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10 A entrevista cognitiva em andlise Maria Salomé Pinho Breve contextualizagao Em investigagdo forense, a exactidao e a integridade dos relatos das tes- temunhas oculares revestem-se de importancia crucial. Assim, um testemu- nho mais preciso e também mais completo contribui de forma decisiva para que 0s culpados possam ser efectivamente perseguidos e julgados, tornando- -se ainda bastante menor a possibilidade de pessoas inocentes serem inco- modadas pela policia e, eventualmente, condenadas injustamente (Fisher & Geiselman, 1994). Porém, os testemunhos sao, nao raras vezes, pouco fid- veis, incompletos, parcialmente reconstruidos (confabulagées) ¢ moldaveis durante o interrogatério (Geiselman, Fisher, Mackinnon & Holland, 1985). As caracterfsticas do relato das testemunhas oculares sao influenciadas pelo processamento inicial da informagio a ser codificada, nivel de retengao e exposigdo a informag&o enganosa, que pode decorrer da forma inadequada de colocagao de questdes ou de conversas com outras pessoas. A entrevista cognitiva surgiu como resposta 4 necessidade de melhorar a recordagdo (evocagao) das testemunhas, centrada, naturalmente, em aspec- tos que possam promover a recuperagdo mnésica. Neste capitulo, procura-se apresentar os fundamentos deste tipo de entrevista ¢ analisar os resultados observados com instrugGes respeitantes a mneménicas. Os autores da entrevista cognitiva, Geiselman, Fisher, Firstenberg, Hutton, Sullivan, Avetissian e Prosk (1984), basearam-se, no inicio, em determinadas “mneménicas” de recuperagao 1, elaboradas a partir de dois 1 Subjacente a esta ideia encontra-se a concepgao segundo a qual o esqueci- mento 6, muitas vezes, um problema de inacessibilidade ¢ nfio de armazenamento 260 M.S. Pinho preceitos gerais respeitantes ao funcionamento da meméria: prinefpio da codificagao especifica de Tulving e Thomson (1973) e teoria do trago miiltiplo de Bower (1967). Segundo o principio da codificagao especi- fica a recuperagio depende do grau de sobreposigio existente entre as caracteristicas da pista de recuperagio e aquelas que foram codifica- das no trago mnésico. A partir da teoria do trago miiltiplo a memoria & pensada enquanto rede de associagdes, em vez de um registo de even- tos discretos e nao interconectados, de que resulta a possibilidade de um evento ser acedido de varias formas, i.e., a informagiio ndo acessivel mediante uma pista de recuperagdo poderd vir a sé-Io com uma pista dife- rente (Fisher & Geiselman., 1994). A este propésito, Memon e Stevenage (1996a) sublinham que a solicitagdo repetida de evocaciio de um evento (com ou sem a utilizagdo de estratégias mneménicas) esté associada, pelo menos em estudos laboratoriais, a dois efeitos: reminiscéncia (evocagio de informagio nao recuperada numa tentativa precedente) e hiper- mnésia (a nova informagdo recuperada excede a quantidade de informa- iio esquecida). Mais tarde, na versio revista da entrevista cognitiva (Fisher & Geiselman, 1992; Fisher, Geiselman & Amador, 1989; Fisher, Geiselman, Raymond, Jurkevich & Warhaftig, 1987) foram acrescentados mais aspectos respeitantes A memoria e cognic&o em geral: relagdo interpessoal ou dind- mica social entre entrevistador e entrevistado; e comunicagao. No que diz respeito ao primeiro aspecto mencionado, passou a ter-se em conta que (i) 08 recursos nec ios ao processamento da informa sao limitados; (ii) um evento pode ser codificado de acordo com miiltiplos cédigos men- tais e (iii) este processo de codificacio é idiossincrético. Quanto a rela~ Gio interpessoal estabelecida no contexto da entrevista, valorizou-se 0 facto de, por definig&o, a testemunha possuir um conhecimento do evento em causa que o entrevistador no tem e, por esse motivo, este ultimo dever inteirar-se da informagio relevante do ponto de vista da investigagio forense. Assim, torna-se necessirio desenvolver e aplicar determinado tipo de competéncias de relagdo, nomeadamente quando o entrevistado € vitima de crime. Por tiltimo, relativamente 4 comunicagdo sublinhou-se a impor- tancia de promover condigées favordveis a que esta seja adequada & obten- Gio de informagao exacta ¢ completa 2 (cf. Mantwill, Kéhnken & Ashermann 1995); trata-se de perda de informagio na mem@ria e nao de perda de informagao da meméria. 2 Ver Pinho (2002, 340-341). A entrevista cognitiva em andilise 201 Descricio e procedimento Trata-se de uma entrevista nao directiva A qual est subjacente uma estratégia geral de maximizagdo dos resultados possibilitados por técnicas individuais, que serio descritas mais adiante. Tal estratégia consiste em guiar a testemunha ocular de modo a que a recuperagio se baseie em cédigo: mnésicos mais ricos em informagio relevante e também tornar mais fiicil a comunicagio, uma vez activados esses cédigos. A versio original da entre- vista cognitiva nao deve ser utilizada, dadas as suas limitagdes: nfo evo cago de grande parte da informagio respeitante ao evento presenciado; alheamento das dificuldades priticas, nomeadamente 0 facto de nfo contem- plar a inclusdo de competéncias para lidar com a ansiedade, dificuldades de expresso verbal das testemunhas e no especificagio clara do papel do entrevistador. A entrevista cognitiva revista esté dividida em 5 partes (Fisher, Brennan & McCauley, 2002): 12 Introdugdo — nesta primeira parte procura-se proceder de modo a que o estado psicolégico apropriado da testemunha ¢ a dindmica interpes- soal, necessérios 4 evocagao eficiente e A comunicagio adequada da infor- magio, sejam estabelecidos. Deste modo, 0 entrevistador esforgar-se-4 por organizar 0 relacionamento com a testemunha, transmitir convenientemente as exigéncias de informacio extensa e detalhada (importantes para 0 pros- seguimento da investigacdo forense) e incentivar a testemunha a ter um papel activo, através da partilha de informagio. 