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Revista de Economia Politica, Vol. 2/2, N° 6, abril-junho/ 1982 Ciclos e mudangas estruturais na economia brasileira do apés-guerra’ JOSE SERRA** O objetivo deste ensaio é descrever ¢ analisar as prin- cipais tendéncias ¢ transformagées da economia brasileira no perfodo posterior & Segunda Guerra Mundial. Na Primeira Parte indicam-se, de forma resumida, os antecedentes bési- cos do crescimento econémico brasileiro nas ltimas déca- das, bem como os principais problemas estruturais que hoje se apresentam. Sio sugeridas também as caracteristicas fun- damentais que decorrem da presenga de dois personagens- chave no cendrio econdmico brasileiro: 0 Estado ¢ as em- presas transnacionais. Na Segunda Parte sio descritos os grandes ciclos observados no apés-guerra, analisando-se os fatore’ e condigdes que explicam os principais pontos ou fases de inflexdo. Na seco final sio esbogadas as princi- pais caracteristicas da evolugdo recente da economia brasi- leira, bem como as condigGes para uma estratégia alterna- tiva de desenvolvimento. (*) Este ensaio foi escrito durante a permanéncia do autor como professor visitante no St. Antony's College, Universidade de Oxford, primeiro semestre de 1981, e apresentado no Semindrio sobre Politicas para el Desarrollo Latino-Americano, CECADE, México, julho de 1981. (**) Professor da Universidade de Campinas. Agradego a colaboragio de Gesner de Oli- veira, Antonio Kandir ¢ Pablo Rieznik na preparagao dos dados apresentados. PRIMEIRA PARTE: TENDENCIAS E MUDANCAS ESTRUTURAIS. 1, DESEMPENHO E PRINCIPAIS PROBLEMAS © Brasil constitui uma espécie de paradigma de pais de industrializacao retardatéria onde o crescimento econdmico ¢ a diferenciacéo das forgas produ- tivas tém apresentado uma extraordindria vitalidade, Essa performance esten- de-se desde os anos 30 ¢ se acentua particularmente a partir da Segunda Guerra Mundial, quando a Indistria Manufatureira consolidou seu papel de eixo dind- mico da economia. Assim, em termos de tendéncia a longo prazo, o Produto Interno Bruto brasileiro cresceu no apés-guerra a uma taxa média que ultrapassa os 7 por cento ao ano, o que significa dobrar seu volume a cada dez anos e aumentar mais de dez vezes entre 1945 © 1980. Trata-se de um desempenho superior ao do conjunto dos paises capitalistas desenvolvidos e subdesenvolvidos e semelhante & média dos paises socialistas. Esse maior vigor relativo da economia brasileira transparece inclusive em termos do crescimento do PIB por habitante, o que permite afirmar que, grosso modo, ao contrario do que ocorreu com 0 con- junto do Terceiro Mundo, a diferenca entre a produtividade média no Brasil nos centros capitalistas desenvolvidos diminuiu no apés-guerra.? rapido crescimento do PIB, sob a lideranga do setor manufatureiro, cuja expansio foi de 9 por cento ao ano, acompanhou profundas transformagdes na estrutura econdmico-social brasileira. Entre 1949 e 1970 o setor industrial ma- nufatureiro elevou a sua participacéo na Renda Interna de 20,2 para 27,3 por cento (precos correntes), enquanto para 0 conjunto do setor industrial (Indiis- tria de Transformacio, Construgao Civil, Mineragio e Servicos Industriais de Utilidade Publica) o salto foi de 26,0 para 33,4 por cento. Dentro da Indistria de Transformagao, adquiriram considerdvel importan- cia os setores de bens de produciio e de bens de consumo duraveis. Assim, em 1976 © peso dos produtos metaltirgicos, méquinas e equipamentos no setor industrial era superior a 30,0 por cento, proporcéo mais elevada da América Latina e préxima da vigente na Europa Ocidental. A principal contrapartida do dinamismo do setor industrial e do aumento 1 O crescimento econdmico brasileiro também foi consideravelmente mais dinémico que © do conjunto da América Latina, superando em mais de dois pontos percentuais a média anual dos demais paises da regio, O desempenho da economia brasileira contrasta pa cularmente com o das outras economias do Cone Sul — Argentina, Chile e Uruguai — que eram as mais avancadas da América Latina no inicio dos anos 30. 6 ” Oa ‘sIevo1eN $e} 30814 — 08/9561 ~ ‘owowefourra op cums — G3d — 96/6961 —~ Od ‘s1eUO!DeN SEO) — Add — tr AOS ‘10u0}20N sBIU0D :so1niq sopep sop soo oyna owstuy oanporg op o5(9) 104M) or | se wus wa wo |se oe [ve ry | oe ze va jos | zo | ove ze | sw ow oe ver | aa ze} oon | ov | co 1} ve [ys lee | excess ry | vor oer vo zo jee ce ve vy | es 29 se fzs [vz | oases vie | ot sot ee vor | vst za} ze | ve | vse | oz se jeo |ve | c/o sss | ver ve x vs | ea za] se | ve | mz) ee eu |v joo | azo 0 ee fan se so ze fae feu | exo ces wy | re es wa ez jas |ze | sv/ee ve ve | se ve vs ve |sv Jrz | zavse se - so [ee | ow ss oe Juv fee | severe ve o6's rh us se fev [vz | oes ) on wo }o |o CO) @ | w owioaon, ya | anoa | aoa wD vay | aig | oagwuad ‘op eLSNpUT optnsuog, (02 30 Sauvi0g) onwaixa youss | sodaue ‘SOLNSWILSIANI ‘wwuisnant oydnaoud o1ndoud oquaunoseig 9p sjenuy seoUieWoND seIpeN sexeL SODISYA SODINONODIOWDWW SOdva + Wiaave significativo de seu peso na estrutura da economia foi a redugao da participagao telativa da agricultura, cujo peso na renda interna do pais passou de 25 por cento em 1949 a 13,2 por cento em 1979/80. Outra mudanga extremamente relevante diz respeito ao setor externo da economia. Em primeiro lugar, confirmou-se o definitivo deslocamento das ex- portagées como principal fonte de demanda para o crescimento. Basta mencio- nar que entre 1947 e 1980, enquanto a expansdo do PIB foi de 7,1 por cento ao ano, as exportagdes, em quantidade, cresceram 4 5,6 por cento anual ¢ o coeficiente de exportagées com relacio ao PIB declinou de 14,8 para 7,6 por cento (pregos de 1970). TABELA 2 RENDA INTERNA SEGUNDO RAMOS DE ATIVIDADE (Porcentagens do Total em Valores Correntes) 1949 1959 1970_| 1979/80 Agricultura 24,9 19,2 10,1 13,2 Inddstria 26,0 32,6 35,9 33,4 (indistria de Transformagéo) (202) } (251) } 73) | (26,3) Servigos 49,1 48,2 53,9 53,7 Contas Nacionais de FGV e IBGE. identemente, as porcentagens em valores cortentes subestimam o aumento de gravitagéo da industria na renda interna, devido & continua diminuigao dos seus pregos relativos. Paralelamente, e apesar do amplo recurso ao financiamento externo, obser- vou-se também um notdvel “fechamento” da economia no que se refere as importagées: a participagdo dos produtos importados no PIB declinou de 13,7 para 7,0 por cento entre 1947 e 1980 (precos de 1970). Essa evolugdo obede- ceu a uma trajetéria ciclica, sendo que o fechamento mais intenso ocorreu entre fins dos anos 40 e meados dos 60. Posteriormente, e até 1974, inaugu- row-se uma fase de extroverstio econdmica — longe porém de recompor 0 quadro vVigente no imediato apés-guerra. Finalmente, a partir de 1974 definiu-se uma nova fase de introversdo, chegando-se a uma situagdo mais proxima 4 do inicio da década de 60. Com felagdo as exportagdes, € ainda fundamental considerar que houve uma notavel diversificaco de sua pauta, a qual acompanhou o sew r4pido._cres- cimento posterior a 1967. Assim, por exemplo, as vendas de café como propor- 40 do total exportado declinaram de 60 por cento em 1949/50 e 53 por cento em 1962/63 para 13,4 por cento em 1978/79. Ao mesmo tempo, os pro- dutos manufaturados passaram de 10,5 para 45 por cento do total entre 1968/ 1980. Esse fenémeno também foi observado em varios outros paises do Terceiro Mundo e na América Latina, mas no caso brasileiro fai particularmente acentua- do. Sua conseqiiéncia mais ébvia foi tornar o valor das exportagdes menos susce- Aivel a contragées bruscas, “osn op seioBeyeo sejuel0|p se opunfies siensnpul soueug6 sop oBdinginsip B ied (6961) Jepueg ep seAReWINSe se OpueZIiIN Gy6! ep OUe oO eed OBdnpoid ep sjenju so soULB|ND]eE9 — “oqauefeueld Op OUgIsIUIN Op 2 JDSI4 ep SeL9s sep sequs|ueAosd jeos oBdNpold BP CYUoUI]DSe1D Op sexe; Se SOpEP SeISo eigos soweyefoud — *{@161) eyuedey @ I|J9U0g 40d sepewnse ‘osn op elioBeio epeo op seageje sagdedioyed sep sued e sopeinojes weloy Q16} Bed so1ojea so — :seQdeNIosqQ “ouowiefaue|d Op ONISIUIW @ ADI :S0yn4q sopep Sop Sa}u04 ‘00k HSO'ELZ o'00r HSL bE) o'0ol gisoht o'oor ost ly o'oor Sle ee (eo) un | zezov | vst | esvez | cu | oer | ser | vere | ey ere Teydeg ep sueg set| iseoe] cer] suvse| ee | oevor) vs | eee] sz s9g oumsuog op cuog vile OlwzoL gre 96299 ve 280'0r gp 6L0'vb 02 assy SO|PIpeuuezu| sudg o - y 7 o o " 7 19Ag4ng O8N ve | cove | e'c | tzsoz | osy | zevzs | sos | sivze | ez | ares ownsubg ep” suee % oye, % 40jeA, % 012A, % 40jeA % A01BA. osn 3G 086} S26 ou6+ 6s64 6v6+ svidooalvo (0261 @P 901 $40) OVSVNUOISNVEL 3d VIEISNONI YN OyONGOud Vd WENLNYLSa © wiaavi Finalmente, cabe assinalar que a intensidade do crescimento e das trans- formagées estruturais da economia brasileira teve sua contrapartida em profun- das mudangas na estrutura social. Assim, entre 1940 e 1980 a proporgdo da populacio economicamente ativa (PEA) no setor secundario mais do que du- plicou, passando de 10,3 para 25,3 por cento do total.? Essa evolugao nao foi linear ao longo do periodo em questiio: mais de quatro quintos da expansao rela- tiva da PEA industrial entre 1940 ¢ 1980 ocorreram a partir de 1960; também depois de 1960 ocorreram mais de trés quintos do declinio relativo da PEA agricola. Sio dados que assinalam o engano das teses de meados dos anos 60, que davam por esgotado ou muito enfraquecido o dinamismo da geracdo de empregos no setor secundirio da economia. TABELA 4 COEFICIENTES DE COMERCIO EXTERIOR E RELAGOES DE TROCA Exporta- | Importa-| Relagdes | Ano | Exporta- | importa | Relacdes Ano | oes goes | de Troca goes | cies | deTroca Pie | PIB |(1963=100) PIB PIB 1947 148 13,7 99 1964 52 46 115 1948 | 144 114 94 1965, 6A 40 108 img | 13,0 404 89 1966 67 Bit 101 1950 99 114 156 1987 64 5a 97 1951 | 10,1 16.2 161 1968 63 62 99 1952 78 14,3 145, 1969 68 6.2 105 1953 84 95 152 1970 66 69 145 1954 67 10,7 175 1974 64 75 105 1955 72 75 130 1972 67 81 114 1956 75 7A 129 1973, 67 86 424 1957 64 83 141 1974 66 10,5 102 1958 5,7 74 138 1975 69 94 98 1959 68 78 119 1976 64 86 110 1960 61 a 116 1977 61 76 130 1961 61 6.2 113 1978 65 xe) 112 1962 76 58 100 1979 67 78 101 1963 62 5) 100 1980 78 70 83,6 Fonte: Elaboraggo prépria, com base em dados do Banco Central, de Conjuntura Econémica, e da CEPAL. Dados em valores constantes de 1970. Por outro lado, houve uma significativa ampliagio da PEA nos servigos urbanos. Parte dessa ampliacdo inclui, sem duivida, 0 chamado setor informal do mercado de trabalho, mas uma parcela substancial corresponde ao emprego assalariado no comércio, administracao e servicos piiblicos. As modificagdes na estrutura social foram acompanhadas por aumentos nos niveis de escolaridade da populagio e por um declinio da proporgéo de analfabetos entre as pessoas de mais de 15 anos de idade: de 56 por cento em 2 O crescimento relative da PEA na Indéstria Manufatureira foi semelhante: de 7,4 para 15 por cento da PEA total entre 1940 © 1976, 10 “yseig op Jenueg coueg op soojseq sopeq :ayUo4 sb ve vt x4 se ve st 9% can ve 60 60 so syeedsy sagdesues) ew | voy | soe | se | vez} sez | sez | vez] szz | ver] er] oz | sor sopeameynuey (9 ou] zz | cor} os | vs | cor} cz | os | cor} es | ve | ve | 26 sopeimejnueuriweg (2 sos | ozs | vay | soy | voe | vor | “oy | eze | e'ze | sez} eee) wiz | zoe oz | esr | zis | ous | voo | sus | sos | s'v9 | o'99 | e'89 | spe | Lue | coe soajseg soinpodd (1 oot | oot | ooF | oot | oor | oor | oor | oor | oor | oor | oor} oor | oor qWu39 W1OL oset| 626+} ez6r| 226+] 926+ | szst| p26 | exer | zu6t | bz6+ | 0261] 696} | S96b (sueBeyuesi0g) 08/8961 — SOINAOUd SIVdIONIUd SNIS YOd SVUITISVHE SIOSVINOdXa Svd OYSISOdNOD — § VIaaVL i 1940 para 26,1 por