04/93, no seu inciso II, institulu a figu- ra do protesto judicial, quando configurada a impossibilidade real de encerramen- to da negociagao coletiva em curso antes do termo final teferido no artigo 616, pa- ragrato 3°, da CLT. Esse protesto deve ser formalizado em petigdo escrita dirigi- da ao Presidente do Tribunal do Trabalho, a fim de preservar a data-base da ca- tegoria. De qualquer modo, o ajuizamento da agao de dissidio coletivo, para preservel a data-base, deverd ocorrer no prazo maximo de 30 (trinta) dias, contado a partir da intimagéo do deferimento do protesto, seb pena de perda da eficdcia deste. Trata-se, em verdade, de uma medida cautelar especifica, prevista no Cédi- go de Processo Civil, a partir do artigo 867, que nao & incompativel com 0 proces- oe de trabalho, apenas exigindo a adequada adaptagdo & natureza do dissicio co- lotive, A recopgae desse institute esta autorizada pelo artigo 769 da CLT. Outro aspecto que cabe destacar refere-se ao previsto no inciso VIll da Ins- trugdo Normativa, que determina que os autos do dissfdio coletive sejam conclu- cos ao Presidente do Tribunal, ou ao magistrado competente, na forma do Re monte Interno, para que se proceda ao prévio exame dos requisites da peticde i dial, arrolados no inciso VI. Verificando que a petigae inicial nao preenche 08 re- quisitos indicados, © magistrade concederd o prazo de 10 (dez) dias, para que a parte sane as irregularidades, sob pena de indeferimento da peticéo inicial. Tal pro- petiments decorre da aplicagao subsidiéria do disposto no artigo 284 do Codigo de Processo Civil. Nota-se, pois, que a audiéncia de conciliagdo 86 sera designada, uma vez sanadas as eventuais irregularidades havidas na peticae inicial. ‘A norma em comento ndo exige requisites apenas para a peticdo inicial, mas também para a defesa, como se colhe de seu inciso XI, sem cominar pena pela ‘omiseao, tendo em vista a natureza da agdo de dissidio coletive, que, visando @ cotabelecer normas ¢ condigées de trabalho, nao fica o réu (suscitade) sujelto & confissdo ficta, ao contrério do que acontece no dissidio individual, que, como meio 28 de prova, tem de ser considerado pelo juizo na subsungao dos fatos, deduzides e provados, & norma material incidente, do que resultara a sentenga. Isto nao significa que o descumprimento dessa exigéncia nao venha a influir em desfavor do suscitado, no julgamento do dissidio coletivo, pois nao se pode admitir que alguém descumpra uma norma processual, sem softer qualquer con- sequéncia. Anote-se, a propésito, que a Instrugao Normativa, ao tratar da audiéncia, de- termina que a defesa venha acompanhada de proposta de conciliagado amigavel da lide, fundamentada nas circunstancias faticas ¢ juridicas que recomendariam a sua adogdo, destacando, em relagdo &s clausulas que Importem em elovagdo sa- larial, as condigées financeiras da(s) empresa(s), bem assim a situagéo econémi- ca do respectivo setor de atividades. Logo, se 0 suscitado nao comparece a au- digncia, deixando de se contrapor as pretensées do suscitante, nem propde qual- quer conciliagdo, sera razoavel deduzir que a categoria econémica tem condigses de suportar as normas e condigées de trabalho pleiteadas pelo suscitante. Essa exigéncia de que as partes comparegam & audiéncia e atendam ao cha- mamento judicial tem a ver, também, com 0 disposto no artigo 82, VI, da Consti- tuigéo da Reptiblica, que tem como obrigatéria a participagao das entidades sin- dicais nas negociagées coletivas, Ausente uma das partes, frustra-se esse objetivo No inciso XVI, exige-se que 0 dissidio seja examinado clausula por clausu- la, e essa exigéncia conjuga-se com 6 disposto no artigo 93, IX, da Constituigao da Repiblica, que obriga que todas as decisdes dos érgdos do Poder Judiciério sejam fundamentadas. No incixo XVIII, confere-se poderes ao Presidente do Tribunal, na suspensao. do trabalho em servigos ou atividades essenciais, para expedir ato dispondo so- bre o atendimento das necessidades inadiaveis da comunidade. Aqui, também, interpreta-se preceito legislative, especificamente o dispos- to no artigo 12 da Lei 7.783/89, que atribui ao Poder Piblico a manutengao das ati- vidades inadidveis da comunidade, sempre que inobservado o disposto no artigo 11 da referida lei. Nao ha como deixar de reconhecer que essa orientagao normativa 6 da maior relevancia, pois o direito de greve nado pode se sobrepor aos interesses inadidveis da comunidade, néo havendo como se admitir que possa ser suspenso integral- mente 0 servigo de transporte piiblico, atendimento hospitalar, luz, gua, combus- tivel, por exemplo. Esses sdo alguns dos aspectos relevantes dessa Instrugéo Normativa, cujo objetivo é orientar os jurisdicionados a respeito do entendimento predominan- te no Tribunal Superior do Trabalho, a fim de que nao venham a ser surpreendidos no curso da tramitagao processual, pela inobservancia de alguma formalidade. Di- rige-se, também, aos Tribunais Regionais do Trabalho, pois, sabendo do entendi- mento normativo da Corte Superior da Justiga do Trabalho, certamente seguirao essa orientagado, sob pena de alimentarem recursos desnecessérios, com o retar- damento da solugao judicial, o que ndo 6 desejavel, nem razoavel, 29 Nao faltardo vozes a dizer que a exigénoia de prévia negociagao como con- digo para o ajuizamento do dissidio coletivo, contraria o disposto no art 59, in- ciso XXXV, d4 nova Constituigéo Federal, que dispée: “A |ei nao excluiré da apreciagéo do Poder Judiciério leséo ou amea- ga adireito”. ‘A Constituigao anterior, no seu art. 153, paragrafo 4°, dispunha: “A lei nao poderé excluir da apreciagéo do Poder Judiciério qualquer lesdio de direito individual. O ingreaso em juizo poderé ser condicionado a que se exaur ram previamente as vias administrativas, desde que nao exigida garantia de ins- tancia, nem ultrapassando prazo de cento e oltenta dias para 4 deciséo sobre © pedido". Nao resta davida que o novo texto constitucional eliminou a expressao “in- dividual" e bastard a oxisténcia de um interesse coletivo ou difuso para merecer a tutela jurisdicional. Aliés, a propria Constituigéo assegura, por exemplo, o Man- dado de Seguranca Coletivo (art. 5°, LXX). Nao h4, no entanto, que se averbar de inconstitucional a exigéncia de pré- via negociagao para 0 ajuizamento do dissidio coletivo, pois, ao dizer que a lei néo subtrairé da apreciagao do Poder Judiciério lesdo ou ameaga a direito, a Consti- tuigdo ndo regulamenta o acesso ao Poder Judiciério, por se tratar de atribuigéo das leis de natureza processual, ¢ estas podem estabelecer os pressupostos Pa- ra esse acesso, sem que isso configure qualquer ofensa & Lel Maior. Assim, quando a lei processual estabelece requisitos a serem observados pela parte que ven a juizo, nao esta contrariando o principio constitucional da aces- Sibilidade ampla ao Poder Judiciario, como também néo contrarla quando exige que, primeiro, se esgote a fase negocial, como requisite para o ajuizamento do dis- sidio, N&o cumprido esse requisite, o processo poderd ser extinto, sem julgamen- to do mérito, a exemplo do que ocorre no processo civil © Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o Reourso Extraordinario n, 87.358-9 — Tribunal Pleno, por unanimidade de votes, assim decidiu: “MATERIA TRABALHISTA - DISSIDIO COLETIVO — NECESSIDADE DE POSTULAGAO NA ESFERA ADMINISTRATIVA ~ § 4°, DO ART. 616 DA CLT. NAO E INCONSTITUCIONAL 0 DISPOSITIVO DE LEI QUE PREVE A PREVIA POSTULACAO NA ESFERA ADMINISTRATIVA, SEM OBSTAR, ENTRE- TANTO, MANIFESTAGOES