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13.162 wo, i DA MULTICULTURALIDADE EDUCACAO INTERCULTURAL: A Antroplologia da Educacio na Formacio de Professores” Ricardo Vieira” Bite texto dé conta dtuma propasta antropoligica para uma formagao de rofessones mais reflerioa A antropologia surge aqui como uma ciéncia pr vilegiada para a consirugdo dura educacdo intercultural, e para a forma. <0 pessoal e social dos professors, agentes do processo education em soco- daades matics 1. O proceso educative 44 nao sou ateniense nom grego, ‘mas sim im cidad2io do mural. Etimologicamente, educar signifi por outras palavras, levar a atingit um fim, um objectivo pré-esta- belecido 0 edu a, pretende-se enformé-lo pelo sistema educativo, atiavés sconduzit pela mao, ou, indo € idealizado pela ideologia vigente, ¢, na te texto foie colvido a party de um capitulo dt minha tese de doxtoramiento em Anopologs Social aprestds no ISCTE, suborinds a0 vas Lacago, leedigo e Madang Titra de Wis Patios RepresetgOs Soci, ext plo Prof Doon Ral a, a quem 4 que exes um agacecento especial pla mpi © apo dpensidcs 3 wna aren dzagem de investgedor nos as de as * este er Aniopobgi Socal « Sociologia a Cluny Doktor em Astopnogi Soci Pots ‘ccordnaor dt Esols Superior Educaglo de eta e Pat convida da Universi de Aveo erUCdegy sociepave & cuciuxas da instituicao formal, que tem sido por exceléncia a escola. Mas, todas as aprendizagens inscritas no curso da vida de um indivi. duo comegam muito antes da entiada na escola € a ctianga quando ai ingressa, chega preparada e treinada mais para deter- ‘minados fins e em determinados saberes (Benavente, et al, 1987; Iturra, 1990a e b; Vieira, 1992) Por isso, também os cédigos linguisticos dos alunos que che- gam A escola so muito diferenciados A aculturaco que sofrem com a linguagem da escola tem, contudo, softido diversas intes- pretacdes Por um lado, € mais ou menos consensual que ctian- a5 provenientes de culturas finguisticamente distantes dos eédi- gos da cultura escolar tém menos sucesso na escola que as que proveém da classe média Por outto lado, +do ha qualquer prova firme de que as diferencas de linguagem estejam casual e direc tamente relacionadas com diferencas de capacidade intelectual (Stubbs, 1987: 59) Neste dominio educacional, um dos autores mais conhecidos € muito seproduzido na formacao de professores em Portugal é, sem duvida, Bernstein (1978) Em particular, a sua obra parece remeter na mente dos docentes que tenho estudado!, quase € sO apenas para os conceitos de cédigo restrito e cédigo elaborado gue se 1etitam da fundamentacao teérica ¢ empitice dos primei- 108 tabalhos de Bernstein S40 conceitos que parece terem, entiado no folelore profissional de alguns professores (Stubbs; 1987) € que sio manipulados € conelacionados tantas vezes per vertidamente. Designadamente, «0 trabalho de Bernstein fot usado, por exeniplo para apoiay a aftrmagéo simplista de que 0 fracasso escolar & fracasso linguistico. (Stubbs, 1987: 77) , efecti- vamente, n3o me parece que tena sido isto que o professor de sociologia da educagao da Universidade de Londres tenha que- 1 ks inveigagio que reli! pra tee de dnuorament, 2 qie me el antniemente ek nove professors em profuniate e dls const tris de vide que ana’ pra comprcender (9 peal que habla na acai do pressor eDUCacgy sociepape & curtunas ido dizer Antes sim, remete, a meu ver, para um éxito maior ou menor na aproptiacdo de significados locais/particularistas ou, a0 inves, globais/universalistas: Podemos generalizar { Je dizer que certos grupos de criangas, através das suas formas de socializagdo, estac orientadas para receber e oferecer signi- Ficados universalistas[c6digo elaboradl em certos