2° Narrativa aberta — este tipo de narrativa ou relato possibilita a inferéncia da representacio global que a testemunha conserva do evento e, consequentemente, a utilizagio de uma estratégia que permita sondar os varios c6digos mnésicos. Assim, o entrevistador deve prestar atengio as imagens mentais que a testemunha retém do suspeito e de objectos signi- ficativos (p. ex., armas) e construir um plano inicial sobre quais as imagens sondar, em que sequéncia e que questes colocar para cada uma das imagens evocadas. 3.° Sondagem — trata-se da parte mais importante da entrevista cogni- tiva para a obtengao de informagio. Nesta fase, o entrevistador deveré guiar a testemunha de modo a esta aceder a fontes mais ricas de conhecimento ¢, a partir destas, extrair meticulosamente toda a informagio, Poderd instruir a testemunha a fechar os olhos, solicitar-Ihe que pense na melhor imagem que dispde do suspeito ¢ a descreva em pormenor. Seguidamente colocard quen> t6es sobre essa imagem, de forma a obter mais informagio. dm 262 M. S. Pinho 4° Revisdo — a informagio registada precedentemente pelo entrevista- dor é recapitulada, com 0 objective de confirmar a sua exactidao e de pro- porcionar, uma vez mais, a ocorréncia de evocacio de informagao adicional sobre 0 evento, 5.° Desfecho — no final, para além de cumprir exigéncias oficiais da policia, o entrevistador deverd, mediante 0 encorajamento da testemunha para o contactar no caso de recordar informagao nio referida durante a (0, prolongar a continuagio funcional da entrevista ses: Ainda relativamente & sequéncia da entrevista cognitiva revista, Milne e Bull (1999), por exemplo, propdem a seguinte ordem de sucesso ou enca- deamento (ver Figura 1): VIGURA 1, Ordem de sucessio das varias fases da entrevista cognitiva revista © respectivos procedimentos (adaptado de Milne & Bull, 1999) | Faye 1 |Acothimento e estabelecimento da relagio - | Explicagdo dos objectivos da entrevista | page 2 |" Recuperagio focalizada | Relatar tudo Transferéncia de controlo |Iniciagio de uma evocagio livre Fase 3)» Reinstaurago mental do contexto |__- Questées abertas | Colocagio de questées | Relatar tudo Fase 4 | Adequagio das questdes & represents ~ Activagio e sondagem de imagens Questdes abertas e fechadas | Recuperagio variada e ampla |» Mudanga da ordem temporal + Alteragio da perspectiva ou do ponto de vista + Focalizagio de todos os sentidos Ise 5 nicas especfficas utilizadas na entrevista cognitiva, cinco per- tencem a categoria memoria e cognigio em geral, duas referem-se a dind- mica social e outras duas dizem respeito & comunicacio, Quanto a categoria “meméria e cognigao em geral”, hé a sublinhar que WW tWenicas aqui incluidas reportam-se A recuperacao de informacio sobre o evento presenciado, pois a natureza repentina e sem aviso prévio deste, nao A entrevista cognitiva em anélise 263 permite As testemunhas qualquer preparag%io que conscientemente favorega uma codificagéo mais eficaz. No inicio da entrevista, é solicitado a teste- munha que proceda a “reinstauragio mental” do ambiente externo (contexto fisico) e dos seus estados afectivo, cognitivo ¢ somiatico (contexto interno) que acompanharam a percepgao do evento em causa (Fisher & Geiselman, 2002). A instrugao a dar ao entrevistado poder, por exemplo, apresent seguinte forma: “recuando no tempo, coloque-se no mesmo lugar em que viul © assalto A mao armada. Crie na sua mente uma imagem do supermercado, Pense no sitio em que se encontrava no supermercado, Como é que se sentit nessa altura? O que conseguiu ouvir? O que péde cheirar? Pense em todas is pessoas que estiveram presentes nesse local. Pense também em todox ow objectos do supermercado. Construa uma imagem boa e real na sua mente & depois diga tudo o que conseguir lembrar-se, sem por nada de lado, Conte tudo © que Ihe ocorrer” (Milne & Bull, 1999, p. 35). “Lembre-se que eu no sisti ao crime e nessa medida diga-me tudo de acordo com a sua prépria sequéncia” (ibid., p. 44). A utilizacao desta técnica baseia-se no principio da codificagao especifica anteriormente mencionado. Um outro procedimento € designado por “recuperagdo variada” e con- siste em solicitar & testemunha que evoque o evento a partir de diversos pontos de partida (ordem cronol6gica anterdgrada e retrégrada) e de dife- rentes perspectivas (a propria testemunha coloca-se mentalmente num outro lugar que nao aquele que ocupou originalmente ou baseia-se no posto de cdo de outra pessoa). Quando se utiliza esta técnica, é neces: 4 testemunha que nao se trata de se pér a adivinhar e dever-se-A aind ter em conta o risco deste procedimento sugerir que as recordagdes anteriormente apresentadas sao incorrectas (Fisher & Giselman, 2002). Como exemplo de instrugdo relativa a este procedimento, considere-se a seguint mos procurar fazer algo que, muitas vezes, ajuda as pessoas a recordarem mais coisas, mas nao tente adivinhar. O que Ihe pego agora para fazer 6 contar-me tudo 0 que aconteceu, mas desta vez invertendo a ordem dos acontecimentos, isto é, comegando do fim para o principio. Nao é assim to dificil como parece. Vamos entdo, qual foi a tiltima coisa que aconteceu ¢ de que consegue lembrar-se?... O que & que se passou antes?... O que aconteceu imediatamente antes disso?...” e assim sucessivamente até se chegar a0 