cento em 1980, fenémeno que também foi mais intenso a partir dos anos 50.8 ‘As tendéncias de longo prazo da economia brasileira, que mostram o notével dinamismo expansivo ¢ as profundas transformagGes estruturais, produ- ziram, coexistiram, ou até certo ponto foram viabilizadas por caracteristicas que tipificam um estilo de crescimento que tem sido submetido a uma intensa apreciacéo critica na literatura sobre 0 desenvolvimento econdmico. BRASIL: DISTRIBUICAO DA _RENDA (POPULAGAO ECONOMICAMENTE ATIVA) TABELA 6 PERCENTIS 1960 41970 1980, 20— 3.9 34 28 50~ 174 149 126 10+ 39.5 4877 509 5+ 28,3 341 379 L t+ 11,9 14,7 16,9 Fonte: Dados basicos do IBGE. A caracteristica que sobressaiu refere-se, sem diivida, & ampliagio das desigualdades sociais, simultaneamente com a preservagéo de grandes margens de pobreza absoluta, A Tabela 6 é por demais eloqiente para ilustrar o primei- To desses aspectos. Como se pode constatar, as distincias relativas entre os niveis de renda dos brasileiros aumentaram de forma persistente desde 0 inicio dos anos 60. Nao é por menos que 0 coeficiente de concentragao de renda no Brasil situa-se entre os dez mais elevados do mundo, considerados os paises para os quais h4 dados compardveis, Por outro lado, em 1974/75, nao obstante © vigoroso crescimento observado nos anos anteriores, cerca de um tergo das familias brasileiras ainda permanecia abaixo da linha de pobreza absoluta, equi- valente a duas vezes o menor saldrio minimo mensal do pais, ou seja, 364 délares anuais de gastos por pessoa (precos de 1979). Houve muita controvérsia em tomo da funcionalidade, disfuncionalidade ou indiferenca do agravamento da desigualdade social, bem como da permanéncia de amplas matgens de pobreza absoluta, em relagdo ao desempenho da econo- mia. O que nos parece menos sujeito a discussio, porém, € que essa evolugdo 3 No entanto, nao se observou correlagfo semelhante no caso da organizagéo da forga de trabalho assaleriada A liberdade sindical, que foi ampliada entre os anos 40 ¢ 60, sofreu uma significativa restrigao a partir de meados desta dltima década, sob o regime auto- ritério. As possibilidades de expressio ¢ influéncia politica dos trabalhadores também foram bastante restringidas depois de 1964, mediante o estreitamento das liberdades par- tiddtias e 0 estrito controle do processo eleitoral. 12 adversa foi agravada pela politica social “regressiva” do regime brasileiro entre 1964 © 1974: baixos reajustes salariais fixados pelo governo, enfraquecimento da estabilidade no emprego, duras restricdes a liberdade sindical e contencdo dos gastos piblicos com finalidades sociais. Um segundo aspecto diz respeito aos desequilibrios do processo de cres- cimento, entre os quais destacamos os seguintes: 1. O rapido declinio da participagdo do PEA agricola no PEA total nio ioi conseqiiéncia de um process generalizado de modernizacao tecnolégica do setor. Ao contrdrio, a agricultura seguiu se expandindo mais com base na ampliagdo da fronteira agricola do que no aumento da produtividade. Esta aumentou apenas lentamente quando considerado o conjunto do setor. Na verdade. a capitalizagdo e a modemizacdo tecnolégica rurais proces- saram-se de forma muito pouco dinamica e bastante desigual entre produtos e regises. Tal modalidade de desenvolvimento agricola, embora tenha tido implica- des negativas do ponto de vista dos precos dos alimentos e dos rendi- mentos reais da massa de trabalhadores rurais, liberou recursos de finan- ciamento para sustentar a acumulagao urbana, contribuindo indiretamente para viabilizar 9 dinamismo do padrao de crescimento industrial vigente nas tltimas décadas. Trata-se de um importante contraste entre a expe- riéncia brasileira e a de outros pafses da América Latina, que se viram diante da opgao de importar alimentos (ou comprometer suas exportagdes desses produtos) ou realizar pesadas inversdes para aumentar a produti- vidade do setor. Existem, porém, evidéncias de que essa modalidade de desenvolvimento agricola pode tornar-se invidvel se for admitida a continuidade do dina- mismo do crescimento brasileiro, em fungdo tanto das novas exigéncias impostas a agricultura pelo conjunto da economia como das condigées endégenas de expansdo do setor.* No que se refere a industria, & relevante observar que o dado da partici- pagéo do agregado maquinas — equipamentos — produtos metalirgicos no produto manufatureiro tende a superestimar o desenvolvimento do setor, v 4 Diretamente 0 salétio minima ¢ os salérios dos funcionérios pablicos, de forma geral 0s salérios afetados pela formula de reajustes vigente desde 1964, 5 Tais exigéncias decorrem de: (i) a necessidade de continuar expandindo as exportagses agricolas para atender a demanda de divisas; (ji) © atraso da produgéo agricola voltada para o mercado interno, configurado no perfodo que se estende desde o final dos anos 60 até 0 inicio do atual decénio; (iii) a demanda de insumos agricolas substitutivos de derivados do petréleo. As condigdes endégenas tém a ver com o afastamento, hoje con- sideravel, das novas fronteiras agricolas, com implicagdes negativas sobre os custos de transporte dos alimentos, 13 “Jenuag ooueg © e9/WQUODI esmun{uog :2;U04 oor’ at - - ozs o0.'8 009°0) Lye" 9S 006'9 tye'€3 196) e10'eb 26h oe o6y hea 988°21 vessy | 169 uve'es | 086) eZ" zee 9e9 zee sory ere’ Ob sizoy | 699°6 vos'6y | 6L6L zie zs'e vas gee 969°% 066°9 sige | seer tisey | s26t 922"9 £'% ssp bes e01'e 260° ben've | gse'h zeo'ze | Lesh vie'y zoL'h ose Hoe 6081 £10'9 ivy 61 yS'9 986°sz 9261 999°¢ g1z"4 sez ve e6y"h 002"9 vera or0'y habe suet s65°% ery ave 6 zg wk 268th 69%'s sora $261 use sub 861 soe vis 889°1 ssi'9 oi'9 us ‘zt e261 zzez Zev 19h bye ese 68y"t see's eal'y Wes'6 zL6b seo" 9s git 182 208 208"1 668"y eh ze9'9 si suv 891 6 ow vez zag e0l'y zeit 62's oz6r osz"t eee i sya zal +82 eee 999 cory 6961 096 He v8 eee we 80s ves"e 9st osz'€ 9961 829 sit e aL 8h we | tue 661 zee 4961 (6) (e) Ww (%) (9) (s) ty) (e) (@ a) (v/s) sowencg 9 We aquaiiog | epinbyy s}euo1a ema | ONY epi ep | sojeu | soronj ap| sioyea | sopinb, | eqwog wo| euierxg | -ewouyy| —ewiorxg odaieg | -nseauj | essowey [—soanp sounp 49 epiia | seaesoy] — epinig ON#3LXa OLNSWWGIAIONS O 3¥0S SOOISya soava 2 viavi 14 80 menos em confronto com os paises capitalistas desenvolvidos. Isto por- que a participacdo dos bens de consumo durdveis no referido agregado é muito superior no caso brasileiro do que. por exemplo, nos paises euro- peus, Embora o setor de bens de capital no Brasil seja mais amplo e integrado do gue nos demais paises da América Latina (México, por exem- plo) pode-se dizer que apresenta uma espécie de “atraso relative”, caracte- rizado por insuficiente desenvolvimento tecnolégico e, mais ainda, por uma reduzida participacao nacional na geracdo da tecnologia utilizada. Existem restrigdes estruturais & modificagdo dessa situacdo, ¢ elimind-la ou ao me- nos atenud-la poderé representar uma condicéo relevante para preservar a longo prazo o ritmo histérico de expansdo da economia observado no apés-guerra. Com relacdo ao setor externo, cabe notar que o Brasil, depois de desfrutar de uma posico credora em termos liquidos no fim dos anos 40. acumulou uma divida que no inicio desta década aicangava uma proporgao proxima a um quarto do PIB ¢ a duas vezes e meia o valor das exportagdes. Deste total, aproximadamente um tergo deve ser empregado no pagamen- to dos juros, proporgdo que se eleva a dois tergos se acrescentamos as amortizagses. Dadas as dificuldades para, dentro do atual marco estrutural, obter saldos comerciais positives muito significativos nos préximos anos (a menos que se prolongue o estado depressivo em que a economia mergulhou em 1981), coloca-se um desequilibrio financeiro fundamental, com implicagées tam- hém decisivas sobre o padréo de crescimento futuro da economia brasileira. Tal desequilibrio, para ser enfrentado de modo satisfatério, exigiria tanto um grande esforco de mobilizacio nacional visando impedir o estreita- mento do jé apertado raio de manobra doméstico na condugio da politica econémica, como a realizagdo de significativas e répidas mudangas estru- turais com vistas a ampliar 0 coeficiente de exportacdes e manter baixo o coeficiente de importagées. Sobressai, por outro lado, a extrema dependéncia do desenvolvimento da economia brasileira com relagio ao petréleo, Em 1973, aproximadamente 44 par cento do consumo de energia no Brasil era satisteito por este produto, proporcio excessivamente alta se levamos em conta a abundante disponibilidade de outras fortes energéticas. Nessa mesma época (1971) mais de quatro quintos do transporte (cargas e passageiros) era realizado por vefculos automotores, um percentual varias vezes superior ao dos paises desenvolvidos. Ademais, devido & ma qualidade do carvao nacional € a0 haixo preco do petrdleo, o dleo combustivel veio a cumprir um papel 15 crucial como insumo energético para a industria." Essa realidade coloca. portanto, um desafio de grandes proporgdes para os prdximos anos. Dado © peso que © petréleo jé alcancou nas importagées, a menos que se descubram grandes jaridas deste produto em territério brasileiro, o Brasil tera que moditicar forcadamente a sua matriz energética. Como & dbvio. a intensidade ¢ a forma de fazé-lo condicionarao estreitamente as possibi lidades e 0 estilo do desenvolvimento brasileiro. Por wltimo, néo pode deixar de chamar a atencdo a presenga do mais notével invitado de piedra? do desenvolvimento brasileiro: a inflagéo cré- nica e elevada. A alta dos precos tendeu a tecrudescer durante a Segunda Guerra Mundial e, depois de um certo retrocesso na segunda metade dos anos 40, sofreu uma nova inflexdo ascendente que, independentemente das flutuacdes, manteve-a, em média, acima dos 20 por cento ao ano. A inflagao brasileira pode ser encarada, na melhor tradigéo da anélise es- truturalista, como retlexo da rapidez € intensidade das transtormagdes na economia, com implicacoes em termos de mudangas nos precas relauvos. Sua funcionalidade explica-se pela incapacidade do sistema de intermediacao fi- nanceira de mobilizar poupanga para tinanciar os investimentos ou de arti- cular organicamente © capital tinanceiro ao industrial. Com aigumas exce- Ges ao longo do tempo, nfo chegou a obedecer nenhuma dinamica salérios- precos. Da mesma forma, as teorsas que a associaram necessaria e simplifi- cadamente ao déficit fiscal foram desmentidas pela experiéncia brasileira des- de fins dos anos 60, quando o setor fiscal se tornou superavitdrio. A disfuncionalidade da inflagdo foi sentida durante suas fases de acelera- go descontrolada, como em 1962-64 e desde 1979, gerando reagées con- tencionistas na politica econémica. A importancia deste fenémeno é crucial, pois, cabe relembrar, sob a motivagdo ou a pretexto de uma inflagdo eleva- da foram aplicados em paises como Chile ¢ Argentina esquemas de poli- tica econdmica que transcenderam o mero objetivo da estabilidade dos pregos, na busca de um padrao de desenvolvimento menos industrializante ¢ mais aberto para o exterior. Il. A PARTICIPACAO DO ESTADO Uma das caracteristicas marcantes do desenvolvimento do capitalismo no Brasil diz respeito ao significativo papel do Estado como fator de impulso & ® © niicleo dinimice que impulsionou a economia brasileira durante o apésguerta asso- ciou-se estreitamente ao consumo de petréleo: a industria automobilfstica. a construcdo civil, a petroquimica (desde os anos 60) e a propria indiistria petrolifera. Nao é para menos que em 1976. das dez maiores empresas do pais (segundo vendas), aproximads- mente oito eram direta ou indiretamente vinculadas ao consumo de petréleo. 