context, ao paso que ‘ouiros gnapos de crlancas estdo onientados para sfgnificados pantictaristas Keédiga restrital J} Ora, quando consideramos as enangas na escola, vemos que é pronivel que exisiam dificuldades Porque a escola se ocupa necessariamente da sransmisdo e do desenvolvimento de ordens de sgnificagao unuversalistas (Bernstesn, 1982 26) Mas € verdade que 0 processo de ensino-aprendizagem na escola, com as suas -meta-linguagens., impde-se hegemonica- mente no sO aos alunos de culturas com pouca proximidade com a escrita ¢ a leitura, e, também, as suas familias, con: truindo nao s6 0 insucesso © uma avaliagao pela negativa, como também uma conseiéncia de nao set capaz Para subir os patamates da escada do saber escolar, a crianga fica assim no dilema de se tansformat em -pouco escolarizado-, com poucas habilitagdes literdriass, ou steprovadow, a via mais facil para a sobrevivencia do seu proprio eu cultural ¢ tantas vezes do scu PrGprio grupo doméstico — fugir da escola para trabalhar a terra? — ou ento, em se deixar e conseguit construit como oblato®, o que implica a perda da sua meméria ¢ a adultetagao da sua mente cultural’ 2 Nestor peda de empéstino 3 obin ce Rail ita, 1980 3 Bo lim eblane Nome que se das ao lego que se cet pata prestar seis um coment, indviduo que os pas edcavam 20 servi de Deus (Diino de Lingua Popes 8, Por Falta) Aplicoo conceit de Obl 2 pesos quc rej a origes ecncatucas E un prt ‘el euado do proceso de tans clara * Gye ado por Rl wea (19904 epCrGag soctepape & curiunas Alternativamente, a estrutura de significacdes da escola é explicada aos pats € imposta ~ ¢ ndo integrada ~ d forma ¢ ao contetido do seu mundo Introduz-se progressicamente um biato entie @ criaca como membro de urna familia ¢ de wma comunidade, e @ crianga como membro da escola De qualquer das formas espera-se que a crianga, @ os pais também, abxendo- nem a poria da escola Porque, por definig@o, a sua cultura é carenciada e (8 pais so inadequados tanto na orden moral como nas inaptidtes que transtntiem (Bernstein, 1982 22) A questio nao €, portanto, 56 motivacional, é também cognitiva & facto que Betnstein refere que ndo ha nada num dialecto, enquanto tal, que nao permita que a crianga interiorize e aprenda 10 uso dos significados universalistas Diz-se que a crianga nao esti €A vontade no mundo educative: «Se a professora tem de dizer continuadamente, «repete Ia isso, minha querida, ndo compreends, @ crianga pode acabar por ndo dizer nad (Bemstein, 1982: 29) Mas, 0 problema da hecatombe de algumas criangas no processo cducativo escolar nao & s6 ca motivacao que esti ausente quando pfesentes num contexto estianho © problema é também uma questio de mente cultural Passa também pela uniformidade do prOptio contexto escolat ~ monocolor e monocultural E portanto a escola que tem também que mudar & verdade que Ana Maria Domingues, et al, na obra que organizaram sobre a teoria de Bernstein, dizem que, «as criangas da classe trabatha- dora mais baixa estdo em crucial desvantagem, o que ndo signt- fica que criancas, familias e comunidades devam ser vistas como sistemas deficitérios patologicos e as suas formas de consciéncia como patoligicas ou, no metbor dos casos irrelevantes (1986: 8) ‘Mas, hé que ir um pouco mais Jonge com a mudanga da escola € a formacdo de professores, para que se construam pontes com os diversos contextos de aprendizagem que nfo podem ser reduzi- dos € classificados apenas de produtores de codigos linguisticos restritos Eles sdo também muito heterogéneos € multiculturais, Jogo, no passivets de se reduzitem a uma Gnica sintaxe € catego- 4 sPOACry sociepane & currunas tia de pensamento oposta a da cultura dominante veiculada pela escola. A