DO JUDICIARIO, RECURSO EXTRAORDINARIO CONHECIDO E PROVIDO”. Na fundamentagao do acérdao esta dito: “0 aresto impugnado néo mencionou a jurisprudéncia remansosa, ¢ este Co- lendo Supremo Tribunal Federal, ao contrério, tem entendido nao atentar contra o § 49, do art. 168 da Constituigéo Federal, a lei que determina a postulagao previa @ obrigatéria na jurisdigao administrativa, No RE n. 72.071, 0 eminente Ministro Thompson Flores, como apoio dos demais membros que compunham o Tribunal, teve a oportunidade de ensinar: CEXPERIOR CO 30 Z a Rag “.. a exigéncia do prévio apelo & Administragdo, per se, compreendido, sem exageros, sem radicalismo, de molde a nao originar abusos, sempre foi aceito, co- mo sem afronta & garantia individual, a qual, vindo das Constituigdes anteriores, de 1946 e 1967, mantém-se integra no art. 153, § 42, da vigente, 1969. Nessa conformidade estao julgados varios desta Corte, dos quais permito- me rememorar os mais expressivos: RE ns. 8.724, 19.656, 19.887 e 31.214, @ os MS ns. 998 € 1.904; deles participou como voto vencedor 0 eminente Ministro Luiz Gal- lott, sendo relator do terceiro deles, datando 0 acérdéo de 19.06.1952 (RDA, v. 38, paginas 66/9)". Realmente, se 0 dispositivo que obriga a prévia postulagao na esfera admi- nistrativa néo obsta o exercicio da ago, longe de ser inconstitucional, é ele até sa- lutar, principalmente, na esfera trabalhista, onde o ideal 6 a convivéncia amiga en- tre empregados e empregadores. A franquia constitucional, consistente na apreciagao pelo Judiciario da even- tual leso aos direitos dos cidadaos, esta permanece integra, submetida apenas, no tempo, ao exaurimento da via administrativa. © § 49, do art. 616 da CLT, ora impugnado, procura somente aplainar o ter- reno das discussées, para posterior e definitiva manifestagao do poder jurisdicio- nal do Estado. Este preceito, entretanto, foi desaplicado sob o pretexto de colidir com o art. 153, § 4° da Constituigao. Como dispositive constitucional, nao tem ele o alcance dado, e foi, efetivamente, contrariado"” (Relator Min. Cunha Peixoto, DUU de 20.06.80). Portanto, se na vigéncia da Constituig&o de 1967, com a Emenda n. 01/69, © Supremo Tribunal Federal jé havia deixado certo que o disposto no paragrafo 4°, do art. 616, da Consolidagao das Leis do Trabalho, nao afrontava o texto cons! tucional, com mais razéo, agora, que a exigéncia de prévia negociagdo se respal- da na propria Constituigéo Federal de 1988, como se infere do disposto nos pa- ragrafos 1° @ 29, de seu art. 114, E essa exigéncla de prévia negociagdo nao se restringe as agdes de dissi- dios coletivos originarios, alcangando, igualmente, as agdes de revisdo das sen- tengas normativas anteriores. E uma nova perspectiva que se abre no campo da livre negociagao coletiva, que nao deve ser desfigurada pelo juiz ao interpretar a norma legal. A convengao coletiva de trabalho, nos paises do mundo ocidental de demo- cracias sélidas, pelo seu papel histérico e como instrumento juridico de uma con- cepgao que visa a equilibrar as forgas do capital e do trabalho, tem se mostrado apta a construir uma nova ordem social. Dai a afirmativa de Wilhelm Weisser: “Dentro da autonomia das associagées, garantida por nossa Constituigéo, 6 a convengao coletiva o mais importante instrumento para, no seu limite de atua- go, estabelecer uma ordem social. A conclusdo de toda convengao coletiva 6 em suma a expressdo de uma luta de poder e, com ela, fica estabelecida, pelo tem- po de sua duragao, a paz entre as partes contratantes” (apud Da Silva, Anténio Alvares, in “Convengao Coletiva do Trabalho perante o Direito Alemao”, Rio de Ja- neiro, Forense, 1981). 31 Il, PARTES: © dissidio coletivo tom por finalidade estabelecer normas para toda uma ca tegoria, dat dizer o artigo 857 da Consolidagao das Leis do Trabalho que “A repre sontagao para instaurar a instancia em diss{dio coletivo constitul prerrogativa das associagées sindicais, exclufdas as hipéteses aludidas no art. 856, quando ocor- Fer suspenséo do trabalho”, Nao havendo sindicato representative da categoria cconémica ou profissional, poderd a representagdo ser instaurada polas federa- Ses correspondentes e, na falta destas, pelas confederagdes respectivas, no am- Lite de sua representagdo, conforme dispée 0 paragrafo Unico do referido artigo. A prerrogativa sindical para ajuizar dissidio coletivo restou reafirmada na Constituigao Federal de 1988, como se infere dos artigos 8°, Ill e 114, paragrafo 2°. As associagées profissionais nao tém prerrogativa para figurar como parte no dissidio coletivo, em face do que dispée a lei ordinaria @ o texto constitucional (art. 558, CLT). A divida que surge, especialmente apés a vigéncia da atual Constituigdo, diz respeito & legitimidade de empresas interessadas ajuizarem dissfdio coletivo ou de figurarem no pélo passivo deste, quando frustrado o acorde coletivo. Adverte Délio Maranhao que, “se a categoria for diferenciada, 0 sindicato res- pectivo deveré promover a citagéo dos sindicatos das diversas atividades econ nicas &s quais os integrantes da categoria suscitante prestem servigos. Se @ em presa exercer Varias atividades, nenhuma delas sendo preponderante, estara re- presentada no dissidio pelo sindicato da categoria correspondente”” (apud Cos-. ta, Coqueljo, “Direito Judiciério do Trabalho", Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1978, pag. 91). Antes da vigéncia da atual Constituigéo Federal, a jurisprudéncia do Colen- do Tribunal Superior do Trabalho havia se firmado no sentido de que as empresas tam legitimidade para pedirem a instauragao de dissidio coletivo (DG 11/84, Ac. TP 2.146/84, Rel, Min. Marcelo Pimentel, DJU 04.02.85, pag: 600). Tal entendimento teve como suporte o disposto no art. 616, paragrafo 2°, da CLT, que faculta aos sindicatos ou empresas interessadas a instauragao de diss dio coletivo. Amauri Mascaro Nascimento esclarece que “O egrégio Tribunal Superior do Trabalho, no Dissidio Coletivo 53/88, Relator o Ministro Almir Pazzianotto Pinto, de- cidiu que o art. 114, § 22, da Constituigéo nao provoca a ilegitimidade do empre- gador para figurar como suscitante nas demandas coletivas. Dificil 6 conciliar es- sa deciséo com a Constituigao. Esta faculta aos sindicatos a propositura do dis- sidio, com o que a atuagdo sindical 6 preferentemente e excludente da agao da em presa, ¢ atribul aos sindicatos o poder de defender os interesses individuais @ oo” letivos da categoria em questdes judiciais (OF, arts. 114, § 2°, @ 89, Ill)" (“Curso de Direito Processual do Trabalho", ed. Saraiva, 108 ed., Séo Paulo, 1989, pag. 920). Em outros julgamentos, envolvendo empresas como o Banco do Brasil, PE- TROBRAS, Caixa Econémica Federal, Furnas, 0 Colendo ‘Tribunal Superior do Tra- balho, invariavelmente, tem admitido a legitimidade dessas empresas para figura- rem no dissidio coletivo, seja como suscitantes, seja como suscitadas. 