comego do incidente presenciado (Milne & Bull, 1999, p. 36). A recuperagdo variada assenta na concepgao segundo a qual 0 trago mnésico de um evento complexo pode ser acedido, nas suas varias facetas, a partir de pistas de recuperagao diversificadas. A terceira técnica refere-se & “adequaciio das questées & representagdo mental” que a testemunha formou do evento presenciado. Dada a idiossin- crasia das representagdes mentais (cada testemunha armazena e organiza a ara observa indi 264 informagao sobre o evento de um modo especifico), 0 recurso a um questio- nario estandardizado deveré dar lugar a uma seleccio de questées, que sejam apropriadas a representagao mental activada num dado momento. Este modo de proceder facilitaria a rememoragao. Por exemplo, enquanto a testemunha esti a descrever a face do assaltante, todas as questdes nao relacionadas com este aspecto (p. ex., arma ou automével no qual se pds em fuga) devem ser adiadas, colocando-se apenas as que incidem sobre esta par- ticularidade. Com a técnica relativa a codificagio multi-sensorial procura-se direc- cionar a evocagio para representagdes mais pormenorizadas de tipo senso- tial, pois um evento, para além de ser representado conceptualmente (nivel mais genérico e abstracto), é-o também segundo diversas propriedades sen- soriais (nivel mais detalhado). A existéncia de varios cddigos de representa ¢ao da informagao (Brown & Craik, 2000; Paivio, 1971) torna apropriada a focalizagao nos aspectos sensitivos do evento e, por conseguinte, a testemu- nha é instrufda para se concentrar em determinadas caracteristicas sensoriais, devendo para tal “visualizar” 0 episédio mantendo os olhos fechados. A indicagio a dar neste caso poderia ser do tipo: “referiu o(a) autor(a) do crime. Quero que forme mentalmente uma imagem clara dele(a). Quando é que conseguiu vé-lo(a) melhor? Pense no seu aspecto, na sua aparéncia geral. O que trazia ele(a) vestido? O que conseguiu cheirar? O que é que ele(a) disse? Quando tiver uma imagem nitida dele(a), conte-me tudo sobre ele(a), 0 mais detalhadamente que for capaz” (Milne & Bull, 1999, 45). Este procedimento permite activar ¢ sondar uma imagem. Davis, McMahon e Greenwood (2004) chamam a ateng%o que, embora alguns investigadores considerem o uso de imagens mentais guiadas, na entrevista cognitiva, como uma mneménica suplementar, as técnicas de “reinstauragdo mental do con- texto”, “mudanga de perspectiva” e “recordagdo do evento em diferentes ordens de sucessio” também fazem apelo a imagens mentais, sobretudo, visuais. Por tiltimo, a técnica relacionada com o problema colocado pelo limite dos recursos de processamento, ao nivel da capacidade da meméria de tra- balho ¢ do sistema cognitivo em geral, remete, primordialmente, para a “néo interrupgao da testemunha” enquanto esta procede & busca de informacao na memoria, Sublinhe-se que a execuc%o em simultineo de mais do que uma tarefa (realizar a busca mnésica de informagao e escutar as perguntas do entrevistador ou registar as respostas da testemunha e articular as questées Neguintes) conduz & partilha de recursos de processamento, 0 que poderd comprometer o desempenho nas tarefas, A entrevista cognitiva deverd ainda deeorrer num local sossegado, sendo aconselhavel que o entrevistador utilize i gravador para registar as respostas da testemunha. — -s A entrevista cognitiva em andlise 265 As duas técnicas agrupadas na categoria “dinfmica social” referem-se a transferéncia de controlo” do entrevistador para a testemunha tornando: claro que é a testemunha e nao o entrevistador que detém um conheeimento privilegiado do evento em causa e, por esta razo, ela teré um papel activo na direcgao do curso da informagao; esta fungiio mais activa poderd ser pro» porcionada pela colocagiio de questées abertas, nao interrupgao da evocigllo € permissao de relatos tangenciais. Quando se trata de conhecer informaglio relevante pormenorizada, 0 entrevistador, sem assumir exclusivamente 0 controlo, deverd enquadrar as perguntas para obter mais contetidos informu> tivos, colocar estrategicamente questdes fechadas -- estas visam 0 comple= tamento de respostas dadas a perguntas abertas — e, explicitamente, trans= mitir a exigncia de respostas mais minuciosas. A outra técnica é relativa ao “estabelecimento de uma relat diligente” com a testemunha, de modo a que esta possa descrever pormenorizadamente aspectos relacionados com a sua experiéncia pessoal intima, Finalmente, & categoria “comunicagiio” foram associadas as seguintes técnicas: “fomentar a emissio de respostas extensas ¢ pormenorizadas” (0 entrevistador deverd encorajar a testemunha a prosseguir a evocagao 3, refe~ rir que as descrigdes deverdo conter mais pormenores do que os habitual~ mente inclufdos numa conversa casual e indicar que a testemunha deverd “relatar tudo” 0 que recorda, mesmo que alguns aspectos Ihe paregam triviais ou nao sigam a ordem cronolégica4) e “compatibilizar o formato da resposta” (verbal, nao verbal) com as caracterfsticas (sensoriais ou outras) dit representago mental do evento em causa. Assim, a testemunha deve ser estimulada a recorrer a meios nao verbais para completar ou mesmo sub» tituir as suas verbalizagdes (por exemplo, fazer um esbogo do local do evento, deslocar um objecto para indicar uma direcgao ou realizar um deter minado movimento). Também no caso de um dado episédio ter sido expe rienciado tactilmente — a testemunha é empurrada contra um tecido — esti devera responder utilizando igualmente a modalidade téctil, tocando em varios tecidos. Com esta tltima técnica procura-se reduzir ao minimo as transformagdes necessérias & conversdio de uma determinada representagilo 3 E importante dizer & testemunha que é necessdria uma grande concentragilo, que Ihe vio ser colocadas algumas perguntas sobre informagao jé mencionada ¢ que esta deverd responder “ndo sei” ou “nao percebo”, sempre que nao souber responder ou nao compreender o que Ihe foi perguntado. 