escola tem, assim, que enveredar por um processo edu- cativo intercultural e Bernstein no me parece titar esta conclusao, muito embora nos seus trabalhos mais recentes ja nao defenda a telacdo directa que tinha estabelecido entre a casse social «le quem fala ¢ os cédigos que empregas (Stubbs, 1987: 70) Assim, tanto a educacao escolar como a educacao doméstica conespondem a constiugdes sociais do petiz, que néo obedecem, necessariamente a determinismos € a parimetios universais, mas antes, siio pautadas pelas condigdes © ambigdes dum determi- nado contexto especifico. E «ndo pode existir uma teoria pedags- ica, que implica em fins e meios da aceao educativa, que esteja isenta de um conceito de bomem e de mundo Nao ha, nesse sen- tido, uma educagdo neutra (Freire, 1974b: 7) Hoje, s¢ a Reforma do Sistema Educativo Portugués aponta para a formacao de cidadaos com aptidoes e competéncias fun- damentais para aprender, -capazes de se auto formarem e orien- tarem continuamente a sua propria educagao, tentando desen- voluer a apriddo e o deseo de aprenden, também é verdade que num passado nao muito distante, institucionalmente, € hoje, ainda que oculta ¢ marginalmente, a tnica € posta muito ainda no binémio transmissio/reproducdo, memorizacao de contetidos ‘mesmo que obsoletos funcionalmente, ¢, ainda, na inculcacao de valores Trata-se fundamentalmente dum ensino nominalista Ao invés de se estimular o desenvolvimento da exptessividade do ser humano, 0 proceso educativo escolar, caia € cai por vezes naquilo a que Paulo Freire chamou de educagao bancdria em que «0 educador substitui a expressividade pela doacao de expresses que 0 educando deve ir “capitalizando” Quanto mais eficientemente 0 faca tanto melhor educando sera conside- nado (Freire, 1977: 30); 2m tal pratica, os educadores sao os possuidores do conbecimento, enquanto 05 eduicando so como se fosem sasiloas vazias: que devem ser eDUCAcay socienane & Guiruras ‘enchidas pelos depisitos das educadores Desta forma, os educando mo tm ‘que pergumtar, questionar, desde que a sua atitude nia pode ser outa sendio a de receber, passtoamente, 0 conbecinento que os edvcadores neles depositaram (Freie, 1977 123) Mas, se falamos de proceso educative, ha que admitir que pelo menos teoricamente cle implica ndo so © ensino, mas tam- bém a aprendizagem: Haveriamos de ridicularizar um negociante que disesse ter verdido gua quer quantidade de mercadorias, embora ningiém tivesse comptado nenbuma Entretanto, hi talvez pnofessoves que pensam ter realizado um ‘bom dia de trabalbo edvucactonal seni levar em conta o que os seus ales ‘aprenderam Entre ensino e aprendizagem hd @ mesma equacdo exacta {que entre comprar e vender (Dewey, 1933 35) De maneira geral, os diciondrios nao distinguem claramente ‘0s conceitos de educacdo, ensino € aprendizagem Para 0 dicio- nario de Lingua Portugesa®, por exemplo, educar, ensina: ¢ aprender tém um denominador comum ~ a ideia de instevir Assim, em educar temos: ministrar a educacdo, instruin, em ensinar temos: educar, ministrar conhecimentos, insiruir sobre: ¢ cm aprender temos: adquirit conhecimento, instiuit-se Ha clectivamente algumas diferencas, pelo menos na énfase colo- cada diferentemente no sujcito € no objecto mas os conccitos nao ficam pret Também o ensino pode ser processado segundo varias metodologias: orientacao indirecta, no caso de se recomendar ao aluno que lela detetminado artigo, ou quando se diz, leia tudo 0 que encontrar sobre multiculturalidade,, orienta so estruturada e ditigida quando 0 professor acompanha paso 4 passo as actividades dos alunos sem Ihes dar espaco de mano- bra (¢f Kuethe, 1978) Mas, como recorda Ratl Iturra, 3 icimiio da Paro Bara Seto e0CACay soctepape & curiuras I Hoda a crianca quer aprender. Até porque ganha com iso a aprowagao dos adultos que a rodeiam Mas, mais imporiante que isso, porque ao aprender entende o que se passa em torno de st 0 processo education, em consequéncia, mais amplo do que & 0 ensino em institulgdes especializadas (lara, 1994 40) Contudo, embora a aprendizagem esteja presente em todas as culturas, ja a relacto ensino-aprendizagem, tal qual é vista na sociedade moderna, em que ha uma divisio especializada entre quem ensina ¢ quem aprende, nao ¢ efectivamente universal A propria escola enquanto instituigao laica ¢ recomendada para todos coisa nova Claro que desde a idade média que em Portugal e, de resto, na Europa, se podia buscar a aprendizagem, das letras © do pensamento reflexivo nos conventos e ordens religiosas E ai, essa 1elacdo entre o adulto que orienta ¢ ensina, © 0 petiz que ouve, segue © mestre © com ele aprende, vendo e fazendo, € 4 mais antiga Contudo, os saberes mais valiosos nao passavam sempre pela esctita A uprendizagem fazia-se nos con- textos da vida, onde 0 aprendiz vivia, convivia e aprendia com o mestte, sem que este se preocupasse em sistematicamente passat © conhecimento pelas palavras € pela abstraccao (ct. Rousseau, 1990 [1972]) Vivia-se enquanto se aprendia ¢ aprendia-se enquanto se vivia (Freire of al, 1983) +B claro que todo grupo social, como condigao da sua conti- nuidade, precisa de transmitir @ geracdo seguinte a experiéncia acumulada no tempor (tutta, 1994: 29). Mas essa reproducio socio-cultural parece set mais baseada na aprendizagem do que no ensino, para usar ainda essa dicotomia que se quer dialéctica, tao bem pensada ¢ explicitada pot Rail Iturra (1994). Como 0 autor sefere a propésito da uansmissio cultural ¢ do processo educativo entie os primitivos, «a auséncia da escrita na vida quotidiana coloca um forte peso no desenvolvimento de estrutt- ras mentais porque nio tm depois um texto onde ir lembrar 0 que fazer quando a meméria se esgota ou a conjuntura muda e gPUCNC ay socizpapz & curiuras fornece outros contextos (ibid: 33) Este exemplo serve pata lem- brat como ha efectivamente diferentes estilos cognitivos ¢ de aprendizagem Dizia, ats, se a aprendizagem esti de facto presente em todas as sociedades, os estilos de aprendizagem diferem, efecti- vamente No grupo doméstico, como dizem os antropélogos, ou na familia em geral, como preferem os cientistas da educagio, 0 ensino e a aprendizagem ocomem dentro do contexto, Nas nos- sas escolas portuguesas, 0 modo precominantemente usado est fora do contexto. Quando, por exemplo, a matemitica se dedica a0 estudo de algoritmos, acontece uma aprendizagem descontex- tualizada (no caso em que ha efectivamente aprendizagem, por- que pode também nao chegar a haver) com a resoluetio de cada exercicio isolado dos problemas teais No Brasil ¢ na Inglatersa, Teresinha Nunes (¢f Cartaher, 1991), tem colocado brilhantemente a questio da resolucéo de problemas como uma necessidade a introduzit na escola, para se passar a uma matemética formalista ¢ predominantemente de cdlculo escrito e abstracto, a uma matematica que parta dos quo- tidianos dos alunos € das suas formas orais de matematizar Para ela, 2 matemdtica @ uma disciplina com conotagio negativa por- que alguns alunos no encontam na disciplina a selaco com os modelos matemiticos que tm da sua propria experiéncia de vida. Vale a pena perceber uma investigagio que Teresinha reali- zou em feiras onde caiancas desfavorecidas frequentemente exer- citavam 0s seus prOptios modelos matematicos ‘As ctiangas utilizavam uma matemitica oral que lhes petmitia resolver comecta e rapidamente os problemas colocados pelo negécio da feita Esses modelos mateméticos