7 Expresso de Anibal Pinfo en suas andlises sobre a inflagdo chitena 16 industrializagéo. Esse papel foi exercido nao apenas através de suas fungdes fiscais e monetarias e de controle do mercado de trabalho ou de sua fungao de provedor dos chamados bens piiblicos mas também e sobretudo pela (i) de- finigo, articulagdo e sustentacéo financeira dos grandes blocos de investi- mento que determinaram as principais modificagdes estruturais da economia no apés-guerra; (ii) criagao da infra-estrutura e produgao direta de insumos in- dispensdveis a industrializagdo pesada, Essa caracterfstica expressa uma especificidade dos paises capitalistas que Hirchman chamou de late-late-comers e que assumiu no Brasil uma de suas expressdes maximas. De um prisma de anilise estritamente econdmico, isto se explica por circunstancias como i) Tais paises ingressaram na era industrial quando as bases técnicas e financeiras das atividades manutatureiras ja eram relativamente complexas, im- plicando grandes dimensdes de plantas ¢ clevadas exigéncias tecnolégicas. ii) Paralelamente, a economia priméria exportadora nao engendrou me- canismos de centralizacdo financeira privada capazes de oferecer sustentagdo & acumulacdo industrial nas condigdes acima mencionadas, aforao problema re- presentado pela grande magnitude do volume de recursos a ser mobilizado em um estagio ainda incipiente de desenvolvimento das forgas produtivas.* iii) Os grandes projetos industriais tem uma forte relagéo de interdepen- déncia, o que obrigava a que sua implementagao fosse feita de forma alé certo ponto conjunta, em razéo do risco de torné-los invidveis devido aos problemas de capacidade ociosa e de balango de pagamentos. A esta exigéncia acrescen- taram-se ainda as necessidades de infra-estrutura e de fornecimento de maté- rias-primas bisicas. iv) © avanco no sentido das etapas superiores da industrializacao foi si- multaneo ao (e em parte causado pelo) acelerado movimento de internaciona- lizacio do capital que sucedeu A reconstrugo européia. Assim, a coordenago acima mencionada tinha que ser mais ampla e complexa, na medida em que devia incluir também a negociagdo ¢ a administragdo da participagdo das em- presas estrangeiras nos grandes blocos de investimento, estabelecendo uma di- io de tarefas entre elas, o capital privado nacional e as empresas estatais. Foram estas as condigées que impuseram a0 Estado assumir, de fato, o papel de principal instrumento de centralizacéo financeira, coordenagio dos grandes blocos de investimento, construtor da infra-estrutura ¢ produtor de maté- tias-primas e insumos basicos. A forma e a maior ou menor intensidade com que assumiu esse papel, bem como a performance resultante, constituem um elemento-chave para interpretar as particularidades do desenvolvimento brasi- leiro em relagio a outros late-late-comers, tanto quanto ou mais do que as carac- 8 Ver, a respeito, Coutinho e Reichstul, 1977. M7 teristicas do chamado processo de substituico de importacdes. Para explicar, por exemplo, a diferenca entre a trajetria do capitalismo argentino e brasileiro, sera essencial levar em conta por que, no caso da Argentina, o Estado teve me- nor capacidade para transferir recursos do setor exportador (mais amplamente. da agricultura) para acumulagdo industrial e, ademais, assumiu com muita timidez 0 papel de agente produtor, direto ou indireto. E elogiiente a esse espeito assinalar 0 atraso na implementagdo do programa siderrgico argentino comparado ao brasileiro e mesmo ao chileno. Outro paralelo interessante poderia ser feito com o México, onde o menor avango da industrializagao em face do Brasil deveu-se, em parte, a acdo menos agressiva do Estado no sentido de forgar a verticalizagio da inddstria, E verda- de que, diterentemente do Estado brasileiro, 0 mexicano foi muito mais “efi- ciente” na organizacdo de um sistema centralizado de intermediagio financeira, sem rival na América Latina, bem como no controle dos mecanismos de propa- gacao intlaciondria. Porém, a partir de meados dos anos 50 até 0 comeco dos anos 70 0 Estado mexicano retrocedeu, comparativamente ao brasileiro, na acao de promover o desenvolvimento da industria de bens de produgao, limitan- do-se cada vez mais a posig&o de fornecedor de economias externas ao capital privado e regulador do sistema financeiro Pode-se estimar que o conjunto do setor piblico brasileiro atualmente Tesponde por mais de 40 por cento da formagao bruta de capital fixo na eco- nomia. Entre as $300 maiores empresas ndo financeiras, aproximadamente 30 Por cento do patriménio © 5,2 por cento das vendas correspondiam, em 1975, a empresas estatais. Como jé foi sugerido, estas se concentram primordial- mente na produgio de bens intermedidrios (incluindo energia). (Dados basicos de Calabi e outros, 1979.) III. AS EMPRESAS TRANSNACIONAIS E A INDUSTRIALIZACAO No tripé em que se baseou a industrializagao brasileira desde meados dos anos 50, formado pelas empresas do Estado, do capital privado e do capital estrangeiro, a estas ultimas coube compartilhar com as empresas estatais 0 papel de principal protagonista, Sua participacdo direta na producgio manufa- tureira nao constitui por certo uma novidade histérica, mas intensificou-se no- tavelmente a partir da época mencionada, O salto da industria brasileira na diregdo dos ramos manufatureiros “pesados” de bens de produgdo e de consumo duraveis é insepardvel da penetragdo das empresas transnacionais no setor. Em termos resumidos, as principais caracteristicas resultantes do proceso de “transnacionalizacao” da indtistria brasileira nas trés ditimas décadas séo as seguintes: 1. As empresas transnacionais (E) concentram-se predominantemente na indis- tria de transformagao, onde controlam mais de 30 por cento do estoque de capital do setor, Das 1000 maiores empresas do pais (por volume de vendas em 1974) aproximadamente dois tergos sao industriais; entre elas as ET equivaliam a 12 por cento do numero total, 50 por cento do valor das vendas e 43 por cento do estoque de capital. (Dados basicos de FINEP, 1978.) 2. Dentro da indistria, as ET concentram-se nos subsetores mais dinamicos. Em 1970, entre as empresas lideres, as ET dominavam a produgéo de bens durdveis de consumo (85 por cento das vendas) e participavam majoritaria- mente na produgao de bens de capital (57 por cento das vendas). Mesmo nos dois outros subsetores (bens de consumo nao duraveis e bens interme- ios) sua participagdo era significativa (43 e 37 por cento, respectiva- mente) (idem, FINEP 1978). 3. As ET operam com escalas de produgio, intensidade de capital, grau de oligopolizacaio, complexidade tecnolégica e produtividade mais elevadas que as empresas nacionais. Predominam também na exportagéo de produtos manufaturados. 4. Até meados dos anos 50 predominavam as ET de origem norte-america- na. Posteriormente, observa-se uma significativa diversificagio dos paises de origem, adquirindo importincia as ET alemas, japonesas ¢ suicas, ainda que as ET dos Estados Unidos continuem detendo a maioria em confronto com qualquer pais isolado. 5. Para atenuar os possiveis conflitos entre a expansdo das ET e os “interes- ses nacionais” concorreram as seguintes circunstdncias: i) © alto grau de complementaridade entre as atividades das ET e das em- presas privadas nacionais do setor industrial. Este foi o caso tipico da indts- tria automobilistica e da inddstria de componentes (autopecas). A complemen- taridade é mais Obvia em relagdo ao conjunto da economia pois, apesar de crescente, é ainda reduzida a participac¢do do capital estrangeiro na constru- gio civil, no sistema financeiro, na prestagdo de servigos, na agricultura e na mineracao. ii) a tendéncia observada desde fins dos anos 60 de associagéo das ET com as empresas nacionais, privadas ou estatais. No caso das empresas pri- vadas (nacionais) essa associagao aparece como atraente do ponto de vista tec- nolégico lato sensu (incluindo a diferenciagéo de produtos, marcas e marketing), financeiro e de garantia de mercados para exportacio. Com relacao as estatais este tiltimo aspecto parece ser 0 predominante. iii) as dificuldades do balango de pagamentos constituem um fator persua- sivo na justificagio de uma politica governamental permissiva com relagéo as ET. Por outro lado, 0 tnico periodo (desde 1947) de bonanga prolongada do 19 setor externo (1968 a 1973), foi simultaneo com uma répida aceleracéo do crescimento, desfrutada amplamente pelas empresas privadas nacionais, o que amenizou os possiveis conflitos com as ET. iv) finalmente, cabe assinalar a importancia crucial e habitualmente des- considerada da relativa fragmentagéo de interesses das ET, que provém de paises distintos, atuam em setores industriais diferentes, obedecem a uma di- namica de acumulagao diferente e nao reagem da mesma forma face as con- junturas econdmicas favordveis ou adversas ou a controles e limitagdes im- Postos pela politica econémica governamental. A referida fragmentagdo tem como contrapartida a multiplicidade e a diferenciagdo dos nexos das ET com as empresas brasileiras (privadas ou estatais), fragmentando também os jnte- resses nacionais frente ao capital estrangeiro. SEGUNDA PARTE: OS CICLOS DO CRESCIMENTO INDUSTRIAL No perfodo do apés-guerra, a expansio do produto manufatureiro apresen- tou trés inflexdes mais agudas, as quais condicionaram variagdes semelhantes no crescimento do PIB. A primeira delas ocorreu a partir de 1962, depois de uma notdvel trajetéria expansionista desde o final da guerra (9,7 por cento a0 ano) € particularmente no qiiingiiénio anterior (1956-1961), em que a taxa de crescimento do produto industrial alcangou a média dos 11 por cento a0 ano. No qiiingiiénio seguinte (1962-1967) esta taxa declinou mais de quatro vezes, atingindo a média de 2,6 por cento anual. A segunda inflexéo observou-se a partir de meados de 1967, inaugurando a fase expansiva do “milagre” econdmico, durante a qual o produto industrial cresceu a quase 13 por cento ao ano, até 1973. Em seguida, a indistria entrou em uma fase de desacelerac¢ao (1973-1980) tendo sua taxa de crescimento sido inferior 4 metade daquela observada durante o “milagre”, embora nao muito inferior 4 tendéncia histérica do apés-guerra e ainda razoavelmente elevada em confronto com outros paises. I. AUGE E DECLINIO DO CRESCIMENTO INDUSTRIAL (1947-1962) Na verdade, foi durante © periodo que se estendeu desde a Segunda Guerra Mundial até 0 inicio dos anos 60 que o pais caminhou para etapas mais avancadas da industrializagéo moderna. Para isto foi decisivo um con- junto de condigées, entre as quais: 1. A base relativamente ampla do mercado doméstico, aumentada significati- vamente nos anos 30; 2. As politicas fortemente protecionistas em relacdo a indtstria doméstica e de apoio & substituicio de importacées; 20 3. Os investimentos estatais, seja na infra-estrutura de energia e transportes ou diretamente na producao de insumos bésicos; 4. A entrada massiva de capital estrangeiro na produgdo de bens manufatu- rados destinados ao mercado interno (sobretudo a partir de meados dos anos 50); 5. Os fortes incentivos e subsidios fiscais, crediticios e cambiais ao investi- mento privado na indistria: 6. O crescimento da oferta agricola a uma taxa média superior a 4 por cento a0 ano sem que o setor demandasse um volume significativo de investimen- tos e recursos financeiros. A fase que se estende desde a guerra até meados dos anos 50, cuja impor- tancia foi muitas vezes subestimada, deve ser considerada fundamental. Por um lado, comecaram a operar empreendimentos iniciados pelo Estado durante a guerra e voltados a produgdo de minério de ferro (Companhia Vale do Rio Doce), barrilha e soda cdustica (Companhia Nacional de Alcalis), ago (Com- panhia Siderirgica Nacional) ¢ agos especiais (Acesita).’ Por outro lado, con- tinuou a protecao ao mercado interno em favor da produgio industrial domés- tica. A protecdo natural representada pelo conflito mundial, seguiu-se uma fase de liberalizacio das importagées (1945-46); mas o répido esgotamento das reservas de divisas e a defesa dos interesses do café impés (a partir de 1947) uma politica simultanea de controle de cambio e de preferéncias especiais que favoreceu as importagées de maquinas ¢ equipamentos."” ‘Ademais, a guerra da Coréia, com o temor de que os fluxos do comércio internacional viessem a sofrer interrupgao, gerou um boom de importagdes de méquinas e equipamentos em 1951/52, que permitiu ampliar significativamente ® Vale acrescentar ainda os investimentos estatais na érea dos transportes rodovidrios desde meados dos anos 40, por intermédio do Programa Rodovidrio Nacional (1946), com financiamento vinculado ao recolhimento do Imposto Unico sobre Combustiveis ¢ Lubri- ficantes (UCL). Da mesma forma, merece registro a entrada do Estado na érea de produgdo de energia elétrica (1945). Embora isto houvesse ocorrido em uma regidio entéo periférica a0 proceso de industrializagio, criou o precedente para posterior ¢ répida expanséo da ago governamental direta neste campo. 10 © controle de cambio foi estabelecido em meados de 1947 ¢ estendeu-se até 0 inicio de 1953 em sua forma original. A taxa de cambio foi mantida fixa nese perfodo, enquanto o {ndice de precos se elevava em torno de dois tergos. As importagSes eram liberadas por intermédio de licengas. O congelamento do cimbio favoreceu aos interes- ses cafeeiros a curto prazo, pois impedia a queda dos precos do café (dada a posicio quase monopolista do Brasil na comercializagdo deste produto). Ademais, depois de 1949 houve uma considervel melhora desses pregos, a qual contribuiu para a viabilidade da politica adotada e garantiu uma razodvel disponibilidade de divisas. a a capacidade instalada (e/ou a modernizacao de alguns setores) para o cres- cimento subseqiiente.! Como resultado das condicdes anteriores ¢ como reflex dos efeitos multi- plicadores e aceleradores do aumento do emprego urbano, 0 mercado doméstico industrial continuou expandindo-se rapidamente — mais de 2,2 vezes entre 1947-1956 — ao mesmo tempo em que prosseguiam os estimulos da substi- tuigo de importagdes ao processo de industrializagao. Entre fins dos anos 40 meados dos anos 50 declinou consideravelmente 0 coeficiente importado da oferta total de bens de consumo durdveis, bens de capital ¢ bens intermediarios. Finalmente, na primeira metade dos anos 50 foram tomadas quatro outras iniciativas governamentais que viriam a ser decisivas para o salto industrial posterior. Primeiro, a Instrugéo 70 (1953) da SUMOC, que disciplinava alo- cagdo de importagées de forma mais racional e definida em fungdo dos inte- resses industriais; além disso, mediante 0 leildo de divisas, passou a repre- sentar uma fonte fundamental de recursos para o Estado.!? Segundo, a criacio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econémico, com a fungdo primordial de apoiar a ampliagio da infra-estrutura de transportes e energia. Terceiro, a criagio da PETROBRAS (1953), monopélio estatal do petréleo, que desen- volveu rapidamente as atividades de prospecciio, produgdo e refino desse pro- duto. Quarto, a Instrugio 113 (1955) da SUMOC, que permitia as empresas estrangeiras sediadas no pais importarem méquinas ¢ equipamentos sem cober- tura cambial, sempre que as autoridades governamentais estimassem “conve- niente para o desenvolvimento do pais”."* Em termos de desenvolvimento industrial posterior, 0 significado da pri- meira metade dos anos 50 também inclui a maior legitimidade que assumiram 11 As importagées em 1951/52 cresceram mais de 60 por cento (em volume) com relagio a 1949/50. O nivel de importagdes desses anos somente veio a ser superado em 1968. Na verdade, a maior facilidade para importar em 1951/52 tinha por objetivo permitir a formagdo de estoques de matérias-primas e insumos intermedidrios, mas a répida escas- sez ¢ a especulagdo que ocorreram na comercializagdo internacional desses produtos aca- baram favorecendo principalmente as importagdes de m4quinas e equipamentos 32 As importagdes foram divididas em cinco categorias, segundo a sua essencialidade. Para cada uma delas havia o leiléo correspondente. Criou-se, além disso, uma categoria “especial”, sujeita & taxa de cAmbio oficial, e que incluia maquinas e equipamentos. 18 Os investidores estrangeiros podiam importar bens de capital sob a condigao de con- cordarem em ser reembolsados mediante a participagéo no capital da empresa a que se destinavam esses bens. Muitas vezes as empresas transnacionais aproveitaram, além disso, para importar méquinas e equipamentos obsoletos em seus paises de origem e a precos inflacionados. A Instrugéo 113 foi promulgada durante 0 governo de Café Filho, entre o suicidio de Vargas (agosto de 1954) e 0 mandato presidencial de Kubitschek. O ministro da Fazenda de Café Filho era Eugenio Gudim. 22 os esforgos de industrializagdo, reflexo, em grande parte, dos ja ponderdveis interesses situados no setor.’* O “Boom” do Plano de Metas Foi a partir de meados dos anos 50 até o inicio dos anos 60 que a indus- trializag&o brasileira sofreu transformages estruturais decisivas. Esse avango foi realizado sob impulso do Plano de Metas do governo Kubitschek (1956- 1960) e caracterizou-se por uma intensa diferenciacao industrial num espaco de tempo relativamente curto, articulada diretamente pelo Estado. Nesse periodo instalaram-se no pais as industrias automobilistica, de construcdo naval, mate- rial elétrico pesado e outras de maquinas ¢ equipamentos, permitindo uma signi- ficativa ampliagio do setor de bens de capital. Ao mesmo tempo expandiram-se consideravelmente indijstrias bdsicas como a siderargica, a de metais nao fer~ rosos, quimica pesada, petrdleo, papel e celulose. Para os avangos mencionados, afora os investimentos estatais em infra-es- trutura e na produgdo direta de insumos, foram decisivos, como instrumentos de politica econdmica: i) a Instrugéo 70 e o aumento da carga tributdria e do déficit fiscal, como fontes de financiamento; ii) A Instrucéo 113, como expediente para trair a curto prazo os in- Yestimentos estrangeiros diretos; iii) © crédito oficial subsidiado para estimular a acumulagéo do setor privado nos setores considerados prioritrios; iv) a ctiagdo de grupos executivos com representantes da SUMOC, CA- CEX, BNDE e dos empresérios, para organizar, incentivar (por exemplo, me- diante concessdes de terrenos industriais, isengdes de importagio e linhas espe- ciais de crédito) e acompanhar a implementacdo das diferentes metas setori Dentro da divisao de tarefas, articulada pelo Estado, entre o capital estran- geiro, as empresas piiblicas e 0 capital privado nacional, coube uma protegéo especial a este tiltimo, que representava a parte mais fragil do tripé. Tal prote- fo consistiu em abundantes incentivos para sua expansio na inddstria de bens de capital e nos setores fornecedores das empresas transnacionais — como foi © caso tipico da indtstria automobilistica. Merece ainda destaque o seu dominio quase exclusivo nos setores nao manufatureiros, como o da construgdo pesada. Ademais, 0 capital privado nacional beneficiou-se amplamente da expansdo da demanda derivada por bens de consumo nao durdveis, subsetor que tinha 14 Cabe recordar que o candidato vitorioso nas eleigdes de 1950 (Getéilio Vargas) apre- sentou uma plataforma eleitoral que criticava 0 governo precedente por atitudes e com- promissos que seriam contrérios 20 progresso industrial do pais. 23 maior peso relativo na indéstria e cuja producdo entre 1949 e 1962 elevou-se em aproximadamente 2,2 vezes. No que se refere a participagdo direta do Estado, merece atengao espe: cial a ampliagdo da Companhia Sidertrgica Nacional, bem como a criagio de mais trés companhias produtoras de ago. Expandiu-se também significativamen- te a PETROBRAS € 0 setor estatal de producdo de energia elétrica, organizan- do-se, no inicio dos anos 60, a ELETROBRAS, holding do setor hidrelétrico. Entre 1949 ¢ 1959, a formacao bruta de capital fixo das empresas com participa- 40 do governo federal quadruplicou como propor¢ao do PIB, passando por outro lado de 3,1 para 8,2 por cento do total da Formagao Bruta de Capital Fixo, Por sua vez, o investimento governamental total (governo central e suas autarquias, estados, municipios, exclusive as empresas ptiblicas manufatureiras, extrativas financeiras) aumenttou entre 1956 e 1962 a uma taxa aproximada de 15 por cento ao ano em termos reais; os gastos governamentais como proporgdo do PIB elevaram-se de 15,3 para 17,8 por cento entre 1955 e 1960/61. Com relagio a0 capital estrangeiro, o amplo recurso 3 Instrugéo 113 nao se deveu exclusivamente ao desejo de atrair investimentos estrangeitos em setores de tecnologia mais complexa, mas também a crise do balango de pagamentos que acompanhou a deterioragio das relagdes de troca posterior a 1953, simulta- neamente A acumulagdo dos servigos de divida contraida em func’o do boom importador do biénio 1951/52. Do ponto de vista da politica econémica interna, a Instrugdo 113 parecia permitir contomnar os problemas de balango de paga- mentos para a importagdo de méquinas e equipamentos. Para as firmas estran- geiras garantia a exploragdo de um mercado de razodveis dimensées, porém telativamente fechado as importagdes de seus produtos devido a escassez de divisas. Principais Caracteristicas do Ciclo Expansiva Em termos resumidos assinalariamos as seguintes: 1. A lideranga do crescimento coube as atividades produtoras de bens de capital e de bens de consumo durdveis, cujas taxas de crescimento entre 1955 e 1962 (média anual) foram de 26,4 e 23,9 por cento, respectivamente. B verdade que em fins dos anos 50 a participagdo relativa de ambos os setores na produgdo industrial era ainda relativamente pequena. O mesmo, porém, no ocorria com relagdo & sua participagao nos iavestimentos industriais: entre 1955 e 1959, enquanto o investimento na industria de transformacio se elevava a 22 por cento ao ano, os investimentos nos subsetores de material elétrico, mecanico e de transporte (representativos das atividades produtoras de bens finais dusdveis) cresceram, respectivamente, a 38, 43 e 80 por cento 24 ao ano, mais do que triplicando a sua participagdo conjunta no investimento total da indistria (12 para 38 por, cento). 2. A avaliagdo da performance dos bens de capital e dos bens de consumo durdveis torna-se ainda mais significativa quando levamos em conta 0 de- sempenho dos bens intermedidrios, que em grande parte reflete 0 maior ou menor dinamismo dos bens durdveis finais. Neste caso é importante consi- derar ndo apenas o ritmo de crescimento da produgao de intermediérios, que foi de 12,1 por cento ao ano (entre 1955-1962), mas também o peso desse subsetor na formacio de capital, elevado e crescente, dada a maior relacéo capital-produto e 0 maior tamanho minimo de suas plantas de produgdo. Assim, pode-se estimar que, enquanto o estoque de capital no conjunto da inddstria de transformagao quase dobrou entre 1955 e 1962, 0 estoque cor- tespondente aos bens intermedidrios passou dos 26,3 por cento para 31,3 por cento do total da industria no mesmo periodo. (Ver Bauman Neves, 1979.) 3. E fundamental ter presente que a producao de bens de capital cresceu signi- ficativa e principalmente nos ramos de maquinas-ferramenta e de equipa- mentos sob encomenda. Por outro lado, nao obstante o avanco obtido, nao se chegou a “completar” a internalizagao de um Departamento I na eco- nomia.