4 Como exemplo de instrugio, a acompanhar a indicagao de que a testemunha deve “relatar tudo”, poderd dizer-se: “viu, esta tarde, um incidente. Conte-me tudo que se lembra, mesmo coisas que pense nao serem importantes ou de que niio con= segue recordar-se na totalidade. Diga-me, 4 medida que as coisas Ihe vao ocorrendo, tudo 0 que the vier & mente” (Milne & Bull, 1999, p. 34). 266 M.S. Pinho mental numa resposta explicita (esta aqui subjacente a ideia de que uma resposta seria desencadeada a partir da representagdo mental, & maneira da teoria ideomotora) Estudos com a entrevista cognitiva Fisher, Brennan e McCauley (2002) referem que a entrevista cognitiva constituiu tema de investigagdo em cerca de 50 estudos laboratoriais, sendo grande parte destes realizados por Fisher ou Geiselman e colaboradores (nos BUA). Memon, Milne, Bull (no Reino Unido) e Kéehnken (na Alemanha). O denominador comum de varios destes trabalhos consiste no seguinte pro- cedimento: apresentago, ao vivo ou em filme, de um episédio néio ameaga- dor ou de um assalto simulado, a sujeitos voluntarios (habitualmente, estu- dantes universitarios). Algum tempo mais tarde, as testemunhas sao entrevis- tadas, segundo 0 protocolo da entrevista cognitiva (grupo experimental) e de acordo com a entrevista policial padrao (caracterizada por interrupgdes fre- quentes do relato da testemunha e pela rapidez na colocagéo de perguntas cuja sequéncia é, muitas vezes, inapropriada) ou outro tipo de entrevista que nao contemple as técnicas espeeificas da entrevista cognitiva (grupo de con- trolo 5), por pessoas treinadas para este efeito (estudantes, agentes policiais). Todas as entrevistas so gravadas, transcritas e analisadas tendo em conta, principalmente, a quantidade de afirmagdes correctas e incorrectas proferi- das pelas testemunhas. De um modo geral, os resultados obtidos indicam que a entrevista cognitiva permite evocar uma quantidade superior de informag%o correcta sobre 0 episédio observado, seja este familiar ou no (Mantwill, Kohnken & Aschermann, 1995), por comparagdo com outras técnicas de entrevista utili- zadas. No que diz respeito & taxa de exactiddo (e ndo ao niimero absoluto de afirmages correctas), esta parece ser, pelo menos equivalente, se nao mesmo ligeiramente superior, quando se aplica a entrevista cognitiva, A este propésito, Davis e colaboradores (2005) mencionam um estudo de meta- -andlise, realizado por Koehnken, Milne, Memon e Bull, em 1999, com base numa amostra de 55 estudos comparativos incluindo 2500 entrevista: Aandlise de valores de magnitude do efeito, recorrendo ao indice d de Cohen, permitiu indicar um acréscimo elevado, relativamente aos valores dos grupos de controlo, no que respeita 2 evocacao de informagao correcta. Quanto d taxa deste tipo de informagao, foram encontrados valores 5 A propésito do problema da constituigdo de um grupo de controlo adequado, or Memon, Cronin, Eaves ¢ Bull (1996), e também Memon e Higham (1999). er A entrevista cognitiva em anélise similares: 85% no caso da entrevista cognitiva e 82% nos prupon de controlo. Realizaram-se algumas investigagdes com o objectivo de averiguar quais os componentes ou técnicas da entrevista cognitiva que seriam foul: mente eficazes. Por exemplo, Roberts ¢ Higham (2002) compararin 0 G01: tributo de “reinstauragdo mental do contexto”, “mudanga de perspectivi, “mudanga na ordem temporal” e “relatar tudo”, tendo verificudo que esti 4 técnicas estavam associadas a uma evocagio mais elevada relativamente WO seu efeito isolado, exceptuando a “reinstaurago mental do contexto”. OUWW investigagSes (p. ex., Davis, McMahon & Greenwood, 2004; Memon & Bull, 1991, citado em Davis, McMahon & Greenwood, 2005) corroboraram a conclusio de que esta Gitima técnica seria a mais eficaz. Todavia, ¢ impor tante considerar que, no caso de um evento com um grande impacto traumé tico, a sua utilizacdo poder inibir a recordagio (Milne & Bull, 1999). Mas, existem resultados que lancam suspeigdo sobre o efeito de alguns componentes da entrevista cognitiva. Por exemplo, é mencionado que a “visualizacdo”, “relatar tudo” e a “mudanga de perspectiva” contribuiriam para uma diminuigdo da exactidao da informagao evocada, Fisher, Brennan e McCauley (2002) apenas aceitam os resultados que poem em causa a utili- zagio do componente “mudanga de perspectiva”, principalmente quando as testemunhas sao criancas 6, Consideram que esta técnica deve ser sempre acompanhada, explicitamente, da instrugdo para as testemunhas somente relatarem aquilo que realmente presenciaram e nao fubricarem respostas. Quanto 2 “visualizagdio”, dado que os resultados que desaconselham o seu uso provém de experiéncias sobre monitorizacio da fonte ou origem da informacao recuperada, nas quais os sujeitos devem visualizar um evento que experimentador sabe que ndo foi experienciado, a sua transposi¢io para contexto da entrevista cognitiva nao € imediata, Nesta dltima situa- edo, as testemunhas apenas visualizam episddios que tenham sido por estas . Varios investigadores sugeriram que a técnica “relatar tudo” leva- ria as testemunhas a recorrer a um critério de resposta pouco exigente e, con sequentemente, serviria de pretexto para encorajar a emissao de respostas