foram-lhes transmi- tidos pelos pais ¢ elas aprenderam-nos rapidamente, pela neces- sidade de os por em pratica ¢ com sucesso, E que, caso contrit- rio, teriam prejuizo Na escola, pelo contrdrio, os alunos tém um modelo de resolu- Go que Ihes € sansmitide pelo professor, € que € resolvido no, goUCAegy soctrpane & curruras papel, de modo abstracto e, por vezes, com grande dificuldade. A. hipotese de Teresinha € que as ctiangas s4o capazes de resolver situagdes priticas, mentalmente, mas nao sto capuzes de o fazer no papel A mesma crianga, na escola, pode chegar a um resul tado improvavel, isto porque o método utilizado & diferente, resolve-se seguindo determinada formula € nao hd muito o habito dos alunos avaliarem se a solucdo encontrada € razoavel ou no. Tanto para somar e subtrair, muliplicar e dividir, os alunos que aprenderam primeiro a matemética na sua propria vida, utili zam uma forma diferente nos simbolos usados para a representa- do durante a execugao do céleulo Vejamos um exemplo apre- sentado por esta investigadora: A crianca esiava resclvendo um problema na vendinha simulada que enolvia 0 prego total de 15 cartes a 50 cruzeiros cada um: Dez ia dar 500, cinco daca 250, logo quince dava 750» A ciianiga usou, neste exemple, os sequins passos 1% 10350 6 igual a 500, 22, 54506 igual a 250 (note-se que esta muliplicacao por 56 feta do tme- dato, provavelmente porque ela dividiu ao mito 0 produto de 10:50, 0 que muitas criangas diziam explicttanente), 32, somando os dots produtos, 500250 € iqual a 750 Observou-se que a crianga usow nesta meiplica- io, 0s mesmas agrupamentas que usaraos no algoritmo, ou sea, vezes 10¢ exes 5, apenas o fez na ordem inversa Agrupamentos diferentes também ‘aparecen como no exemplo abeino da multiglicagdo 12250 é -50 com 50, 100 100 com 100 - 4 carves, dé duzentos Oito cares dé 400 Mas 100 = dee carros dé $00 Doze carros, 600+ (Carraber, 1991 53 54) Verificamnos que embora a crianca nao utilize os mesmos agtupamentos que na escola se utilizam ao calcular pelo algo- sitmo de multiplicagio, faz diferentes agrupamentos seguindo uma sequéncia légica Depois, soma os varios produtos Este exemplo aleita uma vez mais para a existéncia de uma plutalidade de formas de resolucao de problemas que no pode EPUCACA, socrzpape & currunas set cortada pela metodologia monocultural (Stoet, 1994) do pro- fessor Os agrupamentos escolhidos na matemética oral, quer dizer, no cAlculo da matematica do dia a dia, podem ser diferen- tes dos que escolasticamente usamos na matematica eserita ‘A aprendizagem no contexto, portanto, tem a ver com aquela em que os alunos aprendem competéncias € conhecimentos & medida que so necessitios e em situagdes da vida real, Mas, € claro que estes dois tipos de aprendizagem dentro dos contex- tos podem ficar confusas com © ensino descontextualizado Nao s6 confusas como serem avaliadas com +zetor na escola, a0 invés de «ez, como no minimo 0 sdo no seu proprio quoti- diano Para precisar melhor, convém dizer que no estou a fazer a apologia da utilizacao exclusiva da oralicade no ensino-aprendi- zagem Nao quero dizer que se deva fazer a substituigao da matematica escrita pela matemdtica oral denuto da propria escola A matemética escrita apresenta intimeras vantagens do ponto de vista do desenvolvimento do aluno que aqui nao cabe agora explicar Quero sim frisar qudo importante considero os professores conhecerem, reconhecerem, entendetem € valoriza- tem a matemética oral, o que implica aprenderem a fazer antro- pologia do quotidiano dos seus alunos Depois, a resoluco de problemas na sala de aulas é sem davida uma forma privilegiada de estabelecer essa 20 quetida ligacao entre a matemética € a vida, a abstraccéo