32 No acérdao TP-2,202/88-DC 53/88, Relator Ministro Almir Pazzianotto ~ Did- rio da Justiga de 31.03.1989, os fundamentos do voto, nesta parte, assim ficaram expostos: “Tenho presentes palavras do jurista americano Benjamin Nathan Cardoso, que disse ‘ser verdadeiro que os cédigos ¢ as leis nao fazem com que o juiz se- ja supérfluo, ou sua fungao superficial e mecanica’. Ha sempre lacunas a preen- cher, dividas e ambigilidades a esclarecer, hd injustigas e faltas a mitigar, se nao podem ser evitadas. Nao interpreto a Constituigdo literalmente, porque, se o fizer, encontrarei defeitos graves nela contidos. E 0 primeiro viria & tona neste proces- 80, porque, ao tratar da greve, numa interpretagao literal, eu consideraria que o direito de greve foi assegurado ‘aos trabalhadores’. O Sindicato nao poderia or- ganizar, dirigir, arregimentar, deflagrar, coordenar, extinguir, evitar greve, por cons- tar do artigo 9° da Constituigdo, que: 'E assegurado o direito de greve, competin- do aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercé-lo e sobre os inte- resses que devam por meio dele defender". Ora, esta ndo sera a melhor intepre- tagdo. Entre a interpretagdo literal e a social, ldgica, racional, fico com essa. De- paramo-nos, a cada momento, com textos de leis que ndo podemos interpretar li- teralmente, sob pena de chegarmos a absurdos. Na técnica da legislagao relati- va ao direito coletivo, uma coisa 6 a convengao, outra 6 0 acordo, A convengao é intersindical; 0 acordo se dé.com empresas. Do contrario, abandonaremos total- mente este entendimento. consubstanciado no Titulo VI da CLT. Ha situagées, co- mo no acordo sobre horario de trabalho, de interesses apenas da empresa. So- mente ela poderé realizé-lo, e € possivel que, em nao havendo o acordo, a maté- ria se converta em dissidio. Por outro lado, fago minhas as palavras do Exmo. Sr. Ministro Barata Silva, isto 6, acima do direito & organizagao sindical, mais impor- tante do que a autonomia sindical, 6 © direito do cidadao e, correlatamente, da em- presa se sindicalizar ou nao. Ha empresas maiores do que indmeros sindicatos. como é 0 caso de Furnas Centrais Elétricas, da PETROBRAS e do Banco do Bra- sil, O que queremos? O rétulo ou 0 contetido? Queremos 0 contetido. Entendo que a empresa esta capacitada a participar do presente dissidio @, se nao o fizer, po- demos enfrentar gravissimos problemas sociais nesta area. Assim, aplicando a in- terpretagdo racional, social, sistematica do dispositive constitucional, REJEITO a preliminar”. Este voto reflete o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, quanto a legitimidade da empresa para pedir a instauragdo de dissidio coletivo. A decisao foi tomada por maioria e o tribunal ainda nao estava dividido em Segdo Especia- lizada para a conciliagdo e julgamento de dissidigs coletivos, como preconiza a Lei 7.701, de 21.12.1988. Portanto, a decisdo foi do Pleno, vencidos os Ministros Or- lando Teixeira da Costa, Fernando Vilar e Alcou Portocarrero, este classista con- vocado, que conclufam pela extingdo do processo sem julgamento do mérito, por entenderem que a referida Empresa nao tinha legitimidade para suscitar dissidio coletivo. Nosso entendimento 6 de que s6 pode admitir-se que empresas figurem co- mo suscitantes ou suscitadas em situagdes excepcionais, ou seja, quando o inte- resse coletivo se restrinja ao Ambito da empresa. Todavia, se a categoria 6 orga- nizada em sindicato, ou nao sendo, podendo se fazer representar por Federagao 33 ou Confederagao, ndo ha como se admitir legitima a presenga direta da empresa no processo de dissidio coletivo, em face do que dispéem os artigos 8°, Ill e 114, § 22, da Constituigao Federal. © trago marcante das convengées coletivas de trabalho ou sentengas nor- mativas, quando a representagdo se da através do sindicato, 6 0 lago abrangen- te de suas normas, que alcangam todos os integrantes da categoria, ainda que nao sindicalizados. Quando o dissidio coletivo decorre de suspensdo do trabalho, em razéo de greve deflagrada pelos empregados, é comum a empresa vir a juizo pedir a ins- tauragdo de instancia com vista ac julgamento do conflito coletivo. No entanto, mes- mo nestes casos, a empresa deve demonstrar que assim esta agindo, em face da omisséo do sindicato que representa a sua categoria. Essa prova a empresa de- ve fazer ao pedir a instauragao do diss{dio, juntando cépia de correspondéncia que enviou, com registro postal, ao sindicato de sua categoria econdmica. Se o sindicato ndo demonstra interesse em ajuizar 0 dissidio coletivo, néo obstante provocado por empresa que integre a sua categoria econdmica, deve a empresa, antes de ajuizar 0 dissidio, levar 0 fato ao conhecimento da federagaio a que estiver vinculado o sindicato e, em falta desta, & correspondente contede- ragéo, para que assuma a autorla da agao coletiva, Todavia, se a entidade sindical nao demonstrar qualquer interesse no ajui- zamento do dissidio, ainda que existente um conflito coletivo, nado vejo como se possa considerar parte ilegitima a empresa que, nessas circunstancias, ajuiza a agéo de dissidio coletive, em face do que dispée o art. 59, XXXV, da Constitui¢do Federal. IV. UNIAO, ESTADOS, MUNICIPIOS, AUTARQUIAS, FUNDAGOES, EMPRESAS PUBLICAS E SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA Apés a vigéncia da Constituigdo Federal de 1988, passou-se a debater se a Administragéo Pablica direta, indireta e fundacional dos Poderes da Unido, dos Estados, do Distrito Federal © dos Municipios, também esté sujeita as normas co- letivas de natureza econdmica. Os que se inclinam por essa possibilidade, apegam- se na literalidade do que dispée o art. 114, caput, da Constituigéo Federal, verbis: “Compete & Justiga do Trabalho conciliar ¢ julgar os dissidios individuais e cole- tivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito pibli- 00 externo e da administragao publica direta o indireta dos Municipios, do Distri- to Federal, dos Estados e da Unido e, na forma da lei, outras controvérsias decor- rentes da relagdo de trabalho, bem como os litigios que tenham origem no cum- primento de suas préprias sentengas, inclusive coletivas”. No ambito da administragdo federal, as pessoas juridicas de direito pabli- co interno s&o a Unido, o Distrito Federal ¢ as Autarquias; no ambito da adminis- tragdo estadual, sao os Estados ¢ as Autarquias Estaduais; e no ambito da admi- nistragéo municipal, sé os Municipios e as Autarquias Municipais. Estas consideragdes, & primeira vista, podem parecer desnecessérias, mas nao 0 840, pois nao raro se topa com agées movidas contra a Assembiéia Legis- : 84 Jativa, a Camara Municipal, os Tribunais, as Secretarias de Estado, etc. Quem es- creve a respeito de um determinado tema juridico, no 0 faz s6 para os juristas, mas também para os menos dotados de conhecimentos juridicos, dai a necessi- dade de se traduzir em linguagem acessivel o assunto abordado. Assim, para ficarmos no terreno das hipéteses e para melhor exemplificar, uma ago de dissidio coletivo de servidores de Tribunal Regional do Trabalho se- ria ajuizada contra a Unido; uma ago de dissidio coletivo de servidores de uma Secretaria de Estado seria ajuizada contra o Estado; uma agao de dissidio cole- tivo de servidores da Prefeitura e da Camara Municipal seria ajuizada contra o Mu- nicipio. A Unido e o Estado seriam representados em julzo por seus procuradores; © Municipio, por seu Prefeito ou procurador, em face do que dispée o art. 12, do Cédigo de Processo Civil, nao obstante essa regra ainda enseje alguma contro- vérsia, diante do que estabelece o pardgrafo 19, do art. 843, da Consolidagao das Leis do Trabalho. Para bem poder administrar, o Estado descentraliza a sua atividade admi- nistrativa, criando novos entes, sujeitos de direitos e deveres, embora nao se de- va confundir descentralizagao administrativa com desconcentragéo administrati- va, Quando se trata de desconcentracao administrativa ~ instituigéo de Secreta- rias, Ministérios, etc. — ndo se verifica a criagao de pessoas juridicas, ao passo que a descentralizagao administrativa faz nascer uma pessoa