*® 4. Ainda com relagio aos bens intermediérios, cabe assinalar que, ao final do ciclo, havia importantes insuficiéncias de oferta. Como diz um autorizado estudo sobre o periodo: “O fato de que a expansio do setor industrial tinha sido desordenada provocou ao longo do processo uma série de assincronias (...) H4 uma insuficiente capacidade instalada nas indtistrias de bens de produgao inter- medidrias: metalurgia e quimica basica, borracha, papel, etc.” (Tavares, 1972, p. 165). 18 De acordo com um estudo sobre 0 desenvolvimento da producio de bens de capital no periodo, “Nao obstante a crescente diversificagdo da oferta, a inddstria local de bens de capital esté longe de produzir 0 espectro completo dos bens demandados. Ainda que © desenvolvimento econdmico e a ampliagio do tamanho do mercado tenham dado lugar & fabricagio doméstica de varios produtos novos, a demanda cresceu para outros pro- dutos cuja disponibilidade provém das importagdes". “As importagdes continuaram, por exemplo, no item de produtos altamente especis- lizados para os quais 0 mercado doméstico € demasiado pequeno para atrair produtores ocais. Além disso, devido as suas vantagens comparativas, as indéstrias preferem con- centrarse em produtos mais leves, deixando os mais pesados e/ou mais especializados por conta das importacdes. Por exemplo, uma investigaco sobre as empresas de méquinas- ferramenta, em 1961, mostrou que 0 peso das méquinas produzidas era menor do que 1 tonelada, comparado com as 2,5 toncladas para méquinasferramenta importadas. Em- presas que fabricam outros produtos também tendem a especializarse em bens de capital mais leves’ (LEFF, 1968, p. 147). 25 5. A agricultura manteve um crescimento proximo a sua taxa histérica do apés- guerra (aproximadamente 4,5 por cento ao ano em média) e sem qualquer modificacéo no padrdo tradicional de exploragdo da terra. Na verdade, este setor permaneceu relativamente marginalizado do Plano de Metas, dada a énfase fundamental no desenvolvimento industrial."* Seu desempenho no pe- riodo foi considerado altamente insatisfatério por amplos setores técnicos ¢ politicos, reforcando, no inicio dos anos 60, as pressdes em favor de uma reforma agréria. 6. No que se refere ao balango de pagamentos, fortes desequilibrios passaram a afeté-lo desde fins dos anos 50, como reflexo de: (a) 0 novo ciclo de deterioragdo das relagGes de troca iniciado em 1958, fator determinante da acumulagio de saldos comerciais negativos a partir dessa época; (b) 0 cres- cimento dos “servicos” do capital estrangeiro a partir de 1957, como conse- qiiéncia dos investimentos e empréstimos externos acumulados desde 0 inicio da década;'* (c) o curto perfodo de maturacao dos empréstimos, contrapar- tida das condigdes entdo prevalecentes no mercado internacional de capitais bem como da hostilidade das agéncias de crédito como o Fundo Monetario Internacional, o Banco Mundial e as instituigdes de financiamento oficiais € para-oficiais norte-americanas para com a politica de industrializagio tout court do periodo, com seus aspectos de protecionismo, controle seletivo de importagées e déficit fiscal."* 18 Deve-se considerar, no entanto, que no perfodo citado foi implementada 2 produgio doméstica de méquinas ¢ implementos agricolas, que viria a repercutir, posteriormente, na aceleracdo (restringida) do processo de modernizagao do setor. 37 Para 1962/65 = 100 0 indice de relagdes de troca em 1957/58 havia sido de 139.5. A principal causa foi o forte declinio dos pregos do café. Por outro lado, as amortizagses da diyida externa alcangaram 2.361 milhGes de délares entre 1957-1963, contra 868 milhées entre 1950-1956 18 Particularmente ilustrativa foi a ruptura de negociagdes entre o governo Kubitschek e 0 Fundo Monetétio Internacional em 1959, devido & nfo adogio de uma politica de estabilizagdo segundo os requisitos do Fundo. As dificuldades com o Fundo Monetério Internacional estenderam-se a outras instituigSes financeiras internacionais, dado o papel de avalista do Fundo em relagio a elas. Uma tentativa para adiar a crise de balanco de pagamentos consistiu no recurso a precdrias formas de financiamento externo a curto prazo, de custos mais elevados e que vieram a encurtar os prazos médios de maturagio da divida externa. Foi o caso dos “swaps”, que representavam a contratagio de emprés- timos de curto prazo em moeda com garantia de cobertura cambial. Da mesma forma recorreu-se mais intensamente aos supplier's credits. Em 1959/60 0 montante de “swaps” somado ao de supplier's credits chegou a financiar cerca de 54 por cento do déficit em conta corrente No governo de Jénio Quadros (janeiro-agosto de 1961) as negociag6es com o Fundo Monetério Internacional tiveram éxito, dada, inclusive, a reforma cambial “liberalizante” (Instrugéo 204) realizada logo em seu inicio ¢ acompanhada de uma forte desvalorizagéo do cruzeiro. Porém, a rentincia de Janio obrigou a recomegar as negociacdes, as quais, até 26 7. Na verdade, o salto industrial do perfodo realizou-se 4 margem de um sis- tema de intermediacao financeira e de financiamento governamental mais adequado. O gasto piblico crescente ioi financiado em grande medida na base de déficits também crescentes, mediante créditos do Banco do Brasil. © crescimento do crédito privado baseava-se fundamentalmente na expansao priméria dos meios de pagamento, por intermédio do referido déficit ¢ do aumento dos depésitos bancdrios a vista. 8. Talvez o aspecto que merega mais destaque na fase de crescimento associada & implementacao do Plano de Metas tenha sido o elevado grau de comple- mentaridade dos investimentos nos grandes projetos. Neste sentido, é impor- tante lembrar gue tanto os projetos de bens de capital como os de insumos basicos adiantaram-se 4 chamada demanda derivada, direta ou indireta, que poderia resultar da produgio de bens de consumo durdveis. Por seu turno, 0s projetos para producao destes bens, particularmente no que se refere 3 industria automobilistica, na dimensio em que foram implementados, tam- pouco obedeceram a critérios de satisfacio de uma demanda preexistente, mas adiantaram-se a ela. Nao deixou de existir, evidentemente, um esquema de realimentacio reciproca que induzisse a investimentos nao “planejados” previamente; do mesmo modo, a economia nao se manteve imune ao declinio ciclico, uma vez completado o “pacote” de grandes investimentos. De fato, foram estabelecidas as bases técnicas que aumentaram consideravelmente o grau de endogeneidade de sua expansio e de sua dinamica ciclica, pois: i) O significativo desenvolvimento do setor de bens de capital, embora “incompleto”, tendeu a internalizar os mecanismos de aceleragéo e desaceleragao associados aos movimentos ciclicos. ii) A instalagéo e/ou significativa expansio da capacidade produtiva nos subsetores de insumos basicos também contribufram para a instabilidade ciclica, na medida em que exigiram investimentos volumosos, de elevada relagao capital- produto, longa maturacdo e descontinuos no tempo. iii) O fato de o preco médio de alguns bens de consumo durdveis cuja produgdo se desenvolveu no perfodo, especialmente o automével, guardar (como ainda guarda) uma disténcia significativa com relagdo a renda média do pais, aumentou a instabilidade potencial da demanda e a sua dependéncia com relacéo A expansdo do crédito ao consumidor, sendo este fortemente afetado pelas poli- ticas de estabilizagao de precos. Por outro lado, a capacidade que tem a industria © final do governo de Joo Goulart (setembro de 1961/margo 1964) nunca chegaram a bom termo. Foi em parte devido as pressdes do Fundo Monetério Internacional e do go- verno norte-americano que o governo brasileiro chegou a adotar a politica de estabilizagéo ortodoxa do Plano Trienal (primeiro semestre de 1963), a qual, porém, nao perdurou, de forma que a hostilidade externa se renovou. Ver, a respeito, Wells 1977. 27 ica de ampliar suas instalacdes produtivas além da demanda, em razéo das caracteristicas de mercado e estratégia de concorréncia, também im- plica um Sbvio potencial de instabilidade. A Desaceleragito Foi transparente, a partir de 1962, 0 declinio do ritmo de crescimento da economia. Entre 1962 e 1967, a taxa média anual de expansdo do PIB caiu mais da metade; © crescimento do produto manufatureiro diminuiu aproximada- mente quatro vezes em relacdo ao do ciclo expansivo anterior ¢ © nivel de ativi- dade do setor de construgao civil diminuiu em termos absolutos, A desaceleragéo do crescimento decorreu em grande parte de fatores de natureza ciclica, relacionados com a conclusio do volumoso “pacote” de investi- mentos piiblicos ¢ privados iniciado em 1956/57. As politicas de estabilizacéo do inicio de 1963 e de 1965-1967 (primeiro trimestre) contribuiram para apro- fundar essa desaceleragdo, Sua adogdo foi motivada pelo recrudescimento da inflago que, por sua vez, resultou da mesma desaceleragio e de problemas derivados do setor externo. No mesmo sentido contribuiram fatores puramente circunstanciais, como foi 0 caso da seca de 1963. A seguir detalhamos esses argumentos. Depois da concluséo do mencionado pacote de investimentos, caberia espe- rar um declinio no ritmo de crescimento da formacao de capital na economia, com efeitos adversos sobre as indiistrias de bens de consumo e bens interme- didtios. Tais efeitos adversos, ademais, coincidiriam no tempo com um acentuado crescimento da capacidade instalada, devido aos investimentos dos anos ante- tiores. Outrossim, no caso da demanda de bens de consumo durdveis, seria pertinente considerar que sua expanso durante o ciclo j4 havia absorvido as margens de demanda reprimida ou “cativa”, caracteristicas da substituigdo de importagées. © raciocinio anterior tem como evidéncia o declinio da taxa de crescimento da formacao bruta de capital fixo da economia a partir de 1962; especialmente intensa foi a desaceleragdo observada no caso do investimento privado e, mais ainda, das empresas piblicas. De fato, em 1962, investimento governamental constituiu um fator de freio A queda do ritmo de formago de capital fixo para © conjunte de economia, do mesmo modo que em 1963 atuou em sentido con- trério, aprofundando a queda do investimento global. De todo modo, nao obstante o esforco de investimento governamental, segundo mostra a Tabela 8 0 declinio da taxa de expanséo do investimento global comegou, como dissemos, em 1962, antes da aplicacéo do programa de substituicéo de precos do Plano Trienal (primeiro semestre de 1963), de natu- Teza contracionista. Autores como John Wells (1977) contestam a validade 28 destes dados, sugerindo que a desacelerago do crescimento dos investimentos observou-se nao em 1962 mas em 1963. E atribuem tal desaceleracae aos efeitos da referida politica de estabilizacdo, negando a existéncia de fatores ciclicos-es- truturais que teriam deprimido o ritmo de investimentos. Entretanto, mesmo que as conjecturas do citado autor sobre a evolu¢gio quantitativa dos investimentos fossem corretas, sua conclusaio permaneceria equi- vocada, pois ele ignora a defasagem existente entre a decisiio de investir e o proceso de ampliagio da capacidade instalada.' 2” Nesse sentido, a contragio do investimento em 1963 responderia a decisdes tomadas em 1961/1962, antes da forte contengdo monetaria do Plano Trienal.?