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Constant e Berlin: a liberdade negativa como a liberdade dos modernos Luis Augusto Sarmento Cavalcanti de Gusmao Consideragées introdutérias O liberalismo politico," tanto o de ontem como 0 de hoje, pode ser percebido como uma explicita e apaixonada afirmagao de valo- res dentre os quais a liberdade individual ocupa um lugar abso- lutamente central. De Locke a J. Rawls, passando por Mill e Tocqueville, essa liberdade é concebida como um bem supremo em funcdo do qual a sociedade e o Estado podem ser normativa- mente avaliados. Nessa perspectiva, todo e qualquer ideario ético- politico que implique o efetivo sacrificio da liberdade dos indivi- duos reais, empiricamente dados, em favor de um outro bem, nao importa ele qual seja, deve ser categoricamente rejeitado em sociedade impoe, reconhecem de bom grado os liberai: e restrigdes de toda ordem A liberdade in F argumentam, 0 que esta em jogo con pois a tinica intervengao legiti a a salvaguardar as cond; 4 oe ne 80, 86 h4 despotis. destin jdividuos. Fora di no liberalismo ©m todas as suas tuadl Gontroles do poder politico, de- _ Trata-se de assegurar um ordena- és bito do qual a liberdade individuay em rigcos, encontrando-se devidamente pro- Serf tabusos do poder politico: Sendo 0 Esta nesmo em fungdo de nossa , inevitavel os — se 08 individuos fossem sempr sempre ere? ossibilida perversidade € de nossos Vici observam Locke e Paine, 0 governo civil seria supérfluo — Contudo, visto tratar-se de uma ameaga razoaveis, : $6 nos resta suporté-l0. cabe manté-lo dentro de certos potencial a liberdade individual, limites, prese se uma area inviolavel de atuagao do indivi- duo, uma area | este ndo possa ser legitimamente impedido de fazer 0 que deseja, nem forcado a realizar 0 que nao quer, Livre das restrigdes e das obrigagoes estabelecidas no Ambito do pode ptiblico, ali 0 individuo deve reinar soberano. Pago 0 tributo pel: ¢ vantagens e pelos beneficios do convivio social — da opetient 7 cédigo moral vigente as obrigagdes com o fisco —, esse indi ae deve ser deixado em paz para fazer de sua vida 0 que lhe a ae » A sociedade moralmente bem ordenada é aquela n iprouver, melhante desiderato pode ser acolhido com aprovaga a qual se- moralmente aceitével € aquele de todo incapaz de a . eee! ameaca potencial a esse desiderato, contribuind Pree realizagio. Esta, a nosso ver, € a exigénci ie mental colocada pelo ponto iat igencia ético-po eleicao da liberdade indivi evista 0 liberalismo co1 individual como bemist ee stilt e sao de fé ético-po ryando- na qual endossar aqui uma tese classica, nao € negociavel — e das prescri- politicas nela ancoradas, um componente estritamente cognitive cuja validade podemos Teconhecer de bom grado, seja la qual for a nossa pos cao em relagao a moralidade liberal. Esse 0 caso, @ nosso ver, das lticidas consideragdes de Benjamin Constant Da liberdade dos antigos comparada a dos moderno: Berlin (Dois conceitos de liberdade) acerca da especifi e dutivel da idéia de liberdade junto aos modernos. Com efeito, até mesmo aqueles que nao acompanham Constant e Berlin na adesao apaixonada aos valores liberais, colocando-se antes em uma posi- cao ético-politico diametralmente oposta, podem admitir, sem re- cuar um milfmetro sequer em suas proprias convicges valorativas, o contetido de yerdade das referidas consideragoes. Assim, por exemplo, podem admitir, com desgosto, com indignagao moral até, mas podem admitir, caso nao Ihes falte, naturalmente, a lucidez intelectual necessdria, © amoi lo d ernos, um amor ausente junto aos ant dade, a privacidade d goes éticO-] livo, “etnogra falarmos plano das atitude ilismo em Constant e Berlin, imento acer desea pdernos, 80 exercici@ pacifico da sem dtivida, uM avango signi- a moralidade de nosso tempo. ficativo 14 COMP TS ar em ciéncia na acepgao mais rigoros desse ompreensao mao configura, na vida iverso mental do homem comum, como é s a ciéncia genuina. Isso nao nos im- reconhecer celéncia cognitiva das conside- ant e Berlin, nem destaque que merecem na sociais. O filésofo da Historia, W. H. Walsh no contexto de uma discussao acerca tS, 9 conhecimento histérico, que a compreen- da qual se valem os grandes historiadores cer, como um “prolongamento > ga de um ge aos mc _ representa, > intelectual di sompreen al cl oun indica em um: a ex ruptura com ao que tudo i jo, de uma