juridica, como 6 0 caso das autarquias. A enumeragao contida no artigo 14 do Cédigo Civil brasileiro ndo 6 comple- ta, quando trata das pessoas de direito pblico interno; alias, a Constituigdo Fe- deral de 1988, no seu artigo 39, caput, nao deixa nenhuma diwvida de que as au- tarqulas so entes de direito pblico interno. As autarquias nascem da descentralizagéio administrativa da Unido, dos Es- tados e dos Municipios, e a sua criag&o e seus comandos fundamentais dependem de lei. E preciso notar que a entidade autarquica exerce fungdes do proprio Esta- do; em conseqiiéncia, ela tem direitos e daveres que, embora préprios, sao tam- bém do Estado. © renomado Hely Lopes Meirelles faz a distingdo entre entidades paraesta- tais e autarquias. Na ligdo do mestre, “‘Autarquias sdo entes administrativos autd- nomos, criados por lei, com personalidade juridica de direito pdblico interno, pa- triménio préprio e atribuigées estatais especificas. Autarquia 6 pessoa juridica de direito piblico, com fungdo publica propria e tipica, outorgada pelo Estado; enti- dade paraestatal 6 pessoa juridica de direito privado, com fungéo piiblica atipica, delogada pelo Estado. A autarquia integra o organismo do Estado, sem com ole se identificar. Aquela é intra-estatal; esta, é extra-estatal. A autarquia esta no Es- tado;.o ente paraestatal se situa fora do Estado, como indica 0 préprio étimo da palavra paraestatal. Isto explica porque os privilégios administrativos do Estado se transmitem natural e institucionalmente as autarquias, sem beneficiar as enti- dades paraestatais. A personalidade da autarquia, por ser de direito ptiblico, nas- ce com alei que a instituiu, independentemente de registro; a personalidade do ente paraestatal, por ser de direito privado, nasce com o registro de seu estatu- to, elaborado segundo a lei que autoriza a sua criagéo. Nao sendo um desmem- bramento do Estado, como nao 6, o ente paraestatal néo goza dos privilégios es- 35 tatais, salvo quando concedidos expressamente por lei. Na autarquia a prerroga- tiva estatal 6 a regra, por inerente & sua condigéo de Poder Publico; na entidade paraestatal 6 a excegdo, por impresumivel nas pessoas juridicas de direito priva- do” (in "Direito Administrativo Brasileiro", Editora Revista dos Tribunais, 13? ed., $40 Paulo, 1987). © Professor Manoel de Oliveira Franco Sobrinho ("Curso de Direito Admi- nistrativo", Ed, Saraiva, S40 Paulo, 1978) salienta que “a figura da autarquia indi- ca, desde a sua criagao e formagéo, autonomia nos limites prefixados de regime pelo sistema juridico positive. Autonomia nao no sentido de se organizar juridica- mente, mas no sentido de adaptar a pessoa (organismo) & ordem juridica pecu- liar que a gerou. Administrando-se a si mesma, uma autarquia, na consecugdo dos préprios fins, representa, o Estado, o peculiar interesse piiblico”. Quando escreve a respeito das fundagdes, observa o mestre paranaense que “pessoas juridicas de direito privado, uma vez criadas pelo Estado, sao ou podem ser chamadas de fundagées piblicas, ja que a afetagdo por pessoa piiblica de um patriménio a um certo servigo dao-Ihe caracteristicas finalisticas. Jamais sera pre- ciso com as fundagées retirar delas a sua peculiar figura juridica, O Estado quan- do as cria traz como finalidade obter a colaboragao de uma pessoa juridica priva- da indispensvel em certos casos para a organizagéo de servigos auténomos do interesse da Administragdo" (ob. cit.) Todavia, o tema relative & natureza juridica das fundagées instituidas pela administragdo publica nao é pacifico, havendo quem sustente que as fundagdes instituidas pelo Estado e com recursos pilblicos sao fundagées de direito pUblico. © Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinario n. 101.126 ~ RJ ~ Pleno (RTJ 119/314}, enfrentou 0 tema, deixando assentado que “As fundagées, instituidas pelo Poder Piblico, que assumem a gestdo de servigo es- tatal e se submetem a regime administrativo previsto, nos Estados-membros, por leis estaduais sao fundagées de direito publico, e, portanto, pessoas juridicas de direito publico”. O Ministro Moreira Alves, relator do aludido proceso, em deter- minado trecho de voto, destaca: "Alias, forte corrente doutrinaria existe ~ a que se fillam entre outros, Cretella Jdnior (vide entre outras de suas obras, "Fundagdes de Direito Publico”, pag. 68, Forense, Rio de Janeiro, 1976); C. A. Bandeira de Mel- lo (“Princfpios Gerais de Direito Administrativo”, vol. |, n. 26.5, pag. 249, Forense, Rio de Janeiro, 1974); C. A. Bandeira de Mello ('Natureza e Regime Juridico das Autarquias”, pags. $70 e segs., Sao Paulo, 1967) e Sérgio de Andréa Ferreira ("‘Di- reito Administrative Didatico”, pag. 82, Forense, Rio de Janeiro, 1981) ~ no senti- do de que as fundagées de direito pilblico (que ndo se confundem, evidentemen- te, com as fundagées de direito privado instituidas pelo Estado) nada mais séo do que espécie do género autarquia. Essa, a meu ver, a tese correta, até porque nao tem sentido que sociedade de economia mista e empresas ptiblicas, que séo me- ras pessoas de direito privado, integrem a Administragéo Indireta, tendo seus em- pregados indimeras restrigdes por equiparagdo a servidores pilblicos, e as funda- des de direito puiblico, que sao inequivocamente pessoas juridicas de direito pu- blico, com patriménio publico, mantidas por verbas orgamentarias, sob a fiscali- zagao direta do Poder Pblico, sujeitas acs Tibunais de Centas, criadas para a exe- cugdo de atividades pUblicas descentralizadas, ndo pertengam a essa Administra- 36 go Indireta, sob o fundamento Unico de que, por serem fundagées, tém de ser pes- soas juridicas de direito privado, que, no entanto, néo se submetem &s normas do Cédigo Civil relativas &s fundagées. Em verdade, as autarquias so ou do tipo fun- dacional (ou institucional), ou do tipo associative (ou corporative), enquadrando- se as fundagées de direito piblico no primeiro. Essas fundagées sao um instrumen- to de descentralizagao do Poder Piblico, e se inserem na Administragao Indireta, como ndo poderiam deixar de inserir-se, por serem autarquias”. A Constituicao Federal de 1988 consagrou o principio de “fundagées pabli- cas”, ao estabelecer que “A Unido, os Estados, 0 Distrito Federal e 0s Municipios instituirao, no ambito de sua competéncia, regime juridico Unico e planos de car- reira para os servidores da administragao piiblica direta, das autarquias e das fun- dagées plblicas” (art. 39, caput). Diz, ainda, a Constitui¢ao Federal, no seu art. 37, XIX, "somente por lei especifica poderdo ser criadas... autarquias ou fundagdes piblicas”. Como se vé, 0 tema a respeito da natureza juridica das fundagées institui- das pela Administragao Pablica nao 6 pacifico, tanto que o legislador constituin- te deu aos funcionérios dessas instituigdes 0 status de servidores puiblicos, ao pre- conizar que se adote para eles 0 mesmo regime juridico dos servidores da Admi- nistragao direta. Se a fundagao piiblica é instituida com a finalidade de descentralizar a ati- vidade administrativa do Estado, passando a prestar servigos que eram inerentes ao Estado, além de todo o seu patriménio e dotagao orgamentaria advir de recur- sos piiblicos, no ha como negar que se trata de uma fundagdo do género autar- quia, Cabe destacar, ainda, 0 voto do Ministro Aldir Passarinho, nos autos do Re- curso Extraordinario antes mencionado, verbis: “O art, 5° do Decreto-Lei 200, con- sidera a autarquia como ‘o servigo auténome, criado por lei, com personalidade juridica, patriménio