* Estima-se, por outro lado, que em principios dos anos 60 a capacidade ociosa da industria automobilistica elevava-se a 50 por cento. No que se refere aos insumos bisicos, é significative o exemplo do programa sidertirgico, cuja maturagdo deveria ocorrer em 1963-1965, depois dos volumosos inyestimentos piiblicos de 1957/59, e que, em 1962, ainda se mantinham em niveis elevados. Neste ano ja haviam sido concluidas importantes etapas do referido programa, bem como os planos de expansdo das refinarias de petréleo. Com relagdo ao setor de bens de capital é pertinente citar um estudo sobre a época: “Depois de 1960, demanda e producdo continuaram a crescer rapidamente, até que o crescimento agregado brasileiro se fez mais lento a partir de prin- cfpio de 1963, No entanto, a capacidade produtiva do setor cresceu ainda mais rapidamente (0 que provocou) um desenvolvimento em excesso da capacidade ociosa. O excesso de capacidade era também generalizado no conjunto do setor de bens de capital ao redor de 1960, em que pese 0 grande aumento da renda nacional nos anos precedentes”, (Leff, 1968, pg. 29) (0 grifo é nosso). 19 © que constitui um dos principais reparos & interpretago de Wells. 1977. 2 Depois de escrito este ensaio, li a excelente tese de doutorado de Sochaczewski (1980) que, no seu capitulo V, desenvolve critica semelhante ao argumento de John Wells. ' Outros autores, como Mério H. Simonsen (1969, capitulo III), procuram explicar a desuceleragio do investimento invocando a instabilidade politica do periodo posterior @ rendincia de Jénio Quadros em agosto de 1961. Pelo mesmo argumento da defasagem (se a Tabela (2 for correta), parece dificil que 0 crescimento dos investimentos tenha declinado em 1962 devido a crise institucional que comegou no wltimo quadrimestre do ano anterior. Afora, evidentemente, 0 exagero que parece envolver a avalingao sobre a gravidade da referida crise, E interessante notar, porém, que a resirigéo feita por Wells & hipétese de Simonsen baseia-se em argumento equivocado, ou seja, de que a instabilidade politica nao causou declinio do ritmo de expansio nos investimentos porque os dados de 1962 mostram gue esse ritmo continuou elevado. Novamente Wells esquece de considerar © papel do mecanismo de defasagem em relacio aos investimentos. Onde o fator politico interferiu talvez com mais peso foi na contenco dos investimentos externos diretos, dada a apro- vagio pelo Congresso de uma dura lei de controle da remessa de lucros jé em 1961, Mas mesmo nesse caso é preciso notar que a expanséo desses investimentos jé apresentaya uma tendéncia declinante desde fins dos anos cingiienta. 29 “Bld OP soieyep (2) “oxy jeudeo op einiq opdeuuoy ap oyoiidust s0yeWJap (1) onpjsei sod opejnojeo 10 ,opeaid 0108, 0 sesoidwig,) 696} “YOOWOM “(,OWNOACH, 2 ,,II01,) AD4 EP SleUoI9eN seIUCD :ojUOs “(,stesepeg ('v2) (e'6) Hoo vou BL sit (9'8) (92) s96t {9'e) ae (e102) (si) zs shh (s'e) 4 vo6h 9 vy (s's1) (ey) 2) 69 Go) (82) £961 ‘ot 9% 0% (2's) zu ge v6 Ve 2961 OW V9 oor Ov (9) iH) oz Vs 169 (e'8) (oy) ae ese 602 SZ v0 Vy 0961 99% ge sus sy (re) zer zoe 62h 6s6} get 69 69r gze e6z eub ee2 6s es6h an (s'e) vezt greet zs zo 98 vel 4861 62h For (u've) (se) (82) (z's) en eL ‘9s6t (eo) (9'8) (8) (oo) (wen (e's) ss6b (@) @) (2) a) (@) WM @ w opeayig 010g sieiape4 sesoidwg owsan0p TIL ON (%) owewoseig op seoy sexey OXld Twildvo aq Vines OYSVWHOS 8 yiaav. Além da perspectiva de continuidade de um elevado ritmo de expansio da demanda, outros fatores contribufram para que muitos projetos de bens de capital € bens de consumo durdveis fossem superdimensionados: i) 0s problemas de escala minima de produgo frente ao tamanho do mercado; ii) a concorréncia entre as empresas transnacionais (bens de capital e bens de consumo durdveis) tratando de garantir faixas futuras do mercado ¢ usufruin- do, a0 mesmo tempo, das abundantes facilidades ¢ incentivos de natureza tem- pordria oferecidos pelo governo; iii) mais especificamente com relagio aos bens de capital, a subestimagdo que as empresas transnacionais fizeram da capacidade competitiva de determi- nadas atividades j4 instaladas e a superestimagao da dimensdo do mercado de certos produtos, j4 que parte da demanda por maquinas e equipamentos impor- tados era efetiva unicamente devido as facilidades de financiamento externo. Para que o esquema anterior se refletisse em desaceleragdo do crescimento foi decisiva a circunstancia de que os investimentos que deram origem e acompa- nharam o boom expansivo foram muito concentrados no tempo, em certas ativi- dades e em projetos de grande magnitude relativa, facilitando assim a desconti- nuidade subseqiiente. Para que a inflexdo do crescimento nao ocorresse ou fosse suave, teria sido necessdrio que fossem preenchidas algumas condigées: i} que existissem amplas “oportunidades de investimento” capazes de abrir caminho a uma nova frente de expansio; ii) que essas oportunidades fossem exploradas antes de a economia sofrer uma desaceleragéo — algo como se, num ciclo schumpeteriano, um novo fluxo de inovagGes fosse introduzido antes da dindmica expansiva do anterior se esgotar; iii) e/ou que fosse encontrada uma forma de dinamizar, a curtissimo prazo, a demanda de bens de consumo duravei: Pode-se considerar, no entanto, que as duas Ultimas condigdes nao se apre- sentavam, E verdade que ainda no auge do ciclo havia frentes potenciais de expansdo importantes, tanto na drea de bens intermedidrios (incluindo a petro- quimica) como nos setores de infra-estrutura de transporte e energia. Seria pre- ciso observar, porém, que havia uma defasagem entre a existéncia e a percepcao de oportunidades de investimento © as condigdes para aproveita-las, associadas 4 elaboracdo de projetos, aos esquemas de financiamento ¢ a definigéo sobre a divisdo de tarefas entre capital estrangeiro, capital privado nacional ¢ o Estado.** Ver LEFF, 1968. 24 A industria petroquimica depois de 1964 da um exemplo magnifico deste fato, pois entre a decisio de implanté-la e 0 inicio efetivo da implementagdo transcorteram pelo menos dois anos. 31 Alguns aspectos dessa defasagem foram claramente sentidos pelos policy makers do regime militar j4 em 1964.24 No que se refere ao problema do financiamento, vale acentuar que, diante da aceleragio do galope inflacionério, os mecanismos vigentes foram perdendo a sua funcionalidade. Por exemplo, era cada vez mais dificil elevar ou mesmo manter os niveis reais de gastos piblicos sem uma reforma tributéria de peso. Esta, por sua vez, nao era vidvel no contexto politico que entéo prevalecia. Por outro lado, 0 desenvolvimento da industria de bens de capital e bens de con- sumo durdveis necessariamente impunha a criagéo de novos esquemas de criagdo de liquidez ¢ financiamento, 0 que também exigia reformas profundas no sistema financeiro da época. De qualquer modo, a profundidade da retracdo da atividade econémica em 1963 dificilmente poderia ser explicada somente pelas tendéncias estruturais a0 declinio ciclico. Para isso foram fundamentais também a politica de estabilizacao de pregos do inicio de 1963 (Plano Trienal) ¢ de 1965-1967, ambas de natureza contracionista, embora com diferencas importantes entre si. Essas politicas sobre- puseram-se as tendéncias citadas, precipitando e intensificando 0 declinio do crescimento pelo lado da demanda. Por sua vez, a aceleragéo da inflagdo foi em grande medida reflexo do agravamento dos problemas do setor externo a partir de fins dos anos 50. Tal agravamento motivou a adocdo de politicas “defensivas” que impulsionaram a inflagao ¢ foram, mesmo, um importante fator responsével pela orientaco con- tracionista do Plano Trienal, Além disso, a inflagao também foi estimulada pela desaceleracéo econdmica, ao menos no sentido de que, como demonstrou Morley (1971), menores taxas de crescimento do produto, no caso dos diferentes seto- res industriais, tendiam a correlacionar-se positivamente com maiores taxas de crescimento dos precos. Por diltimo, parece inquestiondvel que a maior resisténcia sindical a um rebaixamento dos salérios reais, bem como o encurtamento dos Prazos de reajustes do salério minimo no inicio dos anos sessenta, se ndo im- pulsionaram a inflacdo, pelo menos reduziram o raio de manobra da politica antiinflacionétia. Para a queda do crescimento e 0 recrudescimento da inflagdo também contribuiram perturbagées climdticas graves. Houve racionamento de energia elétrica no Centro-Sul do pais (1963) devido & seca, que, combinada com as geadas, provocou também uma redugdo no crescimento agricola. E importante assinalar, para concluir, que a crise foi atenuada por uma circunstancia jé mencionada: a internalizacdo apenas parcial da produgdo de bens de capital, que transferiu parte dos efeitos desaceleradores da contragdo no ritmo de investimentos para o exterior. 24 Ver Roberto Campos, 1965. 32 Il A SEMI-ESTAGNACAO E AS BASES DA RECUPERACAO Entre 1962 e 1967 a economia brasileira atravessou sua pior fase do apés- guerra no que se refere ao crescimento, enquanto se promoviam modificages profundas tanto no arcabougo da politica econémica (financiamento piblico, privado e externo, comércio exterior e capital estrangeiro), como nos padrées de distribuicgdo funcional e pessoal da renda. O lento crescimento nao foi uniforme ao longo destes anos observando-se momentos mais desfavordveis em meados de 1965 ¢ principios de 1967. Como jé mencionamos, para o conjunto do perfodo sobressai a notavel desaceleracio do ritmo de crescimento do produto manufatureiro. Tal desaceleragao foi acom- panhada por uma forte contragao do investimento manufatureiro cujo nivel, em 1967, era 11 por cento inferior ao de 1962; mais aguda ainda foi a contragdo da demanda para o setor de construgdo civil, cujo produto declinou em média 3 por cento ao ano entre 1962 e 1967, sobretudo como reflexo da drdstica queda observada em 1965. E interessante assinalar que o investimento piiblico (trés esferas do governo e autarquias federais) ndo apresentou uma queda signi- ficativa entre 1962 e 1966, funcionando, neste sentido, como um fator de sus- tentagéo do investimento global. Do ponto de vista das teorias de ciclo, foi tipico o fato de que o setor mais afetado dentro do setor manufatureiro tivesse sido o de bens de capital. Parece “anormal”, no entanto, que a taxa de crescimento da produgéo de bens de consumo nao durdveis tivesse se fixado bem abaixo da taxa correspondente aos bens de consumo durdveis, Essa circunstancia nao se explica somente pela redugdo no crescimento do emprego, mas também pela forte compressio dos salarios de base. O fato de que a producéo de nao duraveis nao haja declinado em termos absolutos parece ter-se devido exclusivamente ao rapido crescimento das exportagdes de produtos como os téxteis, roupas e sapatos. Por outro lado, © desempenho dos durdveis esteve vinculado, tanto a relativa concentragio da renda observada no periodo, quanto & expansio do crédito ao consumidor — isto sem mencionar a capacidade do setor para condicionar o comportamento da demanda, As mudancas no arcabougo da politica econémica e nos padrées distribu- tivos estiveram associadas a uma substancial elevagéo das receitas do setor pi- blico, ao rapido crescimento da divida piblica (destinada, em uma primeira fase, a financiar o déficit fiscal), 4 organizagéo de um subsistema especializado de crédito ao consumidor e de financiamento a construgéo habitacional. Tam- bém implicaram uma progressiva liberalizagao das importagées, um certo afrou- xamento da legislacéo sobre o capital estrangeiro e a inauguragao de um sistema de crescentes incentivos as exportacdes. Da mesma forma, provocaram uma vio- lenta compressdo dos salarios, sobretudo dos trabalhadores menos qualificados, 33 e de setores dos white-collars como os funciondtios piblicos ¢ os bancérios. Houve, ainda, a intengao de organizar um subsistema privado de financiamento ao investimento (nao residencial), mediante a criagdo de bancos de investimen- tos e do desenvolvimento do mercado de agées. Tais modificages ocorreram no contexto da politica de estabilizagio