por adivinhagdo. Porém, Fisher e Geiselman (1992) sublinham que, na instrugao relacionada com esta técnica, se refere claramente que se trata de relatar tudo © que recuperam da meméria quando pensam no evento presenciado. Subsiste alguma controvérsia no que diz respeito relevancia dos por- incorrectos, relatados no decorrer da entrevista cognitiva. Por descrit menores 6 No entanto, os resultados obtidos por Milne e Bull (2002) nao corroboram esta ideia, mesmo no grupo das criangas mais novas (com 5 e 6 anos de idade). iia haath 268 M.S. Pinho _ exemplo, Kéhnken, Schimossek, Ashermann e Hoffer (1995) e também Memon, Wark, Holley, Bull e Kéhnken (1997) observaram um aumento de informac&o incorrecta com a utilizagZo da entrevista cognitiva, embora a taxa de exactiddo (quociente entre 0 mimero de afirmagées incorrectas € 0 numero total de afirmacées relatadas 7), como se indicou atrds, seja similar & que foi verificada nos grupos de controlo. Milne e Bull (1999) referem um estudo de meta-andlise com 42 investigagdes, realizado por Kohnken e cola- boradores, cujo resultado corrobora a afirmagio anterior. Este problema € formulado nos seguintes termos por Kéhnken, Schimossek, Aschermann € Hofer (1995): 0 aumento de incorrecgdes sera um prego justo a pagar pelo beneficio resultante da obtengao de mais informagao correcta na entrevista cognitiva? A resposta apresentada para esta questo depende do objectivo principal da entrevista. Suponha-se que a finalidade que preside & sua utili- zagiio & obter © méximo possivel de informagio, como pode acontecer na fase inicial da investigagao policial, entéo a quantidade de informacio incor- recta é compensada pela superioridade de informagao correcta. Mas, quando © objectivo é conhecer © maior ntimero possivel de pormenores correctos (por exemplo, em situagdes nas quais nao € vivel o cruzamento de informa- Glo ©, por conseguinte, © relato € aceite como prova), entdo o risco de obtengaio de informagio incorrecta € excessivamente elevado ou, mesmo, inaceitavel, Importa ainda sublinhar, a este propésito, uma distingao relativa a infor- maciio incorrecta, bastante importante no contexto forense: os erros referem- -se i informagio real relatada incorrectamente (p. ex., um automével azul € descrito como preto) e as confabulagées reportam-se a informagao cuja fonte nao € 0 evento presenciado (incluir no relato algo que nao foi observado). Na entrevista cognitiva, o aumento de informagio incorrecta remete, sobretudo, para os erros, ainda que nfo exclusivamente, Memon e Stevenage (1996a) apresentam as seguintes explicagdes plausiveis para o incremento dos erros na entrevista cognitiva: eventual alteracio do critério de resposta, no sentido de aumentar a tendéncia para relatar informagio e influenciar a confianga da testemunha relativamente a informagdo mencionada; exigéncia ou pressio social para que a testemunha dé a resposta pretendida; colocacio de perguntas minuciosas, que requerem, por um lado, uma sondagem na meméria mais pormenorizada e, por outro, a especificidade destas perguntas 7 No que diz respeito & discussiio em torno da medida da taxa de exactidio, ver Fisher, Brennan e McCauley (2002, 273-274). Outros investigadores referem-se a esta taxa como quociente entre 0 niimero de afirmagdes correctas ¢ o niimero total de afirmagdes relatadas (cf., p. ex., Davis, McMahon & Greenwood, 2005, 77). Cf. também Higham e Roberts (1996). = 209 A entrevista cognitiva em andilise pode estar associada a respostas de menor confianga, devido & impossibill- Uade da testemunha “filtrar” respostas, tal como acontece na situagilo de eV» cacao livre; tipo de eventos evocados (por exemplo, verificam=se mitis errs © confabulagdes na descrig&o pormenorizada de suspeitos ou dle ous pe soas (ver também, Campos & Alonso-Quecuty, 1998; Memon & Stevenage, 1996b)); utilizagao de técnicas relacionadas com a formagio de imagens: Prosseguindo a referencia a resultados de investigagdes empiricas com entrevista cognitiva, ha a considerar que este tipo de entrevista tenne revelado util, de um modo geral, em diversos grupos etiirios, nomeadamente com testemunhas dos 7 aos 80 anos de idade 8. O nimero de estudos publi- cados com criangas sobre a eficéicia desta entrevista, até ao ano 2000, seria 9, segundo Granhag ¢ Spjut (2001). Estes dois investigadores, numa investiga cao com 32 criangas, com idades compreendidas entre os 9 € os 10 anos, Observaram que as criancas entrevistadas, de acordo com protocolo da entrevista cognitiva revista, recordaram mais informagio sobre 0 evento presenciado gravado em video (exibigdo de um faquir profissional, durante 15 minutos, que se feriu enquanto actuava) € também mais informagao rele vante (designada por informagao critica). Nao foram encontraclas diferengas com significdncia estatfstica quando compararam a quantidade de informa- Gao incorrecta e as confabulagées nos grupos estudados 9, Tais resultados, de ‘ordo com Granhag e Spjut (2001), estariam de acordo com a ideia, reforgada por outros estudos (p. €x., ‘Akehurst, Milne & Kéhnken, 2003), de que a meméria de acontecimentos das criangas no € menos fidvel do que a dos adultos 10, 8 Devido & utilizago de técnicas que envolvem a formacao de imagens me tais, Douglas (1996) refere a necessidade de se estudarem as diferengas desenvolvi- mentais © individuais relativas a esta capacidade considcrando, igualmente, os idosos. Quanto as dificuldades do estudo de tais diferengas individuais, consulte-se, p. ex., Memon e Stevenage (1996c). A propésito da importancia atribuida a forma- io de imagens mentais na entrevista cognitiva, poder-se~t consultar Memon ¢ Stevenage (1997). Roberts (1996), p. ex.. analisa problemas associades & utilizagiio de imagens mentais, em qualquer depoimento que seja obtido com a entrevista cognitiva. 