e receita préprios, para executar atividades tipicas da Admi- nistragdo Pablica, que requéiram, para seu melhor funcionamento, gestéo admi- nistrativa e financeira descentralizada’. Este mesmo Decreto-Lei n. 200, no § 2° do seu art. 4°, fazia uma equiparagdo: para os fins daquele diploma legal, equiparam- se &s empresas piiblicas as fundagées de que participassem a Unido. Entretanto, © Decreto-lei n. 900 revogou esse dispositive e, entdo, para o efeito da Reforma Administrativa, que, porém, nao trata de acumulagao, a.equiparagdo foi eliminada. Sabemos que nas Administragdes Federais ¢ Estadual encontramos universidades, como outros estabelecimentos de estudos e pesquisas, ora como autarquias, ni- tidamente caracterizadas, ora como fundagées instituidas por lei. S40 varios os exemplos. Assim, embora possa ter o nome de fundagao e ser declarada como en- tidade de direito privado, todos os elementos que a caracterizam a definem, de fa- to, como uma verdadeira autarquia, O que importa 6 a propria natureza do érgao administrativo, e ndo o nome que eventualmente se Ihes possa dar”. Nao resta nenhuma divida que os funcionarios da Unido, dos Estados, dos Municipios e das Autarquias, sdo servidores pUblicos, pelo que se infere do dis- posto no art, 39, caput, da Constituicao Federal. Conseqientemente, a revisdo ge- ral da remuneragao desses servidores, sem distingao de indices, far-se-4 sempre na mesma data, em face do que dispée o art. 37, X, do texto constitucional, e nao 37 ha sofisma que se possa insinuar em letra tao clara. E 0 art. 37, X, nao se dirige 86 ao Poder Executivo, pois é também limitagdo de poder e de competéncia de ou- tros Poderes. O artigo 114, paragrafo 2°, da Constituigéo Federal, ao assegurar & Justiga do Trabalho competéncia “para estabelecer normas e condigées, respeitadas as disposigdes convencionais ¢ legais minimas de protegao ao trabalho", no concer- nente aos érga0s pliblicos, nao pode ser examinado isoladamente, pois as normas de uma Constituigéo t8m que ser interpretadas como um todo organico, adotan- do-se sobretudo o chamado método Iégice-sistematico, concebendo-se a norma como parte de um sistema, que compde um todo ou unidade objetiva, Unica a em- prestar-Ihe o verdadeiro sentido, impossivel de obter-se a partir de um exame iso- lado de um artigo ou de um capitulo, sem levar em conta a sua relagao com os de- mais preceitos, até alcangar o lago que une todas as regras e instituigses num to- do coerente. Tenha-se em mente, também, o que diz a Constituigao Federal, no seu art. 61, paragrafo 19, Il, a, quando estabelece que sdo de iniciativa privativa do Presi- dente da Reptiblica as leis que disponham sobre "‘crlagao de cargos, fungées ou empregos ptiblicos na administragdo direta e autarquica ou aumento de remune- tago". O mesmo principio se insere com relagdo aos Poderes Legislativo e Judi- clério (arts. 51, 1V, 52, XIll e 96, II, b, CF). No &mbito das Administragées Estaduais e Municipais, nao é diferente. Portanto, quando se trata de estabelecer normas e condigées de trabalho para o servidor piblico, a Constituigéo Federal deixou expresso que o procedimen- to correto 6 através de lei e ndo de sentenga normativa, Poder-se-ia argumentar que existem outras condigées de trabalho, ndo previstas nos dispositivos consti- tucionais, que poderiam ser objeto de negociagao coletiva, ensejando, se fracas- sada esta, a proposigdo de diss{dio coletivo. Este ndo 6 nosso entendimento, pos- to que ao servidor ptiblico nao fol assegurado 0 direito & negociagéo coletiva, co- mo se infere do disposto no art. 39, paragrafo 22, da Constituigao Federal. Com efeito, 0 referido dispositive néo assegura ao servidor piiblico direito ao “reconhecimente das convengées @ acordes coletives de trabalho” (art. 72, XVI, CF). Note-se que, quando o legislador constituinte quis equiparar em direitos os trabalhadores da atividade privada e os da administragao publica, o fez expressa- mente. Logo, se ndo assegurou ao servidor piblico direito ao “reconhecimento das convengées e acordos ¢oletivos de trabalho” é porque essa categoria ndo tem di- reito &s normas coletivas de trabalho. E se nao tém direito a se utilizar de “con- vengées e acordos coletives”, também no pode o sindicato que os representa ajul- zar dissidio coletivo com vista a fixar normas e condigées de trabalho, visto que a agao coletiva sé 6 vidvel apés frustrada a negociagao coletiva, como deixa ex- presso o § 29, art. 114, da Constituigdo da Repiblica. Cabe aduzir, ainda, que a despesa publica depende de dotagao orgamen- taria e, sem a previsdo da despesa na lei de diretrizes orgamentérias @ na lei de orgamento, nao se pode conceder qualquer vantagem a servidor piblico, tal co- mo dispée o art. 169, paragrafo tinico, da Constituigéo Federal, E mais: O Ato das Disposigées Constitucionais Transitérias, no seu artigo 38, veda que a Unido, os Estados, o Distrito Federal e os Municipios despendam com pessoal mais do que sessenta e cinco por cento do valor das respectivas receitas correntes 38 Em suma, os érgaos pilblicos ndo estdo sujeitos &s normas coletivas de tra~ balho de natureza econémica e os sindicatos que representam os servidores pé- blicos nao tém direito & agao de dissidio coletivo com vista a estabelecer normas @ condigées de trabalho. Nem se invoque © direito constitucional de agao, pois o que a Constituigaéo diz 6 que “‘a lei ndo excluira de apreciagdo do Poder Judiciério leso ou ameaga a direito” (art, 52, XXXV) e os direitos dos servidores pUblicos &s normas e con- digdes de trabalho nao decorrem de convengées coletivas, acordos coletivos ou sentengas normativas, mas da lei ou de ato normative da administragdo publica. No que pertine aos entes ptiblicos, uma ressalva se impée & regra geral. Se 0 érgao da administragdo publica explora atividade econémica, sujeita- se ao regime juridico préprio das empresas privadas. A possibilidade de explora- go de atividade econdmica pelo Estado esté prevista na Lei Maior, quando neces- saria aos imperatives da seguranca nacional ou a relevante interesse coletivo. Dispée o artigo 173, caput, da Constituigao da Repiiblica: “Ressalvados os casos previstos nesta Constituigdo, a exploragdo de ativi- dade econdmica pelo Estado sé sera permitida quando necesséria aos imperati- vos da seguranga nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei". Pardgrafo 19, “A empresa piiblica, a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem atividade econdmica sujeltam-se ao regime juridico pré- prio das empresas privadas, inclusive quanto as obrigagées trabalhistas ¢ tribu- tarias". Uma das finalidades da equiparagéo visa a impedir que 0 Estado, exercen- do atividade econémica, usufrua de um regime juridico privilegiado, que torne a sua competig&o com a empresa privada desastrosa para esta, Deve, portanto, com esta competir em condigées isondmicas. Normalmente o Estado explora atividade econémica através de empresas piblicas ou sociedades de economia mista, mas pode ocorrer que também o fa- ¢a por intermédio de uma fundagéo ou autarquia, mas nem por isso coloca-se ao largo do disposto no artigo em comento. Pois bem, o ente estatal que explore atividade econémica pode ser parte em dissidio coletivo, que tenha por finalidade estabelecer normas e condigdes de tra- balho. V. A COMPETENCIA NORMATIVA DA JUSTIGA DO TRABALHO E AS LEIS DE POLITICA SALARIAL A Constituigéo da Repiiblica, no seu artigo 114 e paragrafos, trata da com- peténcia da Justiga do Trabalho, Este preceito assim