de ptecos do regime militar, Essa politica, de corte ortodoxo, orientou-se funda- mentalmente para a eliminagdo do déficit fiscal, 0 aperto de crédito e a com- pressdo salarial, tendo sido especialmente efetiva com relagéo ao primeiro e ao terceito aspectos. De fato, a inflagio declinou de 90,0 por cento em 1964 para 39,5 por cento em 1966, embora as metas do programa de estabilizagao tivessem sido mais ambiciosas, prevendo um aumento de precos de apenas 10 por cento no iltimo ano citado. Um confronto entre a chamada politica de “normalizagéo” no Brasil e aquela aplicada no Chile depois de 1973, ou na Argentina a partir de 1976, mostra diferengas muito relevantes que apontam para a natureza menos orto- doxa da experiéncia brasileira e permitem ilustrar algumas de suas particula- tidades: i) Tanto a liberalizagdo das importagées como a liberacio dos precos fo- ram aplicadas de modo mais suave no Brasil. ii) Para eliminar o déficit fiscal, recorreu-se menos ao corte nos gastos piblicos (ao contrario do que ocorreu no Chile) ¢ mais a elevacio das receitas governamentais, Da mesma forma, praticamente nao ocorreu uma “desestati- zacao” da economia no sentido da privatizagao das empresas piblicas, Ao con- trario, a melhora das condigées de financiamento destas empresas, por meio de uma politica de precos mais “realista” e de um acesso mais facil ao crédito externo, veio a reforcar suas possibilidades de expansdo futura. iii) O aperto do crédito para o setor privado foi consideravelmente mais moderado no caso brasileiro. Ademais, 0 over-shooting monetarista brasileiro foi consideravelmente menor do que no Chile ou na Argentina, embora em 1966, apesar da ociosidade existente na capacidade instalada da economia e do acimulo de divisas, tenham sido mantidas a compressao salarial e as fortes restrigdes fiscais e crediticias.2* Porém, as conseqiiéncias econémicas e sociais adversas nao chegaram a equiparar-se as que ocorreram nos dois outros paises. Nem se tentou na prdtica (nao obstante certas manifestagdes de desejo) nenhuma poli- tica do tipo “darwinista” com relagdo as empresas nacionais, ao contrario do que sucedeu nos paises do “Sul do Cone”, iv) Da mesma forma que no Chile e na Argentina, a abertura para os investimentos estrangeiros foi significativa no caso brasileiro. Porém, do mesmo 25 Ver FISHLOW, 1973 34 modo que nas duas outras experiéncias, a entrada de capitais de risco durante a fase de estabilizagéo toi muito menor do que o esperado. Somente em 1969, j4 em pleno ciclo expansivo, o montante das inversdes diretas estrangeiras veio @ ultrapassar o valor real de 1959. v) Talvez o aspecto mais compartilhado pelas trés experiéncias tenha sido a compresio salarial. Neste sentido, houve um claro over-shooting no caso brasileiro se levarmos em conta que na época do golpe, em abril de 1964, eram menores tanto a intensidade da inflagdo quanto a “ameaca” politica reptesen- tada pelos movimentos populares. Il O “MILAGRE” ECONOMICO (1967-1973) A recuperacio que correspondeu a primeira fase do vigoroso ciclo expan- sivo terminado em 1973 comecou em meados de 1967, sob a influéncia da poli- tica fiscal e monetéria mais folgada do segundo governo militar, instaurado em abril desse ano Em confronto com o ciclo expansivo anterior, de 1956-1961 (que chama- Temos de ciclo 1), as principais caracteristicas do crescimento no periodo 1967-1973 (ciclo II) foram as seguintes: 1. Do mesmo modo que no cicio I, a lideranga da expansdo no ciclo II coube 4 inddstria manufatureira, cujo produto anual cresceu a uma taxa ainda mais elevada (12.7 por cento ao ano). Igualmente, os setores mais dinamicos da industria foram o de bens de consumo duraveis e o de bens de capital. No entanto, as modificagdes estruturais da economia foram muito menos acen- tuadas no ciclo II. Considerando 0 conjunto deste ciclo, cabe levar em conta que o crescimento da produgdo de bens durdveis de consumo esteve muito 4 frente do correspondente aos bens de capital (23,6 contra 18,1 por cento ao ano). A produgao de bens de capital se acelerou intensamente apenas depois de 1970. 2. Em contraste com 0 observado no ciclo 1, 0 rapido crescimento da economia esteve associado a uma acentuada abertura estrutural para o exterior. O coeficiente de importages com relagio ao PIB aumentou de 5,4 para 8,6 Por cento (valores constantes de 1970). Com relagdo a disponibilidade in- terna de produtos industriais, 0 referido coeficiente aumentou de 9,2 para 14,2 por cento. De um ponto de vista formal, a “contribuigdo” da substitui- Gao de importagdes para o crescimento do setor manufatureiro foi negativa entre 1968 ¢ 1974, da ordem de menos 5,4 por cento, enquanto que entre 1957 e 1961 tinha sido positiva, da ordem de 7,5 por cento.2¢ 28 Ver LOCATELLI, 1981 3 3. Essa abertura externa somente foi vidvel devido a um rapido crescimento das exportagdes, cujo volume mais que dobrou, e ao abundante fluxo de financiamento externo. Ambas as circunstancias também contrastam forte- mente com as observadas no ciclo I. Cabe assinalar que, em valor, 0 aumento das exportagées foi ainda mais acentuado (2,8 vezes), devido A melhora das telacdes de troca. Por outro lado, essa ampliacio das exportagées foi simul- tanea a sua notavel diversificagdo, como jé assinalamos anteriormente. 4. Cumpre assinalar ainda que o crescimento da producdo agricola em ambos os ciclos expansivos manteve-se a um nivel modesto, apenas superior a0 observado no conjunto do periodo de apés-guerra. EB fundamental levar em conta, por outro lado, que no ciclo Tl a parcela da produgdo correspondente 4s exportacdes agricolas aumentou consideravelmente, em prejuizo dos ali- mentos para consumo interno (ver Tabela 9). 5. Finalmente, ao contrério do que ocorreu no ciclo 1, a taxa de inflag&o no ciclo II apresentou uma varianga consideravelmente menor e uma tendéncia declinante, com excecio do tltimo biénio, quando apresentou uma inflexdo ascendente. Um dos principais fatores de deflagracio da fase de recuperacio, foi o dinamismo da demanda de bens de consumo durdveis, ao contrario do que se poderia predizer mediante uma teoria de ciclos baseada no comportamento do investimento. O crescimento da demanda de duraveis j4 em 1966-1967 foi de 13,4 por cerito em média, refletindo: (i) a maior concentragao pessoal de renda, que, no contexto da fase de semi-estagnagao da economia, permitiu preservar o aumento do poder de compra dos grupos médios-altos; (ii) a elevagao das margens de endividamento das familias, facilitada pelo desenvolvimento da in- termediacéo financeira na compra de bens de consumo. Caberia mencionar, ainda, uma certa retomada do investimento governa- mental (1967) e da construcao civil residencial (1968), possibilitada, respectiva- mente, pela melhora das condigées de financiamento publico e pelo fortaleci- mento do Banco Nacional da Habitacdo, Da mesma forma, teve relevancia a retomada dos investimentos das empresas piblicas, sobretudo na drea de hidre- létricas, gracas, em parte, a politica de pregos do setor ¢ ao melhor acesso a0 financiamento externo.?* O impulso & recuperag&o estimulou tanta o setor de bens de consumo nao durdveis, via aumento do emprego urbano (4,1 por cento anual entre 1968 € 1973), como a demanda de bens de producio e, mediante o efeito-renda, as 27 Como jé mencionamos, tanto os investimentos no conjunto da Indisttia de Transformagio come os inyestimentos estrangeiros (incluindo reinvestimentos) reagiram de forma defasad: comegando a crescer de forma continua somente depois que a recuperagdo estava em marcha, ou seja, em 1968 e 1969. respectivamente. 36 5 “9161 948 (y) BuINjoo esed 'g26) ‘UBYeID @ Solueg Op eduOPUEW © 1g6L So1JeG ap edUOpUEW :9]U04 o eget su oo'ezs zoz'0 0864 Beet ga os'ais 990 66+ seer eat is'61s e6t'0 8164 wer ze vo'sos eiz'0 1164 evar eer ve'egs sez'o 916 bar zer os'szs goz'o suet vier sa is'zis sov'o LG oct ue suis 981'0 e161 seh 89 ea'z6s asv'0 z6t leet 9 ev'el9 4st'0 List eat v9 su'gz9 eev'o oust over ir) ¥e°209 2zv0 6961 eet 09 so'si9 120 8961 zezt so 6e'919 hiro 2961 ith 89 wL'6ss ero 9961 66zt es 11'089 toro s96t ze'or e'9 zz'809 260'0 964 vy 08 -Wb9s sero £964 wiht oo suees 40v0 z96t (y) @) (2961 $19) ©) (oue/uigey ‘queue (o0r'1e9/2961_ $10) 4od “129 0001) onv op endeg 104 seuojes 140189 9 enb ej001 spepiiqiuodsia 9p 050d ep ogdnpoig ayes ep ogdiodoig SVIOOJHDV SOLNGOHd 3G JavaMigINOdSIG 3 OYSv1HOdXa ‘OySNGOud ‘9 WIEEVL 6 viaev. mesmas atividades.que estiveram na sua origem. O setor de bens de consumo durdveis beneficiou-se também de uma substancial redugio de seus precos rela- tivos, efeitos e causa de seu notdvel crescimento. Na verdade, seja devido ao aumento na escala de producio, seja gracas & redug&o dos precos relativos das méaquinas e equipamentos, a relagdo capital-produto deste setor declinou em mais de 50 por cento entre 1966 e 1973. O rapido e continuo crescimento do investimento exerceu efeitos acelerado- res vigorosos sobre a demanda de bens de capital, e, conjuntamente com a ex- pansao dos bens de consumo duraveis, sobre a demanda de bens intermedidrios, No que se refere aos bens de capital, a parte principal dos efeitos acelerado- Tes, até 1969, canalizou-se para o exterior. A partir de 1970, no entanto, a pro- dugao nacional cresceu a taxas tao elevadas quanto as importagdes correspon- dentes. Entre as principais condiges permissivas que estiveram por tris do de- sempenho da economia em 1967-1973, mencionariamos as seguintes: 1. A capacidade ociosa herdada do ciclo I e dos anos de semi-estagnagiio, que exerceu um papel relevante na primeira fase da expansdo (recuperacéo). Um indicador sugestivo e sintético a esse respeito refere-se ao setor manufatu- reiro, onde o estoque de capital aumentou 46 por cento (entre 1961 e 1966) enquanto o produto correspondente cresceu somente 14 por cento (entre 1962 e 1967). Tal evolucdo evidencia uma altissima relagdo agregada in- vestimento-produto, tipica de situagdes em que se subutiliza a capacidade ins- talada e se desaproveitam economias externas ¢ internas. Nao foi por menos que no qiiingiiénio seguinte (1967-1972) o produto industrial aumentou em mais de trés quartas partes, enquanto o estoque de capital cresceu apenas 45 por cento (1966-1971). A disponibilidade abundante de divisas, proporcionada, como j4 menciona- mos, pelo crescimento das exportagdes e as facilidades do endividamento externo, A vigorosa expansdo das importagdes deveu-se ao dinamismo da demanda mundial, relativa diversificagdo do parque industrial bem como & oferta diversificada de produtos primérios exportaveis. Neste mesmo sen- tido contribuiram de forma importante a politica de minidesvalorizagées cambiais (iniciada em agosto de 1968) e os abundantes incentivos e subsi- dios de natureza fiscal e crediticia, O intenso financiamento externo foi possibilitado pelo extraordindrio crescimento das disponibilidades de reser- vas internacionais, tendo sido viabilizado pela legislagdo interna destinada a facilitar © endividamento externo em moeda das empresas. A expansio também abundante da liquidez real na economia, baseada na expansio do crédito bancério ao setor privado, na contrapartida em cruzei- ros do financiamento externo em moeda, bem como no forte crescimento e multiplicagéo dos ativos financeiros nao monetarios (ver Tabelas 10 e 11). TABELA 10 VARIAGAO DO INDICE DE LIQUIDEZ REAL(*) (Percentagens) ‘ANO TRIMESTRES T mW m | WV 1960 8 " 6 5 1961 12 4 3 1 1962 -6 0 3 12 1963 - 6 -9 = 12 -9 1964 -6 2 0 -7 1965 9 7 30 a2 1966 24 1 - 12 -17 1967 -5 10 18 20 1968 24 1 10 10 1969 15 12 9 9 1970 7 8 9 8 1974 7 3 9 12 1972 1 12 12 12 1973 14 18 24 23 1974 22 8 1 -4 1975 -6 4 8 8 1976 2 3 -4 -5 1977 -7 -5 1 2 1978 4 2 0 -2 1979 1 0 - 6 -5 1980 =10 13 - 18 22, 1981 -27 =3t = 4 -14"* Fonte: Dados basicos do Banco Central e de Conjuntura Econémica. (*) Taxa de crescimento dos meios de pagamento para os nada pelo indice de precos por atacado (disponibilidade interna). (**) estimativa preliminar. Uitimos 12 meses, deflacio- TABELA 11 EMPRESTIMOS DO SETOR PRIVADO E PIB Cr$ milhde: EMPRESTIMOS AO SETOR PRIVADO (saldos dez) mina Insts. insts. ANO Oficiais Privadas Total PIB 1/3 3/4 1 2 3 4 5 6 1964 2.305 1.825 4.130 23.055 55.8 17.9 1965 3.632 3.602 7.234 44.073 50.2 16.4 1966 5.394 4.444 9.838 63.746 54.8 15.4 1967 8.392 8.025 16.417 86.171 51.4 19.1 1968 14,608 15.240 29.846 122.431 48.9 24.4 1969 22.973 21.782 44,755 161.900 51.3 27.6 1970 34.774 32.061 66.835 208.301 52.0 32.4 1971 50.431 50.239 100.570 276.808 50.1 36.6 4972 69.222 84.153 153.375 363.167 45.1 42.2 1973 106.901 131.561 238.462 498.304 44.8 ATO 1974 189.888 180.921 370.809 719.514 51.2 51.5 1975 318.359 261.221 579.580 1.009.380 54.9 57.4 1976 529.661 385.638 915.299 1.560.271 57.9 58.7 1977 803.741 578.894 1.382.635 2.352.776 58.1 58.8 1978 1.170.074 895.881 2.065.955 3.489.445 56.6 59.9 1979 1.929.491 1.521.960 3.451.451 5.782.110 55.9 59.6 1980 3.375.750 2.587.007 5.962.757 (1) 12.502.024 56.6 ALT 1981 (2) 4.584.841 | 3.496.644 | 8.081.485 (1) — | 36.7 = Fontes: Dados basicos do Banco Central e de Conjuntura Econémica. (1) previsio. () até junho. 