9 Além do grupo de participantes submetido & entrevista cognitiva foram cons~ titu(dos outros dois aos quais foi aplicada a entrevista policial padrao ¢ a entrevista estruturada (esta iltima difere da entrevista cognitiva apenas por no incluir as téenicas mneménicas). 10 De acordo com Akehurst, Milne ¢ Kéhnken (2003), a maior efiedcia da entrevista cognitiva dependeria da forca do trago mnésico, i, ¢., quando a repre= sentagio mnésica armazenada, relativamente a determinada informagio percepeio~ nada, é débil, a vantagem deste tipo de entrevista diminuiria. iii aia ia 270 M. S. Pinho Os entrevistadores que seguem o procedimento de entrevista cognitiva colocam um menor mimero de questdes capciosas, privilegiando as per- guntas abertas (Fisher, Brennan & McCauley, 2002). De notar que estas \iltimas siio susceptiveis de desencadear mais respostas exactas do que as questées fechadas. Foi ainda verificado que o efeito de perguntas capciosas pode ser minimizado, na condigio da entrevista cognitiva preceder a coloca- Gio deste tipo de perguntas (Fisher, Brennan & McCauley, 2002). Finger e Pezdek (1999) obtiveram resultados que indicam que este tipo de entrevista produz o efeito de sombreamento verbal, i. e., a descrigdo ver- bal de uma face interfere negativamente com a capacidade de identificar ou reconhecer essa mesma face num conjunto de fotografias ou numa linha de identificagao (Jineup), quando comparada com a entrevista padrao. Contudo, © procedimento da entrevista cognitiva parece poder favorecer 0 desem- penho mnésico em tarefas que exijam a descrigao (e nao a identificagao) de pessoas (Fisher, Brennan & McCauley, 2002). A prevaléncia de erros na denerigho de pessoas impde, como precaugiio, que seja indicado, para o prosseguimento da investigagao posterior, que o relato ocorreu no contexto da entrevista cognitiva. Albuquerque ¢ Santos (1999), num artigo publicado em 1999, divulga- ram entre nds a entrevista cognitiva. Sousa (2003), no estudo 2 da sua inves- ligagdo, utilizou uma amostra de estudantes da licenciatura em psicologia, com uma média de idades de 21 anos, tendo como objectivo analisar o desempenho mnésico relativamente 4 valéncia emocional de um evento presenciado (um episddio com uma determinada carga emocional e um outro neutro). Recorreu, para o efeito, a tr€s aspectos da entrevista cognitiva: reinstauragdo mental, evocagdo segundo a ordem retrégrada de ocorréncia do episddio e evocagio a partir da perspectiva de outrem (mudanga de pers- pectiva). Entre outros resultados obtidos, destaca-se a superioridade de detalhes evocados no evento neutro ¢ o aumento de informagao visual na evocagio do episédio considerado nao neutro, quando ¢ utilizada a técnica de reinstaurag&io mental 1, Outros aspectos da entrevista cognitiva No contexto da pratica forense, a adopgdo da entrevista cognitiva revista tem de vencer outras resisténcias, para além daquela, j4 referida, que 11 Quanto ao impacto da emogio na meméria, néo existe acordo entre os resultados das diversas investigagdes realizadas (cf., p. ex., Christianson, 1992), A entrevista cognitiva em anélise radica na questo associada A possibilidade de aumento de informagio Ineo recta no depoimento prestado. O argumento de que este tipo de entrevinti torna as testemunhas mais sugestiondveis, quando confrontadas com peri: tas capciosas, nfo tem fundamento, pois resultados de varios estudos Indl cam que o efeito negativo de tais perguntas pode ser minimizado (Wish Brennan & McCauley, 2002). Porém, como se mencionou anteriormenté, & \cdo contra a obtengao de relatos enviesados poder nao ser efectiva se a entrevista cognitiva tiver lugar apés a colocagio dessas perguntas (ely Hayes & Delamothe, 1997). Outras objecgdes ao uso desta entrevista remetem para O8 seguintes aspectos: aumento da confianga da testemunha na sua memoria, fayoredl> mento da formagio de impressdes vantajosas nas pessoas que escutam ou recolhem © testemunho e comprometimento da prossecugiio das investiga gSes que visam 0 esclarecimento dos factos ocorridos. A propésito do primeiro aspecto, Fisher, Brennan e McCauley (2002) apresentaram resultados de sete estudos sobre a confianga (avaliada por elato e por juizes treinados) e com base nestes conclufram que, tanto ho caso de descrigdes como de identificagdes, a entrevista cognitiva nado desencadeava uma disposicfo para a sobreconfianga, Mais recentemente, huma investigacdo realizada por Granhag, Jonsson e Allwood (2004), 0 acréscimo de confianca observado na condigao de entrevista cognitiva, telativamente A descric&o de acontecimentos e de pessoas, deveria ser atribuido, segundo estes autores, a0 denominado efeito de reiteragio (a repetigio de uma assergGo leva a um aumento da confianga na sua veracidade 12) e ndo as técnicas mnemsnicas especificas desta entrevista. E aqui relevante sublinhar que no foi observada a inflagio da confianga, relativamente descrigdo de acontecimentos e de pessoas, no caso de recordagdes incorrectas. No que diz respeito A credibilidade percebida, Kebbell, Wagstaff ¢ Preece (1998), bi seando-se num estudo experimental com jurados, afirmaram que as avaliagdes efectuadas nao diferiam, quer se tratasse de depoimentos recolhidos com a entrevista cognitiva (versao original), quer de relatos obtidos com 0 procedimento da entrevista policial padro. Quanto ao prosseguimento das investigagdes, quando 0 