eo dia a dia Trata-se de, em face da multiculturalidade ~ a heterogeneidade cultural -, constiuis a interculturalidade, a coexisténcia da diver sidade na unidade E, pois, claro que se quisermos enfatizar a aprendizagem, 20 invés do ensino, ha que investir em metodologias activas, envol- ventes © significativas, conforme aliés 0 proprio programa do ensino basico acaba por refetir Se quisermos enfatizat o ensino, ‘entio, basta um gravador, um televisor ou qualquer coisa que nao necessariamente um professot pPUcacay sociepape & cuciynas Parto pois do principio de que sem um clima afectivo, por vezes até ariscado, sem empatia entre as partes que se querem comunicar, nao € possivel pattilhar conhecimentos nem é possi vel termos um proceso educative proficuo Esta ideia, nova ainda na maiotia das priticas pedaggicas actuais, € no entanto ja velha enquanto teoria € discutida € defendida pelo menos desde 0 Huminismo Assim, Rousseau, mais filésofo do que pro- priamente pedagogo, deixou-nos contudo pistas que ainda hoje sdo retomadas em termos de metodologias de ensino Rousseau preocupa-se com a filosofia da educacao € nao com didicticas particulares, € certo Todavia, alerta-nos para a necessidade de respeitat a infancia que tem o seu lugar na ordem das coisas € para no se proceder, portanto, como os educadores que procu- ram sempre © homem na crianga sem pensarem no que ela é antes de chegar a homem Por isso Rousseau reivindica uma pedagogia funcional Também Claparéde se peocupou muito com uma pedagogia funcional Para ele, «a pedagogia deve assentar no conhecimento da crianga, tal como a borticultura no das plantas (Clapatede, 1946) Tal como para Rousseau, para Claparéde 0 ensino deve- tia tomar em consideracio primordiaimente a diferenga entre a técnica de pensamento da crianga e a do adulto”, Por isso lutou por uma educacio intelectual baseada na actividade do aluno e para que seja dada a atencao devida as brincadeiras da infancia e da adolescéncia na pedagogia Para ele a actividade Indica que desencadeia 0 verdadeiro trabalho que 05 métodos tradicio- nais foram durante tanto tempo incapazes de provocar sem coerciio © estimulo educacional nao deve portanto residir no receio do castigo nem mesmo no desejo de tecompensa, mas, no inte- esse, no interesse profundo por uma coisa que se trata de assi ilar ou executar Tarim Hal lua ditgue ene a epitenvioge do aloe epstermoogi dt anya 195 youcs sociepape & siruras A escola deve assim set ss um laboratorio do que um audi- trio E, para se alcancat este objectivo, obviamente que o Itidico a construcao de matetiais pedagogicos é fundamental para esti- mular a actividade da crianga Quanto ao problema de valer ou ndo a pena, a questo € muito relativa Para quem nao aciedita nestes ideais e confunde ensino com o acto de vender uma met- cadoria, obviamente que € mais facil mandar abrit o manual na pagina X, Y ou Z. Para quem vé no papel de ser professor uma necessidade de um empenho grande em ensinar a aprender, entio tem que optar cbviamente pela criatividade, pela produ- sao de novas ferramentas pedagdgicas e pela inovacao, nao 56 matesial mas também intelectual, como forma de motivar os alu- os que dificilmente se interessam pelas aulas tradicionais, 0 problema do salatio ou do esforgo fisico, esses nao sitio problemas pedagogicos Sao antes um problema de politica eco- nOmica a qual ndo podemos discutir obviamente com os alunos que, por si, esperam apenas aprender ¢ nfo fazem contas aos custos ‘Também, nesta linha, vio os wabalhos de John Dewey, que combate ferozmente a escola tradicional, 0 seu método autorité tio € © papel do professor como rei da sala de aula Em particu lar, critica a maior importincia que se dava