39 £ importante notar que os empréstimos ao Tesouro desapareceram como fator de expansio dos meios de pagamento, pois o déficit fiscal foi consideravel- mente reduzido a partir de 1965 (desapareceu em 1973) e sobrefinanciado pelo endividamento junto ao ptblico a partir de 1969. Desde logo, foi a estabilizagdo ¢ ainda o gradual declinio da taxa da inflagio até 1972 que contribuiu de forma decisiva para evitar descontinuidades sérias nessa po- Iitica monetéria expansiva, Os Desequilibrios do Ciclo Expansivo Uma das caracteristicas mais marcantes do ciclo expansivo de 1967-1973 consistiu, sem duvida, nas desproporgées inter e intra-setoriais do crescimento, particularmente na fase de auge do ciclo. No que se refere a indiistria, tais desproporgdes caracterizaram-se pelo con sideravel atraso do crescimento da producio de bens de produgéo (maquinas, equipamentos bens intermedidrios) com relagdo ao setor de bens de consumo durdveis, nao durdveis e da construgao civil. Essa desproporgao foi viabilizada pelo acelerado crescimento das importa- ges de bens intermediérios ¢ de capital em propor¢ao muito superior a produ- so civil. Tal estratégia exigia, evidentemente, que o ajuste dependesse expo- sd0 das importagdes de produtos jé fabricados no pais ou pelo menos passiveis de “facil” substituigéo. Assim, durante 0 auge do ciclo (1970-1973), enquanto a produgao de bens de consumo durdveis praticamente dobrou (97 por cento), a produgao de bens intermedidrios aumentou em menos da metade (45 por cento). E verdade que em fins de 1970 as autoridades econémicas governamentais se deram conta do desequilfbrio potencial existente e procuraram eliminé-lo, mediante incentivos aos investimentos privados e realizacdo de investimentos pi- blicos diretos na industria de bens de capital e de insumos basicos. Porém, isto foi feito a partir de um esquema que supunha implicitamente a continuidade do crescimento acelerado do setor de bens de consumo durdveis e da constru- sao civil. Tal estratégia, exigia, evidentemente, que o ajuste dependesse expo- nencialmente das importagdes, o que seria viabilizado tanto pelo crescimento das exportagdes como pelo abundante financiamento externo. Duas projegées mais imediatas da referida desproporgdo no crescimento in- dustrial foram o surgimento de focos de tensao inflaciondria (em 1973) ea tendéncia a fortes déficits na conta comercial do balanco de pagamentos a partir de 1971-1972. Outra desproporgio ocorreu em razdo do considerdvel atraso da producéo agricola para o mercado interno vis-a-vis 0 crescimento da industria e da massa de saldrios. Esse atraso nado se deveu a um declinio da expansao do conjunto 40 do setor (em confronto com a sua tendéncia histérica), mas sim ao j4 mencio- nado crescimento mais que proporcional das exportagoes, cujo peso na produ- gio agricola total passou de 12,0 para 18,6 por cento entre 1966/67 e 1973. Ou seja, na pratica, ndo obstante a decantada oferta “‘infinitamenie eléstica” de terras ¢ mio-de-obra, a produgéo de “exportaveis” sudstituiu produgdo de alimentos para 0 consumo doméstico. Afora as condigGes relativamente favordveis da demanda externa e a poli- tica de minidesvalorizagées (que incentivou as exportacdes agricolas), outros fatores de peso contribuiram para explicar a evolugio indicada, comecando pelas caracteristicas do processo de relativa “modernizagao” que envolveu a agricultura brasileira desde os anos 50. Essa modernizacao, a nivel tecnolégico, beneficiou fundamentalmente as culturas do café, algodio, cana-de-agicar, soja, laranja, batata e trigo, os cinco primeiros produtos de exportacdo. E foram estas culturas que puderam entdo desfrutar dos subsidios concedidos aos insumos quimicos ¢ que sofreram um processo de mecanizagéo mais acentuado. Con- tribuiu no mesmo sentido a concentracéo do crédito rural especialmente em torno dos produtos citados e para os grandes proprietdrios, em funcdo das maio~ Tes garantias que podem oferecer. A conseqiiéncia do problema apontado sobre a evolugao da disponibilidade de alimentos por habitante foi dramatica: entre 1966/67 e 1972/73 tal dispo- nibilidade caiu em 3,0 por cento, enquanto a renda por habitante crescia em 55,7 por cento. Essa circunstincia gerou evidentemente, pressdo inflaciondria (ver grafico 1) reforgada pelo aumento do custo relativo da produgdo de alimentos para © mercado interno, devido ao medfocre desempenho da produtividade e & menor margem de subsidios recebidos por este setor vis-d-vis os exportaveis, Neste mesmo sentido contribuiram também a violenta elevacio do prego real da terra e o maior distanciamento das culturas de mercado interno dos grandes centros urbanos. O Recrudescimento da Inflagéo Além das desproporgées jé citadas, um outro fator foi decisive para a in- flexio da curva inflacionéria a partir de 1973, antes da crise do petréleo: a inflacfo mundial, que exerceu uma dupla pressio sobre os precos domésticos, via importagdes e exportagées de matérias-primas e alimentos (ver Tabelas 12 e 13). Cabe observar que os efeitos das desproporgdes foram particularmente in- tensos em 1973, pois, neste ano de auge do ciclo, as pressdes de demanda foram excepcionalmente fortes. E o simulténeo “super-aquecimento” do comércio mun- dial (aumento de precos, especulagio e escassez de produtos bésicos) impediu 41 TABELA 12 INDICE DE PREGOS DO COMERCIO EXTERIOR BRASILEIRO — EXPORTAGOES (US$ CORRENTES) Bens Bens Geral | de Con-| de Con- | Bens Farelo Ano | Geral | Café | (exclu | sumo | sumo | de Ca-| Soja | Farelo. sive | Nao | Inter | pital | em | $1302 café) | Duré- | med. grdo vel 1963 100 100 100 100 100 100 100 n.d. 1964 120 133 105 152, 117 85 nd. | nd. 1965 124 136 102 195 qt 83 105 n.d. 1966 116 118 108 205 113 97 116 nd. 1967 116 110 116 221 108 95 104 nd. 1968 14 109 112 238 114 94 103 nd. 1969 417 113 115 244 114 88 102 nd. 1970 133 153 118 265 130 of 101 n.d. 1971 128 417 127 341 110 90 123 nd. 1972 145 148 138 333 129 92 133 nd. 1973 199 182 194 452 182 102 298 nd 1974 251 197 250 558 233 120 241 n.d. 1975 251 171 254 525 231 134 221 n.d. 1976 290 424 254 ‘541 277 144 232 n.d. 1977 354 705 289 684 343 147 295 100 1978 326 492 283 691 300 154 nd. 90 1979 358 528 312 759 332 166 n.d. 102 1980 379 496 338 821 353 4174 n.d. 102 1981 361 302 336 817 322 181 n.d. 114 (Gjan-out.) Fonte: Conjuntura Econémica. em muitos casos que os diferentes pontos de estrangulamento interno fossem sendo evitados ou entdo significativamente atenuados mediante importacdes. Assim, 6 importante sublinhar que o chamado choque externo provocado pelo petrdleo em fins de 1973 incidiu sobre uma situacdio de pregos ¢ de balanco de pagamentos tendencialmente vulnerdvel. No que se refere mais especificamen- te ao balanco de pagamentos, a despropor¢do embutida na estrutura econémica nao poderia ser corrigida a curto prazo, de modo que a prolongagio do ciclo expansivo 1967-1973 exerceria inevitavelmente fortes efeitos aceleradores sobre a demanda de importacées. 42 TABELA 13 INDICE DE PREGOS DO COMERCIO EXTERIOR BRASILEIRO — iMPORTAGOES (US$ Correntes) Produ- Bens Petré- | Trigo | tos nao Bens | de Con- | Bens de Ano Geral | leo em | em | Indus- | de Ca |) sumo | Consu- Bruto | Grdos | trializa- pital | Inter- mo dos med. | Final 1963 100 100 100 100 100 100 100 1964 97 93 105 tot 88 102 94 1965 98 90 96 ot 113, 98 95 1966 100 85 93 94 93 98 104 1967 102 95 97 100 82 105 115 1968 105 94 91 97 4 99 17 1969 103 88 ot 94 18 96 115, 1970 105 90 85 93 13 98 126 1971 110 114 96 103 19 102 140 1972 17 124 103 1909 85 106 149 1973 147 156 168 179 94 134 197 1974 226 519 287 227 102 245 189 1975 232 528 222 206 105 251 200 1976 238 538 208 197 127 244 198 1977 248 560 145, 167 144 247 216 1978 265 566 181 194 168 254 229 1979 317 736 225 231 17 319 283 1980 407 (| 1.266 289 279 184 435 300 1981 45g «| 1.512 290 286 209 489 339 (jan.out.) I Fonte: Conjuntura Econémica. Fonte: Mendonca de Barros, 1981. O Problema dos Bens de Capital © aumento do coeficiente de importagdes de bens de capital (19 para 25,5 por cento ao longo do ciclo expansivo), que em Ultima anilise refletiu uma transferéncia parcial do efeito acelerador do crescimento da renda para 0 ex- terior, reforca a circunstancia j4 mencionada sobre os limites da endogeniza- ¢&o0 do movimento de acumulagao do capitalismo brasileiro. Em termos mais especificos, a principal explicagéo do referido aumento tem a ver com a ele- vada complementaridade entre a prodiigéo doméstica e as importagGes de bens de capital, decorrente, por sua vez, da estreiteza do parque produtor jé insta- lado bem como das dificuldades de natureza tecnolégica para substituir muitas das importagGes.*® Neste mesmo sentido contribuiria a fragmentacio da pauta 28 Um indicador do gap tecnol6gico existente mostra que em 1969 a relagio entre os coeficientes prego (peso) de bens de capital produzidos no Pafs era: 4,0 para méquinas meciinicas, 3,7 para méquinas elétricas, 1,2 para construgéo naval, 1,1 para méquinas de terraplanagem, 7,8 para equipamentos industriais ¢ 5,5 para equipamentos ferroviérios (Dados de Biato € outros, 1971). 43 de importagdes de bens de capital, ao limitar a possibilidade de substitu(-las in- ternamente devido a problemas de escala minima de produgao. Contudo, além dos problemas de natureza tecnoldgica e de estreiteza do mercado, hé outras dificuldades, mais relacionadas com varidveis “de compor- tamento”, que contribuiram para forcar 0 crescimento das importagées de bens de capital em detrimento da produgdo doméstica. E 0 caso das maiores facili- dades de financiamento (externo) para os bens de capital importados, a maior Propenso das empresas transnacionais para importar as m4quinas e equipamen- tos de que necessitam, bem como os incentivos governamentais & compra de bens de capital importados, que somente foram estendidos & produgiio doméstica a partir de fins de 1970.* BIBLIOGRAFSA BACHA, E., 1976: Os Mitos de uma Década, Paz e Terra. BAUMAN Neves, R, 1978: “A Utilizagéio da Capacidade Produtiva na Indiistria Brasileira — 1955/75", Pesquisa e Planejamento Econémico, v. 8, n. 2. BONELLI, R. ¢ L.O. Faganha, 1977: “The Capital Goods Sector in Brazil: Development, Problems and Perspectives”. FINEP-IPEA, mimeo. BONNELLI, R. ¢ D. 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