est4 redigido: “Compete & Justiga do Trabalho conciliar e julgar os dissidios individuais coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito pi- blico externo e da administragéo pdblica direta e indireta dos Municipios, do Dis- trito Federal, dos Estados e da Unido, e, na forma da lei, outras controvérsias de- 39 correntes da relagao de trabalho, bem como 0s litigios que tenham origem no cum- primento de suas préprias sentengas, inclusive coletivas. Paragrafo 1°. Frustrada a negociagao coletiva, as partes poderdo eleger ar- bitros. Paragrafo 2°. Recusando-se qualquer das partes & negociagdo ou & arbitra- gem, é facultado aos respectivos sindicatos ajuizar dissidio coletivo, podendo a Justiga do Trabalho estabelecer normas e condigées, respeitadas as disposigoes convencionais © legais minimas de protegdo ao trabalho”. Portanto, o texto constitucional estabelece os limites da competéncia nor- mativa da Justiga do Trabalho. Estabelecer normas significa que, no ambito do dissidio coletivo, a Justiga do Trabalho tem uma atuagao assemelhada & do legislador e 0 faz por delegagao deste. Por isso que se diz que a decisdo normativa tem corpo de sentenga e alma de lei. Cria a norma que deve ser observada na base territorial das categorias re- presentadas no dissidio. Se o dissidio envolve, por exemplo, duas entidades sin- dicais de um municipio, uma representando a categoria dos empregados e a ou- tra a dos empregadores, as normas e condigées estabelecidas na sentenga nor- mativa sao aplicaveis a todos os empregados e empregadores representados pe- las referidas entidades sindicais. S40 normas abstratas, erga omnes, aplicaveis a um numero indeterminado de pessoas. Em todo dissidio coletivo que visa ao estabelecimento de normas © condi- des de trabalho, tem-se que partir do exame da inexisténcia da norma. Se @ nor- ma existe ¢ jA esta devidamente disciplinada em lei, nao tem pertinéncia qualquer pedido de que seja instituida em decisao normativa, salvo quando ela é de con- teudo minimo. Um exemplo de norma de contetido minimo encontramos no inci- so XVI, artigo 72, da Constituigao Federal: “remuneragao do servigo extraordina- rio superior, no minimo, em cinqienta por cento & do normal’. Isto significa que a Justiga do Trabalho podera fixar percentual superior, em sentenga normativa Quando a Constituigao remete determinada matéria para ser regulada por lei, ndo cabe & Justiga do Trabalho disciplina-la em sentenga normativa. Também nao pode a Justiga do Trabalho estabelecer normas e condigdes em niveis inferiores aos assegurados em disposigées convencionais e legais minimas de protegao ao trabalho. Lembre-so, contudo, que as normas fixadas em conven- des coletivas, acordos coletivos @ sentengas normativas, vigoram no prazo as- sinado, nao integrando, de forma definitiva, os contratos, conforme jurisprudéncia compendiada no Enunciado da Simula 277 do TST, salvo aquelas que jé integra- ram 0 pattiménio juridico do trabalhador. Um adicional por tempo de servigo, por exemplo, uma vez instituido e pago ao longo de um ano, nao pode ser suprimido sé pelo fato de ndo constar do instrumento normativo renovado. A clausula de maior relevancia é aquela que visa ao reajuste salarial, e nes- te campo o Estado 6 extremamente regulamentador, quase sempre sob o funda- mento de que os aumentos salariais alimentam a inflagao, na medida em que sao repassados para os pregos. 40 © tema é complexe e dele nao cabe tratar nos limites deste artigo. De qual- quer modo, os pregos e servigos nunca sofrem reajustes em patamares inferiores ao da inflagéo, em economia inflacionaria como a nossa; os impostos também es- tao indexados. Assim, ao menos sob o prisma de justiga, nao parece razoavel que 86 0 assalariado fique sem qualquer protegao contra a corrosao inflacionaria de seu poder aquisitivo. As Leis ns. 8.222, de 05.09.91, 8.419, de 07,5.92 ¢ 8.452, de 23.12.92, tratam da Politica Nacional de Salario. As duas primeiras prevéem antecipagées bimestrais reajustes quadrimes- trais até trés saldrios minimos, dispondo a primeira no art, 69, @ a segunda no ar- tigo 19, que “as cléusulas salariais, inclusive os aumentos reais, ganhos de pro- dutividade do trabalho e pisos salarials proporcionais & extensao e & complexida- de do trabalho, assim como as demais condigées de trabalho serao fixados em con- tratos, convengées e acordos coletivos de trabalho, laudos arbitrais e sentengas normativas, observadas, dentre outros fatores, a produtividade e a luctatividade do setor-ou da empresa”. A Lei n. 8.542 prevé, também, antecipacédes bimestrais e reajustes quadri- mestrais & parcela salarial até seis salarios minimos. Como se vé, frustrada a negociagao coletiva, por ocasiao da data-base do cada categoria, a prépria lei autoriza.a Justiga do Trabalho a reajustar os salarios, reconhecendo que se trata de uma norma de contetido minimo. Qual 0 critério a ser adotado para o reajuste de todas as faixas salariais? Creio que 0 mesmo indice adotado pela lei, nada vedando que se estabeleca um percentual menor. Manifesto equivoco mandar reajustar a clausula salarial de acordo com a lei, pois 0 que a lei regula nao precisa a sentenga normativa regular. Pode-se até indeferir 0 pedido de reajuste, entendendo-se que ndo é conveniente estabelecer critérios diferentes dos prévistos pelé legislador, pois a Constituigéo estabelece uma faculdade e no um dever, Nao tem sentido, porém, mandar aplicar a lei, por refugir do dmbito da competéncia normativa da Justiga do Trabalho, sendo maté- tia para ser examinada e decidida em dissidio individual. A recente Lei n. 8.700, de 27 de agosto de 1993, que dispde sobre a politi- ca nacional de salarios, deu nova reda¢Ao aos artigos 5°, 79 e 9° da Lei n. 8.542, de 23 de dezembro de 1992. Pela legislagdo anterior, os trabalhadores tinham direito a antecipagées sa- lariais sobre a parcela até seis salérios minimos, a cada dois meses, ¢ a reajustes quadrimestrais, A atual lei instituiu antecipagées salariais mensais sobre a parce- la até seis saldrios minimos, a serem fixadas pelo Ministério do Trabalho até o se- gundo dia itil de cada més, em percentual correspondente & parte da variagéo do IRSM que exceder a 10% (dez por cento) no més anterior ao da sua concessao. Foi mantido 0 sistema de reajustes quadrimestrais, previstos no artigo 6° da Lei n. 8.542, de 23 de dezembro de 1992, para a parcela até seis salérios minimos, deduzindo-se as antecipagées mensais. Intacto, também, restou o art. 19 da men- cionada Lei, que faculta aos sindicatos ajuizar dissidio coletivo © confere & Justi- 4 ga do Trabalho competéncia para fixar clausulas salariais, inclusive aumentos reais, ganhos de produtividade do trabalho e pisos salariais, assim como as demais con- digées de trabalho. Trata-se, a exemplo das demais, de uma Lei de contetido minimo, autorizan- do, expressamente, o estabelecimento de normas e condigdes mais favoraveis, em sentenga normativa. VI. LIMITES DA SENTENGA NORMATIVA Comparativamente com a Constituigao anterior, que remetia & lei ordinaria a especificagao das hipéteses em que as decisées, em dissidios coletivos, pode- riam estabelecer normas @ condigées de trabalho (art. 142, paragrafo 1°), é forgo- 30 reconhecer que o atual texto constitucional ampliou a competéncia normativa da Justiga do Trabalho, na medida em que néo subordina & regulamentagao pe- lo legislador ordinario, A redag&o contida na Constituigdo antiga nao impediu que o douto Délio Ma- ranhao (in LTr de junho de 1985), abordando o tema “‘Sentenga