A submissao e a obe- digncia as ordens escolates do que propriamente a um empenho dos alunos em actividades motivadoras Como sintese de todos estes modos de ver a motivacdo ¢ 0 envolvimento como factotes fundamentais duma verdadeira aprendizagem significativa, surge-nos a obra de Montessori Madame Montessori (1870-1952), formou-se em medicina mas é na educagio, ¢ em particular na pedagogia, que acaba pot fazet obra com letra grande Reivindicadora também de uma pedago- gia activa, postula uma nogao diferente de ordem. A dicotomia ordem/siléncio opde, como ideal, o trabalho, a liberdade © a ctiatividade A sua metodologia no consiste propriamente em ensinar, dar ordens, forjar ou moldar o espiito dos alunos, mas, gp¥eacgy sociepape & cuituras antes, criar-thes um ambiente apropriado A sua necessidade de expetimentar, agit, tabathar, assimilar espontaneamente ¢ ali- mentar o seu espitito. Obviamente que para reunir este contexto pedagogico € necessério um ambiente do ponto de vista fisico, tal como o mobilidtio, variados utensilios e, também, meios de tabalho E € talvez a grande auséncia destes meios que faz por vyezes cait © professor num repetidor de contetidos tal qual vem explicados no manual Mas foi Dutkheim quem dos pioneiros mais se preocupou e melhor langou os alicerces da necessidade de se ter de pensar a educagio como coisa social, na medida em que poe a ciianca em contacto com uma determinada sociedade, tendo por objec- tivo prepard-la para a integiagao social Segundo Durkheim, Educagao é a accdo exercida pelas geracées adultas sobre as que ainda ndo esido maduras para a vida social Ela tem a finali- dade de suscitar e desenvolver na crianca wn curto numero de estados fisicos, intelectuais e morais que the sdo exigidos pela sociedade politica no seu conjunio e pelo meio social a que é especialmente destinada» Pot Gitimo, acrescentaria que creio que Os contextos sociais, estimulam de diferentes modos 05 sistemas cognitivos dos indivi duos. O ensino, a cultura no sio coisa absoluta; nao constituem norma Gnica € universal para todos Ihe acedetem Hi que ter em conta 0 caricter relative e social da educagio, do ensino e da cultura num dado momento historico, conjunturalmente, por- tanto, e em cada civilizagao eDUCAC EG socigpans & curunas 2.0 método comparativo Claro que, para wm transeunte qualquer, 4 minba rosa 6 perfetamente igual a voces Mas, soxinba, vale mais do que voces todas juntas, porque fos aela que eu reguei A Saint Bxupéry, O Principeinbo Rauil Itunra h4 muito que tem vindo a falar da especificidade do método comparativo na ciéncia antropologica e da utilidade social do mesmo para consttuir um sucesso escolar para todos (tutta, 1991a) e para -abrir a mente das criangas ¢ dos professo- res, como cle proprio diz com 0 seu portugues hibride de lin- guas latinas briténicas & com essa mesma tonica que também tem ceivindicado 0 ensino da antropologia no ensino basico € secundario ¢ na formacdo de professores, bem como uma cadeira obrigat6ria de culturas comparadas para combater o etnocentrismo que «impede a compreensdo muitua entre eruditos e aprendizes. (Iturra, 1994: 48) Pretendo, de seguica, tornar também explicito como € que a reflexdo autobiografica na formacio pessoal, social e profissional de cada cidadao, € neste caso concreto, dos professores, acaba por fazer uso também do método comparativo. Cabe aqui por- tanto uma pequena introdugio a tal processo Tsata-se_em primeiro lugar, de uma expressio que remete para © acto de compara: diferentes sociedades ow grupos sociais, procurando identificar variantes e/ou invariantes culturais entee ‘os mesmos No século XVIII, os fildlogos dedicaram-se a comparar dife- rentes linguas, procurando