caso, pede, contud' rages de Com historia das id observou certa feita, 0 status epistemoldgico de sio da natureza humana podia ser percebida, cab do que chamamos de conh acrescenta ele, ficari mos também ali, d mais criativa, a p dito, a nosso vei incluindo-se, | novidade historica, estava preocupado em distinguir os dois tipos de Jiberdade por motivos tanto praticos como tedérico Contemporineo da grande Revolugio Francesa, Constant via _ epulsa ¢ horror os excessos da lideranga jacobina no poder — as perseguigdes, prisoes € sinatos em massa promovidos pelo Comité de Salva 1 ao longo do ano 1793, quando nele mandavam Robespierre e Saint Just. Constant, um liberal da mais oura estirpe, percebe 0 quanto esses excessos tinham posto em ri co a liberdade e€ Os direitos do individuo. Por outro lado, ele nao ignora que 0 despotismo e 0 terror revolucionarios tinham sido SRercidos em nome da liberdade. Com efeito, Robespierre nao fa- lara reiteradas vezes com desassombro, sem provocar junto aos seus um minimo de perplexidade, em um “despotismo da liberda- de”? Para Constant, essa aparente contradig&o s6 poderia ser ex- plicada por uma lamentavel confusio entre a liberdade dos antigos e aquela conhecida apenas junto aos modernos, confusao esta que remontava a matriz ideolégica lideranga jacobina, ou seja, a J. J. Rousseau e seus su C aque para o abade Ma- bly. Nas republicas do mun i i fundia-se com a assuntos public praca pablica a de liberdade ¢ missao do ing Soberano € com individuo a autoridade do Todo. Nao enco quase enum dos privlégis que vemos fazer pa lek de entre os modernos. Todas a8 ages privadas egigc' bed cevera vigiincia(.) mis coisas que nos parecem may ls cantes, a autoridade do corpo social interpunha.se oS vontade dos individuos (Constant, 1995: 11), mrareis entre Outra é a fe umida pela liberdade entre os m, O que se preza agora, antes de tudo, o que se tornoy um te supremo € a possibilidade de uma esfera de atuagao exclusiva individualidade humana — uma esfera no Ambito da qual ess individualidade possa, sem impedimentos soci: Lis € politicos de qualquer espécie, realizar o que lhe apetecer. Nesse sentido, a fe berdade entre os modernos pode ser percebida como a reivindica- ¢ao de um direito a privacidade, ao recolhimento Pessoal, 4 indiferenga, sobretudo, ante aquilo que se passa no ambito da vida social e politica. Como veremos mais adiante, ao debrugarmo-nos sobre a andlise de Berlin, a liberdade aqui constitui um fim em si mesma, nao implicando qualquer referéncia a outros valores, tais como a fraternidade, a justiga ou a igualdade social. “Nossa liber- dade”, escreve Constant, “deve ci Ipor-se do exercicio pacifico da independéncia privada”. Se tei sinew > Ora, é exatamer por continuar consuine € vertin eres ¢ comodidades de sua civilizagio material, atarefada prazere : : a , atarefada coy cavers € miltiplos afazeres, nko acode ao chamado da fi ins 0s a os syolucionaria. Mostra-se antes indiferente ou hostil & histeria wevjlista dessa lideranga € acaba levando-a ao desespero ¢ a fitria, civ de ent, observa Constant, . viu-se molestada por experiéneias initeis cujos autores, irritados pelo pouco éxito qui s Icangaram, tentaram forcé-la a usufruir de lim bem que ela nao desejava e contestaram-tie © bem que ela queria (op. cit. P- 9). Com isso, Constant avanga uma explicagao empirica, histéri- ca, das vicissitudes e do desfecho melancélico da politica revolu- ciondria do governo jacobing no chamado ano II da Reptblica — 0 abandono desse governo pela populagao francesa, incluindo-se af a sans-culoterié parisiense, responsavel em larga medida pela sua ascensao, constitui, ao que tudo indica, um fato histdrico bem es- tabelecido: “o fim dos jacobinos”, escreve 0 historiador marxista Albert Soboul, “se explica em grande parte pela falta de apoio po- pular em suas viltimas semanas xisténcia” (ver Soboul, 1987: 372). Por outro lado, Constz ena 0 2 e servar, nao se ampa- ra aqui em qualquer pre como é, sem dtivida, essa liberdade com 0 exeres cio cidadio, do individuo enquanto py trando, por outro lado, © quanto vel, mas reptiblicas da Antigilidade, com 4 mais espe comunidade sobre a vida privada dos individuos ost a de bom grado Constant, isso nao parecia valer pata at ¢ importante das cidades gregas, Atenas, vista died muito mais liberdade individual do que ea qualquer

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