Normativa e Piso Salarial”, assinalasse com a precisdo que Ihe é peculiar, verbis: “Absurda e abusiva ~— data venia - porque estreitamente literal, sera a inter- pretagdo que imponha, como condigao sine qua non para a obediéncia & Cons- tituigdo, a enumeragao pelo legislador de uma série de hipdteses em que se pos- sa fundamentar a competéncia normativa da Justiga do Trabalho, série que seria sempre incompleta e sempre distante da realidade, eis que as possiveis ‘condigées de trabalho’ variam e mudam em fungdo dos mais diversos fatores, como os rela- cionados com o tempo, o lugar, a especificidade da categoria profissional, a situa- gdo econémica da atividade empresarial, o avango tecnolégico, o préprio fenéme- no da mudanga social, etc. ... Alias, o Supremo Tribunal Federal tem reconhecido, - data venia, incoerentemente — a constitucionalidade de clausula em dissidio co- letivo, como a que eleva o valor do adicional pelo trabalho em horas extras ou ga- tante a estabilidade proviséria & empregada gestante, apés o término da licenga remunerada, sem que haja lei em que se fundamenta. O Supremo decide com acer- to ao admitir essas cldusulas, mas nao revela porque sdo elas constitucionais e outras ndo, sendo que 0 motivo invocado para repelir é, precisamente, a inexistén- cia de lei que as autorize". Nao hé negar, portanto, que a Justiga do Trabalho tem, como caracteristi- ca marcante do seu poder jurisdicional, a competéncia normativa que a Constitui- go Ihe confere, permitindo-Ihe, no vazio da lei e nos limites que ela ndo proibe, criar a norma juridica, para reger as relagées individuais de trabalho, no ambito das categorias envolvidas no dissidio, sempre que fracasse a negociagao coletiva. E 0 sistema que temos para a solugdo dos conflitos coletivos de trabalho de natureza econémica, quando inviabilizada a negociagao coletiva. Resta saber se 0 sistema que queremos, exatamente no momento em que a sociedade brasilei- ra se prepara para a reforma constitucional. Permanecendo essa prerrogativa, carregada de responsabilidade no con- texto social, a Justica do Trabalho precisaré ser aparelhada, pois continuaré a de- 42 cidir questées socioeconémicas da maior relevancia, que se refletem na vida de toda a sociedade. Em razdo disso, os Tribunais tém que contar com assessorias econémicas de elevado saber, a fim de que possa coadjuvar os julgadores com avaliagées seguras e adequadas, especialmente no referente a clausulas de au- mento salarial, para que se possa saber, em cada ramo de categoria, qual o per- centual a ser adotado e as repercussdes dos aumentos nos custos empresariais, pois ha de se levar em conta que a decisdo normativa abrange grandes e peque- nas empresas, salvo excegées. E mister, também, que se possa fazer uma proje- 40 dos reflexos dos aumentos concedidos nos indices inflacionarios, a fim de que as decisdes normativas nao ultrapassem certo patamar, acima do qual o aumen- to salarial poderd representar um componente inflacionario, agravando os proble- mas socloeconémices. E certo que entre os economistas 6 grande a controvérsia no que diz res- peito aos saldrios serem ou nao geradores de inflagdo. Uma corrente sustenta que em nenhum pais do mundo a politica salarial aus- tera deixa de ser um elemento de contengao inflacionéria, afirmando que nao adian- ta manipular os outros itens, sem adotar bastante austeridade com a politica salarial. Outra corrente afirma que 0 aumento do salério real nao “jogaré mais lenha na fogueira” da inflagdo. Os trabalhadores, ao longo das varias leis de politica salarial, sofreram uma significativa contengao salarial. Nao obstante isso, essa contengao salarial ndo de- teve a inflagao, o que levou certa corrente do pensamento econémico a acreditar que os salarios nao tinham reflexos significativos nos indices inflacionarios. Parece certo, contudo, que o aumento do salario real requer uma reposigao gradativa, sob pena de contribuir para a elevacao dos niveis inflacionarios. Daf a dificil missao da Justiga do Trabalho, ao exercitar a sua competéncia normativa nos dissidios coletivos de trabalho de natureza econémica. Todo este panorama que se descortina para o futuro exige do legislador cons- tituinte e de toda a sociedade uma reflexdo profunda, mas no meu entender seria melhor que & Justiga do Trabalho, como a qualquer outro érgao do Poder Judicié- tio, atribuisse-se, apenas, a aplicagdo da lei, decidindo de acordo com os casos coneretos. As questées de natureza econémica, preferencialmente, devem ser negocia- das entre as categorias profissionais e econédmicas 9, fracassada a negociagao co- letiva, dissidio passaria ao sistema de arbitragem extrajudicial, a exemplo do que J4 ocorre na maioria dos paises ocidentais, excluindo-se, em conseqiiéncia, da Jus- tiga do Trabalho, a competéncia normativa. Todavia, se a opeao do legislador for no sentido de manter a competéncia normativa da Justiga do Trabalho, torna-se indispensavel que ndo se imponham res- trigdes de modo a torné-la ineficiente e desprestigiada, na solugdo dos dissidios coletivos. Vii, DISSIDIO COLETIVO E © DIREITO DE GREVE A atual Constituigdo foi a mais liberal de todas no tocante ao direito de gre- ve, apenas ressalvando a manutengao dos servigos essenciais ¢ inadiaveis & co- 43 munidade (art. 99). Isto jé revela que o legislador constituinte remetou para a le- gislago ordinaria a regulamentagao do exercicio do direito de greve, nao obstan- te no possa este estabelecer limitagdes que a Constituigao nao estabeleceu. Todos os paises democraticos do Ocidente asseguram aos trabalhadores © exercicio do direito de greve com vista a melhorar as condiges de trabalho, E a chamada greve reivindicatéria. Embora o direito de greve tenha sido assegurado de forma ampla, ndo te- mos divida que a jurisprudéncia ird se firmar no sentido de sé admitir a grove rei- Vindicatéria, coibindo a greve politica e a de solidariedade, que nde encontram res- sonancia no campo do diteito comparado. A regulamentagao pele legislador ordinario do exercicio do direito de gre- Ve ndo se contrapde & garantia constitucional desse dirsito, desde que ndo se fa- ga limitagdes que a Constitui¢do nao fez. E preciso ter em mente que nao existem direitos ilimitados, ¢ 0 direito de gre- ve néo pode ir além de um procedimento reivindicatério, pois a propria Constitul- go conferiu ao homem e & sociedade uma série de outros direitos, que N&o Po- dem ser desconhecidos pelo conjunto da sociedade, O exercicio de um direito ter- mina quando comega 0 exercicio de outro direito, como o direito & vida, & liberda- de, por exemplo. Mesmo a Constituig&o de Portugal, que foi uma das mais liberais ao asse- gurar o direito de greve, ao dispor no seu art. 59, quo "E garantido o direito & gre- ve. Compete aos trabalhadores definir o ambito de interesses a defender atraves da greve, ndo podendo a lei limitar esse €mbito”, ndo impediu que o legislador or- dinario viesse a regular 0 direito de greve, impondo restrigses apenas para res guardar exercicio de outros direitos assegurados no texto constitucional. Na Itélia, que nao existe uma lel ordinaria regulando o direito de grove, a res- trigdo veio através de interpretagao jurisprudencial. Na Franga, do mesmo modo Portanto, a Lei 7.783, de 28 de junho de 1989, apenas disciplina 0 exercicio do direito de greve, sem limité-lo, E importante assinalar, ainda, que essa lel foi ela- berada pelo mesmo corpo legislative que votou a Constituigéo de 1988, © que per- mite afirmar que ela traduz a