as caiacteristicas que permitissem classifica-las em familias, No século XIX, a metodologia alarga-se @ outros sistemas sociais € € usackt para descrever a metodologia de apontar as semelhancas nas instituigées, de modo a 1econs- tmuir as suas origens comuns & 0 caso do evolucionismo e do sPUCAeay socirpape & cviruaas funcionalismo na historia do pensamento antropolégico € socio- logico Esta forma de usar 0 método comparativo tem a marca da influéncia do trabalho de Darwin ¢ de toda a reinterpretagao que se fez deste aplicado aos sistemas sociais Taylot via na compara- gio uma das formas de descobrit comelagdes necessarias entie varios fenomenos culturais Durkheim comparou as taxas de sui- cidio em diferentes sociedades e em diferentes grupos dentio de uma sociedade, querendo fazer dessa comparagao quase que um método experimental J Max Weber, ao invés de isolat factores ou varidveis, procurou analisar tragos concretos de diferentes sociedades, chegando a construgio do seu conceito de tipo ideal. Alguns antropologos sociais vieram a combater os exage- 10s da teoria evolucionista por desligarem os tacos cultuiais do seu contexto e reivindicaram um método holistico para comparar sociedacles em pequenos ntimeros de tracos. Mas, a comparacao em si mesma, acaba por set um processo comum ao pensamento humano Mesmo ao nao cientifico € experimental Ninguém se pensa no abstracto. Comparamo-nos com 6s autios Os outros dAo-nos a imagem daquilo que somos, daquilo que quetemos ou mesmo daquilo que nao queremos Tudo isto implica um método comparativo na construcio identi- tiria do self O proptio eu teconstr6i-se comparando o seu ‘ontem com © seu hoje, por forma a posicionar-se no futuro ~ a construgio do projecto pessoal Algumas pessoas, as mais refle- xivas, titam, hd muito, proveito deste método comparative mesmo enquanto pensam o seu prdptio pensamento € as suas proprias priticas eveoACaG sociepane & curruras 3. O método comparativo nas hist6rias de vida e na forma- sao {tu tens @ Hberdade de ser tn priprio, o ten verdadetro ex, Aqui e Agorce nada se pode interpor no tet camintbo= Richard Bach, Ferndo Capelo Gaivota importante o docente ter um conhecimento comparativo para além das cizcunstincias imedliatas do seu meio local Ha professo- ocial € historia de vida que thes deu esse es, de pensar o que se esté a fazer, € por tes cuja trajectoria s treino de reflectir as 2 que se faz assim, €, no tocante aos outros, de procurat entender o entendimento Sao pessoas que no dia- a-dia acabam por seflecti a todo 0 momento e porem, assim, na pritica a sua metacogni¢o Suige, entio, por continuidade, um conhecimento comparativo dos diferentes meios sociais por parte deste tipo de sujeitos Por outro lado, ha também assim uma melhoria qualitativa do seu préprio conhecimento e do entendimento das suas acces @ saberes locais, j4 que 0 considerar das relagdes entre um deter minado contexto € 0 seu ambiente social mais amplo, ajuda a esclarecet 0 que se passa no proprio contexto E € relativamente claro® que os professotes s6 desejam mudangas, novos materiais de ensino e outras alternativas, quando constatain que ha muito que fazem tudo da mesma maneira, que sam sempre © mesmo manual, utilizam sempre as mesmas estratégias, ete E, comparar- se com o outro, que faz de modo diferente, implica em primeiro lugar conhecer-se a si proprio, formar visivel as suas praticas teptesentacbes sociais, correlacionadamente com a sua propria Diografia que suporta tais atitudes e condutas Depois, em segundo lugat, implica contactar com a alteridade & perceber as alternati- vas & monoculturalidade, porventura do seu eu profissional Pa io eta na

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