depoimento recolhido a partir da entrevista cognitiva, referiu-se anteriormente 0 problema do sombreamento verbal, 0 qual interfere com a identificagao de suspeitos. Embora os resultados das investigagdes disponiveis nao sejam inocula auto: 12 G importante considerar que a maioria das entrevistas feitas em contexto forense segue um procedimento do tipo passo-a-passo, no qual é solicitado as teste- unhas que respondam novamente a questées anteriormente colocadas e, assim, ‘estas podem repetir respostas jé dadas. iii 272 M.S. Pinho consensuais, parece observar-se uma tendéncia para identificagdes erréneas se a testemunha for adicionalmente estimulada para fornecer mais informagdo do que aquela que espontaneamente apresentaria (Brigham, 2002). Num estudo sobre a utilizacdo da entrevista cognitiva na construgio de compésitos faciais com o sistema Mac-A-Mug Pro !3, Kochn, Fisher Cuttler (1999) nao lograram mostrar a sua eficdcia, apesar de terem instruido 0s participantes de modo a minimizar a interferéncia da verbalizagao: apés a formagdo de uma imagem mental da face do alvo 4, os participantes esco- Iheram os atributos para que fosse construfda, no compatador, a face compé- sita. Estes mesmos investigadores referem os resultados de um trabalho de Luu e Geiselman no qual a superioridade dos compésitos (maior grau de semelhanga com 0 alvo real), construfdos a partir da entrevista cognitiva, apenas se verificou na condigao de processamento holistico (por oposigzio ao processamento baseado em atributos ou caracteristicas). Entre as recomen- dag6es sugeridas para outros estudos, Koehn, Fisher e Cuttler (1999) indi- cam que a utilidade do tipo de entrevista nao é, provavelmente, independente do sistema particular usado na construgdo de compésitos faciais. A possibili- dade da entrevista cognitiva invalidar a utilizagdo de outros procedimentos de entrevista a aplicar subsequentemente, nomeadamente no que diz respeito a exactidio da recordagao, foi averiguada por diversos investigadores que nao detectaram que tal pudesse ocorrer (Fisher, Brennan & McCauley, 2002). Esto também disponiveis resultados empiricos que sugerem que a Andlise de Contetido Baseada em Critérios (Criteria Based Content Analysis — CBCA), que constitui um componente nuclear no procedimento de Avaliagao da Validade de Depoimentos (Statement Validity Assessment), permitiria distinguir melhor declaragdes verdadeiras de depoimentos fabri- cados quando se recorre & entrevista cognitiva. Isto levou Fisher, Brennan e McCauley (2002) a concluirem que este tipo de entrevista seria compativel com 0 uso do CBCA, pois que o poder discriminativo deste tiltimo, na 'S Trata-se de um sistema informético para construir faces compésitas que pode recorrer a um mimero potencialmente ndo limitado de caracteristicas ou atribu- tos, Por esta razio, € considerado mais flexivel do que outros sistemas congéneres (P. ex, Photo-Fit e Identi-Kir), Para mais informagao, consultar Koehn, Fisher ¢ Cuttler (1999), 14 Bsta imagem mental surgia mediante as técnicas de reinstauragdo mental do Gontexto, recuperaco mnésica de informagio, segundo as sucessdes anterdgrada e etrOgrada dos eventos ocorridos na sessio anterior, do tipo “pensar no momento em que vit melhor a face do alvo e, a partir desta imagem, pensar ainda se ela fazia lembrar algum tipo caracteristico de pessoa, p. ex., professor, canalizador,,,” (Koehn, Fisher & Cuttler, 1999), A entrevista cognitiva em andlise 213 ‘ao da veracidade dos testemunhos, nao seria, no minimo, negativamente afectado. E de destacar que num estudo de Kéhnken, Schimossek, Aschermann e Héfer (1995) nao foi obtida uma interacgio significativa entre o tipo de entrevista € a veracidade das declaragdes, mas observou-se um efeito multivariado principal significative da primeira varidvel no subconjunto de critérios do CBCA. Este resultado seria indicador de que algumas caracteristicas dos contetidos relatados (neste caso, detalhes que nao foram adequadamente percebidos, admissio de falhas de memoria durante a evocagao livre, diividas sobre o seu préprio relato, particularidades invulgares € pormenores novos supérfluos) eram clasificados com valores mais elevados quando se utilizou a entrevista cognitiva, diferentemente do que sucedeu com a entrevista estruturada. Assim, estes investigadores, embora afirmem que o recurso entrevista cognitiva nao prejudica decisées formuladas a partir do CBCA, prudentemente sublinham a importancia de se referir explicitamente que a descri¢do do evento foi feita no contexto deste tipo de entrevista. Do ponto de vista pratico, podem ser apontados os seguintes beneficios da aplicagao da entrevista cognitiva: (i) nfo exige grandes conhecimentos ou treino prévios, podendo ser aprendida em poucas horas (Milne & Bull, 1999; mas ver também Memon & Higham, 1999); (ii) uma vez que as téenicas empregues se baseiam principalmente na utilizagio de uma sequéneia de perguntas adequada, colocadas na altura propria e convenientemente formule ladas, a testemunha tenderd a nao julgar que se trata de uma intervenglo especial e, nessa medida, nao ficaré apreensiva com a sua participaglo neste tipo de entrevista. Quanto aos seus inconvenientes, ainda segundo 6 mesmo ponto de vista, hd a assinalar os seguintes: (i) é mais demorada do que 4 entrevinta policial padrao; e (ii) requer, da parte do entrevistador, uma grande eoneen> tragio, pois € necessdrio tomar mais decisdes no momento ¢ ser mali [ext vel no procedimento de entrevista; (iii) as situagdes em que pode ser Milt itil tem a ver com casos de roubo, assalto ou pancadaria, NOs