verdadeira interpretagao auténtica do texto constitu: cional. Seguindo o espirite da Constituigdo, a Lei 7.783 valoriza a negociagao co- letiva, como instrumento mais eficaz a solucionar as controvérsias entre 0 capital @ 0 trabalho, pois, pelo que se infere de seu artigo 3°, a cessagao coletiva do tra- balho sé estaria autorizada apés frustrada a negociagao. A prévia notificagéo do empregador, com 0 prazo de 48 horas, nas ativida- des nao essenciais, além de nao restringir 0 exercicio do dircito de grove, & até sa- lutar, Primeiro, para que o empregader nao seja tomado de surpresa; segundo, por- que 0 empregador, sabendo que havera a cessacao coletiva do trabalho, ainda po- derd se dispor a negociar com os empregados. O direito de greve continua sendo um direito sindical, conforme se extrai do art. 4°, da Lei 7.783, de junho de 1989. Somente nao havendo entidade sindical, 44 que possa representar os empregados, 6 que a lei autoriza a eleigao de uma co- missdo representativa, para representar os trabalhadores na negociagdo ou pe- rante a Justiga do Trabalho. A forma de deliberagdo da cessagao coletiva do trabalho 6 matéria que de- ve ser regulamentada no estatuto de cada entidade sindical. E obrigatério, contu- do, que os estatutos disciplinem a convocagao da assembléia geral, a fim de que prevalega o principio democratico de deliberagao pela maioria. O direito de greve 86 pode ser exercido pacificamente, néo havendo ampa- ro legal para invasdo de fabricas, constrangimento ilegal & liberdade de ir e vir, € a liberdade de trabalho. Nenhum direito ou garantia fundamental poder ser vio- lado através do exercicio do direito de greve, como emana do artigo 6°, paragra- fo 12, da Lei 7.783/89, que se conecta com o art, 5°, da Constituigao da Reptiblica. A Lei assegura aos grevistas o emprego de todos os meios pacificos des- tinados a persuadir ou aliciar os trabalhadores a participarem da cessagdo cole- tiva do trabalho, e 0 empregador ndo poderd colocar qualquer obstaculo a essa pratica que, alids, 6 inerente & propria natureza do direito de greve (art. 6° ¢ pa- ragrafos da Lei 7.783/89). Durante © movimento grevista a lei veda a rescisdo do contrato de trabalho, como também a contratagao de trabalhadores substitutos, salvo quando a para- lisagao dos servigos resulte em prejuizos irreparaveis a bens e equipamentos, hi- péteses em que, ndo havendo acordo para assegurar a preservagao desses bens, © empregador fica autorizado a contratar diretamente os servigos necessarios (arts. 79 @ 9°, Lei 7.783/89) Conseqiientemente, o trabalhador que for dispensado durante o perfodo de cessagao coletiva de trabalho, desde que esta tenha se dado nos termos da lei, tem direito & reintegragao. Pla Rodriguez, citado por Arnaldo Siissekind (in “Comentarios a Constitui- 40", Ed. Freitas Bastos, 2° vol.), aponta quatro premissas basicas que o legisla- dor e 0 intérprete devem ter em conta a respeito da greve nos servigos essencit a) “existem certas atividades nas quais ndo se pode aceitar uma interrup- 40"; b) “o fato de que nao pode interromper-se 0 funcionamento do servigo nao quer dizer que nao possa haver greve na empresa ou estabelecimento, porque a continuidade dos servigos essenciais deve ser mantida por intermédio de turnos de emergéncia’ ©) “esse funcionamento de emergéncia nao pode significar a alteragdo das situagdes normais. Isto 6, o responsavel deve continuar a frente do mesmo, sem que possam inverter-se as relagdes hierarquicas”; d) como a “continuidade dos servigos representa uma redugdo ou limitagao ao direito de greve imposta em razao do interesse geral, isso deve ser compen- sado com algum sistema para facilitar a répida solugao dos conflitos”. Como jé assinalamos, 0 direito de greve ndo 6 um direito absoluto e a sua limitagdo nas atividades essenciais 6 uma necessidade, como previsto no préprio texto constitucional (art. 9°, pardgrafo 19). 45 A Lei n. 7.783, de 28 de junho de 1989, também regulou 0 direito de greve nas atividades essenciais. No artigo 10, definiu as atividades essenciais, e, no artigo 11, estipulou co- mo os empregadores ¢ 08 trabalhadores devem proceder para garantir, durante a greve, a prestacdo dos servigos indispensdvels ao atendimento das necessida- dee inadiaveis da comunidade, conceituando-as como aquelas que, ndo atendidas, coloquem em perigo a sobrevivéncia, a satide ou a seguranga da populagéo. Nessas atividades 6 obrigatéria a prévia comunicagdo aos empregadores & ao pliblico usuério com antecedéncia minima de 72 horas da paralisagao do tra- batho (art. 13, Lei n. 7.783/89). A inobservancia de qualquer formalidade da lei de greve, tanto nas ativida- des essenciais ou nao, poderé caracterizar o movimento como abusivo, como tam- bém a manutengao da paralisagao apés a celebragdo de acordo, convengdo ou decisdo da Justiga do Trabalho, salvo se a greve tem por objetivo o cumprimen- to de clausula prevista em uma dessas normas coletivas ou diga respeito a fato no- Vo ou acontecimento superveniente que modificou substancialmente a relagéo de trabalho. O direito de greve do servidor piblico ficou condicionado a ser disciplina- do por lei complementar, que até hoje ndo foi elaborada pelo Poder Legislative. Lo- go, enquanto nao for elaborada essa lei complementar, 0 servider public néo tem assegurado 0 direito de greve. O artigo 37, Vil, da Constituigao da Repiiblica, a0 dizer que “o direito de greve sera exercido nos termos @ nos limites definidos em lel complementar”, revela que a eficacia desse direito depende da emissao de uma normatividade futura, em que o legislador ordinario, integrando-lhe a eficacia, me- diante lei complementar, he d8 capacidade de execugdo em termos de regulamen- tagdo daquele direito visado. Isto significa que o servidor piblico no pode suspender a prestagao de ser- vigos em decorréncia de greve, @, se a fizer, seré ilegal. E comum dissidios coletivos ajuizados por pessoas juridicas de dircito pa- blico, perante a Justiga do Trabalho, visando a uma declaragao de ilegalidade da greve deflagrada por servidores publicos. Sendo eles estatutérios, a Justiga do Trabalho nao tem competéncia para exa- minar esse conflito, e a agao prdpria, que ndo 6 a de dissidio coletivo, deve ser ajui- zada perante o juizo competente, Justiga Federal ou Estadual, dependendo da pes- 80a juridica envolvida no dissidio. E a dedugéio quo se extrai do julgamento do Su- premo Tribunal Federal na Agdo Direta de Inconstitucionelidade n. 492-1. Se 0 servidor regido pelo regime celetista, seja ele municipal, estadual ou foderal, a situagéo muda, pois nesta hipétese no hé que se cogitar da incompe- tancia da Justica do Trabalho, em face do que dispde o artigo 114 da Constituigao da Repiiblica, Todavia, um diss{dio coletivo decorrente de greve deve sempre pros- supor a possibilidade de atender as reivindicagées dos grevistas, impossivel no Ambito do dissidio coletivo, como jé examinamos no item relativo as pessoas ju- Hidicas de direito piiblico interno. Daf o entendimento jurisprudencial predominan- te da impossibilidade de agao coletiva dessa natureza, visando exclusivamente & declaragao de ilegalidade da greve. 46 ' O Ministro Almir Pazzianotto, em diversos julgamentos, tem sustentado que a Justiga do Trabalho nao pode se escusar de julgar o dissidio coletivo decorren- te de greve dos servidores piblicos. Trata-se de um ponto de vista respeitavel e que merece uma melhor reflexdo, em face do que dispée os artigos 59, XXXV e 114 da Constituigéo Federal. 47

Você também pode gostar