quals OF FELON de testemunhas constituem um meio de prova fundamental, ¢ nfo Wie GOny cenas de crime em que existam mais pistas fisicas; (dy) apenas pode Her Will: zada com testemunhas dispostas a cooperar; & (v) alguns agentes policiais tém dificuldade em expor as instrugdes relativas ty tenioas mnemdnions (Kebbell & Wagstaff, 1996; Milne & Bull, 1999), A necessidade de desenvolver uma verso miis breve desta entrevista tem sido apontada por agentes policiais, ox quails wfirmam a existéncia de grande dificuldade em conciliar o tempo requerido pela entrevista cognitive completa e as exigéncias temporaix de outros tarefas de investigagiio criminal, Atendendo a que estes profissionals referem ainda que téenicay EEE 214 M.S. Pinho _ como, por exemplo, a “mudanga de perspectiva” !5 ¢ a “evocagdo dos acon- tecimentos segundo sucessdes cronolégicas diferentes” Ihes parecem ser as menos relevantes 16 (Kebbell & Wagstaff, 1999), estando também estas entre as que menos utilizam (Clifford & George, 1996, citado em Davis, McMahon & Greenwood, 2005), Davis e colaboradores (2005) propuseram a denominada “entrevista cognitiva modificada” que prescinde dessas duas técnicas. Esta versio, que demora 77% do tempo gasto com a entrevista cognitiva revista completa, foi comparada, respectivamente, com a original ¢ com a entrevista estruturada tendo-se revelado igualmente eficaz no que se Teporta a taxa de informagio correcta evocada (87%) e, portanto, superior relativamente entrevista estruturada. No que diz respeito a informacao incorrecta e as confabulagdes, os valores obtidos foram similares aos da entrevista original (Davis, McMahon & Greenwood, 2005). Resta ainda averiguar se a redugo temporal desta versio tem relevéincia pratica, i. ¢., se ela suficiente para poder ser integrada na investigagio levada a cabo pelos agentes policiais. Do mesmo modo, importa avaliar também, do ponto de vista qualitativo, a importancia da informagdo que nao € evocada devido A eliminagiio das duas técnicas em questio. Actualmente, varias forgas policiais no Reino Unido, Estados Unidos da América, Alemanha, Austrdlia e Canada, por exemplo, seguem os procedi- mentos da entrevista cognitiva (Vrij, 2004), No Reino Unido, em 2002, este tipo de entrevista foi inserido nas novas orientagdes governamentais para entrevistar grupos vulnerdveis, nos quais se incluem as criangas (Akchurst, Milne & Kéhnken, 2003). No no: pais, na formagio de alguns OPC (Orgiios de Policia Criminal) séo ministrados conhecimentos sobre entrevista cognitiva. Conclusio A entrevista cognitiva propicia a evocagiio de uma quantidade superior de informagao correcta sobre 0 episédio observado, comparativamente a outros procedimentos de entrevista, sendo a sua taxa de exactidio, pelo menos, similar 4 destes. As técnicas cujas instrugdes apelam a formagao de 'S Na literatura so apresentados alguns dados que sugerem que esta técnica © componente mais fraco da entrevista cognitiva (Boon & Noon, 1999, citado Davis, McMahon & Greenwood, 2005). 16 Outras téenicas avaliadas dessa forma, por estes profissionais, foram a colo- cago de perguntas guiadas pelas imagens mentais do entrevistado e a transferéncia do controlo (Kebbell & Wagstaff, 1999, 34), —_— A entrevista cognitiva em andlise 215 imagens mentais tm um papel nuclear no procedimento deste tipo de enti vista, mas os resultados dos estudos disponiveis, com populagdes diversi (sobretudo, adultos € criangas) esto longe de ser consensuais no que dit 18h peito ao rigor da informagio recuperada dessa forma, Do ponto de vista metodolégico, importa sublinhar que a definigio do grupo de controlo, como em outros dominios de investigagiio em psiealogtiy jo € consensual, o que implica alguns problemas de interpretagllo mull geral dos resultados obtidos. Ha também a considerar 0 efeito da evoeugila: repetida que aparece indissocidvel da utilizagio das téenicas mnemonleis, tornando a decomposigao de processos dificil de operacionalizar, quando nao se pretender eliminar sinergias resultantes da aplicaglo conjunta din varias mneménicas. As dificuldades decorrentes da utilizagio da entrevista cognitiva estilo, como se pode constatar, directamente relacionadas com problemas ao nivel da prépria compreensao dos processos basicos de funcionamento da mem6- ria, 0 que faz da investigagio fundamental na frea da psicologia cognitiva experimental da mem6ria uma necessidade incontorndvel. No estado actual do conhecimento sobre os efeitos deste procedimento de entrevista, € importante que todos os intervenientes, no prosseguimento de averiguagao dos factos relatados, sejam informados de que o depoimento foi obtido recorrendo & entrevista cognitiva © que estes conhegam, clara mente, as vantagens e limitages desta técnica. Referéncias Albuquerque, P. B. & Santos, J. A. (1999). Jura dizer a verdade?...: Traiges e fide- lidades dos processos mnésicos. Psicologia: Teoria, Investigagao e Pratica, 2, 257-266. Akehurst, L., Milne, R. & Kéhnken, G. (2003). The effects of children’s age and delay in a cognitive or structured interview. Psychology, Crime and Law, 9 97-107 , G. H. (1967). A multicomponent theory of the memory trace. In K. W. Spence & J. W. Spence (Eds.), The psychology of learning and motivation; Advances in research and theory (vol. 1, pp. 299-325). New York: Academic Press. Brigham, J. C. (2002). Face identification: Basic processes and developmental changes. In M. L. Eisen, J. A. Quas & G. S. Goodman (Eds.), Memory suggestibility in forensic interview (pp. 115-140), Mahwah, NJ: E OO aor. Bow

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